sábado, 25 de fevereiro de 2012

Gestão punitiva - Ricardo Noblat: O Globo

Gestão punitiva - Ricardo Noblat: O Globo

Gestão punitiva

Merval Pereira, O Globo

Raramente, quando se trata de gestão pública, encontra-se quem venha a público chamar a atenção para possíveis abusos acusatórios do ponto de vista técnico, e não meramente político.

Em meio a tantas denúncias de corrupção nas diversas áreas da gestão pública, o advogado Fábio Medina Osório, doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor referenciado de vários livros sobre improbidade administrativa, introduz um novo elemento na discussão, aparentemente contramajoritário, mas no fundo um ponto positivo para o aperfeiçoamento de nossas instituições.

Ao questionar, em artigos e entrevistas, a pouca discussão que ele entende haver no Brasil sobre a medição da chamada “gestão punitiva”, apesar de sua brutal interferência na vida de todos os cidadãos e seu impacto direto nos direitos fundamentais, o advogado Fábio Medina Osório está ampliando o leque sobre a responsabilização dos erros na gestão pública.

O professor ressalta que, de um modo ou de outro, se trata de processos que produzem comoção na grande mídia e reflexos patrimoniais e morais aos acusados em geral, interferindo em complexas competições econômicas e, inclusive, políticas.

É necessário, segundo Medina Osório, medir a má gestão punitiva em nosso país, o que hoje é feito pela imprensa ou pelo volume de acusações que circulam pela mídia.

Segundo ele, essa é uma forma errada de medir a patologia, porque o volume de problemas pode aflorar a partir de uma atuação mais intensiva das instituições ou da própria liberdade de imprensa. Essa, aliás, é a tese do governo federal, que diz que não foi a corrupção que aumentou, mas a atuação repressora do Estado.

O advogado Fábio Medina Osório acha que a agenda de infraestrutura, por exemplo, depende, em grande medida, de segurança jurídica, o que envolve alguma uniformidade de critérios e certo grau de plausibilidade nos processos punitivos.

As estatísticas necessárias para medir a eficácia do sistema buscariam alcançar, fundamentalmente, dados a respeito das decisões judiciais definitivas envolvendo esses casos, pois os processos garantem direitos de defesa e podem culminar com o reconhecimento da inocência dos acusados.

A grande mídia pode medir num plano puramente político, mas não no plano científico-estatístico, diz Medina Osório.

Um crucial levantamento, portanto, que deveria ser discutido em todos esses processos é o padrão de eficiência acusatória atual: qual é o quantitativo de pessoas que são decretadas inocentes ao fim de um longo e penoso processo por improbidade ou determinados crimes contra a administração pública no Brasil?

Não raro, ressalta Fábio Medina Osório, debita-se ao Judiciário o tema da impunidade. Porém, uma pesquisa qualitativa poderia avaliar as causas reais das absolvições ou da improcedência das acusações ou das nulidades reconhecidas.

Pode haver falhas estruturais importantes, desde a própria etapa investigatória ou na formatação das ações. E, é claro, pode haver lacunas decisórias relevantes.

E esse tipo de levantamento, e discussão crítica, permitiria, diz ele, o aperfeiçoamento das próprias instituições fiscalizadoras, nos seus mecanismos repressores, um dado da maior relevância para qualificar nosso país em vista dos desafios das próximas décadas, que envolvem o combate à má gestão pública.

O que não se pode admitir, evidentemente, é o uso abusivo, e indiscriminado, do processo como antecipação da pena, ou até como penalidade autônoma, turbinado por sua divulgação midiática.

E tampouco se deveria tolerar inversão abusiva ou tumultuária de papéis entre as instituições. De outro lado, falhas estruturais do Estado acusador ou investigador não deveriam persistir se por acaso pudessem ser estancadas.

Um debate mais atualizado, e profundo, sobre o modelo de Estado acusador é necessário, ressalta Medina Osório.

O processo, e mesmo a investigação, acrescenta o professor, não pode ser visto como um conjunto de atos desprovido de consequências na vida das pessoas.

Ao contrário, o processo — e mesmo a investigação — acarreta efeitos nefastos no patrimônio moral e material de pessoas físicas e jurídicas.

Esse tipo de aperfeiçoamento tornaria o Estado brasileiro mais comprometido com a eficiência punitiva, o que revelaria postura republicana sintonizada tanto com os direitos fundamentais das vítimas dos atos de corrupção ou má gestão pública, quanto com os dos acusados em geral.

Uma medição sistemática como a proposta pelo advogado Medina Osório serviria também, acrescento, para que se tivesse uma ideia clara sobre como os acusados de desvios administrativos conseguem superar as denúncias sem às vezes nem mesmo responder a processos.

A desconfiança da maioria é que há nos trâmites legais atalhos e armadilhas que podem facilitar a vida de um acusado com bons advogados ou relacionamentos.

O mais comum é que, depois de um escândalo denunciado pelos órgãos de imprensa, a autoridade acusada deixe o cargo — às vezes até mesmo sob elogios do mandatário da vez — e nunca mais se fale sobre o processo a que deveria responder.

Muitas vezes, como ressalta o advogado Fábio Medina Osório, isso se dá porque as denúncias eram inconsistentes do ponto de vista jurídico, embora robustas politicamente.

Mas, em outros casos, seria possível constatar que o acusado contou com a boa vontade de seus pares para escapar do processo a que deveria ter sido submetido.

Esclarecer esses meandros jurídicos e estabelecer uma sistemática que pudesse abranger todos os casos de denúncias de má gestão pública seria fundamental para que a sensação de impunidade não permaneça como a principal consequência das denúncias.

E também para que as pessoas de bem que ainda se disponham a atuar como servidores públicos tivessem a proteção do sistema contra acusações de má-fé.

Bóris Casoy acusa Lula pela morte de ex-dona da Daslu | Blog da Cidadania

Bóris Casoy acusa Lula pela morte de ex-dona da Daslu | Blog da Cidadania

Bóris Casoy acusa Lula pela morte de ex-dona da Daslu


Ao comentar o passamento da antiga dona da mega boutique de luxo Daslu, Eliana Tranchesi, na madrugada da última sexta-feira (24.02), o apresentador do “Jornal da Noite” (TV Bandeirantes), Bóris Casoy, lançou uma teoria no mínimo inédita: ela teria falecido por culpa do governo Lula, que, em 2005, teria engendrado a Operação Narciso, da Polícia Federal, apenas para desviar o foco do escândalo do mensalão.

Veja, abaixo, o vídeo enviado pelo leitor Evandro. Em seguida, continuo comentando.


Agentes da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal e da Receita Federal fizeram uma busca na sede da Daslu, naquele ano, para coleta de provas de que a empresa estava envolvida em crimes de sonegação fiscal e contrabando, os quais acabaram sendo comprovados, gerando a Tranchesi pena de prisão de 94 anos, pena que ela jamais sequer começou a cumprir devido à Justiça ter ficado tocada pelo seu estado de saúde.

A tese de Casoy é bastante curiosa. Apesar de a Operação Narciso ter sido levada a cabo, simultaneamente, em São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, de a Justiça ter autorizado a operação, de o ministério Público ter descoberto o esquema e de a Polícia Federal ter feito mais de mil operações durante o governo Lula, a pobre Tranchesi – que, após seu falecimento, vem sendo tratada pela mídia como uma espécie de Che Guevara capitalista – teria sido vítima de uma armação do governo Lula.

Não se sabe se Casoy considera que Tranchesi faleceu pelo processo criminal todo que enfrentou e não apenas pela operação de 17 de julho de 2005, mas está claro que acha que não deveria nem ter sido processada criminalmente pelos crimes que cometeu simplesmente por estar doente.

O âncora do telejornal da TV Bandeirantes, assim como quase todos os outros colunistas, articulistas e editorialistas da grande imprensa, sempre disse “exagerada” a operação que envolveu 250 policiais federais, apesar de a sede da Daslu, então, ser um prédio de quatro andares e 17 mil metros quadrados, que, pelo tamanho, permitiria que provas fossem tiradas de lá se não tivesse sido cercado e ocupado de surpresa.

Aliás, vale um registro: o uso de 250 policiais na Operação Narciso e a prisão, por alguns dias, da dona da mega boutique de luxo foram considerados “truculência” pelos mesmos colunistas, articulistas e editorialistas – entre os quais o próprio Casoy – que consideraram absolutamente normal o uso de 2 mil policiais militares para desocupar o bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos, e que, ali, não enxergaram truculência.

O tratamento VIP dado pela mídia tucana à dona da Daslu pode ser compreendido através da foto abaixo.

A Operação Narciso, naquele 2005, gerou indignação na imprensa e não foi devido à fartura de provas que condenou Eliana Tranchesi a quase cem anos de prisão, com localização de notas de entrada de mercadorias importadas nas quais vestidos de 10 mil reais haviam sido registrados pelo valor singelo de 100 reais.

A explicação para a indignação midiática, pois, reside no fato de que a filha do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin – que, à época, também era governador –, trabalhava na Daslu quando suas operações criminosas foram descobertas. Ela iniciara no trabalho havia pouco tempo como uma das vendedoras da empresa que ficaram conhecidas como “dasluzetes” e pouco depois foi promovida a “diretora de novos negócios”.

Estranhamente, a Secretaria da Fazenda de São Paulo não notou nada de estranho nas operações da Daslu, apesar de que suas operações eram tão escandalosas, com suas notas de entrada com preços populares, que a Polícia Federal chegara à empresa, em 2005, sabendo exatamente o que procurar, o que a obrigou a montar uma operação ampla para evitar que sumissem com as provas.

