terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Exemplo húngaro para sair da crise

Paulo Feldmann: Exemplo húngaro para sair da crise 

Por que não impor imposto especial aos bancos para ajudar o Brasil a sair da crise?


Paulo Feldmann
Sem a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência, há que se pensar em outras medidas para reduzir o imenso deficit fiscal do país, estimado em R$ 170 bilhões neste ano. 
A saída habitual, mas péssima, são os empréstimos: o governo aumenta seu endividamento para tapar o buraco do rombo. 
Forma-se, assim, uma bola de neve: a dívida é paga com juros, o governo passa a ter um gasto ainda maior para quitá-la e o rombo aumenta. 
O primeiro-ministro húngaro Viktor Orban fala com jornalistas durante encontro na Bulgária
O primeiro-ministro húngaro Viktor Orban fala com jornalistas durante encontro na Bulgária - AP
Há uma vantagem, entretanto, em sermos um país emergente: muitos de nossos problemas já foram testados e solucionados por outras nações mais desenvolvidas.
Vejamos o que aconteceu na Europa logo após a crise de 2008. Grécia e Hungria ficaram com suas economias destroçadas e rombos fiscais absolutamente impagáveis. 
Em 2010, o então primeiro-ministro grego George Papandreou adotou uma série de medidas para reduzir os gastos públicos recomendadas pelo FMI e pelo Banco Central Europeu, em troca de um empréstimo concedido por essas instituições. A política de austeridade fiscal levou o país a uma catástrofe financeira da qual ainda não se recuperou. 
No mesmo ano, na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orban adotou uma postura bem diferente. 
Num discurso histórico em junho de 2010, afirmou que quem não desenvolve atividade produtiva e geradora de empregos deveria ser penalizado e anunciou um imposto especial, válido apenas por 3 anos, sobre o setor bancário húngaro. 
Segundo Orban, os bancos ganharam muito dinheiro nos anos anteriores à crise e deveriam, portanto, contribuir com a recuperação da economia. Assim, rapidamente a Hungria saiu da crise e tornou-se uma das economias mais prósperas da Europa, um exemplo completamente diferente do da Grécia.
Neste 2018, estima-se, numa projeção conservadora de minha equipe na USP, que os cinco maiores bancos do Brasil fecharão o ano com um lucro líquido de mais de R$ 110 bilhões. 
Por que, então, não impor um imposto especial de 50 % a título de contribuição para sairmos da crise?
Com isso o governo arrecadaria cerca de R$ 55 bilhões —ou seja quase, um terço do rombo previsto. 
Qual a vantagem para os bancos se tal medida fosse aplicada? Ao contribuírem para sairmos da crise mais rapidamente, eles próprios serão os maiores beneficiários no médio prazo.
Todos sabem que somos um país muito injusto em termos de tributação. Mais da metade do que se arrecada (56 %) vem de impostos indiretos, como nos produtos nas prateleiras dos supermercados ou farmácias. Desse modo, ricos e pobres pagam igual. 
Outro exemplo: embora citado na Constituição de 1988, o imposto sobre grandes fortunas nunca foi implantado no país.  
Os bancos brasileiros estão entre os mais bem geridos do mundo. Tiveram ótimos resultados nos últimos anos, mesmo com a recessão. 
Chegou a hora de darem uma contribuição efetiva para o país sair da crise.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

