sábado, 26 de novembro de 2011

Uma nação de Caco Antibes | Carta Capital

Uma nação de Caco Antibes | Carta Capital

Matheus Pichonelli

Crônica

07.11.2011 15:02

Uma nação de Caco Antibes

A vida em rede é viciante. Nela, você consegue ter por perto boa parte dos amigos e até da família com uma simples rolagem na barra de contatos. As manifestações de apreço têm temperaturas adequadas para cada situação, diferentemente de sorrisos indecisos dos que sabem misturar, na vida real, afetos com dissimulação. Na internet, o compartilhamento de uma dica, um link, uma foto, um pensamento sobre a vida é, de longe, o maior sinal de prestígio dos tempos atuais – se não for pra tanto, basta apertar o botão de “curtir”, espécie de manifestação britânica de apreço ou camaradagem.

Seria muito bom poder denunciar conteúdo, bloquear, trollar ou simplesmente eliminar da vida real os lastros de nazismo da vida real. Ilustração: Nina Moraes

Uma frustração da vida moderna, porém, é não poder transferir os hábitos em rede para a vida concreta, que nem sempre cabe numa caixa de 140 caracteres. Porque seria bom, muito bom, poder denunciar conteúdo, bloquear, ignorar, trollar ou simplesmente eliminar da vida real os lastros de nazismo revigorado que povoam, sempre povoaram, e sempre povoarão as ruas, mesas de bares, jantares para convidados, happy hours, sermões e tudo o mais que, em nome da estupidez, reunir dois ou mais idiotas numa mesma conversa.

Faz pouco mais de uma semana que o Brasil soube que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está doente, submetido a um tratamento contra um câncer na laringe. Foi tempo suficiente para me levar a criar uma espécie de barreira sanitária nas minhas relações virtuais: por recomendação de uma amiga, limei da minha lista todos os amigos (sim, alguns eram chamados de “amigos” antes mesmo de Mark Elliot Zuckerberg ganhar seu primeiro “Pense Bem”) que usaram a rede para fazer chacota em cima da doença do ex-presidente.

Vendo os assuntos mais comentados nas mídias eletrônicas, e também nas bancas de jornais, posso supor que não fui o único a desconfiar (e a me livrar) dos colegas ativistas que sugeriam a Lula que se tratasse pelo SUS.

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Em meio à enxurrada de análises que pipocaram na última semana, alguém chegou a sugerir: não dá para ignorar o que quer e o que pensa uma parcela significativa da sociedade que usa as redes sociais para se manifestar. Ou seja: as pessoas têm direito de pedir ou sugerir o que quiserem, inclusive que políticos se beneficiem das estruturas públicas que eles mesmo administram. O que não se pode, segundo o raciocínio, é desperdiçar a chance de se identificar tendências em razão de uma “barreira de indignação”.

Faz sentido. Quem acompanha as nuances da internet já se deparou, em algum momento, com uma espécie de ativismo justiceiro, de quem aparentemente não distingue alhos de bugalhos, limpa a consciência com frases-feitas de indignação (como comparar salário de deputado com o de qualquer profissional) e faz, em nome da revolução, nada mais do que arremessar aviões de papel em direção a prédios de concreto.

O Facebook, o Orkut e o Twitter mostraram que estamos no meio de uma multidão, uma nação de Caco Antibes. Foto:Istockphoto

Nos países árabes, o ativismo provocou estragos, dirão alguns. Mas no Brasil a mobilização mais emblemática, até o momento, aconteceu em Natal, onde protestos na rede transbordaram para o concreto das ruas e geraram uma grande manifestação popular contra a prefeita Micarla de Souza (PV). Fora isso, o que se viu, na maioria das vezes, foram boas intenções misturadas com um lacerdismo revisitado, como os indignados que saíram às ruas em São Paulo supostametre contra a corrupção (LEIA AQUI). Uma espécie de indignação que só é acionada quando a suspeita recai sobre o partido a ser combatido. E que leva as centenas de pessoas, entre as milhares que confirmam virtualmente a presença em atos reais, a manifestarem um número imenso de impropérios contra o governo federal e o Congresso, mas nenhuma linha sobre CPIs engavetadas e problemas urbanos bem embaixo do nariz nas grandes cidades.

Foi essa mesma indignação seletiva que fez com que, de repente, pessoas que jamais se preocuparam com política ou com o sistema público de saúde manifestassem, por meio de correntes virtuais, uma repentina revolta com o estado das coisas. A fórmula reúne a mais baixa das escalas de desonestidade intelectual: parte de dois pressupostos verdadeiros (o sistema de saúde é problemático + a elite não se trata em hospitais públicos) para se chegar a uma conclusão falsa (“Lula, oportunista, não prova do próprio veneno”), gerando uma sensação de descalabro.

O sofisma sobre o SUS me levou à eliminação da primeira dezena de amigos numa rede social, com viés de alta. Vou viver melhor sem eles, ao menos no mundo virtual. Mas não é a primeira nem será a última manifestação de nazismo 2.0 que teremos o desprazer de testemunhar. Por falta de referências, intelectuais ou mesmo de experiência de vida, a direita raivosa (assumida ou não assumida) acabou identificando nas páginas eletrônicas um terreno fértil para o seu obscurantismo, sua ignorância e o seu preconceito. E, diferentemente do que se crê, ela não está protegida pelo anonimato; as manifestações surgem com nome, identidade e endereço (eletrônico). Basta clicar no botão “compartilhar” ou “retweet” e passar para frente toda e qualquer forma de campanha cívica em nome da moral e dos bons costumes.

A indignação seletiva que fez com que, de repente, pessoas que jamais se preocuparam com política ou com o sistema público de saúde manifestassem, por meio de correntes virtuais, uma repentina revolta com o estado das coisas. Foto: Yuri Cortez/AFP

A bola da vez é o “Quero ver o Lula no SUS”, mas pouco antes correntes tão ou mais ofensivas à inteligência humana já haviam temperado o clima. Uma delas: “Por que cuido de animais com tanta gente passando fome?”. Tratava-se de um banner, compartilhado por milhares de pessoas, em que algum pensador contemporâneo expunha uma tese segundo a qual os animais, diferentemente dos pobres humanos, não contavam com SUS, Bolsa Família, leis de proteção social, etc. Na mesma semana, fotos de suspeitos mortos numa ação policial começaram a pipocar nas minhas páginas de atualizações, sempre com o lema: “bem feito”. Uma outra ainda incitava, em meio a uma campanha de prevenção do câncer do mama, as amiguinhas a tirarem fotos mostrando os peitos. A ideia virou corrente. Pouco antes pipocavam campanhas contra a “roubalheira” (cujo símbolo era uma mão aberta com quatro dedos); fotos de chacota sobre uma mulher que seria o “cruzamento” entre Mussum e Zacarias (negra, portanto); campanhas contra nordestinos em plena campanha eleitoral, etc. Racismo, bairrismo e medievalismo nunca estiveram tão à vontade numa rede mundial.

Pode ser só bobagem, brincadeira, rebeldia sem causa, sintoma de esvaziamento político da discussão – que, por ser vazio, tem como maior risco chegar a lugar nenhum. Mas na campanha de 2010 foi justamente esse o caminho encontrado por marqueteiros para espalhar, de modo rápido e barato, boatos sobre abortos e privatizações no rastilho da internet. Os presidenciáveis passaram mais tempo rebatendo absurdos do que discutindo propostas.

Antes das redes sociais, a sensação que havia era que a sala de jantar em família era o único palanque para aquele primo metido a besta que gostava de posar de Caco Antibes, o personagem de Miguel Falabella que cuspia impropérios públicos em ambiente privado no dominical “Sai de Baixo”. Agora o Facebook, o Orkut e o Twitter mostraram que estamos no meio de uma multidão, uma nação de Caco Antibes sem papas na língua. Devido à ausência de princípios, ainda que presas fáceis para líderes que já entenderam a nova linguagem da internet, as manifestações podem até ser infrutíferas – vide o revide imediato em defesa da dignidade de um tratamento de doença, que ao fim venceu a queda de braço. Mas o termômetro está aí, indicando a cada dia que os idiotas são, de fato, a grande maioria dos que não calam. E de uma nação de idiotas não há o que se esperar, a não ser o pior.

O denuncismo hipócrita | Carta Capital

O denuncismo hipócrita | Carta Capital

O ministro Lupi segura ainda, com fervor, a sua pasta, para a contrariedade de quem já o queria fora do governo, obediente às denúncias da mídia nativa. Ocorre que a presidenta não se mostrou obediente na mesma medida, a bem da sua autoridade e do seu governo, e dos cidadãos em geral.

CartaCapital não acredita que o ministro Lupi mereça especiais resguardos, tampouco o jornalismo pátrio especial respeito. Antes de ser refém do denuncismo, Dilma Rousseff mostra saber o que lhe convém, e que é ela quem manda. Os objetivos midiáticos, se de um lado parecem evidentes, de outro causam efeitos aparentemente opostos aos desejados.