Segundo o âncora da Band, “Eliana Tranchesi foi exposta à execração pública e humilhada”. Veja só, leitor, que esse sujeito parece entender que tudo aconteceu só por ela ter sonegado algumas centenas de milhões de reais em um esquema que o Ministério Público chamou de “organização criminosa” e que gerou multa de um bilhão de reais, além da ação penal. Chega a parecer que, pelos crimes cometidos, deveriam ter feito uma estátua para Tranchesi.

O comentário de Casoy não contém indignação com a ilegalidade, à diferença da indignação contra as famílias do Pinheirinho. No caso da ricaça, o jornalista mostrou compaixão e indignação por ela ter falecido por desgostos que a descoberta de suas operações ilegais lhe causou, o que, no limite, talvez possa ser verdade, mas não muda o fato de que a culpa foi de quem montou o esquema criminoso, e de mais ninguém.

Malvinas: pilar do colonialismo tardio — Portal ClippingMP

Malvinas: pilar do colonialismo tardio — Portal ClippingMP

Malvinas: pilar do colonialismo tardio

Autor(es): Tereza Cruvinel
Correio Braziliense - 25/02/2012

Jornalista

Merryl Streep é uma atriz completa e fascinante. Merece o Oscar para o qual está indicada. Sua atuação primorosa como Margaret Thatcher é que salva A dama de ferro da indecisão entre ser um filme intimista sobre glória, declínio e velhice, ou a cinebiografia de uma das maiores figuras políticas do século 20. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, reclamou em entrevista da inoportunidade do filme, que, de fato, traz desconfortos para seu governo. Por exemplo, ao recordar que foi tentando superar a impopularidade que Thatcher partiu para a Guerra da Malvinas contra a Argentina em 1982. Numa passagem, relatando as operações navais, o ministro da Defesa aponta no mapa o deslocamento do navio argentino General Belgrano rumo às ilhas. "Afunde-o", diz Thatcher glacial. Um Exocet fez o serviço, matando 323 argentinos.

Trinta anos depois, o mundo deu muitas voltas, mas não removeu esse último bastião do colonialismo. Numa Europa em crise, outro governo inglês, conservador e impopular, remonta o cenário bélico. A Argentina levou o assunto ao Conselho de Segurança da ONU e vem mobilizando apoios na América Latina e na comunidade internacional. A presidente Cristina Kirchner, reeleita com 53.04% dos votos e com a popularidade nas nuvens, não precisa de estratagemas, mas retomou, com seu vigor peculiar, uma causa cara aos argentinos.

A ofensiva inglesa, que somou às ações militares uma estapafúrdia declaração de Cameron, chamando a Argentina de colonialista, vem conseguindo a proeza de abrandar a crispação existente entre a presidente, a mídia, setores da classe média e a oposição partidária. Ontem, em Ushuaia, capital da Terra do Fogo, parlamentares de diferentes partidos que integram as comissões de relações exteriores das duas casas do Parlamento subscreveram documento ratificando a postulação argentina à soberania sobre as Malvinas.

Um grupo de 17 intelectuais argentinos, num movimento timidamente discrepante, anunciou um documento pregando a abertura de "instancias de diálogo real con los británicos y en especial con los malvinenses". Na mídia, e em especial no Clarin, ecoam pregações de diálogo com a Inglaterra e com os moradores das ilhas.

Nada indica que Cristina esteja buscando a guerra, como fizeram os generais da ditadura em busca de luz no fim do túnel. Mas o diálogo bilateral já não existe há muito tempo, e todos sabem disso. Resta agora a mediação da ONU e as ações multilaterais. Quanto aos malvinenses, como diz Filmus, hoje são ingleses transplantados, não ilhéus originais.

Aqui no Brasil tem-se criticado mais o "tom" usado pela Argentina do que a ostentação militar inglesa. Critica-se a posição adotada pelo Brasil (e demais membros do Mercosul) de fechar os portos a navios com bandeira das Malvinas. Mas isso também não é novo, nem coisa de governo do PT. Na Guerra de 1982, sendo presidente o general Figueiredo, o Brasil não só fechou os portos como negou pouso, até para abastecimento, a aviões ingleses rumo às Malvinas.

Por mais de uma razão, outra não poderia ser a posição do Brasil. Primeiro, pela aliança estratégica firmada com a Argentina sobre a qual erigiu-se o Mercosul e, mais tarde, toda a política de integração continental, preliminar para o futuro de nossa região no mundo multipolar que está surgindo.

Depois, porque a questão das Malvinas é um caso tardio de descolonização e assim já foi tratado pela ONU em Resolução de 1965. Uma ex-colônia, solidária na descolonização da África, não pode fechar os olhos ao que acontece aqui ao lado. O domínio inglês sobre as ilhas é comparável, para nós, a uma continuada presença de Portugal (ou de outra nação colonizadora) no arquipélago de Fernando de Noronha. Algo intolerável.

A palavra está com a ONU, mas a crise das Malvinas ainda vai exigir mais do Brasil este ano. Agora, porém, o tema está suplantado, momentaneamente, pela dor de uma tragédia — o acidente de trem de quarta-feira em Buenos Aires, com 49 mortos e mais de 600 feridos.

NO SPC E AINDA SEM EMPREGO — Portal ClippingMP

NO SPC E AINDA SEM EMPREGO — Portal ClippingMP

NO SPC E AINDA SEM EMPREGO

CAÇA AO NOME SUJO
Autor(es): Gustavo Henrique Braga e Jorge Freitas
Correio Braziliense - 25/02/2012

Ministério Púbico vai recorrer da decisão do TST que permite às empresas consultarem os serviços de proteção ao crédito antes de contratar trabalhadores.

Sinal verde para que empresas pesquisem no SPC a vida de candidato a emprego causa polêmica e irrita trabalhadores e sindicalistas

A decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de permitir que empresas consultem o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) sobre dívidas de candidatos a emprego causa polêmica. Ao mesmo tempo que irrita sindicalistas, a sentença que reconhece o direito do contratante sobre a vida pregressa do trabalhador ganha o respaldo de advogados especializados na área.

Tudo começou com uma denúncia anônima, feita em 2002, de que o supermercado G. Barbosa, de Sergipe, adotava a prática discriminatória ao não contratar pessoas que, mesmo satisfazendo os requisitos para admissão, estivessem com o nome sujo na praça. Agora, a disputa pode voltar ao próprio tribunal ou até mesmo ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

O procurador-geral do trabalho Luís Camargo, de Brasília, anuncia que vai recorrer da decisão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de 23 de fevereiro, que permitiu a consulta de pendências ao SPC. A seu ver, além de discriminatória, a prática caracteriza invasão de privacidade dos candidatos ao emprego. A medida causou indignação entre trabalhadores e sindicatos. A Força Sindical, por exemplo, estuda uma maneira para pedir a anulação do julgamento. O caso é alvo de divergências até entre especialistas. Alguns deles, ouvidos pelo Correio, apresentaram argumentos contra e a favor à interpretação do TST.

Ricardo Trotta, especializado em direito empresarial, é cauteloso quanto à decisão. Ele alerta que a medida afeta não só o candidato devedor, mas também os credores. "Se a pessoa não conseguir emprego, vai ser mais difícil honrar as dívidas. É uma questão que fere o direito econômico", pondera. Trotta lembra também que, corriqueiramente, as empresas cadastram consumidores indevidamente no SPC, sem que o trabalhador nem sequer saiba que está com o nome sujo.

"Há casos de pessoas que passam anos sem se dar conta disso", acrescentou Trotta. Foi o que aconteceu com a pedagoga Meiri Fabíola Andrade, 34 anos, que teve o nome negativado depois do extravio de conta. "Meu nome entrou no cadastro do SPC por erro de uma grande loja, que mandou o carnê e as correspondências para o endereço trocado. Se o empregador consultasse o cadastro, meu nome seria encontrado e eu seria prejudicada, perdendo uma oportunidade de emprego", alertou.

Para Paulo Sergio João, advogado especializado em direito trabalhista, a decisão do TST está correta. Ele defende que o comportamento social dos candidatos deve, sim, ser avaliado pelas empresas na hora da contratação, para prevenir danos ou prejuízos futuros causados por comportamento inadequado da pessoa contratada. "Não há sentido em o Ministério Público recorrer, já que o próprio cargo de procurador do trabalho exige certidões negativas", sustentou. Camargo rebate. Na sua visão, as exigências para postos públicos ou para empregos comuns no mercado de trabalho devem considerar a diferença da natureza dos cargos.

Entre os que buscam emprego, a repercussão do julgamento do TST foi bastante negativa. A empregada doméstica Mônica Cristina Feitosa de Lima, 42 anos, procura emprego na área de serviços gerais e é contrária à consulta ao SPC por empregadores. "Onde já se viu não dar emprego porque a pessoa tem dívida? Sem trabalho, ela não pode pagar o que deve", protesta. A técnica de enfermagem Zenaide Vieira, 47, também considera injusto que a vida financeira do candidato seja vasculhada pelo empregador. "Não se pode tirar o emprego de quem quer trabalhar. Já enfrentamos problemas por conta da idade depois dos 40 anos e, agora, vamos ter que passar por mais essa", desabafou.

Base legal
A Justiça de Sergipe chegou a propor a assinatura de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) com o supermercado G. Barbosa para suspender as pesquisas ao SPC, mas o estabelecimento se recusou a mudar de postura. Em recurso de ação civil pública, o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) deu ganho de causa ao supermercado, que foi confirmado pelo TST.

