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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Folha de S.Paulo - Mercado - A vingança do rentismo - 01/05/2014

Folha de S.Paulo - Mercado - A vingança do rentismo - 01/05/2014







Marcelo Miterhof
A vingança do rentismo
O choque do petróleo nos anos 70 e a queda do dólar nos EUA foram a senha
para a 'vingança do rentismo'



O recém-lançado livro "Conta de Juros Grande & Favela"
(editora COM2B), dos economistas Matías Vernengo e Alcino Camara, é uma leitura
valiosa para entender como a racionalidade heterodoxa pode sugerir um caminho
distinto para a política econômica no Brasil e no mundo.



Aproveitando a comemoração do 1º de Maio, a coluna de hoje usa o livro para
discutir como as ideias de Keynes serviram de base para uma tentativa de
"eutanásia do rentismo" no pós-Guerra e como foi a reversão a partir
dos anos 1980.



Distintamente do que se costuma supor, Keynes não defendia o uso de deficit
públicos indiscriminados para impulsionar a atividade econômica. De fato,
recessões tendem a gerar deficit, pois há queda das receitas tributárias e
elevação de gastos sociais, como o seguro-desemprego.



Porém tais deficit são o efeito, não a solução de uma recessão. Tentar
impedi-los é um erro que agrava o problema, mas a saída é outra. É preciso
mitigar o ciclo econômico, estabilizando o investimento. Como o investimento
privado é induzido pelas expectativas de demanda, essa tarefa cabe ao
investimento público.



Para Keynes, os orçamentos públicos correntes devem ser na média
equilibrados enquanto o de investimento seria um instrumento contracíclico. O
endividamento causado por deficit nos orçamentos de capital não é problemático
se os juros da dívida do Estado puderem ser suportados pelos impostos.



Os juros baixos aumentam a capacidade de endividamento e de investimento do
Estado, além de facilitar o financiamento dos investimentos privados.



Para ter a capacidade de fixar seus juros, o governo deve sempre que preciso
impor controles de capital, isto é, regras que dificultem por meio de taxações
e prazos mínimos de permanência a fuga de capitais em busca de taxas mais altas
em outros países. Ademais, deve se preocupar em combater deficit na balança
comercial, cujo desequilíbrio prolongado pressiona os juros, que precisam ser
elevados para conter a demanda agregada ou atrair capitais.



A "eutanásia do rentismo", limitando suas possibilidades de ganho,
incentiva a produção e o trabalho. Tal estratégia se baseia em profundas
mudanças no entendimento econômico, como a causalidade entre investimento e
poupança, o papel da moeda fiduciária e a interação entre gastos públicos e
privados.



Mas há também uma escolha política a favor da igualdade. Ao facilitar o
gasto público e promover o crescimento, as políticas keynesianas tornam o
trabalho relativamente escasso, aumentando a participação dos salários no PIB.
Paralelamente, a partir dos anos 1930 pesadas elevações de carga tributária
permitiram montar o Estado de bem-estar.



O baixo desemprego e os direitos sociais fortaleceram o poder dos
trabalhadores, fazendo com que no final dos anos 1960 os salários passassem a
crescer acima da produtividade. Naturalmente, a inflação decorrente não foi
problema para os salários reais. Tampouco existia risco de indexação. Havia
apenas um conflito distributivo transitório em razão do aumento da apropriação
de renda pelos salários.



A inflação prejudicou mesmo foram os detentores de ativos financeiros:
bancos, corporações e os ricos.



O problema foi que nos anos 1970 vieram os choques do petróleo (nos EUA,
houve ainda o enfraquecimento do dólar em razão dos deficit externos), que de
fato penalizaram os salários. Como são os salários que impulsionam a economia,
o choque externo trouxe estagnação junto com a inflação ("estagflação").




Essa foi a senha para a "vingança do rentismo". O corte nos
impostos ganhou vigoroso apoio. A ideia era que, como o setor privado seria
mais eficiente no uso dos recursos, a contração dos gastos públicos expandiria
o PIB e, assim, a arrecadação seria até maior do que antes. Isso nunca se
verificou, é claro.



Mas o crucial era difundir a crença de que o setor público é sempre
ineficiente e deveria se abster de intervir nos mercados.



A liberalização da movimentação de capitais foi chave, sob a crença de que
traria mais eficiência aos mercados financeiros. Os BCs, salvo o americano,
passaram a ter como único objetivo declarado o controle da inflação.



Na prática, os juros subiram, os impostos ficaram mais regressivos e a
desigualdade piorou. A atual crise financeira talvez seja uma nova virada nessa
trajetória.



Na semana que vem, o tema é a "vingança do rentismo" no Brasil.



marcelo.miterhof@gmail.com




*MARCELO MITERHOF,* 39, é economista do BNDES. O artigo não reflete
necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.

 


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