José Eduardo Cardozo. E que faz ele aqui?. Foto: Antonio Cruz/ABR

Caso a intenção tenha sido realmente criar problemas para a eleita contra a vontade da mídia, verifica-se que a culatra é obrigada a um novo, constante desgaste. A cada lance da faxina, a popularidade da presidenta cresce. Pretende-se que embatume? Pois fermenta. Dilma, de resto, prepara uma reforma ministerial para o começo do ano próximo e com toda probabilidade o atual ministro do Trabalho figurará entre os substituídos.

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Nebulosa é a forma pela qual se constituiu o ministério no período intermediário entre a eleição e a posse. Falou-se de interferências de Lula na escolha de vários titulares, bem como da designação de outros ao sabor de pressões partidárias de sorte a garantir a chamada governabilidade. Que las hay, las hay, é tradição da nossa política, ditada por injunções inescapáveis.

Há nomes que, CartaCapital arrisca-se a crer, não se discutem. Uns já exibiram larga competência na gestão Lula, como, por exemplo, Celso Amorim e Guido Mantega. Outros, firmaram-se sob o comando de Dilma, Mercadante, Tombini, Helena Chagas, exemplos também. Há ainda ministros que não passam de figurantes obscuros, embora lotados em pastas exponenciais. Digamos, o Ministério da Justiça.

Em mais de um episódio, o comportamento de José Eduardo Cardozo me causou perplexidade, ou mesmo sentimentos mais incômodos. Cito um episódio apenas. Foi ele quando deputado federal quem, em companhia do colega Sigmaringa Seixas, comboiou o então ministro Márcio Thomaz Bastos para um jantar com o banqueiro Daniel Dantas na residência brasiliense do então senador Heráclito Fortes. Chamo a atenção dos leitores para o fato de que à época, primeiro mandato de Lula, a mídia denuncista deixou passar o evento em branca nuvem. Ergueu-se somente a voz de CartaCapital.

Basta, para mim, ouvir o nome do orelhudo para padecer de súbitos arrepios. É do conhecimento até do mundo mineral que, condenado em diversas instâncias por tribunais internacionais, Dantas goza de regalias no Brasil. Mesuras. Proteção. Esteve atrás das grandes mazelas, das privatizações de FHC aos ditos “mensalões”. Versátil, financiou tucanos e petistas. Incólume, grampeou meio mundo. Satisfeito agora, em plenitude abrangente, imagino, com o enterro da Satiagraha.

O destino dos ministros de Dilma Rousseff preocupa sobremaneira a mídia nativa, nem um pouco a incomodam os feitos de DD. Como dizem os nossos perdigueiros da informação, Dantas é “todo-poderoso”, destes que moram em “mansões”, talvez no gênero o número 1, porque, “afinal”, é “o dono do pedaço”. E daí? Ele tem recursos e esperteza para comprar a todos, em quaisquer áreas.

Nunca esquecerei que o escritório de advocacia de Márcio Thomaz Bastos, quando ele era ministro, me processou em ação penal movida por Dantas, a -acusar o acima assinado por ter registrado apenas umas tantas verdades factuais. Nunca esquecerei o jantar na casa de Heráclito, e, anos depois, o encontro no Planalto entre Lula e Tarso Genro de um lado, doutro Nelson Jobim e Gilmar Mendes, que prometera chamar às falas o próprio presidente da República. Selaram em santa paz o desterro do honrado Paulo Lacerda, réu por ter oferecido efetivo da Abin às operações da Satiagraha.

Por mais falho que tenha sido o trabalho do delegado Protógenes, as ações criminosas do orelhudo continuam à vista. E como esquecer o que Paulo Lacerda contou a mim diante de testemunhas a respeito de pressões exercidas a favor de Dantas por deputados e senadores e até por um ministro? Os herdeiros da casa-grande unem-se na hora do risco, um cuida dos interesses do outro, nunca daqueles do País. A societas sceleris, hipócrita e feroz, sempre se repete e se renova.

Este gênero de permissividade, de leniência, de envolvimento, se quiserem de hipocrisia ecumênica machuca em mim o jornalista, o indivíduo, o cidadão. •

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Epidemia mortal e invisível acelera no Brasil profundo - José Roberto de Toledo - Estadao.com.br

Epidemia mortal e invisível acelera no Brasil profundo - José Roberto de Toledo - Estadao.com.br

Epidemia mortal e invisível acelera no Brasil profundo

As motos já matam mais do que os carros, no Brasil. A virada aconteceu em 2007, e desde então a diferença só vem aumentando. Em 2009, as mortes de motociclistas ultrapassaram as de pedestres e alcançaram o topo do ranking de mortes por acidentes -qualquer tipo de acidente, não só de trânsito. Em 2010, foram 10.134 mortes de motoqueiros, contra 9.078 de pedestres e 8.659 de ocupantes de automóveis, segundo estatísticas do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), tabuladas pelo Estado a partir do site do Datasus.

O mais assustador é que enquanto as mortes por atropelamento caíram 30% quando comparadas às de 1996, as de motociclistas cresceram 1.298% no mesmo período. Nos últimos dez anos, 65.671 motociclistas morreram em acidentes pelo País. É uma quantidade de vidas perdidas equivalente aos soldados norte-americanos mortos durante toda a Guerra do Vietnã.

As mortes de motociclistas são uma epidemia, uma das piores que o Brasil já enfrentou. Mas é uma epidemia silenciosa, pouco divulgada. Mesmo quando o Ministério da Saúde chamou a atenção para o crescimento das mortes no trânsito, de modo geral, há poucos dias, preferiu enfatizar os efeitos nocivos do álcool e sua relação com os acidentes de transporte.

Quando se misturam as mortes de motociclistas às de ocupantes de automóveis e pedestres, na categoria genérica “acidentes de trânsito”, perde-se o foco do problema principal. Nos últimos 15 anos, o aumento das mortes de condutores de motocicletas e motonetas foi 10 vezes maior do que o crescimento do número de vítimas de ocupantes de automóveis. Só armas de fogo provocam mais mortes violentas do que as motos, no País.

Uma das razões de essa epidemia sobre duas rodas não ser percebida é que ela ocorre, principalmente, no interior do Brasil. As maiores taxas de mortes de motociclistas não estão nas grandes cidades. Na verdade, São Paulo está em apenas 13º lugar no ranking das capitais em mortalidade de motociclistas. O Rio de Janeiro, em 15º. A campeã, com uma taxa três vezes maior, é Boa Vista (RR), seguida de perto por Palmas (TO).

Quando se dividem as mortes pela população ou pela quantidade de motos e motonetas que há em cada cidade brasileira, destacam-se municípios do interior do Piauí, áreas rurais do Centro-Oeste e capitais do Norte. São municípios como São Gonçalo do Piauí, Ribeirãozinho (MT) e Aurora do Tocantins.

Em número absolutos, as mortes em cada uma dessas cidades podem não impressionar. São duas, três, dez por ano. Por isso não provocam tanto barulho. Mas, quando somadas, configuram uma epidemia só comparável à provocada pelos assassinatos. As vítimas têm o mesmo perfil: são jovens de 20 a 29 anos, do sexo masculino e baixa renda. Nessa faixa etária, nem câncer, nem infarto nem nenhuma outra doença mata mais do que as motos. Só as armas de fogo.

A principal causa dessa explosão do número de mortes de motociclistas é fácil de identificar: o aumento explosivo do número de motos em circulação. De 2000 a 2010, a frota de duas rodas aumentou 4 vezes de tamanho no Brasil. No mesmo período, as mortes de motociclistas aumentaram exatamente na mesma proporção. Se não bastasse, há uma fortíssima correlação estatística entre a quantidade de motos em circulação em uma cidade e o número de motociclistas mortos, um coeficiente de 0,9 -num máximo de 1.

O que aconteceu é que o aumento da renda no interior do País associado às facilidades de crédito produziram um “boom” de motos e motonetas. Elas passaram a ser o principal meio de transporte individual do Brasil profundo, aposentando cavalos, jegues e bicicletas. Nessas cidades pequenas do interior, praticamente ninguém morria por acidente de moto antes da segunda metade da década passada -simplesmente porque não havia motos, e onde havia, eram peças raras.

A expansão explosiva da frota de duas rodas associada à imperícia (no caso do interior) e à imprudência (nas metrópoles) é a principal causa da epidemia de mortes de motociclistas. As mortes aumentam a cada ano, junto com o tamanho da frota.

A taxa de mortalidade pela frota dobrou de cerca de 4 por 10 mil motos em 1998 para pouco menos de 8/10 mil motos em 2006. Desde então ela vem caindo, até chegar a 6,2/10 mil motos no ano passado. É uma taxa bem maior do que a de mortes de ocupantes de automóveis, que tem se mantido estável em pouco mais de 2/10 mil automóveis. Ou seja: é três vezes mais provável um motociclista morrer num acidente do que o ocupante de um carro.