O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, mostrou-se surpreso. "A primeira coisa que o trabalhador faz ao conseguir um emprego é pagar as contas atrasadas. Isso (o uso da consulta ao SPC como critério de seleção) vai incentivar a informalidade", argumenta. Para ele, a medida é inconstitucional e pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), com base no artigo da Constituição Federal que estabelece como objetivos fundamentais do país "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

O procurador-geral do trabalho Camargo explica que, assim que for intimado, vai avaliar o processo e preparar uma pesquisa sobre decisões divergentes em casos semelhantes julgados pelo próprio TST. Se houver controvérsia, um recurso de embargo poderá ser apresentado ao próprio tribunal. "Uma coisa é certa: seja no TST ou seja no STF, irei recorrer", assegura. Procurado, o relator do recurso no TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, não quis dar entrevista.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Fora de Pauta | Brasilianas.Org

Fora de Pauta | Brasilianas.Org

A defesa dos Direitos Autorais Eternos: uma proposta modesta


Our copyright laws are stealing from the mouths of Charles Dickens' great-great-great-great granchildren

Na terça-feira 14, a Agência de Crimes Organizados Graves (SOCA) postou uma mensagem em RnBXclusive.com, afirmando: "Se você tiver baixado a música usando este site, você pode ter cometido uma infração penal que acarreta uma pena máxima de até 10 anos de prisão e uma multa ilimitada sob a lei britânica. "

A ameaça da SOCA é uma defesa contundente daquilo que nós prezamos neste país - o direito de um criador se beneficiar da sua propriedade intelectual, seja ela uma música, livro, filme, ou jogo. Sem essa garantia de compensação, não pode haver quaisquer novas obras criativas que estão sendo produzidos, e é por esta razão que temos continuamente aumentado termos de direitos autorais de 14-28 anos previsto pelo Estatuto de Anne , em 1710 para "a vida, mais 70 anos", hoje em dia.

No entanto, agora, como já instituimos penas como décadas de prisão e multas ilimitadas para os infratores de direitos autorais, é hora de dar o próximo passo e estender ainda mais os direitos autorais.

Imagine que você é um pai de 30 anos e você acaba de publicar um novo romance best-seller. Sob o sistema atual, se você viver até 70 anos de idade e seus descendentes tiverem filhos com a idade de 30, o autor em seu livro - e, portanto, os proventos - daria para seus filhos, netos, bisnetos, e grande- bisnetos.

Mas o que, eu pergunto, sobre seus tatara-tatara-tatara-netos? O que eles ganham? Como nossas leis podem ser tão insensíveis a ponto de negar-lhes o benefício de seu trabalho duro em nome de algum conceito abstratos como o "bem público", simplesmente porque nasceram de um século e meio depois que o livro foi escrito? Afinal, quando você escreveu o seu livro, ele saltou de sua mente totalmente formado, sem necessidade de qualquer inspiração de outros trabalhos criativos - você não deve absolutamente nada ao público.

Não, é claro que a nossa lei de direitos autorais atual é inadequada e injusta. Temos de passar aos direitos de autor eternos -- um sistema onde os direitos de autor nunca caducarão, e um mundo em que já não poderão tirar comida da boca dos descendentes de nossos criadores.

Com direitos de autor eternos, e sabendo que nossos tatara-tatara-tatara-netos seus descendentes poderão se beneficiar financeiramente os nossos esforços, sem dúvida, nos estimulará a alcançar alturas criativas maiores do que jamais visto anteriormente.

No entanto, para torná-lo inteiramente justo, Copyright Eterno deve ser aplicado retroativamente para que as gerações atuais possam se beneficiar de obras dos seus antepassados, em vez de permitir que estranhos possam rasgar sua herança.

Na verdade, com que direito a Disney e BBC começa a adaptar Alice no País das Maravilhas, Bela Adormecida, e Sherlock sem pagar os descendentes de Lewis Carroll, dos Irmãos Grimm, e Arthur Conan Doyle?

Claro que haverá alguns efeitos estranhos. Por exemplo, toda a raça judaica vai se beneficiar de seus direitos autorais eternos sobre grande parte da Bíblia, e os parentes Shakespeare receberão royalties inesperados a partir das milhares de performances e adaptações de suas peças - dinheiro merecido, acho que todos podemos concordar.

Naturalmente, vamos precisar de uma burocracia controlada pelo governo para controlar o uso de material protegido por direitos de toda a história e distribuir corretamente os royalties para os milhares de milhões de beneficiários em tempo hábil. Existem algumas desvantagens, como por exemplo, podemos esperar que inúmeros casos legais poderão surgir sobre a obra de vários criadores famosos, que, infelizmente, vão atolar nossos tribunais para o futuro indefinido, mas é um preço razoável, a fim de colocar as coisas direito.

Uma idéia ousada como Copyright Eterno inevitavelmente terá adversários que desejam ficar no caminho do progresso. Alguns afirmam que, devido obras intelectuais não são materiais, ao contrário dos bens tangíveis, e porque eles podem ser copiados sem a perda do original, não devemos tratar como autor de roubo em tudo. Eles podem até citar George Bernard Shaw, que disse: "Se você tem uma maçã e eu tenho uma maçã e nós trocamos essas maçãs, então você e eu ainda temos uma maçã cada um. Mas se você tem uma idéia e eu tenho uma idéia e nós trocamos essas idéias, então cada um de nós terá duas idéias."

Esses adversários toleram a atividade criminosa, pura e simples, e não são francamente melhores do que os próprios criminosos. Por que alguém iria querer criar novas idéias e obras intelectuais se eles não podem beneficiar-se delas para sempre? Será que devemos acreditar que as pessoas têm outras motivações além daquela puramente financeira e quantificável? E eles estão sugerindo que devemos continuar a permitir a "criadores" modernos manchar o legado de lendas como Jane Austen e de Hans Christian Andersen, com suas adaptações inúteis e sem valor, remixes e reinterpretações de Orgulho e Preconceito e A Roupa Nova do Imperador?

Em nome da transparência, eu quero apontar um problema real com Direitos Autorais Eternos, em que será difícil de aplicar, devido à natureza intrinsecamente criminosa da tecnologia digital, que permite que as informações sejam copiadas perfeitamente e instantaneamente. Na ausência de uma proibição total da tecnologia, que evidentemente seria um pouco draconiana, uma solução óbvia seria a de configurar dispositivos digitais para detectar, relatar e evitar a duplicação de material com direitos autorais. Sim, isso pode fazer com que os libertários e defensores da liberdade de expressão saiam loucos em protesto, mas um pouco de ar fresco não lhes faria mal nenhum.

Nós certamente não queremos ouvir as sugestões deles, que nos levaria ampliar a definição de "uso justo" e, terrivelmente, reduzir a termos de direitos autorais de volta para apenas uma vida, ou até menos. Não só tal ato privar nossos grande-grande-netos de seu direito de nascença, mas certamente sufocar a criatividade para a idade das trevas dos séculos 18 e 19, um tempo desesperadamente magro para a arte em que teve que se contentar com meros escrevinhadores como Wordsworth, Swift, Richardson, Defoe, Austen, Brontë, Hardy, Dickens, e Keats.

Será que realmente queremos voltar a esse mundo? Acho que não.

http://blogs.telegraph.co.uk/technology/adrianhon/100007156/infinite-cop...

Sobre a solidão

Sobre a solidão: pNesses dias de carnaval abre-se uma boa janela pa refletirmos sobre a doença da pós-modernidade: a solidão. E nada melhor que pensar nessas palavras de Chico Buarque: “Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear… isto é carência. Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar…isto é Saudade. Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe as vezes, para realinhar os pensamentos…isto é Equilíbrio. Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida…isso é um princípio da natureza. Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado…isto é circunstância. Solidão é muito mais que isso. Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.”/p

Folha de S.Paulo - Opinião - Escravos da modernidade - 21/02/2012

Folha de S.Paulo - Opinião - Escravos da modernidade - 21/02/2012

Vladimir Safatle

Escravos da modernidade

Na semana passada, a imprensa veiculou a notícia de que uma construtora servia-se de trabalho escravo.

A obra não era uma hidrelétrica na região Norte ou em algum lugar de difícil acesso, onde sempre é mais complicado descobrir o que se passa. Na verdade, a obra encontrava-se quase na esquina com a avenida Paulista.

Trata-se da reforma de um dos mais conhecidos hospitais da capital paulista, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Ironicamente, a empresa responsável pela obra chama-se "Racional" Engenharia.

Como não podia deixar de ser, a empresa afirmou que os trabalhadores respondiam a uma empresa terceirizada e que os dirigentes desconheciam realidade tão irracional. Este foi o mesmo argumento que a rede espanhola de roupas Zara utilizou quando foi flagrada servindo-se de mão de obra escrava boliviana empregada em oficinas terceirizadas no Bom Retiro.

É muito interessante como empresas que gastam fortunas em publicidade e propaganda institucional são tão pouco cuidadosas no que diz respeito às condições aviltantes de trabalho das quais se beneficiam por meio do truque tosco da terceirização. Quando se contrata uma empresa terceirizada, não é, de fato, complicado averiguar as reais condições a que trabalhadores estão submetidos, se seus turnos são respeitados e se seus alojamentos são decentes.

Há de se perguntar se tal desenvoltura não é resultado da crença de que ninguém nunca perceberá o curto-circuito entre imagens institucionais modernas, requintadas, "racionais", e sistemas medievais de exploração.

No fundo, essa parece ser mais uma faceta de um velho automatismo brasileiro de repetição: discursos cada vez mais elaborados e modernos, práticas cada vez mais arcaicas. Afinal, tal precariedade foi feita em nome de novas práticas trabalhistas, mais flexíveis e adaptadas aos tempos redentores que, enfim, chegaram.

Não mais a rigidez do emprego e do controle dos sindicatos, mas a leveza do paraíso da terceirização, onde todos serão, em um horizonte próximo, empresas. Cada trabalhador, um empresário de si mesmo.

Que essa flexibilidade tenha aberto as portas para uma vulnerabilidade que remete trabalhadores à pura e simples escravidão, isto não retiraria em nada o brilho da ideia. Pois apenas os que temem o risco e a inovação poderiam querer ainda as velhas práticas trabalhistas. Pena que o novo tenha uma cara tão velha.

