Procurador Geral que livrou Dantas do mensalão ganhou contrato da Brasil Telecom
      seg, 10/06/2013 - 11:50             - Atualizado em 17/06/2013 - 15:18
Do Jornal GGN  - Em sua sabatina no Senado, o jurista Luiz Roberto Barroso  considerou  o julgamento do chamado mensalão “ponto fora da curva”.  Barroso é  considerado o maior constitucionalista brasileira, unanimidade, saudado  tanto pela direita quanto pela esquerda. Sua opinião foi corroborada  pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, um dos julgadores mais  implacáveis.
Externou o que todo o meio jurídico comenta à boca pequena desde  aquela época: foi um julgamento de exceção. E não apenas pelo rigor  inédito (para crimes de colarinho branco) das condenações, mas pela  excepcional seletividade na escolha das provas, sonegando informações  essenciais para a apuração completa do episódio.
Houve o pagamento de despesas de campanha dos novos aliados do PT.  Utilizaram-se recursos de caixa dois para tal. Havia o intermediário das  transações – o publicitário Marcos Valério e a agência DNA. Na outra  ponta, os beneficiários. E, no comço do  circuito, os financiadores.
Se poderia ter se obtido a condenação fazendo o certo, qual a razão  para tantas irregularidades processuais anotadas? Não se tratou apenas  dos atropelos à presunção da inocência e outros princípios clássicos do  ordenamento jurídico brasileiro. Há também a suspeita de ocultação  deliberada de provas.
1. Ignorou-se laudo comprovando a aplicação dos recursos da Visanet.
2. Esconderam-se evidências de que o contrato da DNA com a Visanet era anterior a 2003.
3. Desmembrou-se o processo para que outros diretores do Banco do  Brasil - que compartilharam decisões com o diretor de marketing Antonio  Pizolato e assumiram responsabilidades maiores - não entrassem na AP  470.
4. Ignoraram-se evidências nítidas de que a parte mais substancial  dos fundos do DNA foi garantida pelas empresas de telefonia de Daniel  Dantas.
O contrato de Antonio Fernando
Aparentemente, desde o começo, a prioridade dos Procuradores Gerais  da República Antônio Fernando (que iniciou as investigações), de Roberto  Gurgel (que deu prosseguimento) e do Ministro do STF Joaquim Barbosa  (que relatou a ação) parece ter sido a de apagar os rastros do principal  financiador do mensalão: o banqueiro Daniel Dantas. Inexplicavelmente,  ele foi excluído do processo e seu caso remetido para um tribunal de  primeira instância.
Excluindo Dantas, não haveria como justificar o fluxo de pagamentos  aos mensaleiros. Todos os absurdos posteriores decorrem dessa falha  inicial, de tapar o buraco do financiamento, depois que Dantas foi  excluído do inquérito.