Isso mostra que se não houver políticas públicas para enfrentar o problema, cada vez mais jovens morrerão no interior do Brasil, assim como nas metrópoles, à medida que a frota de duas rodas continuar acelerando. Já são 28 por dia.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Para Entender a Marcha contra a Corrupção « Curso Básico de Jornalismo Manipulativo

Para Entender a Marcha contra a Corrupção « Curso Básico de Jornalismo Manipulativo

Para Entender a Marcha contra a Corrupção

Alguns de nossos alunos ficaram confusos sobre qual posição adotar a respeito da chamada “Marcha Contra a Corrupção”, patrocinada e incentivada por nossos aliados, e realizada no dia 7 de setembro.

* * * * *

O blogueiro da “Veja”, Reinaldo Azevedo, comemorando a adesão ao seu lema pelos participantes da marcha:

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A confusão procede: uma ação mais incisiva contra a corrupção poderia chegar a setores nada recomendáveis. Mesmo a aparentemente inócua (para o “nosso lado”) CPI da Corrupção, apoiada por eminentes oposicionistas, …

… poderia ser desvirtuada pela convocação de notórios corruptores, colocando em risco alguns dos principais financiadores do “nosso lado”.

Vamos, então, aos esclarecimentos necessários.

Primeiro, consideramos infeliz a escolha do nome “Marcha”. Civil não faz marcha: faz passeata. A palavra “marcha” lembra um tempo que a maioria da população preferiria esquecer, embora muitos dos nossos colegas sonhem com a volta dos valores e das práticas daquela época sombria.

Segundo, precisamos explicar por que uma marcha contra a corrupção feita em São Paulo não trouxe nenhuma lembrança dos mais notórios casos de corrupção verificados naquela cidade e naquele Estado – a saber, nenhuma faixa sobre:

. O escândalo internacional da Alstom.
. O caso do Rouboanel (denominação criada pelos próprios paulistanos).
. Os postos de arrecadação política dos pedágios.
. As fraudes comprovadas na construção das linhas do metrô.
. A famosa Cratera do Metrô.
. O Caso Paulo Preto.
. Os casos dos parentes do governador Alckmin.
. O aparelhamento de órgãos estatais com políticos do PSDB e do DEM derrotados em outros Estados.

E muitos outros mais.

A explicação é simples. Para todo o Brasil, São Paulo é o símbolo nacional da impunidade, na luta contra a corrupção. Tanto a Câmara Municipal quanto a Assembleia Estadual barram, por ordem do Executivo, qualquer tentativa de apuração de irregularidades e de desvio de verbas.

No Estado, governado pelo PSDB desde 1995, nenhuma CPI investigativa foi instaurada pelos legisladores. Mais de 70 pedidos de investigação repousam nas lixeiras da Casa.

Em nossas marchas, você jamais verá um cartaz desses tendo São Paulo como alvo.

(E se você estranhou a presença de faixas contra o prefeito Gilberto Kassab na Marcha, e também a denúncia do “Estado de S. Paulo” sobre uma concorrência fraudada, feita no dia seguinte, saiba que o prefeito se tornou um inimigo político de José Serra. A crítica, antes proibida, agora está liberada.)

Em São Paulo nada se investiga, nada se pune. Não faria sentido o “nosso lado” apoiar uma marcha que fizesse denúncias contra nossos mais ilustres políticos. Nesse Estado e em todo o País, o foco deve ser o mesmo de sempre: o Governo Federal e os políticos do grupo que substituiu nosso grupo de aliados em Brasília.

Terceiro, façamos uma breve e didática análise do processo da corrupção para que você entenda o sentido desse movimento em nossa luta pelo poder.

O processo da corrupção

A corrupção é um processo, e como todo processo ela se desenvolve por fases. Didaticamente, a prática desse processo desenvolve-se deste modo.

1. A intenção de corromper.
Alguém tem a ideia de lucrar, de maneira ilícita, com uma oportunidade: um amigo bem colocado na estrutura do poder, uma concorrência pública, uma verba recém-aprovada. No processo, esta é a fase “Luzinha acesa sobre a cabeça”.

2. A iniciativa de corromper.
Essa pessoa (ou esse grupo empresarial, como uma empreiteira, um banco, uma holding) toma a iniciativa de buscar ativamente esse benefício. A corrupção deixa de ser subjetiva e passa ao plano objetivo, da realidade, do comportamento. No processo, esta é a fase “Tô chegando”.

3. A proposta de corrupção.
O agente da corrupção faz a proposta à pessoa certa, diretamente ou, na maoria dos casos, por meio de um representante. Essa é a função clássica dos lobistas, profissionais especializados em cor… convencer uma outra pessoa sobre as vantagens mútuas de um negócio ilícito. No processo, esta é a fase “Vamos lucrar?”.

Você já pensou por que quase não se encontram reportagens sobre lobistas na imprensa, essa categoria de profissionais sombrios que infesta as casas legislativas e que promove animadas festas noturnas nas quais…? Bem, você sabe.

4. A aceitação da proposta.
O alvo do corruptor aceita a proposta. No processo, esta é a fase “Oba!”.

5. O fechamento do trato.
As duas partes chegam a um acordo, mutuamente benéfico. No processo, esta é a fase “Unidos venceremos”.

6. O primeiro pagamento.
Em certos casos, um primeiro pagamento consolida o acordo e garante ao corrupto um ganho concreto, mesmo que o resultado futuro não seja o pretendido por ambas as partes. No processo, esta é a fase “Te paguei em confiança. Olha lá, heim?”.

7. O cumprimento do acordo.
O corrupto cumpre o acordo: o negócio ilícito é afinal realizado. Um benefício é concedido a uma pessoa ou empresa, uma concorrência é fraudada, uma verba é destinada a quem não a merece. No processo, esta é a fase “Gostou do resultado?”.

8. O pagamento final.
O corruptor, que tinha iniciado o processo, põe um termo a ele ao fazer o pagamento do serviço prestado. No processo, esta é a fase “Unidos, vencemos”.

Repare como esse processo serve para mapear até mesmo uma corrupção em escala menor, como o suborno de um guarda: pego numa blitz, o motorista tem ideia de sair-se da enrascada sem pagar a vultosa multa (1), engata uma conversa inicialmente cautelosa (2) e, percebendo a receptividade do guarda, faz a proposta (3): uma cerveja caprichada, e estamos conversados. O policial aceita a proposta (4), os dois combinam como o pagamento será feito (5), este é realizado (6-8), e o policial cumpre o acordo de não multar o infrator, em troca de um benefício ilegal (7).

Qualquer análise racional descobrirá o óbvio: o corruptor está no início, no meio e no fim do processo. Sem ele, não existiria corrupção. É ele quem toma a iniciativa de corromper, e é ele quem tem o recurso mais valioso na negociação (o dinheiro), quem estabelece as bases da proposta e quem faz o pagamento que concretiza a corrupção.

A lei reconhece essa verdade simples ao denominar os crimes como corrupção ativa (o crime do agente, do corruptor) e corrupção passiva (o crime do corrompido, daquele que aceita participar do esquema ilícito).

Reza o ditado: “Corruptos são ervilhas; corruptores são pérolas”. De um lado, uma multidão disponível e barata; do outro, poucos endinheirados. Corruptos são substituíveis: se determinado alvo faz jogo duro, cisma de ser honesto, recusa-se a aceitar propostas mutuamente vantajosas, basta uma campanha pela imprensa, um lobby num Ministério, ou mesmo uma ação mais radical, como o assassinato, e está resolvido o problema eventual. Uma autoridade mais compreensiva assume a função, e segue o jogo.

Um exemplo: há poucos anos, no Rio de Janeiro, vários responsáveis pela compra de medicamentos para os hospitais públicos foram alvos de atentado por se recusarem a fazer o jogo das empresas.

Já os corruptores são poucos e poderosos.

Portanto, um movimento inteligente de combate à corrupção focaria em três medidas básicas:

1. Ataque à causa do problema, ou seja, à fonte da corrupção: o corruptor.

2. Redação de leis inteligentes e ágeis, em que as penas fossem proporcionais à responsabilidade: no caso, uma pena bem maior para o corruptor.

3. Punições adicionais que atingissem o “bolso” do corruptor.
Por exemplo, após a condenação, a proibição de realizar, durante 10 anos, outro negócio com o Estado.

No âmbito psicossocial, esse movimento lutaria por uma cena de impacto: a foto da prisão de um corruptor. Uma situação capaz de assustar toda a cadeia (opa!) da corrupção.

Tenho certeza de que você se lembrará de uma foto semelhante, que marcou uma operação da Polícia Federal, há alguns anos (e ele foi algemado, ainda por cima…), como também se lembrará da reação imediata e surpreendente das “altas esferas” que tornou impossível repetir esse procedimento humilhante contra notórios corruptores.