Pena também que, como os gregos mostrem a cada dia, quem paga o verdadeiro preço do risco sejam, como dizia o velho Marx, os que já perderam tudo.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O médico do Brasil | Carta Capital

O médico do Brasil | Carta Capital

Há três meses, o humorista Danilo Gentili lançou em seu programa uma pseudocampanha chamada “Brasil Sem Drauzio Varella”. Era uma alusão irônica ao quadro “Brasil Sem Cigarro”, do programa Fantástico, da TV Globo, no qual o médico fazia uma campanha contra o tabagismo. “Essa mania de ficar enchendo o saco dos outros, dizendo o que as pessoas devem ou não fazer. É isso que me deixa doente”, vociferou. A blogosfera, atenta a polêmicas, dividiu-se. Parte saiu em defesa do doutor, como um rapaz que deixara de fumar havia um mês por causa dele ou uma menina que emagrecera, graças a ele. Outros como Gentili, diziam que o doutor passara dos limites ao ditar regras de saúde na tevê. Mas em um ponto o consenso era total: Drauzio assumira o papel de médico geral da nação, à frente de uma quixotesca batalha pela saúde nacional – como se o País fosse um indivíduo doente sem informação. Por que justamente ele personificara esse pai-de-todos, ao colocar sobre as próprias costas questões de saúde que deveriam ser enfrentadas por meio de políticas do poder público?

Drauzio Varella

“O governo se acomoda. E milhares de meninas morrem por ano por não ter informação sobre aborto”, diz o homem de 1,85 metro de altura, 68 anos e 80 quilos que parecem menos na camisa simples como seus gestos, enquanto se ajeita no sofá em busca de uma posição menos incômoda. “Metade da população está acima do peso e não se fala disso. Os negros morrem mais de diabetes e não se alerta para isso.” As mãos discursam no ar, professor que já foi, a explicar o óbvio para uma plateia sedenta. A solução brilha nos olhos. “O Estado precisa esclarecer a população. Hoje falta mais informação que remédio. Honestamente, é como se o Sistema Único de Saúde (SUS) nunca tivesse sido implantado no Brasil.”

Do alto da autoridade de quem cansou de encontrar senhores idosos que nunca viram um especialista na vida, analfabetos quase cegos de catarata sem conhecer nem o nome da doença facilmente curável e mulheres com mais de cinco filhos ignorantes da chance de uma laqueadura gratuita pelo SUS, Drauzio, qual um porta-voz das carências médicas do País, diz que o peso de não aproveitar o acesso aos meios de comunicação conquistado por ele é grande demais. “Televisão é uma armadilha. Você entra, faz a sua parte, e todos acham que é importante demais para parar. Racionalmente, eu devia parar. Mas não posso. Virou um compromisso com a nação.” Um compromisso assumido da forma mais heterodoxa possível.

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Sudão do Sul: Luta por sobrevivência humana marca o novo país

Era 1967, quando se formou em medicina, já com a calva anunciando o domínio sobre o futuro personagem. O jovem Drauzio Varella sonhava enveredar pelo caminho da saúde pública. “Mas ser sanitarista àquela época era complicado.” Recém-casado, acabou especializando-se em moléstias infecciosas. Tornou-se oncologista. E, em 1983, quando foi a Nova York fazer um estágio em imunologia, viu-se no epicentro do que era pintado como a epidemia gay. Ao ouvir da boca de amigos homossexuais que nunca pegariam a doença, estacou. “Senti que sabia de uma tragédia e precisava fazer alguma coisa.” No Brasil, o governo de João Figueiredo não se interessou pelo assunto. Mas a Aids o traria de volta ao domínio da saúde pública, mas pelo tortuoso caminho da mídia. “Aqui é o doutor Drauzio Varella.” Assim dizia a voz, naturalmente confiável, que ganhou o rádio e a boca dos brasileiros no começo dos anos 1980. Tudo por obra de um homem que entraria para a história do jornalismo – mas cujo mérito se conta pela metade. Drauzio agora repara a dívida.

De volta ao Brasil, “enlouquecido” com as possibilidades devastadoras daquela doença misteriosa, o jovem doutor escreveu um artigo no jornal O Estado de S. Paulo. O texto abriu espaço para uma entrevista na Rádio Jovem Pan, do então diretor Fernando Vieira de Mello, que o convidou a gravar vinhetas sobre o tema. O doutor relutou o quanto pôde. Temia a repercussão entre os pares. “Naquela época, médico sério não aparecia no rádio ou na tevê.” Vieira foi assertivo. Era importante para a população, não para sua carreira. Assim deu as primeiras lições ao futuro médico mais midiático da história nacional. “Aqui é o doutor Drauzio Varella”, diria então a vinheta criada por ele, seguida do conselho de prevenção, paternal às vezes, agressivo, outras, mas sempre fluido. A simplicidade do vocabulário e o tom pausado do discurso, conquistados em 20 anos como professor do cursinho Objetivo, deram à voz grave uma clareza quase mística, por dez anos a fio. Um dia, vaticinou Vieira de Mello, certo outra vez, num corredor da Jovem Pan: ele “acabaria na tevê”.

Drauzio não queria dar rosto à voz. Desde 1997 como colaborador de CartaCapital, onde discorria sobre temas caros à saúde nacional, o doutor seguiu a atender os detentos do Carandiru, maior e mais polêmica cadeia do Brasil, bem longe das telas. Em 1999, tudo mudou. O relato da experiência rendeu o best seller Estação Carandiru, que vendeu mais de 450 mil cópias, foi transformado em filme e o impulsionou a mais um degrau na fama: o de bom escritor, vencedor, inclusive, do Prêmio Jabuti. Provam-no outros nove livros seus, como Por um Fio, no qual trata de forma delicada sobre o enfrentamento de doenças terminais – e que vendeu outras 200 mil cópias.

Mas foi depois do Carandiru que o rosto magro e calvo acabou por ganhar o Brasil. Ciente da imagem de bom moço advinda da publicidade do livro, a Globo o convidou para apresentar uma série sobre o corpo humano comprada da BBC e o encarregara de apresentá-la. O sucesso foi instantâneo. Drauzio começou a ser parado na rua para consultas relâmpagos por um exército de carentes de informação em saúde. E a Globo quis mais. “Eu não queria perder a privacidade, virar uma figura pública”, lembra. Até que passou a assinar uma coluna na Folha de S.Paulo com dicas sobre higiene e saúde e receber da Globo outra proposta. “É importante para a população”, teriam dito. “Eles ficaram loucos com a audiência”, complementa Drauzio. E lá foi ele fazer uma série sobre primeiros socorros, a primeira de mais de 30. Hoje ele grava até três delas por ano, com a qual tem contrato de exclusividade e onde recebe (“bem”) pelo que faz.

O que explica como uma única pessoa conseguiu, em termos de opinião pública, se transformar na maior autoridade médica do País, à frente de campanhas sobre tabagismo, aborto, higiene. É surgir um tema complexo e urgente ignorado pela inépcia do poder público e lá está Drauzio a dar conselhos e a responder dúvidas. “Existe realmente um vácuo em termos de informação em saúde que ele preenche”, diz Raphael Aguiar, especialista em saúde pública e educação e coordenador técnico da Universidade Aberta do SUS. “Como o Drauzio é uma entidade abstrata e carismática que surge sempre na televisão, com linguagem acessível, a pessoa não se sente pressionada. Ela ouve, presta atenção. É mais motivador do que uma campanha.”

O Ministério da Saúde oferece informações, até nos seus sites. Mas há problemas de linguagem. “Conheço gente que ouve que deve tomar uma colher de chá de remédio após o almoço e não toma por não ter colher de chá ou não ter almoçado.” Um paciente, explica Aguiar, deixa o consultório lembrando, em média, 60% das orientações do médico. Uma semana depois, a taxa cai para 15%. Certa vez, conta, ele viu num ambulatório um cartaz alertando para a doença celíaca, rara no País, e incentivando quem lesse a procurar um médico. Ao questionar o governo sobre a demanda desnecessária que recairia sobre o SUS, ouviu a seguinte resposta: fora pressão do lobby da associação dos celíacos. “Comunicação é um problema do SUS. Ele não é eficiente em informar as pessoas. O que o governo precisa fazer é ouvir a população sobre suas demandas reais e estabelecer uma política que promova essas informações.”

Não há dúvida no governo de que a promoção de saúde via educação popular é fundamental para permitir o melhor uso do SUS. Tanto que o Conselho Nacional de Saúde recriou, em 2005, a Comissão Intersetorial de Comunicação e Informação em Saúde, exatamente para fomentar tais políticas. “A área de saúde deveria ter um espaço maior garantido por lei na tevê aberta. Mas, enquanto isso não acontece, é louvável ter iniciativas que levem informações às pessoas”, diz Maria de Lourdes Rodrigues, coordenadora-adjunta da comissão. “Um exemplo é o programa que o SUS oferece de tratamento para parar de fumar. Nem todo mundo sabe disso. E muitos descobrem nesses programas.”

