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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Solução de um filósofo contra o fracasso do casamento: “amor suave”

Solução de um filósofo contra o fracasso do casamento: “amor suave”



Solução de um filósofo contra o fracasso do casamento: “amor suave”


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Numa de suas frases incomparáveis, o dramaturgo irlandês Oscar
Wilde disse: “Quando querem nos punir, os deuses atendem às nossas
preces”. Muito tempo antes dele, filósofos como Platão e Pascal
afirmaram o que depois seria repetido por Schopenhauer e Sartre: desejo é
falta. “O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os
objetos do desejo e do amor”, escreveu Platão. Em outras palavras, se só
desejamos o que não temos, nunca temos o que desejamos; tão logo um
desejo seja satisfeito, já não há falta, e assim também já não há
desejo.


Fracassou o casamento por amor?As citações acima parecem apropriadas para quem se interessar pela leitura do novo livro do filósofo francês Pascal Bruckner: Fracassou o casamento por amor?.
Recém-lançado pela Difel, selo da editora Record, o livro parece ter um
título saído dos códigos de autoajuda, mas é mais instigante. Um dos
expoentes do grupo dos novos filósofos franceses, Bruckner busca aplacar
as consequências geradas pelo ideal platônico – afinal, se Platão
estivesse certo, a vida oscilaria para todos num pêndulo cruel que
seguiria invariavelmente do desejo à frustração, da esperança ao
sofrimento. (E não são poucos, infelizmente, a padecer dessa agonia de
existência.)


A um problema conhecido e objetivo da vida prática moderna – o
aumento progressivo do número de divórcios e a queda sistemática dos
casamentos – Bruckner acrescenta um problema filosófico: os limites da
idealização (no caso, os limites da união hiperidealizada como fusão
amorosa). Da soma resulta uma saída de natureza igualmente filosófica,
mesmo para aqueles que nunca leram Pascal ou para quem Platão não passa
de uma superficial referência em torno de um certo “amor platônico” –
aquele distante, idealizado e dificilmente realizado.


Amor total ou separação? Nenhum dos dois


A saída para esse problema, sugere Bruckner, é uma espécie de “amor
suave”, em que o casal aceite a ideia de companheirismo, tolerância e
respeito mútuo, uma relação da qual não se avance muito além de valores
como amizade, afinidades e compreensão. Para bom entendedor: menos
paixão, menos sexo, menos intensidade. Estes não passariam de
“imperativos categóricos” do casamento, uma profecia autoanunciada para o
fracasso.


Eis o estranho paradoxo de nosso tempo: há muito tempo já foi vencida
a tarefa de valorizar os sentimentos, pôr abaixo o tabu da virgindade e
desdramatizar o divórcio; a adesão às paixões tornou-se gesto comum
entre nós; a liberdade amorosa exerce seu poder de sedução sobre boa
parte das sociedades tradicionais (como as dos países muçulmanos ou da
Índia e China); gays e lésbicas desejam obter direito ao casamento;
justamente no momento em que tudo isso é fato, o casamento passa por uma
crise de legitimidade.


Volta ao passado? Retorno ao casamento clássico, aquele tão
repetidamente atacado por limitar o casal a uma vida de interesse e não
de amor, por impor a resignação, a repulsa ou a reclusão conjugal? Quase
isso, propõe Bruckner. Durante tanto tempo lutou-se contra a ideia,
cristalizada no modelo clássico de casamento, de que o amor era algo
proibido e a que se deveria combater. O problema, diz o filósofo, é que
do amor proibido seguiu-se equivocadamente para o amor obrigatório. Um
grande sonho se transformou em falência da instituição que ele deveria
proteger.


O amor ideal é uma divindade que traz sofrimento


“Por que ele [o amor ideal] parece tão difícil de ser vivido nos dias
de hoje?”, pergunta-se Bruckner, para responder em seguida: “Porque o
veneramos como a uma divindade, por ter se tornado, assim como a
felicidade, o alfa e o ômega das sociedades ocidentais”. (Em outro
livro, publicado no Brasil como A euforia perpétua, Bruckner
analisa e questiona o que chama “dever de felicidade”, a crítica ao
culto e à obrigação de ser feliz como marca do Ocidente).


O filósofo acha que as pessoas hoje se imaginam infelizes por não
serem felizes ou se preocupam por nunca protagonizar uma grande paixão.
Para quem pensa assim, a paixão que não é louca não merece ser vivida.
Confunde-se o amor e casamento, flexibilizando o primeiro e domesticando
o último. Resultado: casamos menos e nos divorciamos mais. O que
deveria gerar mais felicidade causa também aflição. “O amor triunfou no
casamento antes de destruí-lo por dentro”, escreve Bruckner.


