sábado, 2 de dezembro de 2017

São demais os perigos desta vida

Luís Costa Pinto: números explicam por que Lula é Lula e estará no 2º turno | Poder360


Petista sabe o que lembrar ao eleitor
Opositor precisará de 1 projeto na mão


POR QUE LULA É LULA



“São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida.”
O verso em epígrafe abre o poema de Vinícius de Moraes, homônimo da 1ª estrofe. Musicado, é uma das obras primas da MPB.
Vinícius foi um bardo do Brasil que tinha esperança. Como ele mesmo preferia, um trovador apaixonado –apaixonado pela vida, pelo amor, pela música, pelas mulheres, pelos amigos, pelo país. Nasceu para ser gauche na vida, assim como Drummond.
Hoje, retirados do contexto lírico construído pelo poeta, os perigos desta vida advertem aos que se banquetearam em 2016 e imaginavam ter reinventado a roda (esquecendo que a roda é viva, roda moinho e roda pião): há uma lua no céu, e não está esquecida. Pode voltar a brilhar em 2018, porque é o único astro que projeta alguma luz para a frente e acalenta a alma de quem vive em desassossego nesses tempos muito estranhos.
O que seria “novo” no ano eleitoral de 2018 envelheceu rapidamente. Como sempre foi dito aqui, não há saída fora da política. Temos sobre a mesa 3 cartas vivas no jogo presidencial –Lula, Bolsonaro e Alckmin.
João Doria feneceu, condenado a ser prefeito de São Paulo e resignar-se à própria arrogância. Luciano Huck amarelou ante a dimensão hercúlea de disputar uma eleição para presidente da República e os riscos imponderáveis que a aventura traz. Joaquim Barbosa parece refugar diante da descoberta de que não existem homens providenciais enviados por Deus –todos têm de submeter às regras do jogo, e elas trituram aqueles desejosos de conservar o viés de verdugo na biografia. Marina e Ciro não contam: serão acessórios, não protagonistas no ano que vem.
Há espaço para uma única novidade, e ela está exposta no Museu de Soluções Heterodoxas de Brasília: a fabricação de uma candidatura de centro-direita nascida sob a égide do DEM, do PP e do PSD, carente de votos na largada, mas capaz de vampirizar eleitores de Alckmin e estancar a ousadia dos desmiolados que pretendem sufragar essa esquisitice esdrúxula chamada Jair Bolsonaro.
Se houver um projeto nas mãos de um porta-voz que fale clara e diretamente para a população o que sua turma crê ser necessário fazer e dê uma ideia de como fazê-lo e aonde querem chegar, um nome ungido por essa tróica hoje chamada de “Centrão” pode estar nas urnas do 2º turno como antagonista de Lula.
Quando se raciocina sem ódio e sem medo vê-se de forma cristalina por que o ex-presidente petista é o único protagonista contemporâneo da política a ter um projeto de Brasil na cabeça: basta relembrar aos brasileiros que entre 2003 e 2011, enquanto ele governou, o melhor lugar para se estar no mundo era aqui. Ou não era? Aos números:
  • Em 2003 havia 13,3 milhões de brasileiros nas classes A e B, 65,9 milhões na classe C e 96,2 milhões eram descritos como integrantes das classes D e E. A rede proteção social erguida no período já denominado, para o bem e para o mal, de “lulismo”, mudou a agenda do país e em 2011 nossos estratos de classes estavam assim preenchidos: 22,5 milhões de brasileiros integravam as classes A e B, 105,9 milhões a classe C e os integrantes das classes D e E eram 65,4 milhões. Essa fotografia estatística explica, largamente, a memória afetiva do brasileiro para com Lula.
  • Em 2003 apenas 11% dos brasileiros entre 18 e 24 anos estavam matriculados no ensino superior. Em 2011 eram 18%. O avanço da população para dentro das universidades se deu, em apertada síntese, em razão de programas como o ProUni (uma boa ideia que continha distorções e precisava de reajustes) e da expansão das universidades públicas e do sistema de cotas inclusivas. Essa expansão para dentro do meio universitário beneficiou claramente os integrantes da classe C, estrato inflado naquele período e massacrado nos 2 últimos anos.
  • Em 2003, quando o petista assumiu a presidência, a taxa de desemprego era de 12,4% da População Economicamente Ativa. Em 2011, quando passou a faixa à sucessora, era de 5,5%.
  • A inflação média do 1º mandato de Lula (2003-2007) foi de 6,41%. A inflação média do 1º mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1999) havia sido de 9,44%. A inflação média do 2º mandato de Lula foi de 5,14% contra uma inflação média de 8,75% no 2º mandato de FHC.
  • Quando Lula recebeu a faixa presidencial de Fernando Henrique, em 1º de janeiro de 2003, o dólar estava cotado a R$ 3,52. Ao voltar para São Bernardo do Campo, depois de empossar Dilma Rousseff em 2011, o petista deixou Brasília com o dólar cotado a R$ 1,66.
Há mais um rol de números que explicam por que Lula é Lula, e por que é um nome certo nas urnas do 2º turno –exceto a ocorrência, cada vez menos provável, de um ato de brutalidade jurídica e de burrice política e institucional que impeça sua presença no teatro eleitoral: basta ao petista reavivar a memória de um país onde não era fácil viver, mas onde dava orgulho de se estar.
A arte do velho ator forjado nas pelejas sindicais do ABC paulista e saído do sertão pernambucano em meados do século passado, fugindo da seca, será fazer o eleitor sublimar (ou esquecer) o desastre político e econômico produzido por Dilma. Se conseguir isso, Lula será pule de 10 para um 3º mandato. A ex-presidente caiu sem o carimbo da corrupção, mas errou ao negligenciar a política. Caso a habilidade do petista se revele poderosa a ponto de rememorar seu mandato e distanciá-lo de Dilma a pergunta passará a ser “como governar? Com ódio?”. Duvido que a resposta seja afirmativa. A construção passará a ser na direção de uma nova “pax brasiliana”.
Se o melhor caminho de Lula é reavivar o seu passado particular, o único caminho de adversários de centro-direita do petista é jogar com a realidade bossa-nova da política: explicar com calma os porquês da inviabilidade de um sistema sustentado em regras de compensações das mazelas sociais tendo o Estado por financiador e mediador. Só há essa alternativa.
Foi por isso que Geraldo Alckmin engasgou na largada, quando algum estrategista desfocado do governador paulista anunciou em off para a Folha de S. Paulo que a plataforma do tucano terá ideias de direita e de esquerda, “por isso vai ser de centro”. Água turva não se bebe. Em poço de água barrenta não se mergulha. Se ficar com um pé à “esquerda” defendendo a extensa rede de proteção social consolidada pelo petismo, e outro à “direita” cantando hinos de louvor ao mercado, Alckmin será atropelado pelo trem que pode vir pelo Centrão –sem um nome forte e capilar, mas com propostas claras que possam se contrapor ao bonde do Lula. O petista tem paixão e brilho no olho. Além disso, sabe que são demais os perigos dessa vida e já enfrentou quase todos.

