sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Brasil não cresce se não reduzir sua desigualdade


Brasil não cresce se não reduzir sua desigualdade, diz Thomas Piketty - 28/09/2017 - Mercado - Folha de S.Paulo



Brasil não cresce se não reduzir sua desigualdade, diz Thomas Piketty























O Brasil não voltará a crescer de forma sustentável enquanto não reduzir
sua desigualdade e a extrema concentração da renda no topo da pirâmide
social, diz o economista francês Thomas Piketty.





Autor de "O Capital no Século 21", em que apontou um aumento da
concentração no topo da pirâmide social nos Estados Unidos e na Europa,
Piketty agora se dedica a um grupo de pesquisas que investiga o que
ocorreu em países em desenvolvimento como o Brasil, a China e a Índia.





Os primeiros resultados obtidos para o Brasil foram publicados no início do mês pelo irlandês Marc Morgan, estudante de doutorado da Escola de Economia de Paris que tem Piketty como orientador.









O trabalho de Morgan, que incorpora informações de declarações do Imposto de Renda e outras estatísticas, sugere que a desigualdade brasileira é maior do que pesquisas anteriores indicavam e calcula que os 10% mais ricos da população ficam com mais da metade da renda no Brasil.





Defensor de reformas que tornem o sistema tributário mais progressivo,
aumentando os impostos cobrados sobre a renda e o patrimônio dos mais
ricos, Piketty chegou ao país nesta quarta (27) para conferências do
projeto Fronteiras do Pensamento em São Paulo e Porto Alegre.





Leia a entrevista de Piketty à Folha.




*
Folha - O estudo de Morgan mostra que a renda da metade mais pobre
aumentou junto com a dos mais ricos. Por que a concentração no topo da
pirâmide é tão preocupante?






Thomas Piketty - Porque, apesar dos avanços dos últimos anos, o
Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Em nossa
base de dados, só encontramos grau de desigualdade semelhante na África
do Sul e em países do Oriente Médio.





Houve um pequeno progresso nos segmentos inferiores da distribuição da
renda, beneficiados por programas sociais e pela valorização do salário
mínimo. É alguma coisa, mas os pobres ganharam às custas da classe
média, não dos mais ricos, e a desigualdade continua muito grande.





Reduzir a desigualdade é só questão de justiça social ou de eficiência econômica também?





Ambos. O grau de desigualdade extrema que encontramos no Brasil não é
bom para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável.





A história dos EUA e da Europa mostra que só depois de grandes choques
políticos como as duas grandes guerras do século 20 a desigualdade
diminuiu e a economia cresceu com vigor, permitindo que fatias maiores
da população colhessem os benefícios.





No Brasil, podemos concluir que as elites políticas e os diferentes
partidos que governaram o país nos últimos anos foram incapazes de
executar políticas que levassem a uma distribuição mais igualitária da
renda e da riqueza. Acho que isso é precondição para o crescimento
econômico.





Seus dados indicam que a fatia da renda nas mãos dos mais ricos vem se mantendo intacta no Brasil. Por quê?





Parte da explicação pode estar na história do país, o último a abolir a
escravidão no século 19, como você sabe. Mas isso não é tudo. Diferentes
políticas governamentais poderiam ter feito diferença.





O sistema tributário
é pouco progressivo no Brasil. Há isenções para rendas de capital, como
os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas. Impostos sobre
rendas mais altas e heranças têm alíquotas muito baixas no Brasil, se
comparadas com o que se vê em países mais avançados.





Alguns desses países fazem isso há um século, o que contribuiu para
reduzir a concentração da riqueza. Se você olhar os Estados Unidos, a
Alemanha, a França, o Japão, em todos esses países a alíquota mais alta
do Imposto de Renda está entre 35 e 50%. [No Brasil, a alíquota máxima
do Imposto de Renda é de 27,5%.]





Qual o risco de uma taxação maior das rendas mais elevadas provocar fuga de investidores para outras jurisdições?





A elite sempre tem um monte de desculpas para não pagar impostos, e isso
também ocorre em outras partes do mundo. A questão é saber por que a
elite no Brasil tem sido bem-sucedida ao evitar mudanças no sistema
tributário.





Em outros países, as elites não aceitaram pacificamente pagar mais
impostos. Foi um processo caótico e violento muitas vezes. Espero que o
Brasil tenha mais sorte e possa fazer isso sem passar por choques
traumáticos como as guerras. É deprimente ver que décadas de democracia
no Brasil foram incapazes de promover mudanças nessa área.





Não sei o futuro. Mas posso dizer que é possível ter um sistema
tributário mais justo, uma distribuição da renda e da riqueza mais
equilibrada, e mais crescimento econômico, ao mesmo tempo. Essa foi a
experiência de outros países.





Gastar energia para resolver esse problema não tiraria o foco de
políticas sociais que poderiam contribuir mais para a redução da
desigualdade?






Você precisa fazer as duas coisas. Morgan mostra que as políticas
sociais adotadas nos últimos anos foram boas para os pobres, mas
insuficientes. Você precisa melhorar as condições de vida deles e
investir em educação e infraestrutura, mas precisa de um sistema
tributário mais justo para financiar isso e reduzir a concentração da
renda no topo.





Não estou aqui para dar lições a ninguém. Há muita hipocrisia no meu
país quando se trata desse assunto. Mas acredito que no fim todos se
beneficiam com um sistema tributário mais justo e uma sociedade menos
desigual, mais inclusiva e mais estável.





Qual o foco do seu trabalho acadêmico no momento?





Estou procurando ampliar nossa base de dados com ajuda de outros
pesquisadores, incluindo informações sobre o Brasil, a China, a Índia e
outros países em desenvolvimento. Também quero examinar mais detidamente
a evolução das atitudes políticas com relação à desigualdade.





Em países como os EUA e a França, temos visto a ascensão do nacionalismo
e da xenofobia, e quero entender melhor o que significa. O maior risco
criado pelo aumento da desigualdade é a ascensão do racismo e da
xenofobia.





Se não resolvermos o problema da desigualdade de forma pacífica e
democrática, vamos sempre ter políticos tentando explorar a frustração
causada pela desigualdade, incentivando a xenofobia e pondo a culpa dos
nossos problemas sociais em imigrantes e trabalhadores estrangeiros.





É um risco para a globalização e os fluxos de comércio. A eleição de
Donald Trump nos EUA e a decisão do Reino Unido de sair da União
Europeia não foram uma coincidência. São os dois países ocidentais em
que a desigualdade mais cresceu nos últimos anos.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

As contribuições de J D ao novo "direito" brasileiro.

As contribuições de José Dirceu ao novo "direito" brasileiro. - TIJOLAÇO | 



As contribuições de J D ao novo “direito” brasileiro.

manual


Todos se recordam da frase pronunciada pela Ministra Rosa Weber – que tinha como ghost writer, na ocasião, o Dr. Sérgio Moro – no julgamento do chamado “mensalão”, ao proferir seu voto sobre José Dirceu: “Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”.


Hoje, ao ampliar para 30 anos a pena de duas décadas a pena que
Sérgio Moro dera ao mesmo Dirceu, o mesmo volta a ser dito, com nova
redação, pelo desembargador João Gebran Neto, o amigo de Moro: “Embora
nestes casos dificilmente haja provas das vantagens indevidas, adoto a
teoria do exame das provas acima de dúvida razoável”.



É a consagração de que o julgamento se dá com foco no julgado, não
nos fatos em si, o que é a negação de um princípio secular: o de que a
lei é igual para todos, passando a ser diferente apara alguns, segundo o
que se pensa dele.


Isso tornou-se, convenhamos, uma realidade no Judiciário brasileiro: a
absolvição de certas figuras “emblemáticas” como Dirceu tornou-se
pecado mortal e condena quem o faz à danação, porque tal convicção
passaria, imediatamente, a ser ao menos suspeitas e, muito
provavelmente, apontada como frutos de cumplicidades, corrupção ou, ao
menos “degeneração moral”.


É preciso, ao contrário, dar-lhes penas gigantes, “exemplares”, não
importando que sejam homens idosos, de mais de 70 anos, que ao final
delas serão apenas atestados de óbito ou matusaléns de 100 anos,


De outro lado, talvez como mitigação da culpa mental que tal
comportamento traz, voltou-se a absolver João Vaccari porque, contra
ele, nada além das delações premiadas  está nos autos. Trata-se, porém,
de voto meramente declaratório, pois Vaccari continuará preso, poios
morro encheu uma prateleira de condenações semelhante e, no “moderno
direito brasileiro” foi instituída a prisão não em segunda, mas em
primeira instância e, repetindo-se nas próximas ações o que aconteceu
nas duas primeiras condenações revogadas, talvez em sete ou oito anos
ele seja inocentado em todas.


O fato de, sem condenação alguma, ter cumprido oito ou nove anos de
cadeia é um mero detalhe, de pequena importância, que não vem ao caso.


Os que praticaram este crime – criminosos, portanto – são intocáveis e – mais – heróis da Nação.


Sãos os sacerdotes da nova fé, restaurados os princípios de S. Tomás
de Aquino, para os quais a verdade divina que portam carece de ser
provada, “porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta,
porque Deus lho manifestou ( Rom 1,19), ais quais nosso país está entregue.

O golpe da "quebra" da Petrobras

O golpe da "quebra" da Petrobras é só desculpa para vendê-la - TIJOLAÇO |



O golpe da “quebra” da Petrobras é só desculpa para vendê-la

GRAFPETR





Indispensável e esclarecedora a análise do economista Cláudio da
Costa Oliveira, aposentado da Petrobras e conhecedor, durante décadas,
da situação financeira da empresa.