Você já deve ter reparado que os interessados na continuidade do processo da corrupção e na continuidade dos benefícios financeiros, políticos e sociais advindos desse processo intuem a importância primordial de proteger, a qualquer custo, o agente da corrupção: ele é a galinha dos ovos de ouro (e dos relógios, canetas e barras de ouro, das notas verdinhas etc.).

Que fiquem em paz os maiores financiadores da mídia, da política e da advocacia.

Essa atividade de proteção, quando assumida por quem fiscaliza as ações dos homens públicos (os legisladores e a mídia), gera a situação de impunidade. Ou seja, paradoxalmente, a atividade de proteção se manifesta pela inatividade ante a ação criminosa. Basta isso.

Nossa posição quanto ao movimento

Agora você entende por que a nossa Equipe jamais apoirá uma passeata que tenha como alvo a causa da corrupção. Porque, se ela for bem-sucedida em seus desdobramentos, esse sucesso representará um ataque a alguns dos principais anunciantes da mídia, além de colocá-la na constrangedora obrigação de fazer matérias policiais contra eles, e de impor um silêncio suspeito ou uma defesa insustentável dos corruptores aos nossos colunistas.

Essa situação significará também o fim da irrigação dos bolsos dos nossos aliados políticos.

Apoiamos, assim como os principais órgãos da mídia nacional, marchas, passeatas e campanhas que associem a corrupção ao “outro lado”, visando desgastar os atuais ocupantes do Governo Federal. E só.

Apoiamos também a posição de nossos aliados do PSDB em São Paulo: “CPI contra a corrupção em nosso quintal, jamais!” Um partido que dá 16 anos de garantia de impunidade a seus financiadores cria um ambiente ideal para o fluxo de recursos, das mãos de quem os tem para as de quem precisa tê-los.

Outro ponto importante: este movimento possui duas vias, uma negativa e outra positiva. Na via negativa, a do “combate” à corrupção, procuramos desgastar nossos inimigos políticos: é a via ladeira abaixo. Na via positiva, a do voto distrital, procuramos criar um caminho para a volta dos nossos aliados ao poder: é a via ladeira acima.

Você já deve ter reparado na identidade entre os atores políticos: aqueles que estão à frente do “combate” à corrupção são os mesmos que defendem o voto distrital.

* * * * *

Acima, imagem do blogue de Reinaldo Azevedo. Abaixo, imagem do site oficial da campanha (Eu Voto Distrital, antes pertencente à Associação Comercial de São Paulo, e, depois de denúncia de desocupados na Web, transferido para Luiz Felipe Charles d’Ávila):

Todos do “nosso lado”.

Abram alas para nosso principal think-tank (e chega daquela gracinha: “mais tank do que think”…).

Nome onipresente no Colóquio: o dono do site “Eu Voto Distrital”.

http://www.imil.org.br/divulgacao/sp-7-coloquio-instituto-millenium-voto-distrital-ou-voto-proporcional/

https://registro.br/cgi-bin/whois/?qr=009.512.143/0001-57&#lresp

* * * * *

“Corrupção” e “voto distrital” são as novas palavras de ordem, a serem usadas liberalmente em colunas, artigos, manchetes. O tema corrupção irá desgastando o “outro lado”, enquanto o tema voto distrital irá promovendo o “nosso lado”. Eles descendo, nós subindo.

Apoie o voto distrital, mesmo sem saber como funcionaria essa novidade. Venda-o como vendemos ao povo o Plano Collor, o programa de privatizações, o presidente Fernando Henrique Cardoso e a necessidade de sua reeleição: como a única salvação para o País.

E lembre-se: a manipulação dos movimentos cívicos “espontâneos” (isto é, incentivados, quando não criados, pela mídia) sempre foi uma das formas inteligentes de luta pelo poder: sob a fachada de um valor edificante, as velhas e sórdidas manobras políticas. A juventude ingênua e bem-intencionada ainda não aprendeu essa verdade – melhor para nós, porque assim podemos comandá-la com a ajuda de seus ídolos.

* * * * *

Agora, de posse dessas informações esclarecedoras, você tem todos os elementos necessários para praticar com eficiência o bom e velho jogo da manipulação jornalística, trazendo mais apoiadores para o “nosso lado”.

Às ruas, portanto, porque 2012 já está chegando, e 2014 (nosso foco mais importante) poderá nos reservar boas surpresas, depois de 12 anos sem elas.

Uma chocante lição da História, em três tempos « Curso Básico de Jornalismo Manipulativo

Uma chocante lição da História, em três tempos « Curso Básico de Jornalismo Manipulativo
Lamentamos informar o passamento

Uma chocante lição da História, em três tempos

1. Nos Estados Unidos, a população descobre que o limite da sua tão orgulhosamente propalada democracia é a confrontação aberta, ainda que pacífica, com os verdadeiros donos do poder.

Occupy Wall Street

2. Na Europa, representantes eleitos pelo povo, na Grécia e na Itália, são substituídos por dois ex-integrantes do banco Goldman Sachs: Mario Monti, novo primeiro-ministro italiano, e Lucas Papademos, novo primeiro-ministro grego.

Sede do Goldman Sachs

3. No Brasil, a mídia (os donos e seus colunistas amestrados) institui a Conspiração do Silêncio para não ferir a suscetibilidade de uma empresa petrolífera com um histórico mais escuro do que o seu principal produto (vazamentos em Angola, Equador, Nigéria, Canadá, Estados Unidos…), revelando na prática o que entende por “liberdade de imprensa”.

Vazamento na Bacia de Campos

Quando a História quer dar um recado, ela não sussurra: grita.

PERCEBERAM QUEM MANDA NESTE MUNDO?

A gafe dos presidentes, a mentira da imprensa - | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

A gafe dos presidentes, a mentira da imprensa - | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

VEXAME EM CANNES

A gafe dos presidentes, a mentira da imprensa

Por Luiz Cláudio Cunha em 15/11/2011 na edição 668

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O fato mais retumbante da fracassada reunião do G-20, dias 3 e 4/11, em Cannes, não saiu em nenhum comunicado oficial, nem nas entrevistas dos líderes das 20 nações mais ricas deste planeta empobrecido. Num descuido técnico capaz de matar de inveja ao inconfidente Julian Assange, vazou no sistema de som da cúpula um diálogo inacreditável dos presidentes da França, Nicolas Sarkozy, e dos Estados Unidos, Barack Obama, desancando um amigo ausente, o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu.

Os jornalistas receberam seus equipamentos de tradução simultânea, enquanto aguardavam a chegada de Sarkozy e Obama para a entrevista coletiva. Os dois presidentes, com aquela sinceridade que só habita documento secreto vazado pelo WikiLeaks, falavam em privado, na sala ao lado, o que nunca diriam em público sobre o primeiro-ministro israelense.

“Não posso nem vê-lo. É um mentiroso”, bufou Sarkozy, em francês. “Se você está cansado, imagina eu, que tenho de lidar com ele todos os dias”, ecoou Obama, sob o solitário testemunho do intérprete. Um descuido jogou esta conversa franca no sistema de som que os jornalistas haviam recebido, minutos antes da coletiva iminente.

Mais espantoso do que o tom cabeludo do papo presidencial entre dois tradicionais aliados de Israel foi o comportamento cúmplice da grande imprensa, que se mostrou uma aliada ainda mais incondicional de Sarkozy e Obama. Esta conversa aconteceu numa quinta-feira (3/11), numa sala reservada do suntuoso Palais des Festivals de Cannes, e foi ouvida casualmente por seis jornalistas de grandes órgãos internacionais, que ainda testavam seus fones de ouvido. Um deles era da Associated Press (AP), uma gigantesca agência de notícias que abastece 1.700 jornais e 5.000 rádios e TVs em 120 países. Outro era da Reuters, a maior e mais antiga agência do mundo, com 14 mil funcionários falando 20 idiomas em mais de 200 grandes cidades do mundo. Apesar disso, ninguém ficou sabendo da conversa ouvida por acaso pelos jornalistas simplesmente porque os jornalistas ocultaram a notícia.

Cortesões do poder

Uma das anônimas testemunhas dessa gafe histórica explicou à agência estatal France Presse (3.000 funcionários em 110 países, com notícias em seis idiomas) a razão de seu deliberado mutismo: “Nós fomos avisados para sermos prudentes e proteger as pessoas do Palácio Eliseu, com as quais trabalhamos todos os dias, e acima de tudo sobre a natureza da conversa, que poderia ser explosiva”.

Outro jornalista, mais servidor público do que servidor do público, o israelense Gidon Kutz, de uma rádio oficial de Tel-Aviv, explicou que os repórteres acharam melhor esconder o que ouviram por “uma questão de correção” e por uma inesperada cortesia com os anfitriões: “Eles não quiseram embaraçar o serviço de imprensa do Governo Sarkozy”.

A rede britânica BBC acrescentou outra vergonhosa explicação dos jornalistas que decidiram dissimular a notícia: “A divulgação do diálogo poderia constranger Sarkozy”, disseram, ocultos no anonimato e encharcados de constrangimento por seu mau profissionalismo.

