Revolução em marcha
Não se olha para os lados quando se quer combater privilégios, mas para cima
Dificilmente entenderemos algo do que corre atualmente no Brasil se não levarmos a sério o que os membros do governo e seus ideólogos chamam de “revolução”. De fato, o sr. Bolsonaro se vê liderando uma espécie de revolução conservadora na qual seu núcleo mais fiel de eleitores realmente acredita.
Bolsonaro sabe que ele acabará por governar para esse núcleo. Não há chance alguma de reeditar um governo com ampla maioria de aprovação. Mas, como nos lembram os manuais de guerra, melhor um grupo menor e bastante mobilizado do que um grupo grande sem unidade de ação.
Aqueles que o apoiam acreditam estar em uma luta contra os poderes que sempre comandaram o país (casta política, imprensa, elite intelectual).
Eles acreditam ter colocado no cerne do poder “um dos nossos”. Alguém que tem nossos mesmos traços e dificuldades. Alguém que não teme mostrar sua inaptidão ao cargo, criando assim certa identificação empática com os que nunca imaginaram ser presidente. Eles acham que, nessa revolução, não se deve respeitar as instituições que foram responsáveis, em larga medida, “por tudo o que está aí”.
Nesse horizonte, duas estratégias são centrais. A primeira é fazer o governo lutar contra o governo. Pode parecer uma contradição, mas muitas vezes a única coisa verdadeira são as contradições.
Dias atrás, o sr. Bolsonaro fez uma live com indígenas prometendo lutar contra “alguns picaretas dentro do próprio governo dizendo que protegem vocês”.
Ou seja, a mensagem é clara. O presidente não é o governo. Pois, lembremos, ele está dentro do governo “como um dos nossos”, a lutar contra os que sempre se serviram do Estado para nos massacrar. Essa figura do “um dos nossos” que está em luta dentro do Estado dá, ao mesmo tempo, a impressão de movimento contínuo e a justificativa da inércia.
Há sempre alguém que irá travar nossos desejos, haverá sempre ume expurgo a realizar. As crises no governo são profundamente necessárias. Elas são ocasião de mobilização permanente.
Por outro lado, cresce em importância a estratégia da polarização ideológica. Pois se trata de lutar contra os que se serviram do discurso da justiça para garantir seus próprios privilégios ou para conquistar pretensos novos privilégios. Em um país onde todos podem olhar para o lado e se sentirem desprivilegiados, esse discurso tem certa força.
Contra eles, o pior a fazer é assumir a defesa da ordem, da institucionalidade, das negociações tradicionais. Isso seria tudo o que o governo quer, a saber, colocar-se como o artífice de uma revolução em marcha e empurrar seus oponentes como os defensores da ordem estabelecida.
Na verdade, há de se lembrar que essa revolução conservadora esconde sua real dinâmica. Pois ela é, no fundo, uma contrarrevolução preventiva. Há de se saber dizer a esses que se deixam seduzir pela dinâmica pretensamente revolucionária em curso: “Vocês não foram muito longe”.
Em vez de colocar “um dos nossos” no poder, uma verdadeira revolução traz o poder diretamente para as mãos dos que nunca tiveram poder. Ela destitui os lugares de poder e reconfigura sua geografia. Uma falsa revolução preserva tais lugares, fingindo colocar alguém que seria a encarnação imediata do povo.
No lugar de olhar para os lados quando se procura combater privilégios, uma verdadeira revolução olha para cima.
Ou seja, ela luta exatamente contra aqueles que este governo mais gosta de defender: os banqueiros com seus lucros inacreditáveis para uma economia paralisada, os empresários que ganham carta branca para espoliar trabalhadores, os rentistas que tem seus rendimentos intocados, mesmo em meio a crises econômicas.
O tabuleiro político do Brasil é outro. E ai daqueles que quiserem continuar a jogar o mesmo jogo de sempre.
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