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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Folha de S.Paulo - Velocidade é dinheiro em Bolsas operadas por máquinas
- 24/01/2011

Folha de S.Paulo - Velocidade é dinheiro em Bolsas operadas por máquinas<br> - 24/01/2011


Explorando um dilúvio de dados

Velocidade é dinheiro em Bolsas operadas por máquinas

Por GRAHAM BOWLEY
Secaucus, Nova Jersey
Parte substancial de todo o mercado de ações nos EUA ocorre em um anódino galpão num parque empresarial de Nova Jersey.
Poucos humanos estão presentes neste vasto refúgio tecnológico, conhecido como Nova York Quatro. O edifício, que ocupa mais de um hectare, é cortado por longas avenidas com servidores iluminados por luzes azuis fosforescentes.
A Bolsa se chama Direct Edge, que tampouco é um nome familiar.
"Aqui", diz Steven Bonanno, diretor de tecnologia dessa Bolsa, "é onde todos fazem sua mágica".
Em muitos mercados mundiais, quase todas as transações acionárias atualmente são conduzidas por computadores que conversam entre si a altas velocidades.
As vantagens dessa nova ordem tecnológica são claras. Os custos das transações despencaram, e qualquer um pode comprar ações em qualquer lugar, em questão de segundos, com um simples clique no mouse ou toque na tela do celular.
Mas alguns especialistas se perguntam se a tecnologia não está ficando fora de controle. Questionam se esse novo mundo é mais justo -ou se os operadores com acesso às máquinas mais rápidas lucram à custa de investidores comuns.
Com o domínio das máquinas, o mercado migrou de ruidosos pregões, como o da Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), para dezenas de Bolsas eletrônicas diferentes, rivais entre si. Elas usam "data centers" como este, muitos deles em subúrbios do norte de Nova Jersey.
"Nova Jersey é o novo coração de Wall Street", disse William O'Brien, executivo-chefe da Direct Edge. Embora esse cenário seja dominado pelos titãs de Wall Street, ele afeta praticamente qualquer um que possua ações. Ninguém sabe se esse é um mundo melhor, e isso inclui as autoridades reguladoras, que sofrem para acompanhar o ritmo da grande corrida armamentista tecnológica no mercado de ações.

Alta velocidade
A reviravolta começou no final dos anos 1990 e começo dos 2000, depois que a Comissão de Títulos e Câmbio (SEC) adotou regras para estimular a concorrência e reduzir as comissões pagas por investidores comuns. Isso forçou a NYSE e a Nasdaq a divulgarem as ordens de compra e venda eletronicamente e a executá-las imediatamente, ao melhor preço disponível nos EUA -o que repentinamente deu uma vantagem a novas operadoras, mais rápidas e baratas.
A Direct Edge hoje disputa o terceiro lugar entre as Bolsas dos EUA -atrás da NYSE e Nasdaq- com a BATS Exchange, de Kansas City (Missouri), e responde por cerca de 10% do mercado de ações do país, segundo essa Bolsa e o TABB Group, especialista em assuntos do mercado.
A Direct Edge e outros novos empreendimentos sugaram um grande volume para fora do "Big Board" (apelido da NYSE) e da Nasdaq. Há cinco anos, a NYSE respondia por mais de 70% das transações com ações listadas nessa Bolsa; hoje em dia, a proporção caiu a 36%.
Bryan Harkins, diretor de operações da Direct Edge, diz que o novo mundo é mais justo por ser mais competitivo. "Ajudamos a romper o domínio da NYSE", diz.
A Direct Edge e as demais Bolsas disputam uma corrida. Todas têm reduzido sua latência -termo elegante que designa o tempo, inferior a um piscar de olhos, que uma transação leva para ser concluída. A Nasdaq diz que o tempo médio para a conclusão das suas transações é de 98 milionésimos de segundo.
As Bolsas atingiram essas velocidades estonteantes porque o mercado exigiu. Mesmo bancos e fundos mútuos tradicionais abraçaram a mudança.
"Corretoras, fundos de hedge e gestores tradicionais de patrimônio foram forçados a acompanhar para continuar no jogo", escreveu Adam Honoré, diretor de pesquisas do Aite Group, num recente relatório. As Bolsas atendem principalmente um novo tipo de investidores, que atuam com alta frequência e fazem da velocidade uma forma de arte. Eles usam algoritmos para entrar e sair dos mercados com grande rapidez, muitas vezes alterando suas ordens e estratégias em segundos. Ganham a vida sendo os primeiros a reagirem aos fatos, tirando vantagem das diferenças nas cotações entre vários papéis ou entre as Bolsas.
Uma nova estratégia é usar computadores robustos para ler notícias -e até mensagens do Twitter- com grande rapidez, automaticamente, e permitir que as máquinas interpretem os fatos e façam negócios com base nisso.
Os operadores podem ganhar apenas frações de centavo em cada negócio. Mas, multiplicando isso muitas vezes por segundo ao longo de um dia, essas frações viram dinheiro de verdade. Kevin McPartland, do TABB Group, diz que os operadores de alta frequência já representam 56% do total de transações. Em vez de cobrar comissões desses investidores, algumas Bolsas agora até pagam para que os operadores de alta frequência usem suas máquinas.
Várias construções estão sendo feitas para atender a demanda. O CME Group, dono da Bolsa Mercantil de Chicago, inaugurou um "data center" de 40 mil metros quadrados num subúrbio de Chicago. O local abriga o Globex, plataforma eletrônica de mercado futuro e de opções da Bolsa, e tem espaço para que os operadores instalem computadores ao lado das máquinas do CME, uma prática conhecida como "co-locação" -ao custo de US$ 25 mil mensais por uma prateleira com computadores.
A Bolsa está fazendo esse investimento porque os derivativos, assim como as ações, estão sendo varridos pela revolução da alta frequência -autoridades reguladoras estimam que esse tipo de operação já represente cerca de um terço de todo o volume dos mercados futuros nos EUA.
Em agosto, a Spread Networks, de Ridgeland (Mississippi), concluiu uma rede de fibra óptica com 1.328 km, conectando o bairro do South Loop, em Chicago, a Cartaret, Nova Jersey, e reduzindo assim em 3 milissegundos o tempo de ida e volta nas transações, que ficou em 13,33 milissegundos.
Frações de segundo também estão sendo rotineiramente abatidas na movimentada rota Frankfurt-Londres. E em outubro uma companhia chamada Hibernia Atlantic anunciou planos para uma nova ligação por fibra óptica sob o Atlântico, entre Halifax (Canadá) e Somerset (Inglaterra), para que as ordens de compra e venda de ações possam ir e voltar entre Londres e Nova York em 60 milissegundos.
"Velocidade é dinheiro", disse um banqueiro.