Para a atual diretoria da

Petrobrás somos todos idiotas

Cláudio da Costa Oliveira
Em recente carta enviada pela
administração da Petrobras a seus funcionários, desta vez de autoria do
Diretor Financeiro, Ivan Monteiro, foi mantida a forma de cartas
anteriores, também enviadas por outros diretores (Pedro Parente e Nelson
Silva), nas quais fala-se muito, mas nenhum número é apresentado para
comprovar o que é falado. Apesar de não serem permitidas cópias e muito
menos comentários, eles chamam a isto de “diálogo”.
O objetivo desta última carta foi a
tentativa de defesa da venda da Nova Transportadora do Sudeste (NTS).
Não vou aqui trabalhar este assunto, pois penso que o mesmo já foi bem
esclarecido no artigo intitulado: “NTS: crônica de um prejuízo anunciado
Resumindo, venderam um ativo que remunerava mais de 20% ao ano, para reduzir uma dívida que custa 7% a.a. Que negócio é este?
No entanto, o que me chamou a atenção foi
a afirmativa de Monteiro de que a queda nos custos de captação de
recursos pela empresa é causada pelo atual modelo de administração da
companhia. Ivan Monteiro afirma: “Um dos motivos dessa melhora na
avaliação de risco de nossa companhia desde o segundo semestre do ano
passado tem sido exatamente o nosso programa de parcerias e
desinvestimentos, tendo como grande destaque a venda de 90% de nossa
malha de gasodutos do Sudeste (NTS) sic”.
Vejam que esperteza engenhosa. Usam um
fato extremamente negativo para os futuros resultados da empresa (venda
da NTS), como se fosse fator determinante de um fato positivo (queda de
juros ). Tudo para confundir.  Trata-se de um discurso orquestrado, pois
o próprio presidente Pedro Parente em diversas entrevistas, tem feito
afirmativas idênticas. A Gerente Executiva de Aquisições e
Desinvestimentos, Anelise Quintão Lara, em comentário, seguiu a mesma
linha.
Ou seja, eles querem que nós acreditemos
nesta bobagem. Pedro Parente em entrevista a Miriam Leitão (27/07/2017)
destacou isto, enquanto a pseudo-jornalista econômica balançava a cabeça
positivamente.

Nada mais ridículo. Nenhum banco reduz juros para uma empresa como a
Petrobras baseado num modelo de administração. Empréstimos são feitos
com vencimento em 2040. Até quando Pedro Parente vai continuar como
presidente da Petrobras? Vocês sabem dizer ? Até quando Michel Temer vai
continuar presidente do Brasil? Vocês sabem dizer?
O que atrai grandes volumes de recursos
para a Petrobras e consequentemente a queda nas taxas de juros, é o
direito que a empresa tem para exploração de grandes volumes de
petróleo, que ela mesma descobriu (pré-sal), aliado a tecnologias, que
ela mesma desenvolveu, tornando o negócio viável economicamente.
A atual administração não teve nenhuma
participação na descoberta das reservas e muito menos no desenvolvimento
de tecnologias e agora cinicamente, quer roubar os direitos dos louros
da conquista.
O pré-sal brasileiro, que Carlos Alberto
Sardenberg em artigo (2008) disse que: “só existe na cabeça do governo”.
Que Miriam Leitão (2009) disse que a Petrobras: “não tem capacidade
para extrair petróleo nestas profundidades.”  Este pré-sal brasileiro,
que por motivos escusos sempre foi denegrido, hoje é motivo da visita
dos abutres, que vem para o banquete ofertado por autoridades
constituídas por um golpe parlamentar ilegítimo.
O leilão da ANP, previsto para o próximo
dia 27 de setembro, trás ao Brasil representantes de quase todas as
grandes petroleiras do mundo que vem reclamar sua parte no butim. E eles
não escondem a satisfação. “Pré-sal é onde todo mundo quer estar” diz o presidente da Shell.
Vai jorrar petróleo” é a visão do CEO da estatal norueguesa Statoil.
Mas por que o povo brasileiro não reage a esta fantástica operação lesa-patria ?
Isto não é difícil de entender, basta rastrear os caminhos seguidos pelos vendilhões da nação.
Depois de tentar denegrir a existência do
próprio pré-sal, Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg criaram a
mãe de todas as mentiras: “A Petrobrás está quebrada”. Sendo assim, ela não tem capacidade para investir no pré-sal que terá de ser entregue para as petroleiras estrangeiras.
Tanto falaram, que a opinião pública
brasileira e até mesmo muitos funcionários da própria Petrobras,
passaram a acreditar nisto.
Por diversas vezes, Miriam Leitão no Bom
Dia Brasil ou por outros meios salientava que a empresa tinha sérios
problemas financeiros.
No final de abril de 2016, Carlos Alberto Sardenberg chegou ao cúmulo de afirmar que ou a Petrobras fazia um acordo judicial ou seriam necessários aportes do Tesouro para sua sobrevivência.
A realidade entretanto era completamente
outra, o Tesouro é que almejava os recursos que a companhia sempre gerou
em abundância, e no final de 2016 a Petrobras adiantou R$ 20 bilhões para o BNDES, aliviando o caixa do banco.
Os números da Petrobras são públicos e
podem ser encontrados no seu site balanços dos últimos 10 anos. Sendo
assim retiramos alguns dados financeiros para avaliação, que estão ao
alto do post.
Qualquer contador ou analista de balanços
olhando estes números dirá que esta empresa não tem, nem nunca teve
problemas financeiros.
Diversas vezes os referidos jornalistas
afirmaram que a companhia tinha uma dívida impagável. Mas uma empresa
que tem uma dívida liquida de US$ 97 bilhões, mas tem uma geração
operacional de caixa sempre acima de US$ 25 bilhões, não tem nenhum
problema na administração da dívida.
Para analisar melhor a situação financeira da Petrobras recomendamos a leitura do artigo “A realidade desafia a estratégia atual da Petrobras”, que compara a situação financeira da empresa com a das principais petroleiras do mundo.
Quem sabe um dia, Miriam Leitão e Carlos
Alberto Sardenberg venham a público se redimir do crime cometido contra a
imagem da maior empresa brasileira, bem como perante a opinião pública
do país.
Finalmente, resta também um pedido de
desculpas do presidente da empresa, Pedro Parente, que sempre que pode
insinua (ou afirma) em entrevistas, que recebeu uma empresa com
problemas financeiros.
Na realidade o ex-presidente Bendini,
quando transmitiu o cargo para Parente, declarou na imprensa: “Estou
entregando uma empresa com R$ 100 bilhões em caixa”. O que na época
(junho de 2016) equivalia a US$ 27 bilhões.
Infelizmente meu sentimento é que
provavelmente em breve, a atual administração da companhia virá a
público dizer que recuperou financeiramente a empresa. Uma empresa que
na realidade nunca teve problemas financeiros. Pensam que somos idiotas.
*publicado originamente no site da Associação dos Engenheiros da Petrobras

Significado de devido processo legal

RICARDO LEWANDOWSKI: Significado de devido processo legal - 27/09/2017 - Opinião - Folha de S.Paulo



Significado de devido processo legal




 Ricardo Lewandowski













O conceito de devido processo legal aparentemente anda um pouco
esquecido entre nós nos últimos tempos. Cuida-se de uma das mais
importantes garantias para defesa dos direitos e liberdades das pessoas,
configurando um dos pilares do constitucionalismo moderno.





Tem origem na Magna Carta, de 1215, através da qual o rei João Sem
Terra, da Inglaterra, foi obrigado a assegurar certas imunidades
processuais aos seus súditos.





O parágrafo 39 desse importante documento, ainda hoje em vigor,
estabelece que "nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou
privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de
qualquer modo molestado [...] senão mediante um julgamento regular de
seus pares ou em harmonia com a lei do país".





Tais prerrogativas foram sistematicamente reconfirmadas pelos monarcas
subsequentes, sendo a expressão, "lei do país", substituída pela locução
"devido processo legal", em 1354, no Estatuto de Westminster.





Com isso, os direitos das pessoas passaram a ser assegurados não mais
pela mera aplicação da lei, mas por meio da instauração de um processo
levado a efeito segundo a lei.





De lá para cá, essa franquia incorporou-se às Cartas políticas da
maioria das nações democráticas, constando do art. 5º, LIV, de nossa
Constituição, com o seguinte teor: "Ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal."





Trata-se de uma moeda de duas faces. De um lado, quer dizer que é
indispensável a instauração de um processo antes da restrição a
quaisquer direitos.





De outro, significa que o processo precisa ser adequado, ou seja, não
pode ser simulacro de procedimento, devendo assegurar, no mínimo,
igualdade entre as partes, o contraditório e a ampla defesa.





O devido processo legal cresce em importância no âmbito penal, porque
nele se coloca em jogo a liberdade que, depois da vida, é o bem mais
precioso das pessoas.





Sim, porque o imenso poder persecutório do Estado, detentor
monopolístico do direito de punir, só se submete a temperamentos quando
observada essa garantia essencial.





Nunca é demais lembrar que o processo atualmente não é mais considerado
meio de alcançar a punição de quem tenha infringido as leis penais,
porém um instrumento de tutela jurídica dos acusados.





Mas não é só no plano formal que o devido processo legal encontra
expressão. Não basta que os trâmites, as formalidades e os
procedimentos, previamente explicitados em lei, sejam observados pelo
julgador. É preciso também que, sob o aspecto material, certos
princípios se vejam respeitados.





