sexta-feira, 12 de junho de 2020

O outro lado



"O 'outro lado', ninguém se engana, é toda e qualquer oposição ao demente que ora nos governa, mas Ramos e a camarilha fardada instalada nos cargos do governo federal miram sempre a esquerda", escreve o jornalista Leandro Fortes

Por Leandro Fortes, para o Jornalistas pela Democracia

No mesmo dia em que o comandante das Forças Armadas dos Estados Unidos, general Mark Milley, pediu desculpas por participar de uma palhaçada ao lado do presidente Donald Trump, outro general, o brasileiro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, inaugurou um novo tipo de puxa-saquismo, a bajulação quatro estrelas: confessou ter se infiltrado em uma manifestação contra Jair Bolsonaro, em Brasília, na qual afirma ter detectado petistas disfarçados de verde e amarelo.
Milley, maior autoridade militar dos EUA, arrependeu-se de caminhar da Casa Branca até a Praça Lafayette, onde o Trump tirou uma foto com uma Bíblia, em frente a uma igreja danificada por manifestantes, durante atos antirracismo pela morte de George Floyd, asfixiado por um policial branco, em Minneapolis. Na visão do general do império, a presença dele passou a impressão que os militares americanos têm permissão constitucional de se agregar à política comezinha dos governantes locais.
Não têm, nem querem ter. Não no país deles. Deixam isso para os serviçais das repúblicas de bananas, como o Brasil de hoje, onde o general Ramos, ainda na ativa, concede uma entrevista informando que, embora o Exército não queira participar de um golpe de Estado, é bom o outro lado não esticar a corda.
O “outro lado”, ninguém se engana, é toda e qualquer oposição ao demente que ora nos governa, mas Ramos e a camarilha fardada instalada nos cargos do governo federal miram sempre a esquerda – ou os “comunistas”, fantasmas que todas as gerações de milicos pós-1964 perseguem de forma tão estúpida quanto obsessiva. Não por outra razão, o general colocou, segundo ele próprio, gorro e óculos escuros para se infiltrar entre o inimigo.
Estamos falando de um homem feito, de 64 anos, militar da ativa, que, ao invés de estar comandando uma tropa – missão para a qual o contribuinte lhe paga salários, há mais de quatro décadas –, dá-se ao desfrute, em plena pandemia de Covid-19, de ficar sassaricando em meio à multidão.
Assim como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (o que é uma piada pronta), e o atual ministro da Saúde, o inefável general Eduardo Pazuello, o secretário Luiz Eduardo Ramos é resultado do esquecimento a que foram relegados os militares, depois da redemocratização do País, em 1985.
Deixados à própria sorte, sem que nenhuma intervenção do poder civil fosse feita nas escolas de formação, a milicada estagnou-se na guerra fria e no único papel que lhes foi dado, naquele teatro de outrora: o papel subalterno de exército de ocupação, com a missão de caçar, prender, torturar e assassinar patrícios de esquerda.
O resultado dessa vida perdida no anacronismo é essa tragédia verde-oliva que se convulsiona, melancolicamente, no Palácio do Planalto.

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