Com esse inusitado pacto de silêncio, a conversa sem censura de Sarkozy e Obama acabou sendo vítima de uma inusitada autocensura dos repórteres que testemunharam a derrapada presidencial mas preferiram ser servis ao poder, em vez de servir ao público a que deveriam informar. Tudo isso ficou sepultado num obsequioso sigilo durante cinco dias. A conversa vazada da quinta-feira (3) só ganhou as manchetes do mundo na terça-feira (8/11), por obra e graça de um site francês especializado nos bastidores da mídia eletrônica, o Arrêt Sur Images(ASI), algo como “Imagem sob Julgamento”. Os jornalões brasileiros só deram a notícia uma semana depois (quinta, 10/11).

Carne com cenoura

Sustentado apenas pelos assinantes e sem espaço para publicidade, o ASI fez o que o resto da imprensa não conseguiu fazer – reconheceu o conteúdo da conversa vazada como de “utilidade pública” e fez dela um “furo” de repercussão mundial, com esta manchete: “Netanyahu ‘mentiroso’ – a conversação secreta de Obama e Sarkozy”. Até as grandes agências de notícias, que tinham afanado a informação, foram obrigadas a reproduzir a gafe mundo afora para não ampliar o vexame. Ela ganhou destaque até nos sites dos maiores jornais de Israel, com exceção do diário Israel Hayom, conhecido por sua notória intimidade com o premiê Netanyahu desde que foi lançado, em 2007.

O site Arrêt Sur Images é dirigido pelo jornalista Daniel Schneidermann, 53 anos, que escreve semanalmente sobre TV nos jornais Le Monde e Libération. O sucesso de seus comentários o levou a criar em 1995 um programa no canal estatal France 5 com um objetivo claro: “A vocação de Arrêt Sur Images é areflexão crítica sobre as mídias”. Os jornalistas de TV, incomodados com essa espécie de “observatório televisivo”, apelidaram o programa semanal de Schneidermann de boeuf-carottes (carne com cenoura), gíria francesa para uma repartição pública, a IGS, conhecida como “a polícia das polícias”. Tinha uma audiência média de 7%, o que representava mais de 700 mil telespectadores, mas a fricção interna na rede estatal levou à sua exclusão da grade de programação em setembro de 2007.

Dias depois de sair do ar na TV, o Arrêt Sur Images voltou pela internet, com o mesmo nome e ousadia. Até o blog ganhar visibilidade mundial com o “furo” inesperado de Cannes.

A questão que fica sem resposta não é o previsível mal-estar que dominará os futuros encontros entre os líderes dos Estados Unidos, França e Israel, agora desnudados pela conversa nua e crua de Sarkozy e Obama.

A grande, desafiadora pergunta que paira no ar sobrevoa a gafe monumental da grande imprensa mundial surpreendida em flagrante delito: o que levou à deliberada ocultação de uma notícia de evidente interesse público, de forte implicação política, de grave repercussão internacional no contexto das relações diplomáticas?

A ferida e o manto

É inacreditável que experientes profissionais de grandes órgãos e de redes de comunicação de alcance planetário se vejam, de repente, enredados em questões menores, mesquinhas, provincianas. Não cabe aos jornalistas, em nenhuma circunstância, o delito de esconder deliberadamente uma notícia sob o falso argumento de que ela possa “constranger” o poder ou a autoridade pública.

Nada constrange mais do que a autocensura ou o servilismo da imprensa às instâncias do poder, público ou privado. A imprensa e seus profissionais vivem e dependem da fé pública que deriva de sua eterna vigilância e de sua permanente independência em relação aos governos e aos governantes, em todos os tempos, em todos os lugares.

Os repórteres enviados a Cannes não estavam lá a passeio, para aproveitar as delícias da Promenade de la Croisette, a charmosa avenida a beira-mar lambida pelo sereno Mediterrâneo. Diante do inesperado vazamento, não cabia a eles “proteger” os descuidados funcionários do Palácio Eliseu ou evitar embaraços aos presidentes distraídos. Uma das virtudes dos bons jornalistas é justamente embaraçar governantes e expor as falhas de suas administrações.

Esconder uma notícia não é “uma questão de correção”. É exatamente o contrário. Quando se estabelece um sistema de cumplicidade e uma prática de quadrilha para fazer o que não é correto e para cometer um ato servil que subverte a função essencial do bom jornalismo, abre-se uma ferida de mau comportamento que exige uma discussão aberta e transparente, sem códigos de silêncio ou conluios de sigilo, todos envergonhados, todos vergonhosos.

É surpreendente descobrir que, oculto por trás da grande gafe presidencial de Cannes, havia algo ainda maior, ainda pior: um grave vazamento ético de má conduta da imprensa. A única forma de estancá-lo é abrir, já, um amplo debate sobre este monumental erro coletivo, que abafa até o jornalista mais inocente sob o espesso manto do constrangimento.

***

[Luiz Cláudio Cunha é jornalista]

redecastorphoto

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Tem “terrorista” debaixo da cama!


Veja ressuscita Dan Mitrione – o mestre torturador

Laerte Braga

No auge da histeria anticomunista o ex-deputado Bonifácio Andrada (os Andradas chegaram ao Brasil em navio chapa branca, é uma praga que se espalhou por todos os cantos) tinha como bandeira a virulência de discursos contra o “comunismo ateu”, “pronto a devorar nossos filhos” e a “jogar em valas nossos velhos”.

O ex-deputado, hoje, dirige, na condição de reitor, a arapuca UNIPAC – Universidade Presidente Antônio Carlos – onde o aluno se forma e não sabe se vai poder exercer a profissão tal o emaranhado de irregularidades na “instituição”.

“Devorar nossos filhos”, “jogar em valas nossos velhos” era a forma encontrada por ele, Bonifácio Andrada e pelas elites brasileiras para disfarçar o controle que exerciam – e exercem – sobre o Estado brasileiro, mantendo intocados privilégios que deixam crianças perambulando pelas ruas e matam velhos nas filas do SUS.

Andrada nenhum quer saber do discurso de Fidel Castro quando da visita de João Paulo II, ponta de lança do capitalismo, a Cuba:

“Dois milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo esta noite, nenhuma delas em Cuba”.

É preciso que haja um inimigo visível e que possa servir a essas elites para intimidar, assustar, meter medo no cidadão comum. Uma espécie de bicho papão. Sai o “comunismo ateu”, entra o “terrorista”.

Aí, é só somar doses cavalares, no caso do Brasil, de Jornal Nacional, Miriam Leitão e outros, para prever imensas catástrofes caso os bancos ou as grandes corporações, interesses que defendem, sejam atingidos pela crise que imaginam vai varrer o País, mas mantendo intactos os seus ativos.

Um país com as dimensões continentais como o Brasil e uma diversidade em todos os sentidos, riquezas ainda incalculáveis é o prato feito para o capitalismo e nossas elites, como todas as elites econômicas, não têm pátria, nem escrúpulos, prestam-se a tudo, a qualquer papel para manter intocados os seus castelos.

Hoje e desde muito tempo detêm o controle da mídia privada. Se o cidadão deseja saber o que não acontece, deixar se iludir pela mentira, basta assistir ao Jornal Nacional, ou ouvir os comentários do agente norte-americano William Waack e ir dormir tranqüilo, não sem olhar embaixo da cama, é claro, e se por lá não está um terrorista de preferência iraniano.

E enquanto isso o capitalismo predador vai tomando conta, ocupando espaços e transformando o Brasil num grande entreposto do capital nacional e internacional. Uma espécie de posto de troca dos cavalos da linha de diligência da Wells Fargo – hoje banco.

A Revista Veja cumpre um papel específico no processo midiático dos grupos privados que controlam o setor. É a que faz o serviço sujo, executa os adversários, promove massacres como o do dia de São Valentin e o resto é feito pelo resto, Rede Globo, Grupo Folha, Estadão, RBS, Grupo Abril, Estado de Minas, etc..

A entrevista com o psicopata Roger Noriega é como a ressurreição de Dan Mitrione.

À época da ditadura militar os presidentes/ditadores cumpriam ordens diretas de Washington e todo o aparato norte-americano. Saiu nas páginas amarelas, aquelas que normalmente são usadas para vender produtos e Noriega vende o medo, vende o terror da mentira transformada em espetáculo, vende a paranóia, principal característica dos norte-americanos de classe média para cima. Fora do McDonald’s e da Disneyworld não acreditam que exista vida inteligente.

Dan Mitrione era um agente norte-americano que veio ao Brasil dar aulas de tortura, interrogatórios, todo o repertório de boçalidade do regime militar. Tinha como tradutor o global Hélio Costa (ex-senador, ex-ministro das Comunicações do governo Lula). Foram os tempos da Operação Condor. Uma aliança entre organizações terroristas das ditaduras militares do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile para eliminar adversários.