Nenhum valor teria para as partes um processo levado a efeito de forma
mecânica ou burocrática, sem respeito aos seus direitos fundamentais,
sobretudo os que decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana,
para cujo resguardo a prestação jurisdicional foi instituída.





O direito ao contraditório e à ampla defesa fica completamente esvaziado
quando o processo judicial se aparta dos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade ou do ideal de concretização do justo.





Com efeito, uma decisão que atente contra a racionalidade, a realidade
factual ou os princípios gerais do direito universalmente reconhecidos,
embora correta do ponto de vista procedimental, não se conforma ao
devido processo legal substantivo.





Prisões provisórias que se projetam no tempo, denúncias baseadas apenas
em delações de corréus, vazamentos seletivos de dados processuais,
exposição de acusados ao escárnio popular, condenações a penas
extravagantes, conduções coercitivas, buscas e apreensões ou detenções
espalhafatosas indubitavelmente ofendem o devido processo legal em sua
dimensão substantiva, configurando, ademais, inegável retrocesso
civilizatório.




RICARDO LEWANDOWSKI é professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP e ministro do Supremo Tribunal Federal

O fim do BNDES e o grande golpe do Brasil quebrado

O fim do BNDES e o grande golpe do Brasil quebrado | Brasil 24/7



O fim do BNDES e o grande golpe do Brasil quebrado
















(artigo originalmente publicado na Revista do Brasil)



 por Mauro Santayana, para Revista do Brasil




Mentira mil vezes repetida torna-se verdade, pregava
Joseph Goebbels (centro), ministro da Propaganda de Hitler, que
conseguiu entorpecer os alemães com as teorias nazistas. Teoria parece
guiar os golpistas de 2016
Nos últimos anos, e mais especialmente a partir de 2013, o Brasil tem
se transformado, cada vez mais, no país de pequenos e grandes golpes,
canalhas, sucessivos e mendazes. Golpes na economia, golpes na
soberania e na estratégia nacional, golpes contra a democracia, que
culminaram no grande golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016.


Mas, sobretudo, golpes contra verdade, a consciência popular, a
própria realidade e a opinião pública. Com a criação e disseminação de
mentiras, fakes e falsos paradigmas apoiados mutuamente na
fabricação do consentimento para a desconstrução de um sistema político
que, com todos os seus defeitos – aliás, como toda democracia –
funcionava com um mínimo de governabilidade, de estabilidade
institucional e de equilíbrio entre os poderes da República.


Golpes voltados para sabotagem e destruição de um programa
nacionalista e desenvolvimentista que levou o Brasil da 14ª para a sexta
economia do mundo, em 9 anos, a partir de 2003, apoiado no retorno à
construção de plataformas de petróleo, hidrelétricas de grande porte,
ferrovias, refinarias, tanques, submarinos, navios, rifles de assalto,
caças, cargueiros aéreos militares, multiplicando o crédito, dobrando a
produção agrícola, triplicando a produção de automóveis.


Da imensa usina de contrainformação fascista montada, principalmente, a partir de 2013,
saíram – e continuam a sair – milhares de calúnias, seguindo uma
estratégia não escrita que usa pequenas “notícias” cotidianas. A maior
parte delas surreal, disseminada pela má fé, o ódio e a hipocrisia,
realimenta permanentemente, principalmente nas redes sociais, grandes
correntes e paradigmas midiáticos que adquiriram o ar de certeza para a
parcela mais ideologicamente imbecil, quanto mais apaixonadamente
ignorante, da população brasileira.


Uma das principais pós-verdades vendidas para esse público, hoje já
transformada em discurso e adotado como bandeira e muleta pelo atual
governo e boa parte da mídia, é de que o Brasil estaria totalmente
inviabilizado economicamente e, logo, necessitado de passar por um
urgente programa de “reformas” – com venda de ativos públicos e privados
para “sair do buraco”.


Ora, quebrados, ou quase isso, estávamos no último ano de governo do senhor Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, depois de um nefasto e maior programa de “reformas” e de “privatizações” (na verdade, de desnacionalização) da economia brasileira em 500 anos, encerramos o ano com um PIB nominal e uma renda per capita em
dólares, segundo o Banco Mundial, menor do que de oito anos antes, no
final do governo Itamar Franco. E uma dívida com o FMI de US$ 40
bilhões.


Hoje o Brasil tem R$ 380 bilhões de dólares – mais de R$ 1 trilhão –
em reservas internacionais e é ainda, com toda a crise, a nona economia
do mundo. Entre as 10 principais economias do planeta, grupo em que nos
incluímos depois de 2002, pelos menos sete países – Estados Unidos,
Japão, Reino Unido, França, Itália, Canadá – têm dívida pública maior do
que a nossa.


O salário mínimo e a renda per capita são maiores, em
dólares, agora, do que no final de 2002, e as dívidas bruta, externa e
líquida são menores do que eram quando Fernando Henrique deixou o
poder.


A razão pela qual o governo e o sistema de
contrainformação fascista escondem da população o excelente nível de
reservas internacionais é óbvia: a informação contradiz o mito de que os
governos do PT quebraram o Brasil. E anularia a justificativa que usam
para entregar o Brasil a toque de caixa e preço de banana podre aos
estrangeiros
208 milhões de idiotas


Mas a mídia, os ministros, os “especialistas” e “analistas” do
“mercado” insistem em afirmar a todo o momento exatamente o contrário.
Que estamos redondamente quebrados e que a dívida nacional explodiu por
terem, talvez, na verdade, a mais descarada certeza de que conseguiram
realmente nos transformar impunemente, nos últimos quatro anos, a todos
os brasileiros em uma populosa nação de 208 milhões de idiotas.


Afinal, há muita diferença entre dificuldades fiscais momentâneas,
causadas entre outras coisas, por um programa de desonerações fiscais
equivocado, mas que deixou um déficit muito menor do que o de hoje –
agravado por volumosos aumentos de salários para o Judiciário e o
Ministério Público aprovados depois que Temer chegou ao poder – e os
dados macroeconômicos de um Brasil que já emprestou dinheiro ao FMI e
ocupa o posto de quarto maior credor individual dos Estados Unidos. (Basta pesquisar na página oficial do Tesouro norte-americano procurando a expressão mayor treasuries holders no Google.)


A razão pela qual o governo e o sistema de contrainformação fascista,
na internet principalmente, não alardeiam para a maioria da população o
excelente nível de reservas internacionais é óbvia. Essa informação
contradiz frontalmente o mito de que Lula, Dilma e os governos do PT
quebraram o Brasil, a ponto de deixar o país de chapéu na mão.


E anula, praticamente, a justificativa que está por trás de um
programa apressado, antidemocrático – porque a sociedade não está sendo
ouvida – e antipatriótico de privatizações que está entregando o Brasil a
toque de caixa e preço de banana podre aos estrangeiros. Como ocorreu,
por exemplo, com a venda da maior refinaria de resina PET da América Latina,
recém-inaugurada pela Petrobras (na qual foram investidos R$ 9 bilhões)
por apenas R$ 1,3 bilhão para capitais mexicanos, no final do ano
passado, provocando um prejuízo, apenas nesse caso, três vezes superior
àquele que teoricamente teria sido gerado por Dilma no caso Pasadena, se
ela já não tivesse, a bem da verdade, sido isentada pelo TCU dessas
acusações.


Ou da entrega – por meio de um discurso entreguista tão hipócrita
quanto calhorda – de reservas de petróleo do pré-sal para empresas 100%
estatais de outros países como Noruega e China, enquanto, para consumo
interno, defende-se a “desestatização” da Eletrobras e a própria
Petrobras, com a alegação de que o capital privado seria mais honesto e
competente.


Tudo isso em um país em que, paradoxalmente, com base em uma campanha
jurídica eivada de primeiras, segundas e terceiras intenções políticas,
se acaba de destruir cinicamente – e em alguns casos, desnacionalizar –
a base do capital privado nacional e da megaengenharia brasileiras,
justamente por serem consideradas, as duas, fontes de corrupção e de
serem excessivamente dependentes do governo.


BNDES poderoso e eficiente


São essas mesmas razões – a mentira e a manipulação e a necessidade
de sustentar o mito de que o PT quebrou o país – que fazem com que o
governo e a mídia deixem de mencionar, ou tentem esconder da maior parte
da população, que Temer e Meirelles herdaram dos governos Dilma e Lula,
quando assumiram o poder depois do golpe de 2016, um BNDES extremamente
poderoso e eficiente, com centenas de bilhões de reais em caixa.


Recursos que eles estão raspando dos cofres do nosso maior banco de
fomento, enviando-os “antecipadamente” para o Tesouro, com a desculpa de
estar diminuindo a dívida pública, quando ela é menor hoje do que em
2002 e esse dinheiro fará quase ou nenhuma diferença em percentual de
dívida com relação ao PIB, ao fim desse estúpido e gigantesco
austericídio.


Não é preciso lembrar ao ministro da Fazenda – que recebeu mais de R$
200 milhões em “consultoria” no exterior nos últimos três anos – que o
BNDES foi criado, em 1952, no segundo governo Vargas, para promover o
desenvolvimento econômico e social do país, e não para gerar recursos
para o pagamento de uma dívida pública que ainda se encontra em uma
classificação mediana do ponto de vista internacional.


