Julgamento de um episódio infame: os meninos "terroristas", por Luis Nassif
Há pouco mais de um ano, no dia 4 de setembro de 2016, produziu-se em
 São Paulo um dos episódios mais escabrosos desse período de estado de 
exceção e perseguição política, que ainda poderá entrar para a história 
da mesma maneira que as armações do Cabo Anselmo, as Cartas Brandi e 
outras grandes falsificações da história.
Dilma Rousseff havia caído. Havia movimentações de protesto por 
várias capitais brasileiras. O componente militar era uma das saídas 
políticas para coibir as manifestações, conforme imaginado pela 
quadrilha que se apossou do poder,
Decidiu-se, então por uma armação, de montar uma arapuca, prender um grupo de jovens e imputar a eles propósitos terroristas.
A armação foi montada pelo ex-Secretário de Segurança Alexandre 
Morais, que se tornara Ministro da Justiça, com a participação do 
serviço secreto do 2o Exército.
Um militar de 40 anos infiltrou-se em um grupo de namoro de 
adolescentes. Há suspeitas, inclusive, que tenha se relacionado com 
menores de idade. Era um desses inúmeros grupos que se organizam 
virtualmente, através das redes sociais, e que, até então, não tinham 
combinado nenhum encontro. O primeiro foi marcado para aquele dia, para 
participar das manifestaçòes.
Seguiram para a Avenida Paulista. Com eles, o capitão do exército 
William Pina Botelho, agente infiltrado. Foi de Botelho a sugestão para 
que fossem até o Centro Cultural. Os meninos reagiram um pouco, não 
vendo lógica na sugestão, mas acabaram acatando. Enquanto caminhavam, 
helicópteros sobrevoavam o grupo.
Chegando no Centro Cultural, os meninos foram cercados por dezenas de
 Policiais Militares. Foram levados a um ônibus-viatura, enquanto o 
capitão escafedia-se. Dentre os objetos encontrados com o grupo, 
celulares, um chaveiro com a cara do Pateta, vinagre (que serve para 
contrabalançar gases tóxicos) e algumas máscaras de enfermeira (uma das 
moças era da Cruz Vermelha). Um dos PMs tentou enfiar em uma sacola um 
pedaço de pau, que estava no Centro Cultural, mas não teve sucesso: 
confundiu as sacolas. Arrancaram a insígnia da Cruz Vermelha da moça, 
para fortalecer a tese do uso de máscaras. Encontraram alguma 
dificuldade em transformar uma máscara de enfermeira em capuz de black 
bloc.
Os meninos foram para o DEIC e contaram com o apoio da mídia 
alternativa, Jornalistas Livres, Mídia Ninja e Ponte. E de dois 
procuradores da República (federais) ligados a direitos humanos, que 
correram até lá para impedir qualquer dano físico.
A tentativa de transformar o grupo em terroristas perigosos não 
resistiu à análise dos rapazes e moças, jovens, estudantes, alguns 
trabalhando, sem passagens pela polícia. Dentre eles, até uma moça, neta
 do ex-governador Paulo Egydio Martins que, em sua gestão, lutou contra 
os abusos do 2o Exército comandado pelo general Ednardo.
Os meninos permaneceram no DEIC até metade do dia seguinte, em clima 
de absoluto horror. Colocados de costas, os PMs miravam os lasers por 
sobre sua cabeça, para simular fuzilamento.
Foram liberados por um juíz que protestou contra os abusos das prisões.
Nos meses seguintes, a vida do grupo virou pelo avesso. Alguns foram 
impedidos de se matricular nas escolas estaduais, muito perderam o 
emprego, vários se viram tomadas de pânico à menor aproximação da 
polícia.
Os autores desse feito humilhante, que envergonha qualquer noção de 
civilidade, foram promovidos. Alexandre de Morais saltou para o 
Ministério da Justiça de Temer e, depois, para o Supremo Tribunal 
Federal. O capitão virou major. Os dois procuradores que correram para 
garantir a segurança dos meninos foram oficialmente admoestados pelo 
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), atendendo a uma 
reclamação do Ministério Público Estadual de São Paulo, por 
“intromissão”.
Exército e Secretaria de Justiça do Estado atropelaram a 
Constituição, que diz que a atuação do Exército nos estados depende de 
acordo formal. Nos meses seguintes, trataram de varrer a sujeira para 
baixo do tapete.
Nos próximos dias, o grupo será julgado no Fórum da Barra Funda. A 
juíza será Cecília Pinheiro da Fonseca. O promotor, Fernando 
Albuquerque, que decidiu denunciar os jovens por terrorismo e formação 
de quadrilha – o que poderá significar até 9 anos de prisão para os 
jovens. O nome do agente infiltrado sequer é mencionado, para não 
caracterizar a ilegalidade da operação.
O resultado desse julgamento será um bom termômetro para avaliar o 
processo político brasileiro: se refluiu o macarthismo e o Estado de 
Exceção, e se as vozes da legalidade e do bom senso já se fazem ouvir.
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