Foi na esteira da Operação Condor que figuras como Orlando Letelier (ex-chanceler do governo Allende) foi assassinado em New York. O general Carlos Pratts, ex-comandante em chefe do exército chileno foi executado em Montevidéu e assim o ex-presidente boliviano José Juan Torres e outros, tanto quanto suspeitas as mortes de João Goulart e Juscelino Kubistchek. Sem falar em inúmeros lutadores contra as ditaduras em seus países, caso do major Cerveira, brasileiro, preso na Argentina, levado para o Uruguai e assassinado pelo coronel Brilhante Ustra nas dependências do DOI/CODI de São Paulo. A versão oficial diz que morreu em um quartel do Rio de Janeiro.

Ustra continua livre, ele e outros, escorados ou abrigados covardemente atrás da saia da anistia.

Segundo Noriega disse a Veja, o Irã está ligado ao narcotráfico colombiano e criando condições para atos de terrorismo em toda a América Latina, notadamente no Brasil durante a Copa do Mundo. Embaixador, ex-subsecretário no governo Bush, afirma que os “terroristas” agem “livremente” na região da tríplice fronteira, velho sonho dos norte-americanos de instalar uma base militar e controlar a área. O petróleo no Oriente Médio, a água do Aquífero Guarani no Brasil, entre outras riquezas.

Sobre a descarada presença de agentes da MOSSAD – Serviço Secreto de Israel, o absurdo TLC - Tratado de Livre Comércio com Israel assinado por Lula na política de uma no cravo e outra na ferradura. Um retrocesso sem tamanho para o Brasil, uma porta para os EUA diante do fracasso da ALCA – Aliança de Livre Comércio das Américas. Sobre esses assuntos, nada. Mesmo porque, óbvio, o objetivo de Noriega é vender seu peixe e seu peixe traz o cheiro fétido do imperialismo predador dos EUA e por extensão Israel (controla 90% da indústria bélica no Brasil).

E o objetivo de Veja ao entrevistar Noriega – cumprindo determinações vindas de fora, claro – é colocar a classe média que ainda lê a revista/podridão imaginando que vai ter que almoçar arroz e feijão com bife e batatas fritas.

E não vai mais poder comprar sandálias modelo Xuxa.

Noriega fala que Chávez vai morrer, afirma, dentro de seis meses, que a Venezuela vai entrar em colapso, a situação vai gerar um caos e vai ser “necessária” a intervenção militar norte-americana.

Uma das peculiaridades da falência dos EUA é que usam seu arsenal nuclear para destruir e reconstruir. Como não tem recursos para pagar sua dívida, mas têm milhares de ogivas nucleares para destruir o planeta, destroem tudo à sua volta para reconstruir e sustentarem-se na exploração de outros povos.

O Brasil é um dos alvos, e alvo preferencial dada a sua importância, e muito mais vulnerável com a desmobilização popular gerada no populismo de Lula que avançou sem avançar militarmente e agora vive um beco sem saída com um partido (PT) que virou uma espécie de PSDB do B.

A entrevista de Noriega não é um fato gratuito, uma decisão sem maiores implicações. É um passo no processo de desestabilização de um institucional que mesmo falido e corroído pela corrupção (que é parte do modelo capitalista; um não vive sem o outro) é o caminho preferencial – mas não único –das elites políticas e econômicas constituídas nesse arremedo de democracia que temos.

A propósito, a empresa VERICHIP CORP assinou um contrato sigiloso de distribuição de milhares de chips localizadores SOLUSAT. Num primeiro momento 800 unidades estão para chegar ao País, em curto prazo mais 75 mil. O papel desses chips instalados em seres humanos, são subcutâneos, é permitir o controle de todos os passos de um portador da “novidade tecnológica”.

Como diz a canção de Zé Ramalho, “povo marcado, povo feliz”.

Se você tem dúvidas da informação dê uma olhada no sítio da Exacta Express.

Vai ser a glória para William Bonner. Quem não assistir as edições diárias do Jornal Nacional vai cumprir pena obrigatória de assistir os programas do Faustão e do Luciano Huck por três horas diárias durante dez anos.

Dan Mitrione, o covarde professor de tortura contra a luta pelas liberdades na América do Sul, terminou morto num esgoto de Montevidéu depois de um combate com os resistentes Motoneros.

No Brasil chegou a virar nome de rua em Belo Horizonte, doença da qual a capital mineira já se curou.

Falta curar de Aécio Neves e sua “abeberração”, Antônio Anastasia.

Enviado por Sílvio de Barros Pinheiro

domingo, 13 de novembro de 2011

Folha de S.Paulo - Ciência - O cérebro determina o que é real? - 2011-11-13

Folha de S.Paulo - Ciência - O cérebro determina o que é real? - 2011-11-13

Marcelo Gleiser

O cérebro determina o que é real?

Estamos cercados de radiação eletromagnética que não vemos. O essencial é invisível aos olhos

Para que eu esteja escrevendo estas palavras, uma coreografia desconhecida organiza a ação coletiva de milhões de neurônios no meu cérebro: ideias emergem e são expressas em palavras, que datilografo no meu laptop graças à coordenação detalhada dos meus olhos e músculos. Algo está no comando, uma entidade que chamamos de "mente".
Segundo a neurociência moderna, nossa percepção do mundo é sintetizada em regiões diferentes do cérebro. O que chamamos corriqueiramente de "realidade" resulta da soma integrada de incontáveis estímulos coletados pelos cinco sentidos, captados no mundo exterior e transportados para nossas cabeças pelo sistema nervoso.
A cognição, a experiência concreta de existirmos aqui e agora, é uma fabricação de incontáveis reações químicas fluindo por bilhões de conexões sinápticas entre neurônios.
Eu sou e você é uma rede eletroquímica autossustentável, que se define através de sua atuação na malha de células biológicas que constituem o nosso corpo. Mas somos muito mais do que isso.
Somos todos diferentes, mesmo se feitos da mesma matéria-prima. A ciência moderna destituiu o velho dualismo cartesiano de matéria e alma em favor de um materialismo estrito. Hoje, afirmamos que o teatro do ser ocorre no cérebro e que o cérebro é uma rede de neurônios que se acendem e apagam como luzes numa árvore de Natal.
Ainda não temos ideia de como essa coreografia neuronal engendra a nossa sensação de existirmos como indivíduos. Vivemos nossas vidas convencidos de que a separação entre nós e o mundo à nossa volta é clara. Precisamos dela para construir uma visão objetiva da realidade que nos cerca.
No entanto, nossa percepção dessa realidade, na qual baseamos nossa sensação de existir como indivíduos, está longe de ser completa. Nossos sentidos capturam apenas uma pequena fração do que realmente ocorre à nossa volta. Trilhões de neutrinos vindos do coração do Sol atravessam nossos corpos a cada segundo.
Estamos cercados por radiação eletromagnética de todos os tipos-ondas de rádio, infravermelha, micro-ondas-sem nos dar conta disso. Sons escapam da nossa audição, grãos microscópicos de poeira e bactérias são invisíveis aos nossos olhos. Como disse a raposa ao Pequeno Príncipe: "O essencial é invisível aos olhos".
Nossos instrumentos em muito ampliam nossa visão, permitindo-nos "ver" o que escapa aos nossos sentidos. Mas a tecnologia tem limites, mesmo que esteja sempre avançando. Portanto, uma grande fração do que ocorre escapa e escapará à nossa detecção. O que sabemos sobre o mundo depende do que podemos medir e detectar.
Quem, então, pode determinar que sua sensação do real é a verdadeira? O indivíduo que percebe a realidade apenas com os sentidos? Ou o que amplifica sua visão com instrumentos diversos?
Obviamente, essas pessoas verão coisas diferentes. Se compararem o que chamam de realidade material, o conjunto das coisas que existem à sua volta, irão discordar completamente. Qual dos dois está certo? Eu proponho que nenhum está. Mas vamos ter de continuar essa conversa na semana que vem.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: http://goo.gl/93dHI

Folha de S.Paulo - Mercado - Brasil começa a acordar para a inovação - 2011-11-13

Folha de S.Paulo - Mercado - Brasil começa a acordar para a inovação - 2011-11-13

Brasil começa a acordar para a inovação

Essa é a avaliação de Anthony Knopp, brasileiro que faz a ponte entre o centro de pesquisa MIT e a iniciativa privada

Especialista questiona dependência do país a juros, o que prejudica investimentos em novos projetos

NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

O brasileiro Anthony Knopp é responsável pela ponte entre o MIT (Massachusetts Institute of Technology), um dos principais centros de pesquisa nos EUA, e as empresas. No momento em que "inovação" vira palavra mágica para governo e empresas no Brasil, descreve como o MIT inova, na prática.
Questiona a burocracia no Brasil, a dependência que bancos e empresas têm dos juros, deixando de financiar inovação, e até a falta de meritocracia nas universidades. Mas avalia que as empresas já começam a reagir, diante da concorrência global.