Como não é preciso recordar que bancos precisam de dinheiro para
funcionar, retirar deles recursos, nesse caso, capitais públicos,
equivale a fechar as suas portas. Tampouco é preciso lembrar que, assim
como no caso da justificativa imbecil da queda de Dilma por “pedaladas”
fiscais, o dinheiro que está no BNDES, ou no Tesouro, pertencem ao mesmo
dono – o povo brasileiro –, que o que importa não é ficar fingindo que
se tratam de coisas diferentes, mas, no frigir dos ovos, gerir esses
recursos, economizados nos últimos anos, em benefício de todos os
cidadãos e não de firulas contábeis para se posar de bons moços para o
“mercado”.


Isso tudo em um momento em que o país, com mais de 14 milhões de
desempregados, padece com centenas de bilhões de dólares em projetos
importantíssimos – muitos deles estratégicos – paralisados
irresponsavelmente por decisão da Justiça nos últimos três anos. E
precisa desesperadamente recuperar suas maiores empresas, e de mais
infraestrutura e vagas de trabalho.


A intenção de acabar, na prática, com o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social, estrangulando-o enquanto principal
instrumento estratégico para a competitividade brasileira, não atende
apenas aos interesses de nossos concorrentes externos.


Faz parte da mesma estratégia de enfraquecer também o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federalpara
justificar privatizações, ou, no mínimo, “equilibrar” o “mercado”,
favorecendo bancos privados nacionais e estrangeiros no sistema
financeiro nacional.


Não por acaso, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco acaba de declarar, em seminário em Belo Horizonte, que o BB está pronto para privatização.
Franco presidiu o Banco Central no primeiro mandato de FCH, entre 1997 e
1999, era das grandes privatizações. Não é também por coincidência que
contratos do Minha Casa Minha Vida têm sido sistematicamente atrasados
pela Caixa. Anunciou-se nesta semana que o financiamento de imóveis
usados na Caixa agora só chegará, no máximo, a 50% do valor do bem a ser
adquirido.


A classe “média”, principalmente, aquela parcela que se assume como
vanguarda do fascismo nas redes sociais, ou está engolindo a seco, ou
deve mesmo estar satisfeita com essas notícias, e também com outras
novidades desse “novo” Brasil, ordeiro e progressista,
como a volta dos frequentes, quase semanais, aumentos do preço dos
combustíveis da Petrobras para as distribuidoras, rapidamente repassados
pelos postos, tão comuns na última década do século passado.


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A lição que não se aprendeu

A lição que não se aprendeu - TIJOLAÇO | 



A lição que não se aprendeu

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O passado é uma coisa danada, mesmo.


Pior que água, que acaba brotando de onde menos se espera, teimoso
que só, sempre a nos lembrar de onde erramos, onde deveríamos ter tomado
um caminho diferente para não darmos no abismo.


Esta semana, no meio da crise horrenda da Rocinha, quando ao fundo do
tiroteio surgem tristes os arcos inconfundíveis de um Ciep da era
Brizola, recebo um e-mail. Era o velho amigo jornalista Sérgio Caldieri,
lembrando que, em 1985, a revista alemã Der Spiegel publicou
uma reportagem sobre os Cieps e ele, assessor de imprensa de Darcy
Ribeiro entregou o exemplar ao professor e lamenta: ” Não guardei uma
cópia, a revista nunca apareceu e nem existe nos arquivos da Fundação
Darcy Ribeiro”.


Disse ao Sérgio que tinha quase certeza do “fim” que a Der Spiegel tomou: virou um quadrinho numa pilastra da sala do apartamento de Leonel Brizola, em Copacabana, perto de outro, onde o NY Times dizia que, naquelas escolas, “a primeira aula era o café da manhã”.


Caldieri conseguiu o texto e enviou-me. Conta a história de Oswaldo,
um menino que perambulava pela rua, alimentado pela caridade, tomando
conta de automóveis.


Oswaldo, hoje, se está vivo, é um senhor de 45 anos, talvez pai de
outros Oswaldos. Se saiu ou não da pobreza e do abandono e se não é este
o destino de seus meninos e meninas, não sei. A corrente da estupidez é
muito forte e aquele sonho foi interrompido por um Moreira que prometia
o fim da violência em seis meses – mais ou menos como faz o Moro com o
fim da corrupção com sua Lava Jato – e por um Gabeira que abraçava a
Lagoa Rodrigo de Freitas, rumo ao ecoparaíso.


A Lagoa está limpa, tem até narcejas e capivaras, que bom. Mas igual
não se pode dizer do cuidado com a nossa pobreza. Na coluna de Lauro
Jardim, hoje, registra-se que os gastos governamentais em saneamento
caíram 70%, semestre contra semestre, do ano passado para cá, em nome do
saneamento, claro, do dinheiro a pagar aos rentistas.


A violência, bem, está aí, firme e forte, a servir de pasto aos
ignorantes que acham que há uma guerra a ser vencida e não um povo a ser
cuidado, dignificado, protegido e promovido.


Vai abaixo a matéria da Der Spiegel, que se infiltrou, pelas artes do acaso, nesta semana lúgubre.


Ao menos, Caldieri, Oswaldo e eu tentamos. E continuamos tentando.


A síndrome de Calcutá

Der Spiegel, agosto de 1985
Oswaldo Luiz Machado está dormindo na
rua. Um banco, uma casa, alguns jornais antigos do lixo podem ser
suficientes para os seus 13 anos de idade. Alguns quarteirões no bairro
do Catete, no Rio de Janeiro, são sua vida. Ele ganha cerca de 20
cruzeiros por mês para cuidar de carros estacionados. Os garçons nos
restaurantes da região dão-lhe comida.
Foram eles também os que atraíram o
menino desabrigado para o novo edifício, que se ergueu no final de sua
rua: elementos pré-fabricados de concreto elegantemente curvado, painéis
amarelados brilhantes e grandes janelas em alumínio com o emblema
inimitável do renomado arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer.
Há quatro semanas, Oswaldo é um dos
quase 600 alunos do primeiro “Centro Integrado de Educação Pública”
(Ciep). Um dos conceitos escolares talvez mais revolucionários do
Terceiro Mundo está escondido por trás do incômodo nome:


Em um ataque frontal ao empobrecimento da população, o Estado do Rio
de Janeiro, em três anos, está construindo 300 escolas para cada 1.000
alunos, não só com educação , mas também quatro refeições por dia, bem
como cuidados médicos e dentários. Além de centenas de jardins de
infância e creches infantis estão sendo produzidos em uma “fábrica de
escolas” a uma taxa de uma unidade por dia, num total de 2.000.
“Nós temos que desfazer o nó gordio”,
diz o antropólogo Darcy Ribeiro, Secretário Estadual de Cultura do Rio
de Janeiro, defendendo o programa “louco” como chamam seus opositores.
“De outra forma, será a Síndrome de Calcutá”.


Assim, o cientista chama o pântano de fome, sujeira e violência, em
que as grandes cidades dos países em desenvolvimento ameaçam afundar.
“As pessoas nascem na rua, passam toda a vida na selva de asfalto, ou
submergem no mar de casa”, reclama Ribeiro. “E, como resultado da
mecanização na agricultura, mais e mais cidades estão chegando às
cidades sem a menor chance de encontrar trabalho”. A esperança de uma
vida digna continua sendo uma ilusão “.


De fato, o fornecimento de infraestrutura urbana na metrópole de
sete milhões de habitantes do Rio de Janeiro é trinta vezes menor do que
em Paris. E a desproporção aumenta. No ano 2000, a “cidade
maravilhosa”, a maravilhosa cidade, acolherá 17 milhões de pessoas (na
sua região metropolitana).
Acima de tudo, a educação escolar foi
completamente negligenciada nas últimas décadas, aumentando a demanda
simplesmente respondida com oferta reduzida. O dia escolar no Brasil tem
apenas quatro horas e meia, de modo que dois turnos podem dividir as
escassas salas de aula. Nas grandes cidades, é introduzida um terceiro
turno, que limita o horário escolar diário a três horas.
“52 por cento das crianças deixam a
escola antes da conclusão do segundo ano escolar, nem conseguem escrever
e ler corretamente”, explica Riveiro. Na cidade do Rio, apenas 700 mil
vagas escolares estão faltando, em todo o estado 1,5 milhão. 586.987
estudantes inscritos, apenas, comenta o Secretário da Cultura, em 1984
no estado do Rio de Janeiro, com 2350 escolas.
“Não estamos fazendo nada de revolucionário aqui”, diz Darcy Ribeiro, “estamos apenas reinventando a escola convencional”.
É assim que o programa Ciep fornece
lições o dia inteiro. As crianças passam nove horas no complexo, que
está equipado com uma biblioteca e quadra de esportes. Na primeira
unidade, aberta há um mês em Catete, as crianças ficam emocionadas: “É
divertido, é fantástico”.
Há, naturalmente, muitas crianças,
que viviam dos gêneros alimentícios das latas de lixo dos restaurantes.
Aqui você pode encontrar arroz, feijão, omelete, frutas ou leite em
bandejas de aço cromado brilhante na moderna cantina.
As aulas são relaxadas por
apresentações de teatro, pintura e esportes. E depois da ginástica tomam
banhos – para muitas dessas crianças da favela algo inédito. “Aqueles
que nunca tiveram a chance de jantar, alfabetização e higiene”, diz
Teresa Graupner, da Secretaria de Cultura.
A coisa maravilhosa sobre todo o
programa: o sistema funciona – pelo menos até agora. “Não é tão caro”,
diz Darcy Ribeiro, “embora usemos a maioria dos recursos do Estado para
fazê-lo”.
De fato, o governo anterior gastou
80% de seu orçamento em investimentos em áreas de construção urbana, ou
em vias e avenidas onde lindas praias brancas e amplas avenidas abrigam
apartamentos de luxo incomparável.