Para ele, a forma contemporânea do casamento combateu o modelo
clássico que impunha às mulheres a infelicidade e a humilhação
protagonizada por maridos despóticos, mas criou outros fragelos, sem se
livrar dos antigos. Estabeleceu uma espécie de “tudo ou nada”: a busca
de conciliar tudo, o sentimento e o erotismo, a educação das crianças e o
êxito social, a efervescência e a permanência. (Sobre essa cruel
exigência imposta aos casais, leia a instrutiva entrevista do psicanalista Contardo Calligaris ao iG).


“Os casais de hoje não morrem por egoísmo ou materialismo, morrem por
um heroísmo fatal, uma ideia ampla demais de si mesmos”, escreve
Bruckner. “Cada mulher se sente obrigada a ser, ao mesmo tempo mãe,
puta, amiga e ‘ter atitude’; cada homem, pai, amante, marido e vencedor:
pobre de quem não preencher essas condições”.


Amar demais é platonismo demente


Como numa filosofia de guerrilha, Bruckner chama de “platonismo
demente” aqueles que amam o amor em demasia; para ele, significa amar
mais o amor do que amar as pessoas propriamente. A vida de um casal,
segundo o filósofo, tornou-se mais difícil desde que, de todas as suas
funções, guardou-se apenas a da satisfação plena. “Por querer dar certo a
qualquer preço, o casal se consome em ansiedades, teme a lei da
entropia, a aridez das horas mortas. A menor queda de tensão é
vivenciada como um fiasco, um descumprimento da promessa”.


Em síntese, espera-se volúpia demais no casamento, diz ele. Na
acepção idealizada, o amor permanece como um fetiche inviolável, um tipo
de liberdade forçada. Em resposta ao amor-paixão, mais breve e fugidio,
Pascal Bruckner propõe procurar a felicidade possível a partir de uma
coexistência harmoniosa. No lugar de êxtases estrondosos, regularidade e
entusiasmo. Diante da possibilidade de exuberância e arrebatamento,
opte-se pela indulgência e delicadeza, equilíbrio e ponderação.


Não pergunte sobre o amor para não sofrer ao amar


Convém prudência ler este feroz ataque ao amor, mesmo ao amor
idealizado. Como qualquer debate em torno de temas complexos, deve-se
ler com cautela as pregações de Bruckner. Ele não admite, mas é o que se
pode chamar de um estoico. Os gregos antigos adeptos do estoicismo
pregavam a virtude como algo suficiente para a felicidade; um sábio era
imune aos infortúnios e ao sofrimento. A racionalidade, a harmonia e a
indiferença seriam marcas de uma vida serena e, portanto, sábia e feliz.
Sem escravizar-se pelas emoções e pelas paixões – em geral destrutivas,
alertavam.


Houve muitos estoicos na história das ideias, mas não necessariamente
tiveram razão. O que é a felicidade para eles? É não perguntar em que
consiste a felicidade, porque existe na interrogação o princípio da
infelicidade (John Stuart Mill). O que é a riqueza? É não desejar mais
do que aquilo que se tem, conselho central dos clássicos, de Epicuro a
Platão. O contrário não é apenas uma causa de infelicidade; a ambição
desmedida da acumulação material é, como Baudelaire avisa, a raiz da
vulgaridade.


No caso de Pascal Bruckner e seu livro sobre o fracasso do casamento
por amor, o diagnóstico parece correto – todos se queixam de não
conseguir satisfazer-se amorosamente apesar de o amor ser colocado “no
topo da expectativa”. Mas recorro a duas outras citações para aplacar a
intensidade da crítica de Bruckner (em seu diálogo O crítico como artista, Oscar
Wilde – ele de novo – afirmava que para dizermos aquilo em que
verdadeiramente acreditamos é preciso falar através de lábios alheios).


De José Miguel Wisnik, num ensaio publicado no livro O sentido das paixões,
organizado há mais de 20 anos por Adauto Novaes, veio a pergunta: “É
permitido dizer que o mundo é pobre para quem jamais foi doente o
bastante para a paixão?”. E do psicanalista Jurandir Freire Costa, em
seu livro Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico,
surgiu a instigante ideia: “Sem amor estamos amputados de nossa melhor
parte. A vida pode até ser mais tranquila e livre de dores quando não
amamos. Mas trata-se de uma paz de cinzas”.


Eis um bom motivo para retomar o tema. Em outro artigo.

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