ConJur - Maíra Fernandes: Ao privilegiar 'lava jato', STF desvirtua isonomia

ConJur - Maíra Fernandes: Ao privilegiar 'lava jato', STF desvirtua isonomia

Ao privilegiar casos da "lava jato", STF desvirtua mandamento da isonomia


*Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste sábado (2/12) com o título Suprema seletividade.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal poderão dispor de mais 36 funcionários e 10 juízes, convocados para acelerar os processos da "lava jato". A medida seria louvável, não fosse a seletividade.
Há 46.531 processos em tramitação, a enorme maioria – 30.419 – em fase recursal. Há 5.681 casos relacionados a temas criminais, como Habeas Corpus, ações penais e inquéritos. Já as ações de controle concentrado, ou seja, as que versam sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis, ou que questionam o descumprimento de preceitos fundamentais da Carta Magna, somam 2.272 casos que aguardam definição da corte.
A sensível questão sobre o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de remédios de alto custo não incluídos na Política Nacional de Medicamentos aguarda julgamento pelo STF há uma década, sem que a demora suscite incômodo na corte.
O recurso extraordinário sobre descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, cuja repercussão geral já foi reconhecida, ainda não teve desfecho. São inúmeras as causas que demandam a atuação do STF em sua essência, já que é dele o monopólio da última palavra em matéria de interpretação constitucional, e suas decisões têm impacto coletivo, de alta relevância para o país.
Emblemáticas ou não, há toda sorte de demandas antigas à espera de definição. Qual critério para preteri-las? Há algum dado a indicar que a lentidão, no processamento dos casos da "lava jato", é maior do que a dos demais? Decerto, não.
A sobrecarga do STF não decorre da "lava jato". A morosidade dos julgamentos já rendeu acalorados debates entre os ministros. A preocupação com a razoável duração do processo —preceito válido a todos os indivíduos, sejam eles beneficiários da prerrogativa de foro ou não— deveria gerar uma profunda análise sobre a atuação da mais alta corte e ensejar medidas para uma aceleração processual sem distinção.
Ninguém discordará de iniciativas que adotem critérios específicos para a prioridade na tramitação de processos (não há ordem de julgamento no STF, de modo que uma causa pode ser decidida dias ou anos após a autuação) ou que ampliem o número de sessões de julgamento, atualmente reduzidas a apenas duas por semana e —o que é mais incompreensível— exclusivamente na parte da tarde.
Talvez pudesse ser bem-vinda a redução do longo recesso judicial ou aplaudida a generosidade do ministro que dedicasse ao menos um dos seus dois meses de férias para redigir os votos de julgamentos suspensos por pedidos de vista por meses ou anos, no aguardo de sua manifestação.
Como nada disso foi proposto, o tour de force para julgar ações da "lava jato", a menos de um ano de um delicado processo eleitoral, parece mais uma atuação política do STF, algo perigoso num país em ebulição.
A corte parece submeter-se aos apelos midiáticos que ecoam a "sensação de impunidade" da população. A "celeridade", como palavra de ordem, soa como música aos que clamam por punição, mas como grito de alerta aos que conhecem os atropelos típicos dos mutirões que, não raro, ao estabelecerem critérios políticos (e não jurídicos) para a seleção do que deve ser priorizado, desrespeitam o devido processo legal e as garantias dos imputados a um processo justo.
A seletividade na escolha deste ou daquele caso a ser priorizado, sem qualquer critério técnico, é sempre danosa à sociedade, pois pode atender ao interesse público, ou não. Ao privilegiar apenas casos da "lava jato", o STF parece desvirtuar o mandamento da isonomia e dizer que "todos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros", como na obra A revolução dos bichos, de George Orwell.