“Maravilhosa” é o Rio somente naquela borda sul estreita ao longo
das praias que os turistas conhecem. Os milhões de misérias estão
escondidos atrás das montanhas.
Um Ciep custa menos de quatro bilhões
de cruzeiros (dois milhões de marcos). “Mas o Cruzeiro não é estável”,
conclui Ribeiro, “mas eu estimo que a próxima expansão de 100 escolas
custará cerca de 100 milhões de dólares”.
“Edifícios faraônicos” chama isso o jornal “O Estado de São Paulo”.
A oposição é surpreendida pelo
programa cuidadosamente preparado e pelo planejamento financeiro preciso
e teme a crescente popularidade dos reformadores.
Oswaldo Luiz Machado ainda está
dormindo em casa, ainda cuidando de carros, mas agora apenas à noite,
com um estômago cheio e limpo, de banho tomado.
Em breve, ele espera, esta vida
também será uma coisa do passado: no último andar do centro escolar,
dois apartamentos são organizados para doze crianças cada.
Oswaldo quer ser aceito lá.

Acúmulo de conhecimento

Acúmulo de conhecimento por um país intensifica economia, diz físico do MIT - 25/09/2017 - Ciência - Folha de S.Paulo




O físico chileno César Hidalgo, professor do MIT, não gosta de ser
chamado de "Kardashian da física", como foi pelo site "Mashable". As
semelhanças entre ele e a família de celebridades são superficiais: são
jovens (César tem 37, Kim tem 36), têm cabelos escuros e fizeram reality
shows mostrando suas vidas. E só.





Em "In My Shoes" (inmyshoes.info ), série de vídeos gravada no ano
passado, ele mostra os bastidores da vida de um acadêmico descolado e
mundialmente respeitado.





O propósito dos vídeos é completamente diferente do de Kim Kardashian:
Hidalgo quer inspirar mais jovens para a pesquisa acadêmica.





Hidalgo ficou famoso pela visualização de dados econômicos. Em vez de
usar agregados como o PIB, ele analisa que atividades em cada município
empregam quantas pessoas. Com isso, ele calcula a complexidade da
economia. "Se não dá para construir algo na Alemanha, não se consegue
fazer em nenhum outro lugar", resume.





O outro lado da moeda é que economias menos complexas correm o risco da
fuga de cérebros. Oitavo país em produto interno bruto (a capacidade de
comprar coisas), somos o 34º em complexidade econômica (que mede a
capacidade de fazer coisas).




*
Folha - Sério que o Mashable o chamou o sr. de "Kardashian da Física"?





César Hidalgo - Acho que não foi bacana, mas o formato da minha
série se baseia nos reality shows de verdade. O "In My Shoes" nunca
passaria na TV; o importante é chegar aos jovens que queiram se tornar
pesquisadores.





Antes, em 2011-12, fiz a série Cambridge Nights. Entrevistei Steven
Pinker [psicólogo], Rosalind Picard [pesquisadora de computação
afetiva], Geoffrey West [físico, pesquisador da complexidade] e Lazlo
Barabasi [que pesquisa a ciência das redes]. Ali, aprendi a fazer
vídeos. Agora, estou experimentando com realidade virtual para a segunda
temporada de "In My Shoes".





Quero mostrar a vida dos meus alunos. Vou levar a câmera até a casa
deles, para mostrar na intimidade o processo de criação da ciência.





Como se interessou pela economia do desenvolvimento?





Sempre tive interesse em conhecer como o universo se organiza. Estudei
sistemas complexos e acabei estudando redes, para observar melhor
sistemas sociais, econômicos e biológicos. Percebi que as descrições dos
sistemas econômicos eram agregadas demais. A economia era vista apenas
como uma façanha da natureza humana agregada, mas o conhecimento que
temos e usamos não era um assunto da economia mainstream. Estava em
nichos como economia da inovação ou do desenvolvimento.





Agora, algumas leis da geografia econômica finalmente estão sendo
articuladas e demonstradas com diferentes bancos de dados. Em breve
teremos uma compreensão mais definida das leis que governam a estrutura
econômica em grande escala.





Como explicar complexidade econômica num elevador?





É senso comum que as economias mais prósperas empregam mais o
conhecimento. Fazem coisas mais sofisticadas e recrutam pessoas com mais
escolaridade, que trabalham em equipes. Antes, para ver essa ideia com
dados, se classificava produtos entre mais e menos sofisticados e depois
se contava os empregos nessas atividades para medir o conhecimento
embutido numa economia. Digamos: fazer celulares é sofisticado, fazer
pão não é; portanto, fábricas de celulares empregariam mais
conhecimento. Mas essa abordagem não resolve o problema.





Então, formulamos assim: atividades intensivas em conhecimento são
feitas por economias intensivas em conhecimento. Economias intensivas em
conhecimento fazem atividades intensivas em conhecimento. Parece um
argumento circular, certo? Mas com ele definimos as equações que se pode
resolver matematicamente para obter o índice de complexidade econômica.
Ela é uma medida comparativa. Quando um país entra num ramo econômico,
aumenta sua complexidade.





Eventos como a crise econômica de 2007/2008 afetam a complexidade econômica?





A crise começa no norte industrializado EUA e Europa. Já na América do
Sul, os preços de commodities como o aço estavam tão bons que a crise
não veio com tanta força.





Com isso, vários países regressaram às atividades extrativistas, porque
eram muito lucrativas. Esses setores menos complexos, três anos depois,
entrariam em colapso. Quando a situação mudou, os preços das commodities
no Brasil passaram mais de dois anos caindo. Durante a crise, aumentou a
polarização econômica entre a América do Sul e a Ásia. Vários aspectos
de industrialização da América Latina caíram. Equipamentos eletrônicos
feitos na América Latina ficaram obsoletos.





O continente perdeu bastante depois da crise, por não poder sustentar as indústrias mais integradas.





No seu Atlas da Complexidade Econômica, o Brasil, 21º maior
exportador do mundo, aparece em 51º em complexidade econômica. Por quê?






A complexidade é a capacidade de fazer coisas. Ela compara o que você
faz em relação a quantas pessoas também conseguem fazer isso. É o quanto
uma economia consegue produzir, em termos de coisas difíceis de fazer.





Digamos que eu crie um produto e queira achar um país para produzi-lo.
Que países já têm o conhecimento para fazê-lo? Onde é lucrativo
produzir? Pense numa economia muito sofisticada, como a China, ou a
Alemanha ou o Japão. Para qualquer produto, se você não consegue
construir na China ou na Alemanha, não constrói em lugar nenhum. Outros
produtos talvez não possam ser feitos na Bolívia ou no Paraguai, mas
possam em países que tenham o conhecimento que falta lá.





Quais são as consequências disso para a economia do país?





O Brasil tem dois problemas. A política vai muito mal; uma sequência de
governos deu má imagem ao país, afetando a confiança externa. Por outro
lado, o Brasil teve políticas de substituição de importações
desnecessariamente longas e severas. O país poderia ter desenvolvido as
indústrias automotiva e de aviação com as substituições de importações,
mas as tarifas duraram tempo demais. Isso afetou a qualidade.





Quando vou ao Brasil, vejo que a qualidade até de carros muito caros é
muito inferior ao que se vê no exterior. Se removessem as tarifas,
fabricantes de carros melhores e mais baratos entrariam muito fácil. Ao
manter as tarifas por tanto tempo, distanciaram a qualidade do mercado
interno do que se vê lá fora. Isso é perigoso, porque em produtos
diferenciados as diferenças de qualidade são muito claras.





Então, o Brasil terá de se abrir um pouco mais para aumentar a qualidade
e tentar transformar alguns desses setores sofisticados em setores
exportadores. Só que, para não destruí-los, devido ao gap de qualidade, é
preciso ir devagar, ao menos por enquanto. Eles precisam de uma chance
de botar a casa em dia.





Você conhece bem o caso brasileiro devido ao seu trabalho com o
DataViva, que estuda a complexidade econômica em nível municipal. O que
esse trabalho revela sobre a economia brasileira?






Ele mostra o que se poderia esperar: as regiões mais sofisticadas são
regiões mais ricas, como Minas e Porto Alegre. O que temos feito agora é
analisar as dinâmicas dos novos setores. Usamos parte dos dados para
tentar entender como o conhecimento se difunde dentro do Brasil.





A ideia é saber como alcançar cidades e regiões que nunca começaram a
desenvolver indústrias relacionadas, para desenvolver novos setores. A
complexidade exige acúmulo de conhecimento e capital humano, que também
tende a se agrupar em cidades.





Há também o papel da história, que é muito importante. No DataViva
encontramos Americana, cidade no interior de São Paulo colonizada por
pessoas que escaparam da Guerra Civil norte-americana, no século 19.
Elas trabalhavam com a indústria têxtil.





Se você for olhar quais indústrias evoluíram lá, notará uma forte
presença da indústria têxtil mais de um século depois. Isso não acontece
só no Brasil. No Observatório da Complexidade Econômica, se for
analisar os equipamentos de impressão, sabe qual é o maior exportador do
mundo? Ainda é a Alemanha, meio milênio depois de Gutenberg.





Vi uma apresentação do projeto em 2013. Como começou?





O DataViva começou lá por 2010, quando eu estava entrando no MIT. Recebi
um e-mail de Virgílio Almeida, professor de ciência da computação na
UFMG.