Com tanta unanimidade nacional, o nome surgiu como natural candidato a um cargo público. Em 2005, o então ministro das Relações Institucionais Jaques Wagner procurou-o para um convite. Lula o queria como ministro da Saúde. Mas ele disse não. Não seria a chance perfeita de trazer para a discussão pública as chagas que conhecia de cor, colhidas nos rincões mais carentes do País que visitara na esteira da mídia? “Num cargo como esse há pressões políticas e concessões. E eu não sei fazer esse jogo”, defende-se, citando o exemplo de Adib Jatene, médico de carreira exemplar que foi ministro duas vezes e acabou deixando o de Fernando Henrique Cardoso após perder a ilusão a respeito das possibilidades concretas da cobiçada pasta de orçamento bilionário. “Eu teria de fechar meu consultório, meu site, parar minhas colunas, meus programas de tevê. E tudo para fazer algo que não sei? Jamais.” Drauzio diz ser raramente procurado pelo governo. “Mas tento fazer o meu trabalho em consonância com as possibilidades deles.” Não há mais informação disponível, argumenta, porque o Estado não tem estrutura para atender tanta gente. “As mulheres com mais de 40 anos devem fazer mamografia. Mas o Ministério da Saúde vai mandar todas fazerem o exame amanhã no SUS? Não tem como.” Falta de investimento em saúde não é tudo. Ao elencar os maiores problemas em termos de políticas públicas de saúde, Drauzio não hesita: planejamento familiar está no topo. Numa de suas séries televisivas, ele entrou na sala de milhões de brasileiras para ensinar quais são os métodos anticoncepcionais. “Só nasce criança pobre neste País. Se você encontrar uma mulher presa, de 25 anos, sem filhos, ou ela é gay ou infértil. Mais filhos arruínam a vida dessas pessoas.” Drauzio suspira. Meses depois, quando a van da Globo parava em um posto de saúde da periferia para produzir mais um programa, um enxame de mulheres rodeou o doutor. Uma delas implorou por uma laqueadura. “Por que não se faz uma campanha explicando que a laqueadura é um direito a todas as mulheres com mais de 25 anos e dois filhos? Por medo de ser eugenista, claro. E por medo dos religiosos.” Ateu convicto, ele aponta a Igreja como dona do monopólio da informação, algoz de uma “ditadura moral que faz o governo calar”. Drauzio não se calou. O programa foi um sucesso. “Mas que eu tomei pancada desses demógrafos e padres, tomei.”

Filho de uma família humilde do Brás, bairro operário de São Paulo, Drauzio soube que queria ser médico desde pequeno, ao ver o padecimento da mãe por uma doença degenerativa que povoou sua memória infantil. Ficou órfão aos 4 anos. Aos 22, dava aulas em um cursinho com outros colegas, no que viria a ser o Objetivo, império da educação privada que hoje pertence ao ex-sócio João Carlos Di Genio. É ele quem patrocina, indiretamente, o projeto de pesquisa de antibióticos que leva Drauzio à Amazônia todo mês. Pai de duas filhas do primeiro casamento, e hoje marido da atriz Regina Braga sua rotina nunca foi pacata. Acorda por volta das 5 horas da manhã para correr (participou de várias maratonas). Às segundas, pela manhã, atende as detentas da Penitenciária Feminina. À tarde, grava para a tevê. Terças, quartas e quintas dedica-as aos pacientes de câncer em seu consultório, no terceiro andar de um prédio em frente ao Hospital Sírio-Libanês, do qual faz parte do staff. Às sextas, volta aos estúdios.

Sobra ainda, nas 24 horas diárias, espaço para uma faceta que completa a esfera de influência ímpar. Sempre que pode, Drauzio sobe do terceiro ao 15º andar para falar a 40 mil pessoas por dia, da sala com estúdio e laptops onde mais de cinco pessoas alimentam seu site. Assim ele ergueu silenciosamente, com dinheiro do próprio bolso, um pequeno monumento à promoção gratuita de informações sobre saúde. O www.drauziovarella.com.br começou tímido, com entrevistas com especialistas e dicas de prevenção. E acabou se transformando numa fonte de consulta para 1 milhão de pessoas por mês. Há artigos, entrevistas, vídeos, notícias e, mais acessada que tudo, uma “enciclopédia de saúde”, repleta de verbetes explicativos com informações sobre sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção, que cobre de doenças sexualmente transmissíveis a arroto, de botulismo a erisipela, secundados pelo lembrete: “Procure um médico”.

Sobre os limites de sua atuação quase oracular, de sua assertividade clínica que beira, para alguns, a intromissão nas liberdades individuais, Drauzio não titubeia. “O Estado precisa fazer muito mais para proteger o cidadão do mal de terceiros.” Defrontado com a opinião de filósofos de direita como Denis Rosenfield, para quem o Estado, “ao tentar disciplinar a vida dos cidadãos”, acaba por “impor a sua noção de bem”, ele leva a mão à cabeça. Prepara-se para responder. O telefone toca. Ele atende, muda o horário de um compromisso, dá instruções sobre outro. E retorna exatamente ao ponto do raciocínio que parou. “É burrice dizer que o Estado vai interferir na liberdade individual ao fornecer informações sobre saúde. O livre-arbítrio é um direito, assim como é um direito saber os males que o cigarro ou a obesidade fazem.”

Para quem fumou por 19 anos e perdeu primos e um irmão de câncer e doenças cardiovasculares, a frase choca mais. “Eu não tenho ilusão de que consiga mudar comportamentos. Mas quem fala uma bobagem dessas não percebe que milhões de pessoas que não têm informação alguma podem precisar daquele conselho para viver.” Com o dedo em riste, o médico extraoficial da nação desempenha impecavelmente o papel a ele atribuído pelas pessoas nas ruas das periferias, nas redes sociais e nos barcos da Amazônia. “Se o Estado não dá conta, qualquer ajuda é bem-vinda. Ter 50 milhões de pessoas, a maioria sem acesso a nada, prestando atenção na tevê, ali, em você, é um privilégio.” Ninguém pode acusar Drauzio Varella de não aproveitá-lo

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Folha de S.Paulo - Ilustrada - Para Carr, internet atua no comércio da distração - 18/02/2012

Folha de S.Paulo - Ilustrada - Para Carr, internet atua no comércio da distração - 18/02/2012

Para Carr, internet atua no comércio da distração

Autor de "A Geração Superficial" analisa a influência da tecnologia na mente

Segundo jornalista americano Nicholas Carr, a internet pode ser capaz de homogeneizar as fronteiras culturais

ELISANGELA ROXO
DE SÃO PAULO

O jornalista americano Nicholas Carr acredita que a internet não estimula a inteligência de ninguém.

Ele fez um apanhado teórico sobre a superficialidade que a web provoca no livro "A Geração Superficial - O que a Internet Está Fazendo com os Nossos Cérebros", lançado agora no Brasil pela Agir.

Na obra, o autor explica descobertas científicas sobre o funcionamento do cérebro humano e teoriza sobre a influência da internet sobre nossa forma de pensar.

Graças a este livro, Carr se tornou referência quando o assunto é oposição aos avanços e às possibilidades criadas pela internet.

Para ele, a rede torna o raciocínio de quem navega mais raso, além de fragmentar a atenção de seus usuários.

Mais: Carr afirma que há empresas obtendo lucro com a recente fragilidade da nossa atenção.

"Quanto mais tempo passamos on-line e quanto mais rápido passamos de uma informação para a outra, mais dinheiro empresas de internet, como Google e Facebook, fazem", avalia.

"Essas empresas estão no comércio da distração e são experts em nos manter cada vez mais famintos por informação fragmentada em partes pequenas. É claro que elas têm interesse em nos estimular e tirar vantagem da nossa compulsão por tecnologia."

A crítica de Carr começou com o artigo "O Google Está nos Deixando Mais Burros?", publicado em 2008 na revista "The Atlantic Review". A repercussão foi tamanha que a história virou livro.

FRONTEIRAS

No ano passado, a obra figurou entre as mais vendidas nos EUA e foi finalista da categoria de não ficção do Prêmio Pulitzer, o "Oscar literário". O livro foi traduzido para mais de 20 línguas.

Segundo Carr, a internet, com seu alcance ilimitado, pode ser uma ameaça às fronteiras culturais.

"Nosso uso de tecnologia é influenciado por normas sociais e culturais. Mas, a longo prazo, a tecnologia tende a homogeneizar tudo. Ela já começa a apagar as diferenças culturais e estimula um uso padrão em todo o lugar", ressalta Carr.

"Acho que, ultimamente, a internet é usada de forma igual, com efeitos semelhantes, independentemente do lugar e da cultura."

OFF-LINE

Para tentar recuperar o raciocínio perdido, o próprio jornalista resolveu se desconectar um pouco.

Fechou suas contas no Facebook e no Twitter e mantém apenas a atualização de um blog pessoal.

Carr afirma não ter interesse em voltar para nenhuma das duas redes sociais. Ele as considera fontes de "limitação do pensamento".

Apesar disso, o autor aderiu recentemente à nova rede social do Google, o Google+, que diz ter achado "muita chata".

"Entrei porque escrevo sobre tecnologia e quero entender esse serviço. Apesar de não ser tão banal quanto o Facebook, espero poder encerrar logo minha conta."

A GERAÇÃO SUPERFICIAL

AUTOR Nicholas Carr
EDITORA Agir
TRADUÇÃO Mônica Gagliotti Fortunato Friaça
QUANTO R$ 49,90 (312 págs.)