Disparada tecnológica
O "crash relâmpago" que sacudiu o mercado de ações na tarde de 6 de maio do ano passado cristalizou temores de que a tecnologia estaria saltando à frente das autoridades reguladoras.
Na sua investigação, a SEC e a Comissão do Mercado Futuro de Commodities concluíram que a queda repentina no valor das ações foi desencadeada pela venda de um lote de contratos de US$ 4,1 bilhões na Bolsa Mercantil de Chicago, feita por uma companhia de fundo mútuo.
Esse fundo, chamado Waddell & Reed Financial, do Kansas, conduziu a venda por meio de um algoritmo de computador.
A transação pode ter ocorrido num momento inoportuno -os mercados já estavam nervosos com a crise da dívida na Europa. Mas não houve uma tentativa deliberada de perturbar o mercado, segundo autoridades reguladoras.
Mas houve, isso sim, participação de algumas máquinas de alta frequência, disseram os investigadores. Ao detectarem uma grande venda e as condições adversas, algumas delas se desligaram automaticamente. A queda no número de compradores se refletiu no índice Dow Jones Industrial Average, que perdeu mais de 700 pontos em questão de minutos, até que os computadores voltassem e os preços se recuperassem com a mesma rapidez. Mais de 20 mil transações foram anuladas.
O episódio pareceu demonstrar as vulnerabilidades do novo mercado, e o que poderá acontecer quando não houver seres humanos encarregados de corrigir as máquinas.
Depois do "crash relâmpago", a SEC e as Bolsas introduziram no mercado "circuit breakers" (mecanismos contra oscilações bruscas) para ações individuais, de modo a paralisar as transações se um preço cair 10% num período de cinco minutos.
Mas alguns analistas temem que aspectos do "crash relâmpago" prenunciem riscos maiores do que uma mera falha técnica. Eles dizem que algumas oscilações violentas nos preços podem indicar que um pequeno grupo de operadores de alta frequência seria capaz de manipular o mercado.
Discute-se se alguns operadores estariam disparando ordens falsas, milhares de vezes por segundo, para deixar as Bolsas lentas e confundir os outros. Michael Durbin, que ajudou a montar sistemas de transações de alta frequência para empresas como a Citadel, e que é autor de um manual sobre o assunto, diz que a maior parte do setor é legítima e beneficia os investidores. Mas, diz ele, as regras precisam ser fortalecidas para coibir práticas que perturbem o mercado.
"Os mercados estão aí para formar capital e para investimentos de longo prazo, e não para um jogo de apostas", diz ele.
A SEC iniciou há um ano a revisão de uma nova estrutura do mercado. Mary Schapiro, presidente da entidade, já propôs a criação de uma trilha consolidada de auditoria, e aventou a ideia de limitar a velocidade em que as máquinas podem operar transações.
A maioria das Bolsas já eliminou uma polêmica técnica de transações eletrônicas conhecida como "ordens-relâmpagos", que permite aos computadores espiarem as ordens de outro investidor uma fração de segundo antes do seu envio para o mercado como um todo. A Direct Edge ainda oferece uma versão desse serviço.
As agências reguladoras também estão examinando as implicações dos chamados "black pools", em que grandes lotes de ações são negociados eletronicamente e sem o escrutínio exercido sobre os mercados públicos. Cerca de 30% dos papéis domésticos são negociados nesses e em outros espaços "obscuros", segundo a SEC.

Semáforos
Na opinião de O'Brien, os benefícios da tecnologia são claros. "Agora se pode executar uma transação do seu celular, de qualquer lugar do planeta. Isso me parece um mercado que é mais justo."
Mas alguns analistas questionam se o benefício é geral.
"É uma corrida armamentista tecnológica nos mercados financeiros, e os reguladores estão sendo apanhados um pouco alheios à rapidez com que a tecnologia tem evoluído", diz Andrew Lo, diretor do Laboratório de Engenharia Financeira do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
"Às vezes, tecnologia demais sem a capacidade de geri-la efetivamente pode causar algumas consequências indesejadas. Finalmente, chega o ponto em que temos um enorme congestionamento e precisamos instalar semáforos."

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