Ele queria aplicar algumas ideias do meu trabalho e me apresentou Evaldo
Vilela, hoje presidente da Fapemig [Fundação de Amparo à Pesquisa de
MG].





Propus criar uma ferramenta interativa, que recriaria os gráficos sempre
que os dados fossem atualizados. A primeira versão do DataViva ficou
pronta em 2013. Outros países também ficaram interessados em fazer esse
tipo de trabalho. Criamos o DataUSA, o DataChile, o DataSaudiArabia, o
DataAfrica. Agora, o censo dos EUA está planejando atualizar seu site
para se parecer com o DataUSA. No fim das contas, o site do censo
americano vai mudar porque há sete anos um brasileiro me mandou um
e-mail.





Muitos brasileiros que trabalham com tecnologia emigraram nos últimos
anos, atrás de melhores condições de trabalho. Você também deixou o
Chile. Dada a importância do capital humano na complexidade econômica, o
que um país pode fazer?






Um país pode promover a imigração de pessoas talentosas, se não puder
desenvolver habilidades localmente. Receber estrangeiros que trazem
habilidades diferentes das que se tem em casa ajuda a incrementar o
conhecimento disponível. Mas para isso é preciso manter a burocracia no
menor nível possível.





É desejável empregar pessoas que façam trabalho criativo, que afete mais
os resultados da empresa do que apenas os requerimentos burocráticos. É
preciso ter boas políticas que promovam tecnologias de transporte e
comunicação, porque cidades são redes, e a única maneira de essas redes
operarem é conectando-se a outras pessoas ao longo do dia.





Também é importante treinar a nova geração nas novas tecnologias.





Estou trabalhando com o governo de Minas num projeto para ensinar todos
os alunos do ensino médio da rede pública como fazer desenvolvimento
para a Web em HTML, CSS e Javascript [linguagens de programação]. Pouca
gente tem esse conhecimento, e passar isso adiante é difícil. No Brasil,
vimos que os alunos usam a tecnologia mas não sabem como é feita uma
página da Web. se projeto, o CodeLife, vai tentar ensinar isso em grande
escala. Pretendemos lançá-lo ano que vem.

Acordo com Odebrecht

Ministério Público de São Paulo rejeita acordo com Odebrecht - 25/09/2017 - Poder - Folha de S.Paulo




Dez promotores do Ministério Público de São Paulo que investigam
corrupção decidiram que não vão assinar um acordo com a Odebrecht para
receber provas de que houve pagamento de propina em obras do Metrô, CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), Dersa e DER (Departamento de Estradas de Rodagem).





Eles dizem que não endossam o acordo de leniência porque há
irregularidades no texto, como a ausência de concordância da CGU
(Controladoria Geral da União) e da AGU (Advocacia Geral da União) com
os termos acertados, como está previsto na legislação brasileira.





Acordo de leniência é uma espécie de delação, mas da empresa, não de pessoas que se envolveram com suborno.





Sem endossar os termos do acordo, os promotores não receberão as provas
que fazem parte do trato e que serviriam para sustentar ações contra
aqueles que são apontados pela Odebrecht como recebedores de propina.





O resultado prático do impasse com os promotores de São Paulo
é que as investigações sobre autoridades dos governos de Geraldo
Alckmin e José Serra, ambos do PSDB, e da gestão de Gilberto Kassab na
Prefeitura de São Paulo devem atrasar ainda mais. Há risco de prescrição
em algumas ações. Alckmin, Serra e Kassab negam ter recebido suborno da
Odebrecht.





O PROBLEMA





A ilegalidade no acordo de leniência da Odebrecht foi apontada em
decisão do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, que julga os
recursos de decisões do juiz Sergio Moro. O TRF analisava um pedido da
União para que a Justiça mantivesse o bloqueio de bens da empresa.





O acordo da Odebrecht foi feito com um órgão, o Ministério Público
Federal, que não tem poderes para isso, segundo a juíza do TRF Vânia
Hack de Almeida. Ela disse em agosto que o acordo terá de ser refeito.
Não há, porém, decisão final sobre a legalidade desse acordo.





Os promotores, todos da área de Patrimônio Público, que cuidam de ações
de improbidade e multas aos corruptores, negam que sua recusa em assinar
o acordo de leniência tenha o objetivo indireto de beneficiar o PSDB.





Ao ser questionado pela Folha se a decisão poderia ser
interpretada como uma proteção aos tucanos, um dos promotores disse, sob
condição de que fosse mantido o seu anonimato, que beneficiar o PSDB
seria aceitar um acordo no qual a Justiça já apontou problemas sérios.





Segundo o promotor, não há recorte político em investigações da área de
Patrimônio Público. O grupo abriu ações contra executivos do Metrô e da
CPTM que foram nomeados por Serra e Alckmin.





A delação da Odebrecht cita pagamentos de propina em obras como a linha
2-verde do Metrô, Rodoanel, o túnel da avenida Roberto Marinho e o
estádio do Corinthians.





Promotores reclamam também que não foram consultados sobre os valores
previstos para ressarcir os prejuízos que a Odebrecht causou nas obras
com a prática de cartel e superfaturamento. A multa que a empresa
acertou de pagar, de R$ 8,5 bilhões, será para cobrir as ilicitudes. A
Odebrecht reconhece a prática de cartel, mas nega que tenha havido
sobrepreço nas obras.





Outro problema, ainda segundo os promotores: caberá a Sergio Moro, que
homologou o acordo de leniência da Odebrecht, liberar o valor das
indenizações a serem pagas. O que Moro sabe dos problemas investigados
em São Paulo?, pergunta um deles.





Os promotores também reclamam que o acerto sobre esse montante foi feito
pela empresa com procuradores da força-tarefa de Curitiba e de
Brasília, também sem o conhecimento detalhado dos casos que estão na
Justiça.





Apesar dessas divergências, tanto os promotores quanto a própria
Odebrecht cogitam a negociação de um acordo paralelo à leniência.





Os promotores têm experiência nessa área. Já fizeram acordos com o
Deutsche Bank, UBS e Citibank, usados pelo ex-prefeito Paulo Maluf para
esconder dinheiro desviado de obras, e com a Alstom.

Janio de Freitas

Insucesso na busca de prova leva Moro ao descontrole das argumentações - 20/07/2017 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo




Novidade destes tempos indefiníveis, sentenças judiciais substituem a
objetividade sóbria, de pretensões clássicas como se elas próprias
vestissem a toga, e caem no debate rasgado. Lançamento de verão do juiz
Sergio Moro, nas suas decisões iniciais em nome da Lava Jato, o "new
look" expande-se nas centenas de folhas invernosas da condenação e,
agora, de respostas a Lula e sua defesa. Tem de tudo, desde os milhares
de palavras sobre o próprio autor, a opiniões pessoais sobre a situação
nacional, e até sobre a sentença e sua alegada razão de ser. Dizem mais
do juiz que do acusado. O que não é de todo mal, porque contribui para
as impressões e as convicções sobre origens, percurso e propósitos deste
e dos tantos episódios correlatos.





A resposta do juiz
ao primeiro recurso contra a sentença é mais do que continuidade da
peça contestada. É um novo avanço: lança a inclusão do insulto.
Contrariado com as críticas à condenação carente de provas, Moro
argumenta que não pode prender-se à formalidade da ação julgada. Não é,
de fato, um argumento desprezível. Se o fizesse, diz ele, caberia
absolver Eduardo Cunha, "pois ele também afirmava que não era titular
das contas no exterior" que guardavam "vantagem indevida".





A igualdade das condutas de Cunha e Lula não existe. Moro apela ao que
não procede. E permite a dedução de que o faça de modo consciente: tanto
diz que Eduardo Cunha negava a posse das contas, como em seguida
relembra que ele se dizia "usufrutuário em vida" do dinheiro. Se podia
desfrutá-lo ("em vida", não quando morto), estava dizendo ser dinheiro
seu ou também seu. Simples questão de pudor, talvez, comum nos recatados
em questões de vis milhões. Moro não indica, porém, uma só ocasião em
que Lula tenha admitido, mesmo por tabela, o que o juiz lhe atribui e
condena.





Diferença a mais, os procuradores e o juiz receberam comprovação
documental de contas de Eduardo Cunha. O insucesso na busca de documento
ou outra prova que contrarie Lula, apesar dos esforços legítimos ou não
para obtê-la, é o que leva os procuradores e Moro ao descontrole das
argumentações. E a priorizar o desejado contra a confiabilidade. Vêm as
críticas, e eles redobram as ansiedades.





É o próprio Moro a escrever: "Em casos de lavagem, o que importa é a
realidade dos fatos, segundo as provas e não a mera aparência". Pois é.
Estamos todos de acordo com tal conceituação. Nós outros, cá de fora, em
grande medida vamos ainda mais longe, aplicando a mesma regra não só a
lavagens, sejam do que forem, mas a uma infinidade de coisas. E muitos
pudemos concluir que, se o importante para Moro é a realidade "segundo
as provas e não a mera aparência", então, lá no fundo, está absolvendo
Lula. Porque o apartamento pode até ser de Lula, mas ainda não há provas. A Lava Jato e o juiz só dispõem da "mera aparência", o que Moro diz não prestar.





Já está muito repisado que delações servem para dar pistas, não como
prova. Apesar disso, Moro dá valor especial a escapatório de Léo
Pinheiro, ex-presidente da OAS, de que o apartamento saiu de uma
conta-corrente da empreiteira com o PT. Convém lembrar, a propósito, que
Pinheiro negou, mais de ano, a posse do apartamento por Lula. Em meado
do ano passado, Pinheiro e Marcelo Odebrecht foram postos sob a ameaça,
feita publicamente pela Lava Jato, de ficarem fora das delações
premiadas, que em breve se encerrariam. Ambos sabiam o que era desejado.
E começaram as negociações. Odebrecht apressou-se. Pinheiro resistiu até há pouco. A ameaça de passar a velhice na cadeia o vendeu.