Folha - Na relação com as empresas, como é a divisão dos lucros de uma patente?
Anthony Knopp - Basicamente, para tudo que é inventado numa universidade nos EUA, pela lei, ela é dona da propriedade intelectual.

Agora, os lucros são divididos entre o professor, o estudante, se tiver, o departamento e a universidade. A empresa que dá recursos para a pesquisa não ganha aí.

Como ela ganha?
Ela tem direitos exclusivos de licenciamento. Pode licenciar a propriedade intelectual, se quiser. O MIT licencia e ganha royalties.

Vêm daí os recursos do MIT?
O orçamento do MIT por ano é US$ 2,4 bilhões. Nos últimos 10 ou 15 anos, a média de lucro que o MIT fez licenciando patentes foi de US$ 70 milhões. Não é nada, é pipoca que cai no chão. O que o MIT faz é conseguir que 25 mil empresas tenham sido iniciadas por pessoas dentro dele. E que mais de 3,3 milhões sejam empregados por elas. A relação do MIT com o mundo industrial não é em torno de patente. Ela faz parte, mas o que acontece é que ideias e pessoas saem daqui, começam indústrias.

Esses US$ 2,4 bilhões são só para pesquisas?
É o orçamento geral. US$ 1,4 bilhão vai para pesquisa.

De onde vêm os recursos?
Desse US$ 1,4 bilhão, 80% é dinheiro público. Mas o importante é que é competitivo. O governo diz "temos interesse em energia geotérmica", e várias universidades e empresas concorrem. Do resto, 15% vêm da indústria e 5% vêm de fundações.

O MIT é um modelo que provou dar certo.
Que funciona, exato.

O que o Brasil poderia fazer, para adaptá-lo?
É uma pergunta complicada. Eu sou um gringo carioca. Saí aos 18 e moro nos EUA há 40 e tantos anos. Ainda tenho passaporte brasileiro, então posso falar. Um dos desafios é que o Brasil tem cultura ibérica. Quer dizer: tudo precisa ter uma regra, um processo, tem que ser permitido.
E os bancos fazem mais dinheiro emprestando para Brasília do que para um cara que quer começar uma nova ideia. Conheço empreendedores no Brasil e, para todos, o mais difícil é ir a um banco, por serem pequenos, terem um só sucesso, não 25. Se você tem 22 anos, quer iniciar uma empresa de internet e precisa de R$ 100 mil, não tem ninguém. Aqui eles formam fila para dar esse dinheiro.
Ainda se tem a universidade como lugar de resistência à iniciativa privada.
Eu estive no Brasil, eu entendo. Mas isso é de 50 anos atrás. É dentro da universidade que há gente pensando, que tem a possibilidade de arriscar, pensar diferente. E no fim do dia o nome do jogo é criar emprego. Para isso, você tem que criar uma máquina econômica, indústria, novas ideias. Tem muita energia na universidade. É preciso abrir as portas.

O MIT tem relação com universidades dos emergentes?
Tem muitas. No MIT, estamos nos EUA, mas mais de 30% dos professores nasceram e foram formados em outros países. E 35%, 40% dos pós-graduados são de fora. Hoje temos interação com China, Coreia do Sul, nas próximas semanas vai sair uma grande com a Rússia.
Com o Brasil, há uma relação histórica com o ITA, em São José dos Campos, que gente do MIT ajudou a criar.

Você falou que as empresas preferem os juros altos que o governo paga a investir em inovação. Elas também precisam mudar?
A resposta curta é sim, mas é um pouco mais complicado. Há 15 anos tento trazer empresas brasileiras para interagir com o MIT. Não havia nenhuma, hoje temos dez. O que está acontecendo é que o Brasil emergente, sendo mais global, começa a ver a importância da academia. A Embraer é um exemplo. Ela entende que os concorrentes estão envolvidos com universidades, no mundo todo. Por isso está não só no MIT, mas em Southampton, na França e em outras. A Vale também.

Se tivesse que apontar uma instituição em que vê potencial para interação, qual seria?
É outra pergunta complicada. Posso falar, pelo meu envolvimento aqui do trabalho, da fundação Certi, de Florianópolis, e da agência Inova, da Unicamp.
O MIT é uma meritocracia, o que é muito importante para o MIT. Quer dizer, vocês aí têm o famoso vestibular, então quem entra na USP é o melhor etc. etc. Mas eu não tenho certeza se a meritocracia desses lugares é meritocracia mesmo. Aqui no MIT você pode ser preto, branco: a única coisa que conta é o que você tem entre as suas orelhas. Eu perguntaria quais são as universidades que estão a fim de competir. Isso me dói, a cada ano eu vejo o que chamam aqui de "league tables" [tabelas de campeonato], quem está em primeiro, em segundo, entre as universidades do mundo. O Brasil não faz parte.

Folha de S.Paulo - Poder - O motivo dos festejos - 2011-11-13

Folha de S.Paulo - Poder - O motivo dos festejos - 2011-11-13

Janio de Freitas

O motivo dos festejos

A prisão de maus policiais nas operações contra a criminalidade urbana merecia ser mais celebrada

Nas operações preparatórias para a invasão da Rocinha, hoje esperada, a polícia descobriu mais policiais associados à criminalidade do que criminosos caçados. As prisões dos bandidos declarados foram celebradas como de costume, com euforia especial no caso de Nem. O festejo, porém, do ponto de vista da segurança pública, foi em direção invertida.
Não se tem dado a importância apropriada ao papel dos policiais abandidados nas dificuldades para combater a criminalidade urbana. São muito além de apenas "maus policiais", eventualmente apanhado um ou caídos em flagrante uns poucos.
A primeira e grande ocupação policial, por exemplo, deixou a evidência da desproporção entre o número de bandidos dominadores do imenso complexo do Alemão e a insignificante quantidade de armamento apreendido. Outras evidências, de dias anteriores e da própria invasão, negavam a hipótese de fuga levando as armas pesadas. Foram enterradas, supuseram alguns, mas nenhum vestígio disso foi encontrado. A estranheza passou sem explicação.
Sabe-se agora como as armas de combate - fuzis, metralhadoras, granadas - evaporaram em pouco tempo. Só um dos policiais presos há três dias, surpreendido com outros quando proporcionava a retirada de criminosos e armas da Rocinha, em uma única viagem transportara 15 armas pesadas daquela favela na Zona Norte para a segurança do arsenal de Nem da Rocinha, na zona sul. Quantas viagens fez? Quantas outros fizeram? Todos com o passe-livre de policiais. Não foi sem proteção, também, que muitos bandidos do Alemão, inclusive os chefões, saíram dali para lugares onde continuaram sua atividade. E de onde já muitos experimentam a volta.
Basta um só policial para passar informações decisivas às chefias do crime. E são muitos a fazê-lo. Neste ano, várias operações policiais foram suspensas ou frustradas com a constatação de que, apesar de todo o sigilo possível no seu planejamento, os traficantes foram delas avisados. Na Rocinha que volta à carta, as frustrações deram-se várias vezes nos últimos meses, e em outras favelas deu-se o mesmo.
As invasões foram adotadas, já com tantos anos reconhecida a ineficácia de repressões isoladas e ocasionais, quando afinal reconhecidas como último recurso para anular as quadrilhas concentradas nas favelas (São Paulo não tem quadrilhas nem bandos, seu academicismo batizou-os de facções, palavra sem conexão explícita com violência e criminalidade).
Mas, aceito que a pior dificuldade para combater os bandos está em sua farta presença dentro da polícia, sobrevém uma questão ácida: como "invadir e ocupar" esse braço da criminalidade cujos componentes são decisivos, de importância vital, para a sobrevivência das quadrilhas. Ainda que deslocadas em sua geografia, como tem decorrido das invasões já feitas.
Assim é o problema que, já bem fixadas as táticas para as favelas, atrai as elaborações do comando já bem-sucedido nas retomadas que são, no entanto, apenas o primeiro capítulo de uma nova e longa história social da criminalidade à brasileira. Nele, as prisões dos policiais abandidados mereciam ser razão dos festejos.