Responsável  pelas investigações, o procurador geral Antônio Fernando de Souza tomou  duas decisões que beneficiaram diretamente  Dantas. A primeira, a de  ignorar um enorme conjunto de evidências e  excluir Dantas do inquérito -  posição mantida por seu sucessor, Roberto Gurgel e pelo relator  Ministro Joaquim Barbosa. A segunda, a de incluir no inquérito o  principal adversário de Dantas no governo: Luiz Gushiken. Aliás, com o  concurso de Antonio Pizolatto - que acabou tornando-se vítima, depois de  diversas decisões atrabiliárias dos PGRs.
Foi tal a falta de provas para incriminar Gushiken, que o PGR seguinte, Roberto Gurgel, acabou excluindo-o do inquérito.
Pouco depois de se aposentar, Antônio Fernando tornou-se sócio de um  escritório de advocacia de Brasília - Antônio Fernando de Souza e Garcia  de Souza Advogados -, que tem como principal contrato a administração  da carteira de processos da Brasil Telecom, hoje Oi, um dos braços de  Dantas no financiamento do mensalão. O contrato é o sonho de todo  escritório de advocacia: recebimento de soma mensal vultosa para  acompanhar os milhares de processos de acionistas e consumidores contra a  companhia, que correm nos tribunais estaduais e federais.
Os sinais de Dantas
Qualquer jornalista que acompanhou os episódios, na época, sabia que a  grande fonte de financiamento do chamado “valerioduto” eram as empresas  de telefonia controladas por Dantas, a Brasil Telecom e a Telemig  Celular. Reportagens da época comprovavam – com riqueza de detalhes –  que a ida de Marcos Valério a Portugal, para negociar a Telemig com a  Portugal Telecom, foi a mando de Dantas.
Dantas possuía parcela ínfima do capital das empresas Telemig,  Amazônia Celular e Brasil Telecom. O valor de suas ações residia em um  acordo “guarda-chuva”, firmado com fundos de pensão no governo FHC, que  lhe assegurava o controle das companhias. Tentou manter o acordo  fechando aliança com setores do PT – que foram cooptados, sim. Quando o  acordo começou a ser derrubado na Justiça, ele se apressou em tentar  vender o controle da Telemig, antes que sua participação virasse pó.
No livro “A Outra Historia do Mensalão”, Paulo Moreira Leite conta  que a Polícia Federal apurou um conjunto de operações entre a Brasil  Telecom e a DNA. A executiva Carla Cicco, presidente da BT, encomendou à  DNA uma pesquisa de opinião no valor de R$ 3,7 milhões. Houve outro  contrato, de R$ 50 milhões, a ser pago em três vezes. Era dinheiro  direto no caixa da DNA - e nao apenas uma comissão de agenciamento  convencional, como foi no caso da Visanet.. Pagaram-se as duas  primeiras. A terceira não foi paga devido às denúncias de Roberto  Jefferson que deflagraram o mensalão.
Apesar de constar em inquérito da Polícia Federal – fato confirmado  por policiais a Paulo Moreira Leite – jamais esse contrato de R$ 50  milhões fez parte da peça de acusação. Foi ignorado por Antônio  Fernando, por seu sucessor Roberto Gurgel e pelo relator Ministro  Joaquim Barbosa. Ignorando-o, livrou Dantas do inquérito. Livrando-o,  permitiu-lhe negociar sua saída da Brasil Telecom, ao preço de alguns  bilhões de reais.
As gambiarras no inquérito
Sem Dantas, como justificar os recursos que financiaram o mensalão?  Apelou-se para essa nonsense de considerar que a totalidade da verba  publicitária da Visanet (R$ 75 milhões) foi desviada. Havia comprovação  de pagamento de mídia, especialmente a grandes veículos de comunicação,  de eventos, mas tudo foi deixado de lado pelos PGRs e pelo relator  Barbosa.

Em  todos os sentidos, Gurgel foi um continuador da obra de Antonio  Fernando. Pertencem ao mesmo grupo político - os "tuiuius" - que passou a  controla o Ministério Público Federal. Ambos mantiveram sob estrito  controle todos os inquéritos envolvendo autoridades com foro  privilegiado. Nas duas gestões, compartilhavam as decisões com uma única  subprocuradora  - Cláudia Sampaio Marques, esposa de Gurgel. Dentre as  acusações de engavetamento de inquéritos, há pelos menos dois episódios  controvertidos, que jamais mereceram a atenção nem do Conselho Nacional  do Ministério Público (CNMP) nem da Associação Nacional dos Procuradores  da República  (ANPR) - esta, também, dominada pelos "tuiuius": os casos  do ex-senador Demóstenes Torres e do ex-governador do Distrito Federal  José Roberto Arruda.
Tanto na parte conduzida por Antonio Fernando, quanto na de Gurgel,  todas as decisões pareceram ter como objetivo esconder o banqueiro.