Infundada, a igualdade de Eduardo Cunha e Lula passou de argumento a
insulto. A rigor, assim era desde o início. E juiz que insulta uma das
partes infringe a imparcialidade. Mostra-se parte também.

Os moralistas do câmbio

Os moralistas do câmbio

 












Os moralistas do câmbio







REUTERS/Ricardo Moraes










Na quarta-feira 13, a Polícia Federal prendeu
Wesley Batista. Ele e o irmão Joesley foram acusados de: 1. Prejudicar
os demais acionistas com a compra e venda de ações na Bolsa. 2. Ganhar
uma nota preta para a JBS com a compra de contratos de derivativos de
dólares entre 28 de abril e 17 de maio, gerando lucros decorrentes da
alta da moeda norte-americana após a revelação da delação.

É
incorreto dizer que as manipulações nos mercados de capitais são
práticas habituais das poderosas instituições que atuam em operações
financeiras e cambiais. Essas manobras não são habituais, são
constitutivas.

É ingenuidade (ou esperteza?) acreditar ou fazer
crer que tais mercados atendam aos requisitos de eficiência, no sentido
de que não possam existir estratégias “ganhadoras” acima da média,
derivadas de assimetrias de informação e de poder. Os protagonistas
relevantes nesses mercados são, na verdade, os grandes bancos, os fundos
mútuos, fundos de hedge e a tesouraria das grandes empresas.

Em
condições de incerteza radical, esses agentes são obrigados a formular
estratégias baseadas em uma avaliação “convencionada” a respeito do
comportamento dos preços. Dotados de grande poder financeiro e
influência sobre a “opinião dos mercados”, eles são na verdade
formadores de convenções, no sentido de que podem manter, exacerbar ou
inverter tendências. Suas estratégias são mimetizadas pelos investidores
com menor poder e informação, ensejando a oportunidade de ganhos
especulativos para os poderosos.

A progressiva abertura das
contas de capital desde o fim dos anos 70 suscitou a disseminação dos
regimes de taxas de câmbio flutuantes, tornando dominante a dimensão de
“ativos financeiros” das razões de troca entre as moedas nacionais, em
detrimento de sua função de preço relativo entre importações e
exportações.

As flutuações do câmbio ensejaram oportunidades de
arbitragem e especulação ao capital financeiro internacionalizado e
tornaram as políticas monetárias e fiscais domésticas reféns da
volatilidade das taxas de juro e das taxas de câmbio.

A missão de
turbinar a arbitragem e as posições especulativas é cumprida com
engenho, arte e alavancagem (dez vezes na média das operações) nos
mercados de derivativos, sob o comando das grandes instituições já
acusadas nos países desenvolvidos de manipulação das transações
cambiais. Em 2014, a autoridade britânica anticorrupção Serious Fraud
Office empreendeu uma investigação a respeito das práticas
anticompetitivas nos mercados cambiais.

O foco foi a colusão dos
grandes bancos para manipular a “Fix”, taxa de referência formada no fim
do dia, equivalente à nossa Ptax. No Brasil, em 2015, a
Superintendência do Conselho de Defesa Econômica apontou a existência de
“fortes indícios de práticas anticompetitivas de fixação de preços e
condições comerciais no mercado de câmbio”.

Segundo o Cade,
bacanas do mercado financeiro teriam feito um cartel para “fixar níveis
de preços (spread cambial), coordenar compra e venda de moedas e
propostas de preços para clientes, além de dificultar e/ou impedir a
atuação de outros operadores no mercado de câmbio envolvendo a moeda
brasileira”.

As instituições financeiras acusadas também teriam
se coordenado para influenciar índices de referência dos mercados
cambiais, por meio do alinhamento de suas compras e vendas de moeda.

Foram
encontrados indícios adicionais de práticas anticompetitivas de
compartilhamento de informações comercialmente sensíveis sobre o mercado
de câmbio, como informações sobre negociações, contratos e preços
futuros, ordens de clientes, estratégias e objetivos de negociação,
posições confidenciais em operações e ordens específicas, e o montante
de operações realizadas (fluxos de entrada e saída).

Todas as
supostas condutas teriam comprometido a concorrência nesse mercado,
prejudicando as condições e os preços pagos pelos clientes em suas
operações de câmbio, de forma a aumentar os lucros das empresas
representadas, além de distorcer os índices de referência do mercado de
câmbio.

As práticas anticompetitivas foram viabilizadas por meio
de chats da plataforma Bloomberg – por vezes autodenominados pelos
representados como “o cartel” ou “a máfia”. As condutas teriam durado ao
menos de 2007 a 2013.

Não raro, os suspeitos de envolvimento
direto e indireto nas manipulações sentenciam aconselhamentos
peremptórios e moralistas a respeito da política econômica. Insistem na
tese ridícula da eficiência dos mercados. Não se trata de informação
privilegiada, mas sim, do privilégio de produzir a informação.

sábado, 23 de setembro de 2017

Segue o baile da hipocrisia

Terror sem fim na Rocinha. Segue o baile da hipocrisia - TIJOLAÇO | “



Terror sem fim na Rocinha. Segue o baile da hipocrisia




Acabo de assistir videos dos confrontos entre bandidos e policiais militares na Rocinha.


Logo, chegarão os militares do Exército, autorizados a intervir.


Segundo o governador Pezão, um reconhecido gênio estratégico, “Nós não vamos recuar. Pedimos reforço em baixo [da Rocinha] para dar tranquilidade e vamos avançar”.


Ou seja, o Exército vai ser a Polícia e a Polícia vai “avançar” como um exército.


Evidente que é necessário interromper o tiroteio, que está
aterrorizando a gente simples e trabalhadora da comunidade. Mas isso não
pode esconder o essencial.


A Rocinha está em conflito há dias e tem uma UPP há anos.


Não é possível que, com todo este tempo, não se tenha identificado
pessoas e pontos perigosos nem se tenha elaborado planos para
confrontos. Mais ainda se há pelo menos quatro dias sabia da invasão de grupos rivais.


Muito menos que o governador, feito um General Patton de “Caveirão” é
que diga se se vai “avançar” ou “recuar”. Qualquer comandante de tropa
sabe que recuar ou avançar é decisão tática que se toma avaliando a
situação. Se tiver que avançar a qualquer preço, sabe que este será
caro, em vítimas e danos colaterais.


Mas não deve haver nada, tudo vai se dissolver, pois o espetáculo, o essencial, já ocorreu, com as imagens de cenas de guerra.


Guerra que não se pode ganhar é burrice ou heroísmo, e essa heroísmo não é.


E burrice é só das pessoas que – com toda a razão, assustadas, apavoradas – acham que isso acontece do nada.


A cumplicidade  entre traficantes e polícia se formaram debaixo das
vistas grossas das autoridades dos três poderes – além de dinheiro,
traficante dá voto – e eles não sabem o que você pode saber simplesmente
perguntando a quem vive nas comunidades pobres do Rio (e certamente, de
outros lugares). Tem mesada, achaque, prende aqui-solta ali adiante,
armadilhas para pegar comprador e tomar algum na saída da boca, etc…


Como disse ontem um experiente amigo, “drogas são parte do sistema:
servem ao controle social (e vão servir cada vez mais) e quem manda
reprimir é quem ganha com elas”.


De quebra, arranjam uns caras bem barra pesada para personificarem “o mal’.


Neste momento, oferecem ainda o “atrativo extra” de exibir, com espalhafato, o caos que construíram laboriosamente.


É por isso que o distinto amigo e a inteligente amiga nunca ouviu
falar em “Operação Lava Pó”, nem em  Força Tarefa, nem delação premiada
de traficante, nem em escutas telefônicas nos famosos “celulares de
presídio”. Falam em limpeza na política, mas não se fala em limpeza na
polícia.


Não vem ao caso.


E o Exército entra neste caldo de meio-“bucha”, meio marketing.


Só resta esperar que não morra gente, porque todos estão insuflados para “derrubar” a bala.


De qualquer forma, o Jornal Nacional de hoje está garantido.

Evolução e civilização

 Evolução e civilização



Fernando Stoffels

 Algumas pessoas divulgam deduções de estranhas análises sobre a
civilização. Talvez sejam bem intencionadas, mas demonstram andar em
círculos esquivando – voluntariamente ou não – o cerne da questão.
Egoísmo, socialismo, altruísmo, capitalismo? Para contribuir, recordemos
um fator pouco mencionado e muito determinante, provavelmente até mais
que os demais. Como não existe civilização sem cultura, tema espinhoso,
começemos com uma analogia:

Abramos falando dos doutos galináceos. Nas lojas de animais estão à
venda pintinhos que podem ser levados para casa. Soltos no quintal,
fazem evidente que têm coeficiente intelectual muito baixo e, mesmo
assim, se nenhum dos muitos predadores evitar, crescerão. Se os pintos
forem criados com a mãe aprenderão mais rápido a bem conseguir-se a
comida, já que essa galinha revelaria onde encontrar o alimento. Assim
os pintos aprenderiam as manhas e rapidamente perceberiam que existe um
padrão de lugares preferidos pelas minhocas e passariam a dar
preferência a buscar nestes lugares. Eles podem percebê-los sozinhos, é
claro, mas é papel da mãe adiantar estes aprendizados.