Folha de S.Paulo - Ciência - Vírus assassinos e medo da ciência - 19/02/2012

Folha de S.Paulo - Ciência - Vírus assassinos e medo da ciência - 19/02/2012
Marcelo Gleiser
Vírus assassinos e medo da ciência
Iniciativa de interromper a pesquisa sobre o H5N1 e a circulação livre dos resultados é alarmante
No final de janeiro, cientistas de vários países assinaram uma moratória de 60 dias cessando certos tipos de experimentos genéticos envolvendo o vírus H5N1, que causa a gripe aviária. Sei que estamos em ritmo de Carnaval, mas achei o assunto importante, mesmo nesta época de hedonismo puro.
O vírus H5N1, comumente encontrado em aves selvagens, raramente afeta humanos e não é transmitido facilmente. Porém, quando afeta, sua eficiência é alta: das 500 vítimas registradas, metade faleceu.
A interrupção das pesquisas foi necessária após um grupo da Holanda mostrar que, quando geneticamente modificado, o vírus pode ser transmitido entre ferrets, mamíferos que fazem o papel de cobaias. O grupo holandês queria demonstrar que devemos ter cuidado: pequenas mudanças podem transformar o vírus numa doença letal e altamente contagiosa, com potencial de causar uma pandemia catastrófica. Ao aprender mais sobre o vírus, poderíamos nos preparar melhor caso ele venha a se transformar.
Os resultados levantam uma série de questões sobre a natureza da pesquisa científica e o seu controle. Tanto que a OMS (Organização Mundial da Saúde) organizou uma conferência às pressas na semana passada com alguns especialistas.
Parece enredo de filme: acidente em laboratório permite que o vírus escape e comece a infectar a população, matando milhões.
Na imaginação pública, é o mito do doutor Frankenstein, o cientista que, mesmo agindo com a melhor das intenções, cria um monstro assassino que foge do seu controle. (Ao menos na versão de Hollywood, mais popular do que a original de Mary Shelley, uma exploração brilhante da ciência de ponta de sua época -início do século 19- e dos limites do poder que temos sobre as forças da natureza).
Quando cientistas veem necessidade de censurar o trabalho de outros cientistas podemos ter certeza de que o debate será ferrenho. Afinal, um dos aspectos mais essenciais da ciência acadêmica é justamente sua abertura: qualquer um pode ter acesso aos dados e à metodologia usada, de modo que os resultados possam ser replicados, testados e, em geral, melhorados.
A iniciativa de interromper a pesquisa e a livre circulação dos resultados é alarmante. Será que esse tipo de pesquisa deve ser proibido? Será que deve ser relegado a laboratórios ultrasseguros, como os que guardam amostras de varíola ou ebola? Será que salvaguardas podem ser implementadas de modo que detalhes-chave sejam revelados apenas para pesquisadores selecionados? E quem decide que pesquisadores são esses? Isso me lembra a paranoia durante o Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica na Segunda Guerra. O medo de espionagem quase destruiu a carreira de J. Robert Oppenheimer. Imagine só as teorias de conspiração que surgirão a partir do vírus.
Da bomba atômica deveríamos aprender que a pesquisa nunca anda para trás. Uma descoberta nunca é esquecida. Por outro lado, não devemos equacionar a ciência com a caixa de Pandora. No caso do H5N1, a pesquisa que estuda como o vírus pode ser transmitido entre humanos é o melhor modo de entendê-lo. Ou, caso ocorra, de como criar uma imunização eficiente.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI


A NOTICIA:

Estudos sobre gripe aviária ficam secretos por enquanto, diz OMS
Criação de mutação do vírus H5N1 transmissível entre mamíferos causou temor de bioterrorismo DA ENVIADA ESPECIAL A VANCOUVER
Uma reunião da OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu que os dois polêmicos estudos que criaram formas mais contagiosas do vírus da gripe aviária (H5N1) devem ser publicados na íntegra. Quando isso vai acontecer, porém, é um mistério.
A decisão da OMS diz que, antes da publicação, é preciso fazer uma ampla discussão sobre todos os riscos envolvidos na divulgação dos detalhes da pesquisa.
Os 22 especialistas que debateram a questão durante dois dias não apresentaram um prazo para isso. Ou seja: essas informações seguem em segredo, por enquanto.
O debate começou quando o NSABB (Conselho Científico para a Biossegurança Nacional), do governo dos Estados Unidos, pediu que as revistas "Science" e "Nature" não publicassem os artigos sobre a pesquisa na íntegra.
Cientistas dos EUA e da Holanda conseguiram fazer com que uma cepa do vírus tivesse mutações que o tornaram transmissível entre mamíferos. O H5N1 só é transmitido entre aves ou, raramente, de aves para humanos.
Na opinião do editor da revista "Science", Bruce Alberts, a opção por publicar os artigos na íntegra no futuro é acertada. Em entrevista ontem na reunião da AAAS (Sociedade Americana para o Progresso da Ciência), ele afirmou que a questão da segurança é importante, mas que não seria fácil replicar os resultados das pesquisas.
"Apesar de a metodologia estar toda ali, não é uma coisa simples de fazer. Você precisa de cientistas especializados e do material adequado."
 

As enchentes e a “falta de planejamento”

As enchentes e a “falta de planejamento”

Verão no sudeste, tempo de chuvas. Sistematicamente, também, tempo de enchentes, casas desabando, pessoas desabrigadas e, às vezes, até mortes. Certamente, neste momento, se discutem soluções, se anunciam investimentos e novas regulações, se buscam culpados… Neste debate, a “falta de planejamento das cidades” sempre aparece como a grande responsável pelos desastres.

As “ocupações irregulares precárias, que não obedecem à lei” e a “falta de fiscalização” aparecem como sinônimos dessa tal “falta de planejamento”. Como se tivéssemos um sistema de ordenamento territorial ótimo, mas que é desobedecido pelas classes sociais mais pobres, que ficam construindo favelas e ocupando locais indevidos. Se seguirmos essa lógica, imediatamente, identificamos os dois culpados pelas tragédias: os “invasores” e os “políticos”, que não fiscalizam. Nada mais equivocado e simplista!

Em primeiro lugar, porque no Brasil simplesmente não existe, nem nunca existiu, um sistema de ordenamento territorial. O que existem são regras setoriais (meio ambiente, patrimônio, urbanismo) que não dialogam entre si e, muito menos, com os sistemas de financiamento do desenvolvimento urbano. Os planos diretores que, teoricamente, deveriam cuidar desta tarefa de ordenar o território, ou são mera expressão dos interesses econômicos dos setores envolvidos diretamente na produção da cidade, ou simplesmente não regulam nem definem os investimentos em cidade nenhuma do país. Além do mais, os planos diretores são municipais, sendo que muitas das nossas cidades são aglomerados ou regiões metropolitanas.

A expansão das cidades, ou seja, as novas áreas que vão sendo abertas para ocupação urbana, NUNCA foi planejada em nosso país. Os loteamentos foram sendo aprovados sempre no caso a caso, quando o proprietário da gleba decidia loteá-la. E nunca existiram programas ou recursos para que os municípios ou Estados produzissem ”cidade” antes de esta chegar.

O que existem são recursos para construir casas, escolas, praças de esporte, investir em água e esgoto, mas nunca “tudo junto ao mesmo tempo agora”. Finalmente, quem pensa que ocupações de áreas não aptas para urbanizar, como várzeas de rios e encostas, são “privilégio” dos pobres, está enganado. Em muitas cidades (vejam a várzea do Tietê, em São Paulo) este é um modelo disseminado…

No ano passado, logo após as chuvas que devastaram a região serrana do Rio de Janeiro, no início do ano, além de vários locais em Niterói e na cidade do Rio, em abril, a presidência da República encomendou aos ministérios uma Medida Provisória para tratar justamente do tema do ordenamento territorial. Em outubro, finalmente, o governo federal editou a Medida Provisória 547 (link), determinando a formulação de um cadastro nacional de municípios onde ocorreram eventos deste tipo nos últimos 10 anos, tornando obrigatório para os municípios cadastrados a realização de mapas de risco, planos de contingência e utilização de carta geotécnica para aprovação de loteamentos.

A novidade mais interessante, entretanto, que vai além da questão do risco, é que TODOS os municípios serão obrigados a desenvolver um plano de expansão toda vez que ampliarem o seu perímetro urbano, criando uma nova zona urbana ou de expansão urbana. Nenhum loteamento poderá ser aprovado nesse novo perímetro enquanto não houver esse plano. Além de identificar as áreas de risco, esse plano precisa identificar também as áreas que devem ser protegidas do ponto de vista do patrimônio ambiental e cultural, definir todas as diretrizes e demarcar as áreas que serão utilizadas para a instalação de infraestrutura, sistema viário, equipamentos públicos etc. O plano precisa também prever zonas de habitação de interesse social nessas áreas.

A iniciativa é importante? Sim, é fundamental! Entretanto, se não incidir em questões que hoje sabotam a existência de um sistema de ordenamento territorial, esta vai virar mais uma regulação inútil, emaranhada com as demais… e aí, dá-lhe mais enchentes e desabamentos!

Texto publicado originalmente no Yahoo! Colunistas

Por uma Carta das Responsabilidades Universais

Por uma Carta das Responsabilidades Universais

Por uma Carta das Responsabilidades Universais



Redes, grupos de trabalho, seminários, encontros e conferências estão surgindo nas diferentes regiões do mundo para alimentar os debates na perspectiva de Rio+20.




Projeto de Carta das Responsabilidades Universais


A Carta da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos são os dois pilares éticos e políticos da comunidade internacional. Desde já faz sessenta anos, eles têm permitido a criação de instituições e de regras internacionais, fazendo com que seja mais humana a vida internacional. Ainda hoje, eles são insuficientes para gerar as nossas interdependências e proteger a integridade do planeta, cujo futuro depende de nós.

A necessidade de um terceiro pilar ético da comunidade internacional, acompanhando a Carta da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tem sido reconhecida faz mais de quarenta anos. Têm acontecido já múltiplas tentativas nesse sentido. Nenhuma delas tem atingido o sucesso. Um longo trabalho intercultural e inter-religioso tem demonstrado que as noções de responsabilidade e de co-responsabilidade se acham no coração da ética e do direito do século XXI, sendo então, a base desse pilar. Essas experiências expõem as dificuldades do exercício, mas também, permitem ter uma visão do conjunto das dificuldades que se tem que confrontar. O trabalho de elaboração e do inicio do debate da Carta das Responsabilidades Universais se alimenta de todas essas experiências.