É  o caso da  “delação premiada” oferecida a Marcos Valério. O ponto  central – proposto na negociação – seria imputar a Lula a iniciativa das  negociações com a Portugal Telecom. Sendo bem sucedido, livraria Dantas  das suspeitas de ter sido o verdadeiro articulador das negociações. A  "delação premiada" não  foi adiante porque, mesmo com toda sua  discricionariedade, Gurgel não tinha condições de oferecer o que Valério  queria: redução das penas em todas as condenações.
Quando iniciaram-se as investigações que culminaram na ação, Antônio  Fernando foi criticado por colegas por não ter proposto a delação  premiada a Marcos Valério. Acusaram-no de pretender blindar Lula. A  explicação dada na época é que não se iria avançar a ponto de derrubar o  presidente da República, pelas inevitáveis manifestações populares que a  decisão acarretaria. Pode ser. Mas, na verdade, na época, sua decisão   blindou Daniel Dantas, a quem Valério servia. Agora, na proposta de  "delação" aceita por Gurgel não entrava Dantas - a salvo dos processos -  mas apenas Lula.
O inquérito dá margem a muitas inteerpretaçòes, decisões, linhas de  investigação. Mas como explicar que TODAS as decisões, todas as análises  de provas tenham sido a favor do banqueiro?
Os motivos ainda não explicados

Com  o tempo aparecerão os motivos efetivos que levaram o Procurador Geral  Roberto Gurgel e o relator Joaquim Barbosa a endossar a posição de  Antonio Fernando e se tornarem também avalistas  desse jogo.
Pode ter sido motivação política. Quando explodiu a Operação  Satiagraha – que acusou Daniel Dantas de corrupção -, Fernando Henrique  Cardoso comentou que tratava-se de uma “disputa pelo controle do  Estado”.
De fato, Dantas não é apenas o banqueiro ambicioso, mas representa  uma longa teia de interesses que passava pelo PT, sim, mas cujas  ligações mais fortes são com o PSDB de Fernando Henrique e  principalmente de José Serra.
Uma disputa pelo poder não poderia expor Dantas, porque aí se  revelaria a extensão de seus métodos e deixaria claro que práticas como  as do mensalão fazem parte dos (péssimos) usos e costumes da política  brasileira. E, se comprometesse também o principal partido da oposição,  como vencer a guerra pelo controle do Estado? Ou como justificar um  julgamento de exceção.
Vem daí a impressionante blindagem proposta pela mídia e pela  Justiça. É, também, o que pode explicar a postura de alguns Ministros do  STF, endossando amplamente a mudança de conduta do órgão no julgamento.  Outros se deixaram conduzir pelo espírito de manada. Nenhum deles  engrandece o Supremo.
Poderia haver outros motivos? Talvez. Climas de guerra santa, como o  que cercaram o episódio, abrem espaço para toda sorte de aventureirismo,  porque geram a solidariedade na guerra, garantindo a blindagem dos  principais personagens. No caso de temas complexos - como os jurídicos -  o formalismo e a complexidade dos temas facilitam o uso da  discricionariedade. Qualquer suspeita a respeito do comportamento dos  agentes pode ser debitada a uma suposta campanha difamatória dos  “inimigos”. E com a mídia majoritariamente a favor, reduz a  possibilidade de denúncias ou escândalos sobre as posições pró-Dantas.
É o que explica os contratos de Antonio Fernando com a Brasil Telecom  jamais terem recebido a devida cobertura da mídia. Não foi denunciado  pelo PT, para não expor ainda mais suas ligações com o banqueiro. Foi  poupado pela mídia - que se alinhou pesadamente a Dantas. E foi blindado  amplamente pela ala Serra dentro do PSDB.
Com a anulação completa dos freios e contrapesos, Antonio Fernando viu-se à vontade para negociar com a Brasil Telecom.
De seu lado, todas as últimas atitudes de Gurgel de alguma forma  vão  ao encontro dos interesses do banqueiro. Foi assim na tentativa de  convencer Valério a envolver Lula nos negócios com a Portugal Telecom. E  também na decisão recente de solicitar a quebra de sigilo do delegado  Protógenes Queiroz – que conduziu a Satiagraha – e do empresário Luiz  Roberto Demarco – bancado pela Telecom Itália para combater Dantas,  mudando completamente em relação à sua posição anterior.
A quebra do sigilo será relevante para colocar os pingos nos iis,  comprovar se houve de fato a compra de jornalistas e de policiais e,  caso tenha ocorrido, revelar os nomes ou interromper de vez esse jogo de  ameaças. Mas é evidente que o o resultado  maior foi  fortalecer as  teses de Dantas junto ao STF, de que a Satiagraha não passou de um  instrumento dos adversários comerciais. Foi um advogado de Dantas - o  ex-Procurador Geral Aristisdes Junqueira - quem convenceu Gurgel a mudar  de posição.
Com seu gesto, Gurgel coloca sob suspeitas os próprios procuradores  que atuaram não apenas na Satiagraha como na Operação Chacal, que  apurava envolvimento de Dantas com grampos ilegais.
Em seu parecer pela quebra do sigilo, Gurgel mencionou  insistentemente um inquérito italiano que teria apurado irregularidades  da Telecom Itália no Brasil. Na época da Satiagraha, dois procuradores  da República – Anamara Osório (que tocava a ação da Operação Chacal  na  qual Dantas era acusado de espionagem) e Rodrigo De Grandis – diziam  claramente que a tentativa de inserir o relatório italiano nos processos  visava sua anulação.. Referiam-se expressamente à tentativa do  colunista de Veja, Diogo Mainardi, de levar o inquérito ao juiz do  processo. Anamara acusou a defesa de Dantas de tentar ilegalmente  incluir o CD do relatório no processo.
Dizia a nota do MPF de São Paulo:
"Para as procuradoras brasileiras, a  denúncia na Itália é normal e só confirma o que já havia sido dito nos  autos inúmeras vezes pelo MPF que, a despeito dos crimes cometidos no  Brasil por Dantas e seus aliados e pela TIM, na Itália, "a investigação  privada parecia ser comum entre todos, acusados e seus adversários  comerciais". Além disso, o MPF não pode se manifestar sobre uma  investigação em outro país, por não poder investigar no exterior, e  vice-versa.
 