Veja que se o pinto é criado em um pátio onde há cães, gatos e humanos,
ele se acostumará com todos estes e não fugirá mais que por sair do
caminho dos bichos maiores. Nós, por exemplo. Ele demonstrará uma
cultura de quintal. Mas um frango do mato, selvagem, caçado por todos os
elementos dali, que desenvolveu o hábito de estar atento e fugir,
sempre estressado é diferente: quando trazido para aquele mesmo quintal
habitado por frangos tranquilos, mesmo sendo o novo ambiente benigno,
fugirá. E rápido. Ele manifestaria uma cultura derivada das relações
diretas com a natureza. Notem que mesmo um animal de pouca inteligência
tem cultura. Digo cultura a todo conhecimento armazenado, principalmente
aquele transmitido entre as gerações.

Qual é a relação disso com os humanos? Foi descoberto que evoluímos de
um ancestral comum com os chimpanzés. Derivados dele vieram os
Australopithecus, vários deles e, depois de muito adaptarem-se através
de mutações sem direção pré estabelecida, surgiram os primeiros Homo e
depois nós, os orgulhosos Homo sapiens. Comecei com as galinhas para
finalmente supor que se elas transmitem cultura entre as gerações,
provavelmente – senão obrigatoriamente – todos estes primatas anteriores
também transmitiram algo de geração para geração, sem importar as
mutações intermediárias acontecidas. O primeiro Homo já tinha alguma
cultura vinda por herança dos hominídeos anteriores, adquirida a seu
tempo nas relações internas entre eles, bem como dentre eles com o
ambiente.

Mas vamos adiante, porque não? Quando os humanos começaram, quase sempre
se relacionaram com ambientes hostis. Percebendo que as agressões eram
muitas, talvez mortais e que os pequenos grupos familiares eram bastante
mais frágeis que os grupos maiores, admitiram socializar-se. Para que
isso fosse possível, abdicaram de varias das suas liberdades em pró de
recíprocas conveniências.

Mas que os agredia? Claro que o primeiro fator foi a própria natureza.
Muitos deviam ser os predadores que caçavam nossos avós. Mas também
outros humanos eram problemas. Todos os animais de hábitos como os dos
homens, os oportunistas, se aproveitam de qualquer descuido. Não é
característica somente dos homens: os porcos chegam a comer às ninhadas
uns dos outros. É de imaginar que para os nossos ancestrais, primitivos,
o que estivesse dando mole por aí seria para tomar. Importava muito
mais a relação de forças com o objeto desejado (favorável ou não), que
alguma ética que estipulasse certos e errados. Não havia o certo e o
errado: o que havia era o possível e o impossível. Então, para
viabilizarem aos grupos maiores, contiveram-se as mãos e começaram a
respeitar o que fosse alheio. É daí que vêm as leis, que são as normas
para as relações humanas com aqueles fatores que as afetem.

Deste modo, começamos a entender quais eram os objetivos dos primeiros
formadores de civilização: constituir grupos maiores, para cada vez mais
ser imunes aos agentes de agressão. Estes grupos buscavam domesticar o
ambiente para torná-lo cada vez mais amistoso. Já na atualidade, reparem
que o objetivo que demandava perda de liberdades – viabilizar a
ferramenta chamada de civilização – foi alcançado: domesticamos o
planeta e impusemos o nosso ponto de vista sobre a natureza. A razão
para a aceitação do nosso primeiro contrato social foi esta
domesticação. Mas não é certo que quando uma empresa é contratada para
alguma função, cumprido o seu objetivo se finda o contrato?

Querem mais? Ter cultura equivale a dizer ter valores. Se for derivada
de um ambiente agressivo, a cultura daí surgida será de valores
impositivos. Agressão é imposição e condiciona os agredidos no hábito de
impor! Ser capaz de impor não atesta inteligência. Uma cultura oriunda
da agressividade, quando se relacione com outra desacostumada a tantas
agressões, provavelmente prevalecerá. Terá mais tecnologias, conhecerá
mais formas de solucionar problemas existentes ou imaginários. Será
capaz de antecipar eventos mais eficazmente e será necessariamente mais
ardilosa. Principalmente ardilosa. Ser mais capaz para a dominação,
evidentemente, não confere nenhuma certeza de correção nos
procedimentos, note-se.

As culturas se acomodam e se pacificam quando, depois de desiludir-se
com a agressividade, mas constatando viver em ambiente capaz de prover
suas necessidades, percebem ser negócio de melhor economia administrar a
inteligência, condicionando seu uso para a paz. Então, se geram
ambientes tranquilos que, preservados de agressões, costumam dar origem à
tranquilidade tolerante de culturas com valores pacifistas. Pois a paz é
tolerante e condiciona à tolerância! Ser capaz de tolerar não atesta
estupidez. Será, provavelmente, uma cultura que: gastará menos recursos
em sua manutenção e não trará tantos problemas ambientais; que promoverá
menos guerras de conquista ou imposição de cultura e que, por isso
mesmo; tenderá a ser menos invasiva de direitos e de espaços públicos ou
privados, quer dos que a componham, quer não. Ser menos propenso a
dominar, evidentemente, não confere nenhum atestado de boa conduta no
proceder, note-se.

Note também que os valores surgidos das relações entre as civilizações e
entre elas e o ambiente não são necessariamente manifestos. Em verdade,
quase sempre não o são. São sutilezas básicas e condicionantes das
interpretações, estas sim evidentes. O que quer dizer que pessoas
nascidas e condicionadas por ambientes provenientes de culturas
anteriores, formadas entre restrições e rusgas – todas – terão a
tendência de manter suas expectativas desfavoráveis, tanto nas relações
com o ambiente (original ou colonizado), como com os seus semelhantes.
Ao contrario, basta ir aos lugares onde as pessoas estejam acomodadas,
para verificar através de uma breve consulta histórica, que foi o
passado dali que condicionou à paz.

Existem formas de proceder marcantemente dominadoras, que provocam
muitos desconfortos. As culturas presentes têm metodologias bem
eficientes em alcançar objetivos, mas têm este pernicioso vício de
origem: nasceram e continuam condicionadas por valores oriundos de
ambientes adversos. As suas ações são próprias para ambientes
conflitivos; pressupõe que os cenários de suas ações são ambientes
conflitivos; ignoram a possibilidade de conclusão do processo de
domesticação do ambiente e; preservam as condições conflitivas onde
sejam praticadas. Estas culturas têm também determinado o
recrudescimento dos problemas ambientais que padecemos.

Um agravante: mesmo havendo grande empatia, o pensamento de um não
poderá ser o pensamento de muitos. Onde poucos definem o pensamento
válido, a carência de diversidade aumentará a fragilidade, por carência
de versatilidade. É uma derivação do princípio de entropia.

Juntamos tudo isso num resumo? Uma cultura anterior à humanidade, gerada
pela sua subordinação à ambientes de alto potencial destrutivo,
adentrou a civilização; a humanidade – usando de sua cultura anterior –
associou-se em contrato de indivíduos que comprometeram suas liberdades
buscando o controle daquele ambiente adverso, através da metodologia
civilizatória; o processo foi confiado à administração de pessoas ou
grupos; transformado o ambiente, nasce a já civilizada cultura posterior
e se finda o contrato. Fim.

Fim?

Os administradores da civilização pactuada para intermediar entre a
selvageria e a domesticação ambiental, habituaram-se aos privilégios
conquistados por imposição deles. Domesticaram ao ambiente sim, mas
equivalendo todos os fatores que não participassem dos grupos dominantes
– humanos e não humanos; anteriores ou não – perpetuaram-se no desfrute
exclusivo das vantagens que constavam no contrato original. Como não
permitem a fase pós-civilizatória, onde as já bem-educadas liberdades
individuais retornariam aos legítimos donos – nós – nosso será o ônus de
demiti-los.

A civilização não é objetivo final, mas estado intermediário predecessor
de sabe-se lá qual organização pós-civilizatória, onde indivíduos
entendidos como tal viveriam – ou não – em sociedade por decisão
própria, no máximo das conveniências e potencialidades humanas.

As pessoas pagam por coisas que queiram possuir; não pagam para
manter-se endividadas. Os direitos que possuímos são créditos pessoais
contra débitos da organização social e, quando são naturais, são de
aquisição gratuita; os deveres sempre serão deficitários às pessoas em
pró da sociedade e carecem de acordo. Compram-se mais direitos;
dificilmente mais deveres. O que as pessoas pagam, elas creditam à
coletividade; nunca aos representantes dela. É equivocado pensar que
nossos antepassados optassem por entregar sua liberdade em paga de algo
que eles soubessem inalcançável. É equivocado pensar que aos nossos
antepassados não doesse confiar a administração de suas liberdades a
outros. É equivocado pensar que nossos antepassados não quisessem
retornar ao usufruto de sua liberdade. É equivocado pensar que, caso a
entrega da liberdade não desse retorno, um Homo sapiens normal não fosse
rebelar-se e pretender retornar a situação prévia de liberdade
selvagem. É equivocado pensar que não herdamos todas estas
características de nossos antepassados.

Tendemos naturalmente à liberdade. Em ambiente agressivo, a liberdade
será agressora. O ambiente domesticado condiciona ao exercício de uma
liberdade pacífica. Há informação e tecnologia para viver sem caciques.
Dominamos todos os fatores, mas ainda somos dominados pelos genes. Não
seria já o tempo de estendermos nossa dominação sobre eles e controlar
seus efeitos psico-sociais? ‘Tás com medo?