Tem dois tipos de desafios: os critérios a serem respeitados pelo texto de ética «universal »; a maneira de conseguir colocar a sua introdução no debate internacional, para logo depois, atingir à sua adoção pela comunidade internacional. Isso é o fruto de quinze anos de trabalho. O Rio+20 chega nesse processo num momento específico, e a iniciativa do governo do Brasil torna-se decisiva.



1.– Os critérios de o terceiro pilar

a) Um texto de ética universal tem que estar arraigado na consciência das sociedades. A ética não se decreta. É o resultado de uma longa historia. As pessoas simples têm que reconhecer a legitimidade de um texto, já que ele aparece como um eco dos seus corações e das suas vidas.

b) Um texto tem que ter um alcance universal, se aplicando em diferentes escalas, desde a vida individual até a governança mundial, desde as crianças até os Estados ou as empresas multinacionais, se aplicando também em todos os setores da vida, da economia e das relações internacionais, da ciência e do meio ambiente. Daí que os textos específicos demais quanto a um setor, como os rascunhos da Carta da Terra elaborados durante a Cúpula da Terra de 1992, não tiveram sucesso. Um texto de ética universal tem que poder se traduzir logo em convenções internacionais aplicadas em setores particulares (desde a biodiversidade até os paraísos fiscais) e ele se torna a sua base.

c) Um texto de ética universal tem que ser o fruto de um diálogo inter-religioso e inter-cultural. Passou já aquele tempo quando a ação determinada de um pequeno grupo de pessoas animadas por René Cassin e Eleanor Roosevelt podia transformar um conceito elaborado em Ocidente num principio universal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos; um princípio de ética universal tem que achar um eco nas diferentes culturas, condição por uma parte, para ele ser aceito por uma comunidade internacional multipolar, e condição também para ele ter um alcance prático.

d) O texto tem que enunciar princípios éticos gerais e não só enumerar preceitos normativos; trata-se do corolário da sua generalidade; confrontado à diversidade das situações e aos dilemas éticos da vida real, onde as normas morais entram em contradição e onde precisamos priorizar e escolher, ele tem que propor formas para a escolha; quando o texto confrontar a diversidade das atividades, ele tem que permitir elaborar para cada uma delas princípios mais precisos, ou seja, códigos deontológicos. Porém, o princípio ético é o fundamento do código, ele não é o código mesmo.

e) Segundo o indicado na expressão « terceiro pilar », o texto tem que ter uma base durável e sólida, a partir da qual ele possa elaborar, ao longo do tempo, um edifício diversificado: regras de direito internacional, convenções internacionais aplicadas nos setores os mais variados, códigos de deontologia profissional, programas de educação, contratos, etc. À semelhança dos preâmbulos das constituições, ele tem que exprimir de uma maneira perene os fundamentos do « viver juntos ». Para o texto poder ser durável, ele tem que ser curto e não só fazer alusão aos problemas que tem que se resolverem no imediato, mas ele tem que falar das categorias de problemas achados em diferentes épocas.

f) As rações de apresentá-lo hoje têm a ver com uma mudança profunda de nossas sociedades, com um novo estado da humanidade que tem que durar. Eis o caso da interdependência planetária, do impacto das ciências e da tecnologia, da necessidade de voltar compatível o bem-estar de todas as pessoas e a preservação da integridade do planeta.

g) Um texto geral não é só uma vaga declaração de intenção que todo mundo aceita, porém sem comprometer ninguém. Os princípios éticos têm que demonstrar que eles inspiram -numa multidão de situações concretas- uma mudança do comportamento, que essa mudança resulta de uma inquietação ética individual – o desejo que os atos sejam coerentes com as convicções-, de um acordo contratual –tal o caso dos códigos éticos adotados por uma instituição ou uma profissão- ou de regras de direito derivadas de um princípio ético- como as regras e os tribunais de justiça derivados dos direitos humanos-.

h) Na transposição de regras de direito, um princípio ético tem que poder seguir três caminhos: a transposição dentro dos direitos nacionais; a criação de um direito internacional dotado das suas próprias instâncias e dos seus próprios mecanismos de sanção; a criação de uma tonalidade cultural que seja favorável para a emergência de uma jurisprudência internacional, que circule de uma esfera jurídica para outra.

O processo de trabalho que acabou num anteprojeto de Carta das Responsabilidades Universais foi inspirado diretamente pela analise desses critérios, e acreditamos que a idéia de responsabilidade, de uma parte, e a sua tradução num projeto de texto, de outra parte, se apresentam como uma resposta satisfatória para todas essas exigências. De uma maneira específica, os dez anos da prática do debate e das traduções concretas do principio das responsabilidades nas diferentes culturas e nas diferentes profissões, têm permitido verificar certa quantidade dessas especificações.


2. As condições de uma adoção de um terceiro pilar pela Comunidade internacional

a) A adoção de um texto fundamental pela comunidade internacional é o resultado de um processo. Uma etapa essencial do processo tem a ver com colocar na agenda internacional a idéia do texto – a necessidade dele- e de um projeto de texto – a concretização de uma resposta possível para essa necessidade-. Esta é a etapa que temos que atravessar na ocasião do Rio+20.

b) A legitimidade de um projeto de texto se deduz segundo três considerações: é o fruto de um processo de trabalho intercultural; responde satisfatoriamente às especificações que têm sido enunciadas; implica a sociedade e não é só o produto de intercâmbios diplomáticos.

c) A função de um comitê formado por altas personalidades é aquela de afirmar de uma maneira audível e crível diante dos governos, diante das sociedades e diante das transmissoras mediáticas, a absoluta necessidade de esse terceiro pilar. Sem uma consciência compartilhada de essa necessidade e de essa urgência, o processo do andamento do texto dentro do mais profundo da negociação internacional será interrompido no seu andamento mesmo. O comitê de altas personalidades representa uma forma de consciência moral universal capaz de proclamar a necessidade de atingir um resultado.

d) A função do seminário de juristas internacionais de setembro de 2011 é dupla: manifestar o caráter internacional e intercultural do processo de elaboração; verificar que o processo de texto respeite as especificações enunciadas e, de maneira particular, que ele satisfaça à necessidade de propor uma nova fonte do direito internacional e um eco para as tentativas de evolução, que estão indo já nesse sentido.

e) As reflexões éticas têm também que envolver a sociedade, daí a importância da Cúpula dos povos que antecede a Cúpula dos chefes de Estado. Durante essa cúpula dos povos, as questões éticas têm que ser abordadas, mas também os impasses atuais relacionados com a fragilidade das regulações internacionais e do direito internacional. O formato e a agenda dessa cúpula dos povos fazem parte da estratégia do conjunto.

f) Um país importante tem que ter a iniciativa de apresentar esse assunto na agenda da Cúpula, de impô-lo diante das diplomacias que preparam hoje uma cúpula sem consistência e que não ameaça nenhum interesse nacional. Segundo diversas rações, só o Brasil se encontra numa posição favorável para esta iniciativa para o Rio+20.

g) Logo depois dos debates que terão lugar no Rio+20, um grupo de países terá que iniciar o processo para atingir à adoção de um texto na Assembléia Geral das Nações Unidas. Vários tipos de grupos podem ser previstos.


Proposta para uma Carta das responsabilidades universais

Preambulo

Nós, Representantes dos Estados Membros das Nações Unidas, reunidos no Rio de Janeiro na Cúpula do Planeta, em junho de 2012



Constatando

• -1- que a amplidão e a irreversibilidade das interdependencias que foram criadas entre os seres humanos, entre as sociedades e entre a humanidade e a biosfera constituem uma situação radicalmente nova na história da humanidade, transformando-a de modo irreversivel em uma comunidade de destino;

• -2- que a busca infinita de modos de vida e de desenvolvimento atuais, acompanhada de uma tendencia a limitar suas proprias responsabilidades, é incompativel com a harmonia entre as sociedades, a preservação da integridade do planeta e a salvaguarda dos interesses das gerações futuras;

• -3- que a amplidão das mudanças hoje necessárias está fora do alcance de cada um de nós e implica no empenho de todas as pessoas e de todas as instituições públicas ou privadas;

• -4- que as modalidades juridicas, politicas e financeiras de direção e de contrôle das instituições publicas e privadas, em particular aquelas cujo impacto é mundial, não as incita a assumir plenamente suas responsabilidades, e até as incita à irresponsabilidade;

• -5- que a consciencia de nossas responsabilidades partilhadas face ao planeta é uma condição de sobrevivencia e um progresso para a humanidade;

• -6- que nossa co-responsabilidade, além dos interesses legítimos de nossos povos, é de preservar nosso planeta único e fragil, evitando que desequilibrios maiores provoquem catastrofes ecológicas e sociais que afetem todos os povos da terra;

• -7- que a consideração do interesse alheio e da comunidade, a reciprocidade entre seus membros são os fundamentos da confiança mútua, de um sentimento de segurança e do respeito à dignidade de cada um e da justiça;

• -8- que a proclamação e a busca de direitos universais não basta para regular nossas condutas, os direitos sendo inoperantes quando nenhuma instituição tem a capacidade de garantir sozinha suas condições de aplicação;

• -9- que estas constatações necessitam a adoção de principios éticos comuns inspirando nosssas condutas e nossas regras bem como as de nossos povos


Nós adotamos, em nome de nosso povos, a presente Carta das Responsabilidades universais e

Nós nos comprometemos:

• a dela fazer o fundamento de nossos comportamentos e de nossas relações;

• a divulgá-la para todos os setores da sociedade;

• a levá-la em conta e a colocá-la em prática no Direito internacional e nos Direitos nacionais

Principios da responsabilidade universal

1. O exercicio por cada um de suas responsabilidades é a expressão de sua liberdade e de sua dignidade de cidadão da comunidade mundial;

2. Cada ser humano e todos em conjunto teem uma co-responsabilidade para com os outros, com a comunidade próxima e distante, e para com o planeta, na proporção de seus haveres, de seu poder e do saber de cada um.