Para o MPF, as alusões da defesa de  que a prova estaria "contaminada" não passam de "meras insinuações",  pois a prova dos autos brasileiros foi colhida com autorização judicial  para interceptações telefônicas e telemáticas, bem como, busca e  apreensão. Tanto é assim que outro CD entregue à PF, em julho de 2004,  por Angelo Jannone, ex-diretor da TIM, também foi excluído dos autos  como prova após manifestação do MPF, atendendo pedido da defesa de  Dantas".
 
Agora, é o próprio PGR quem tenta colocar o inquérito no  processo  que corre no Supremo e, automaticamente, colocando sob suspeição seus   próprios procuradores.. E não se vê um movimento em defesa de seus  membros por parte da ANPR.
 
Quando a Satiagraha foi anulada no STJ (Superior Tribunal de  Justiça), o Ministério Público Federal recorreu, tanto em Brasília  quanto em São Paulo.  Na cúpula, porém, Dantas conseguiu o feito inédito  de sensibilizar quatro dos mais expressivos nomes do MInistério Público  Federal pós-constituinte: os ex-procuradores gerais Antonio Fernando e  Aristides Junqueira (que ele contratou para atuar junto a Roberto  Gurgel), o atual PGR e o ex-procurador e atual presidente do STF Joaquim  Barbosa.
 
Levará algum tempo para que a poeira baixe, a penumbra ceda e se  conheçam, em toda sua extensão, as razões objetivas que levaram a esse  alinhamento inédito em favor de Dantas.