Golpismo militar retoma sua tradição - 21/09/2017 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo
O que faltava não falta mais. Assim é, antes de tudo, a contribuição do general Antonio Hamilton Mourão
 ao agravamento da situação crítica do Brasil. O golpismo militar retoma
 sua tradição. Pela voz e pela posição do general, que as fortaleceu com
 o aviso de que tem a concordância do Alto Comando do Exército, estamos 
informados de que o país recuou 53 anos em sua lerda e retardada 
história. De volta aos antecedentes de tutela armada vividos, com as 
ameaças, os medos e os perigos cegos do pré-golpe de 1964.
O atual comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas,
 dava seguro avanço ao exemplar trabalho do seu antecessor, general Enzo
 Peri, de educação civilizatória e limitação da sua oficialidade às 
atividades profissionais. Essa situação, sem precedente desde a 
construção do golpe militar batizado de proclamação da República, 
interrompe-se em uma manifestação divisível em duas partes distintas.
Uma consiste na atitude do general Mourão como indivíduo mentalmente 
formado na caserna, durante um período em que ali as ideias se formaram 
por processo equivalente a lavagens cerebrais. Fábricas de posições sem 
reflexão, apenas ecos de sons vindos do Norte. Por certo, são muitos os 
Mourões nos níveis de idade mais alta, no entanto até aqui compelidos à 
conduta de militares verdadeiros, não de políticos e juízes armados.
A outra parte é a das significações. A frase sísmica do general Mourão 
não cabe em suas palavras: "Quando nós olhamos com temor e com tristeza 
os fatos que estão nos cercando, a gente diz: 'Pô, por que que não vamo 
derrubar esse troço todo?'" É o mais puro espírito do golpismo: "Por que
 que não vamo derrubar tudo", se temo as armas e não temos ideia do que 
significa tal decisão? Essas foram as premissas de todos os golpes 
militares, fantasiadas ou não.
É mais do que incontinência individual: "Na minha visão, que coincide 
com os meus companheiros de Alto Comando do Exército, nós estamos [...] 
na situação de 'aproximações sucessivas'". Já transcorre uma ação, pois,
 com preparativos para um fim determinado.
Este: "Até chegar o momento em que, ou as instituições solucionam o 
problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública 
esses elementos envolvidos com todos os ilícitos, ou então nós teremos 
que impor isso".
Pressão direta e explícita sobre o Judiciário. Como os "elementos" de 
"vida pública" acusados são políticos, e por isso passíveis de inquérito
 e julgamento no Supremo Tribunal Federal, é pressão sobre a Corte 
Suprema do país. Por mais que seus ministros reafirmem a sua 
independência e a do tribunal, dizendo-se imunes a pressões, será 
inconvincente que, nas cabeças julgadoras de réus políticos, não haja, 
subjacente, a lembrança da pressão que lhes sobrepôs a alternativa do 
"dá ou desce" da democracia, a pobre.
Efeito mais imediato recai na área política. O fortalecimento de Michel 
para enfrentar na Câmara a segunda denúncia-crime, imaginado a partir do
 tropeção de Joesley Batista em si mesmo, esvai-se com a sua cota na 
referência aos "elementos" a serem retirados. Aliados seus estão entre 
os primeiros a pensar na convocação do general Villas Bôas para falar ao
 Senado. A ideia é obter dele o esvaziamento da mensagem do general 
Mourão. Menos otimista e não menos temeroso, o PSDB que aumentava o seu 
número de dispostos a recusar o processo contra Temer, com a volta de 
peessedebistas dissidentes ao balcão do governo, já cuida do freio e do 
muro. Até saber qual é o lado mais compensatório.
Tudo isso, para o general Villas Bôas, "é uma questão que já 
consideramos resolvida internamente". Mas não externamente, neste país 
de mais de 200 milhões que circundam o Exército. Nem quanto ao conceito 
do próprio general Raul Jungmann, ministro da Defesa, emitiu nota, sobre
 exame de "medidas cabíveis" ao general Mourão, mas demonstra que, 
ministro da Defesa, não defende nem a si mesmo, lançado em escanteio 
silencioso.
Mas tradição é tradição.
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