3. Esta responsabilidade implica em considerar os efeitos imediatos ou diferidos de seus atos, de evitar ou de compensar os danos, tenham eles sido provocados ou não voluntariamente, que eles afetem ou não sujeitos de direito . Ela se aplica a todos os setores da atividade humana e em todas as escalas de tempo e de espaço.

4.Esta responsabilidade é imprescritivel, a partir do momento em que o dano for irreversivel.

5. A responsabilidade das instituições, tanto públicas como privadas, quaisquer que sejam as regras que as rejam, não exonerará de responsabilidade seus dirigentes e reciprocamente.

6. A posse ou o desfrute de um recurso natural induz a responsabilidade de gerá-lo para o proveito do bem comum.

7. O exercicio de um poder, não obstante as regras pelas quais ele for concedido, não será legítimo se o seu detentor não responder por seus atos diante daqueles e daquelas sobre os quais exerce tal poder, acompanhado das regras de responsabilidade à altura do poder de influencia exercido.

8. Ninguém pode se exonerar de sua responsabilidade em nome de sua incapacidade se não tiver feito o esforço de se unir a outros, ou em nome de sua ignorancia, se não tiver feito o esforço de se informar

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Quarto Poder: Como funciona o tratamento de movimentos sociais nas redações

Quarto Poder: Como funciona o tratamento de movimentos sociais nas redações
Dez regras da grande imprensa ao abordar movimentos sociais

Por Osvaldo da Costa, na Adital

Convenções básicas (quem não cumprir está sujeito à demissão):

1ª) Toda ocupação de terra deve ser chamada de invasão
Ao invés de usar o termo adotado pelos movimentos sociais, "ocupação" – manifestação de pressão para o cumprimento da Constituição pelo Estado e denúncia da existência de latifúndios –, é mais eficiente para o objetivo de defesa do princípio da propriedade privada a utilização da palavra "invasão" – tomar para si pela força algo que não lhe pertence.

Dessa maneira, implicitamente, estamos dizendo que discordamos dessa prática e a consideramos ilegal, e conseguimos gerar a sensação de pânico generalizado em todos os donos de propriedade, sejam elas rurais e produtivas, ou até mesmo propriedades urbanas.

Observação: essa regra não é generalizável. Para os casos em que os Estados Unidos invadem países, destroem a infra-estrutura e matam a população, deve-se utilizar o termo "ocupação".

2ª) Regra do efeito dominó: fale só do maior para bater em todos
O acordo da grande imprensa é manter somente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na pauta dos noticiários, e evitar sempre que possível falar da existência de outros movimentos sociais. Para isso, quando se tratar de movimentos do campo, basta usar sempre a expressão genérica "movimento dos sem-terra", ou falar dos "sem-terra", sem mais detalhes.

Se a pauta exigir o detalhamento do movimento, recomenda-se associá-lo sempre ao alvo principal, com expressões como "movimento dissidente do MST".

Essa regra ainda colabora para a desunião entre os movimentos, pois os menores se incomodam pela invisibilidade e pelo fato de terem suas ações relacionadas sempre ao MST.

3ª) Reforma Agrária deve ser tratada como questão de polícia
Movimentos sociais e reforma agrária devem, sempre que possível, ser tratados na página policial, no caso de jornais impressos, e no bloco do crime e dos desastres, no caso dos telejornais.

Caso não seja possível enquadrá-los na seção policial ou em espaço próximo, use títulos para editorias que lembrem o belicismo, como "campo minado". Não importa o que diga sua matéria, os títulos devem falar por ela, mesmo que não tenham relação com o conteúdo. Use tons sensacionalistas e fatalistas.

4ª) Nunca divulgue os artigos progressistas da Constituição Federal
Os artigos da Constituição Federal que tratam da função social da terra, que integram o código agrário – 184 a 191 – nunca devem ser mencionados em reportagens sobre os movimentos sociais, para evitar a compreensão de que a ação de invasão de terras pode ter algum respaldo legal.

É sempre recomendável lembrar da lei de Segurança Nacional e da necessidade de uma legislação contra o terrorismo no Brasil. O termo "Estado de Direito" é ideal para isso. Considere qualquer manifestação uma afronta ao Estado de Direito, mesmo que ele seja apenas o Direito do Estado.

Se falar do Estado de Direito e suprimir os artigos progressistas da Constituição não for suficiente, convém colocar as reportagens próximas à cobertura de ações terroristas ou, levantar a suspeita de que há relação do movimento social com uma organização terrorista ou guerrilheira estrangeira.

Conjunto de regras para serem selecionadas e aplicadas conforme a conjuntura exigir:

5ª) Levante a bola para o oportunista de plantão
Não é verdade que o papel da imprensa é apurar a verdade dos fatos. Todo aspirante deve saber que a imprensa tem poder para gerar os fatos.

Além disso, apurar fatos implica em sair da sua cadeira e nem todos eles podem ser apurados por telefone. Basta fazer uma reportagem suspeitando de algo, e procurar um oportunista que queira protagonizar a indignação pública para a suspeita ganhar dimensão de notícia.

Sempre há alguém à disposição esperando para se deslumbrar com as luzes dos holofotes. O exemplo bem sucedido mais recente foi o caso da requentada pauta da suspeita da legalidade do financiamento público para cooperativas da reforma agrária, em que o presidente do Superior Tribunal Federal (STF) desempenhou o papel de porta-voz da bancada ruralista, dando respaldo para a suspeita, e de quebra, aproveitando para atacar o governo federal.

Se não houver ninguém do Judiciário ou algum deputado, não importa, qualquer um, sem nunca ter ido a um assentamento ou acampamento pode ser transformado em "especialista" em questão agrária: sociólogos, filósofos e até jornalistas.

6ª) Nem sempre devemos apurar os dois lados da notícia
Quando já conseguimos incutir um pré-julgamento na opinião pública sobre o caráter marginal das ações dos movimentos sociais, podemos reforçar essa opinião entrevistando somente o lado agredido pelas ações, as vítimas dos movimentos. Fica implícita a informação de que, como os integrantes dos movimentos são foras da lei, quem deve escutá-los é a polícia e o poder judiciário. Se ainda assim tiver que ouvi-los, seja breve e descontextualize a frase.

7º) Não deve existir noção de historicidade, nem de causa e conseqüência em nossas reportagens
Não abordar as razões da ação dos movimentos sociais, evitar a divulgação da nota à imprensa. Não importa há quanto tempo às famílias estejam acampadas, quais promessas foram feitas pelo governo, se a terra é do banqueiro que saqueou os cofres públicos ou do coronel que vive do trabalho escravo. Se detenha nas conseqüências da ação.

8°) Dramatização da repercussão das ações dos movimentos sociais
Retire o foco das motivações estruturais e causas históricas e centre a abordagem nas conseqüências para os indivíduos donos ou empregados das propriedades invadidas ou atacadas.

– fale do prejuízo econômico para o proprietário, e se possível faça uma entrevista com o mesmo ou com um familiar próximo para mostrar a comoção da família diante do ataque bárbaro. É importante mostrar o estado de choque emocional, e o ideal é que a pessoa esteja chorando.

– surte grande efeito a entrevista com trabalhadores da fazenda ou da empresa. O maior exemplo é o caso da ação no horto da multinacional Aracruz no Rio Grande do Sul, em que uma técnica de laboratório se fez passar por pesquisadora e, em prantos (!), afirmou que a destruição das mudas de eucalipto acabou com mais de vinte anos pesquisa.

Nesse caso, as reportagens conseguiram colocar os movimentos sociais como contrários à ciência e ao desenvolvimento tecnológico, evitando a pauta concreta da ação, que se centrava na expansão ilegal das terras da empresa e na depredação da natureza com o monocultivo de eucalipto.

9ª) Campanha de desmoralização permanente dos movimentos sociais
É sempre bom manter semanalmente pautas de desgaste aos movimentos sociais, mesmo que não haja uma ação que renda manchete. Nesses casos, a regra é trabalhar com associação, encaixando uma reportagem que fale sobre um movimento após ou entre matérias que falem, por exemplo, de casos de corrupção no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), venda de terra e desmatamento em assentamentos da Amazônia Legal, etc.

Bata nas mesmas teclas, insista nas mesmas teses permanentemente, mesmo que elas já tenham sido usadas antes. Insista, por exemplo, que o MST irá romper com o Governo Lula desta vez, mesmo que o movimento afirme e demonstre desde o primeiro dia de governo que nunca esteve atrelado.

E quando não for possível tomar como alvo os movimentos sociais, vale mirar nas bandeiras de luta deles, alegando estarem ultrapassadas, deslegitimando-as como parte da solução atual para os problemas do país. Nesse caso, pode-se até reconhecer o valor histórico que bandeiras como reforma agrária cumpriram no Brasil e em outros países, mas deve-se usar essa manobra apenas para recusar essas propostas no presente.

10ª) É fundamental saber manipular a dimensão subjetiva do telespectador ou do leitor
Não é apenas com a manipulação dos fatos e com a edição das entrevistas que podemos influenciar na interpretação que os nossos consumidores farão. Na TV, a expressão facial e o tom de voz dos repórteres, dos comentaristas e, sobretudo, dos âncoras, é determinante. A adoção do semblante sério e do tom de voz grave deve indicar a importância do tema.

Além da performance dos jornalistas como atores, é recomendável que o pano de fundo do cenário também traga imagens que gerem medo e desconfiança. O exemplo do Jornal Nacional é o mais ilustrativo: para falar da reforma agrária e dos movimentos que lutam por ela: aparece uma cerca rompida e três vultos disformes – "afinal não são pessoas, são sombras" –, empunhando ferramentas de trabalho como se fossem armas, numa ação de invasão da propriedade (e da casa do espectador).