Folha de S.Paulo - Opinião - O tabu nuclear - 2011-11-13

Folha de S.Paulo - Opinião - O tabu nuclear - 2011-11-13

O tabu nuclear

SÃO PAULO - Um Irã atômico não está nos sonhos de nenhum pacifista, mas a experiência humana com essas armas sugere que elas, tanto por motivos racionais como emocionais, dificilmente serão usadas.
A matemática é impecável: durante a Guerra Fria, EUA e URSS atuaram sob a lógica da doutrina MAD (acrônimo inglês de "destruição mútua assegurada"), segundo a qual o uso de artefatos nucleares em larga escala levaria à aniquilação tanto da parte que lançou o ataque quanto da que a ele respondeu.
Assim, ambos os lados operavam para consolidar uma situação em que nenhum jogador teria a ganhar mudando sua estratégia unilateralmente. É o que, em teoria dos jogos, leva o nome de equilíbrio de Nash, em referência ao trabalho do matemático John Forbes Nash Jr.
Também conhecida como "equilíbrio do terror", a MAD é apontada por muitos como o fator que impediu a guerra aberta entre EUA e URSS. Há autores que vão além e afirmam que o veto ao uso de armas atômicas enraizou-se na psique humana, tornando-se um verdadeiro tabu.
Intelectuais e a população passaram a mobilizar-se contra o "holocausto nuclear". Isso levou EUA e URSS a negociarem primeiro uma moratória, depois o banimento dos testes na atmosfera e, por fim, acordos para a redução de seus arsenais.
África do Sul, Cazaquistão, Ucrânia e Belarus abriram espontaneamente mão das bombas que tinham. Países como Brasil, Alemanha e Japão desistiram de desenvolvê-las.
Mesmo a Coreia do Norte, que tem um regime mais maluco que o do Irã e contenciosos com vários vizinhos, construiu seu artefato, mas nada indica que vá utilizá-lo.
É verdade que o passado não traz garantias acerca do futuro, mas, a julgar pelo registro histórico, seria precipitado lançar-se numa guerra contra o Irã, com o objetivo de impedi-lo de desenvolver armas nucleares, como defendem Israel e alguns falcões dos EUA.

Tijolaço – O Blog do Brizola Neto

Tijolaço – O Blog do Brizola Neto

Sorria, você está sendo filmado

A tecnologia já não permite mais que ninguém possa mais ter a ilusão de que está perdido na multidão.

Um projeto desenvolvido pela Nasa e utilizado pelo Google em seus mapas já está disponível no mercado: o Gigapan, um equipapento com que se faz estas fotos como esta aí de cima tirada pelo mineiro Emmerson Maurílio na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas (MG), em maio deste ano, num jogo entre Atlético e Cruzeiro.

Não é uma câmara fotográfica, mas um sistema digital que produz automaticamente centenas ou milhares de imagens fotográficas e as compõe em uma só, ampliável.

As imagens aí de cima são da mesma foto, apenas ampliando o pontinho indicado com a seta vermelha. Você mesmo pode verificar como é o sistema, clicando aqui.

Bem, isso é o que a Nasa Inteligent Robotics permitiu que fosse comercializado, e por algo em torno de R$ 1.500. O brinquedinho está vendendo como água no deserto.

Agora, faça uma idéia da capacidade que os sistemas que devem ter conservado de uso restrito dos órgãos governamentais americanos, para uso em satélites, aviões-espiões e outros usos militares.

As discussões que se travam sobre a privacidade dos cidadãos viraram brincadeira de criança, perto de um sistema de identificação assim.

Aliás, isso cara vez mais se aproxima do “Grande Irmão” de George Orwell.

sábado, 12 de novembro de 2011

A internet não é meio de comunicação - Reproduzido do Estado de S.Paulo, 20/10/2011; intertítulos do OI | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

A internet não é meio de comunicação - Reproduzido do Estado de S.Paulo, 20/10/2011; intertítulos do OI | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

A internet não é meio de comunicação

Por Eugênio Bucci em 25/10/2011 na edição 665

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 20/10/2011; intertítulos do OI
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No início do mês (3/10) a Suprema Corte, nos Estados Unidos, decidiu que baixar uma música da internet não equivale a exibir essa mesma música em público. Portanto, ao copiar o arquivo de uma canção no seu computador, o consumidor não deve ser tratado como alguém que toca essa mesma canção para uma grande audiência, no rádio ou num show.

Ora, dirá o leitor, nada mais óbvio. Baixar uma faixa de CD é mais ou menos como copiar no gravador de casa uma canção que a gente sintoniza na FM. Trata-se de um ato doméstico, que não se confunde com executar uma obra musical para uma plateia de 5 mil espectadores. No entanto, até hoje, o pensamento oficial sobre a internet – em especial o pensamento das Cortes de Justiça – carrega uma tendência de equipará-la aos meios de comunicação de massa. Um erro grosseiro e desastroso. Além de obtusa, essa visão traz consequências perversas, como a que levou parlamentares brasileiros, há coisa de dois anos, a tentarem aprovar uma lei que impedia os cidadãos de manifestarem suas opiniões sobre as eleições em sites e blogs durante o período eleitoral, como se a rede mundial de computadores fosse da mesma família que as redes de televisão e de rádio, que funcionam sob concessão pública.

O furor censório dos parlamentares acabou não vingando, para alívio da nação, mas o conceito equivocado em que ele plantou seu alicerce continua aí. Por isso, a recente decisão da Suprema Corte, negando as pretensões econômicas e intimidatórias da American Society of Composers, Authors and Publishers (Ascap), interessa especialmente a nós, brasileiros. Ela constitui um argumento a mais para que expliquemos aos retardatários (autoritários) que nem tudo o que vai pela internet é comunicação de massa. Aliás, quase nada na internet é comunicação de massa. Para as relações políticas e jurídicas entre os seres humanos, essa distinção elementar faz uma diferença gigantesca.

Segundo grau de abstração

A internet não é televisão, não é rádio, não é jornal, nem revista, assim como não é correio ou telefone. Ela contém tudo isso ao mesmo tempo – mas contém muito mais que isso. Existem canais de TV e de rádio na internet, é bem verdade. Os jornais estão quase todos online, bem como as revistas, sem falar no correio eletrônico: as pessoas trocam mensagens, como trocavam cartas. O Skype e outros programas vieram para baratear e melhorar os velhos telefonemas, com a vantagem de mostrar aos interlocutores a cara um do outro. Logo, dirá a autoridade pública, a rede mundial de computadores internet é uma Torre de Babel em que todos os meios de comunicação se encontram e se confundem, certo?

Errado. A humanidade comunica-se pela internet – só no Brasil, já são quase 80 milhões de usuários –, mas isso não significa que ela seja, como gostam de dizer, uma “mídia” que promove a convergência de todas as outras “mídias”. Ela é capaz de fornecer ferramentas para que um conteúdo atinja grandes audiências de um só golpe, ao vivo, assim como permite que duas pessoas falem entre si, reservadamente. Acima disso, porém, ela abre outras portas, muitas outras. Pensá-la simplesmente pelo paradigma da comunicação é estreitá-la, amofiná-la – e, principalmente, ameaçar a liberdade que ela encerra.

A internet também é comércio: os consumidores fazem compras virtualmente – mas isso não nos autoriza a dizer que ela possa ser regulada como se fosse um shopping center. Vendem-se passagens aéreas e pacotes turísticos pela rede, mas ela não cabe na definição de agência de viagens. Correntistas acessam suas contas bancárias e pagam contas sem sair de casa, mas a internet não é banco e, embora quitemos nossos impostos pelo computador, ninguém há de afirmar que a web é uma extensão da Receita Federal. Ela é tão ampla como são amplas as atividades humanas: aceita declarações de amor, assim como aceita lances ousados da especulação imobiliária. Nela, a vida social alcança plenamente outro nível, que não é físico, mas é real, tão real que afeta diretamente o mundo físico, sendo capaz de transformá-lo. Mais que meio de comunicação, a internet é, antes, a sociedade num segundo grau de abstração. Se quiserem comparações, ela tem mais semelhança com a rede de energia elétrica do que com um aparelho de TV ou com o alto-falante na praça do coreto.

Decisão bem-vinda

Para efeitos da regulamentação e da regulação, a internet não cabe num regime. Ela é capaz de abrigar tantos regimes quanto a própria vida em sociedade – e, assim como a vida em sociedade, é maior que o direito positivo. Ela, sim, pode conter e processar decisões judiciais e trâmites processuais, mas estes não podem contê-la, explicá-la ou discipliná-la por inteiro. Pretender controlá-la, taxá-la, pretender instalar pedágios em cada nó seria equivalente a começarmos a cobrar direitos autorais de quem empresta um livro de papel à namorada, ou, pior ainda, seria como sujeitar as conversas de botequim à legislação do horário eleitoral na televisão e no rádio.

A rede de computadores trouxe uma expansão sem precedentes a uma categoria que, nos estudos de sociologia e de comunicação, ganhou o nome de “mundo da vida”. Trata-se de um conceito contíguo a outro, mais conhecido, o de “esfera pública”. Nesta se encontram os temas de interesse geral dos cidadãos. No “mundo da vida” moram as práticas sociais mais arraigadas, a rotina mais prosaica, os nossos modos de amar, de velar os mortos ou, se quiserem, de conversar no botequim. Não por acaso, daí, desse mundo da vida, é que brota a esfera pública democrática; a própria imprensa nasceu dos saraus e das tabernas, quando aí se começou a criticar o poder.

Por isso, enfim, as formas de livre expressão na internet precisam estar a salvo do poder do Estado e da voracidade dos grupos econômicos. Por isso a decisão da Suprema Corte é bem-vinda.

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[Eugênio Bucci é jornalista, professor da ECA-USP e da ESPM]