A reencarnação de todos os pobres do país


A reencarnação de todos os pobres do país

-  EL PAIS

Lula
, que é católico, acostumou os brasileiros a se comparar com a figura de Jesus. Quando era presidente da República, tinha na parede, atrás de sua mesa de trabalho, um enorme crucifixo de madeira que desapareceu quando Dilma chegou. Em 2010, o ex- presidente carismático afirmou que tinha sido mais flagelado do que Jesus antes de ser crucificado: “Se eu pudesse dar uma imagem das punhaladas que levei e pudesse tirar a camisa, meu corpo apareceria mais destroçado do que o de Jesus Cristo”. No Brasil, “só Jesus ganha de mim em honradez”, disse em outra ocasião. E perante o juiz Moro explicou que aqueles que o delatam e acusam “deveriam ler melhor a Bíblia, onde se condena nomear o nome de Deus em vão”.*
Nunca, no entanto, Lula tinha se atrevido a tanto como fez dias atrás em Belo Horizonte, quando disse aos seus seguidores, aludindo sem dúvida aos juízes: “Estão lutando com um ser humano diferente. Eu não sou eu. Sou a encarnação de um pedaço de células de cada um de vocês”. E acrescentou, no melhor estilo evangélico: “Prendam minha carne, mas minhas ideias continuarão livres”. Ao elevar o tom de suas identificações religiosas, Lula, que é o melhor publicitário de si mesmo, chegou a flertar com o dogma cristão da encarnação. De acordo com os Evangelhos, Deus “se encarnou em Jesus Cristo”. Desse modo, todos os que creem nele e o seguem se tornam deuses como ele.
A mensagem simbólica de reencarnação enviada por Lula aos juízes e magistrados é clara: é inútil tentar condená-lo ou impedi-lo de disputar as eleições para que, como ele propõe, “o Brasil volte a ser o que era” e não o esfarrapado no qual o transformaram aqueles que tentam encurralá-lo. É inútil, porque, segundo Lula, quem estão perseguindo não é ele, que não é uma pessoa normal, mas “um ser humano diferente”, que não tem por que se submeter às leis dos seres comuns. Por isso, diz que não se sente obrigado a acatar nenhuma sentença de condenação contra ele. Se Lula não é Lula, mas a encarnação dos milhões que o seguem, se ele não é feito como todos nós de nossas próprias células, mas das células de cada um dos pobres, dos sem-terra e dos sem-teto, é inútil acusá-lo de algo porque “ele não é ele”. São os pobres que se transubstanciaram em Lula. Persegui-lo, condená-lo, é condenar milhões de pessoas que confiam nele.
Segundo essa imagem bíblica da encarnação, de nada serviu, por exemplo, que Jesus Cristo tenha sido crucificado, porque ele não era mais um profeta, era a encarnação de tudo quilo que as elites desprezavam. Podiam arrancar-lhe a vida, mas não matar sua mensagem. Curiosamente, é o que afirmou Lula em Minas: “Prendam minha carne, mas minhas ideias continuarão livres”.
Não deve ser fácil para os juízes e magistrados a sutil e simbólica linguagem teológica de Lula, aos quais manda dizer, evocando os livros sagrados do cristianismo: “Se me encarcerais, se me fechais as urnas, não o estais fazendo ao Lula político, que já não existe, porque se encarnou nos pobres com quem compartilhou suas células”. Encarcerá-lo, condená-lo ao ostracismo, seria como condenar esses milhões de brasileiros, em sua grande maioria pobres e analfabetos que o seguem e querem votar nele, e nos que ele se encarnou e até mesmo se transubstanciou.
Lula deveria dispensar todos os seus advogados. Ninguém sabe defendê-lo melhor do que ele. E faz isso usando parábolas e símbolos sagrados que tocam a sensibilidade de um povo profundamente religioso como o brasileiro. E isso sem necessidade de recorrer aos livros da jurisprudência humana. Para Lula, para se defender, basta-lhe a Bíblia. Bastará também aos juízes e magistrados?


*PS : contextualizando , em março de 2017, conforme publicado em Epoca:
"Em depoimento à Justiça Federal nesta terça-feira (14), ao ser questionado sobre a denúncia de que o pecuarista José Carlos Bumlai usou seu nome para facilitar a contratação da Schahin Engenharia pela Petrobras, o ex-presidente Lula ironizou: “Doutor, se o senhor soubesse quanta gente usa meu nome em vão... De vez em quando, eu fico pensando que as pessoas tinham de ler mais a Bíblia para não usar tanto meu nome em vão”.

É só acaso o agravamento simultâneo do desemprego e da criminalidade?

É só acaso o agravamento simultâneo do desemprego e da criminalidade?

Foram sobretudo as ramificações paralelas ao tráfico que elevaram tanto a insegurança



Jânio de Freitas - FSP

A delinquência que faz o pânico e o clamor da população não é a mesma vista como "o problema da criminalidade" pelas áreas específicas dos governos, entre os militares e no alto Judiciário. Tantas vezes fatais, o assalto aos celulares, relógios, bolsas e joias; o ataque armado para tomar o carro ou a moto, os arrastões, os roubos a lojas e seus clientes, tudo em números alarmantes, criam o medo de sair à rua e a insegurança em casa.
Esses crimes de varejo, que não têm lugar nem hora para acometer, hoje são um sistema próprio. Como um costume, tamanha é sua difusão. Não se confundem com o narcotráfico das concepções oficiais.
O comércio de drogas está de tal modo estabelecido, que proporcionou a ramificação da criminalidade urbana. O roubo de carros e motos para negócio, não para ações imediatas, hoje abastece um comércio de grande atividade, tanto de carros usados como de peças. O roubo de cargas, que nos Estados de São Paulo e Rio ultrapassa 10 mil casos anuais em cada um, tornou-se vital para muitas lojas do comércio regular. Assim também com remédios, verdadeiros e falsos, eletrônicos e outras cargas roubadas.
O novo mundo da criminalidade está além da imaginação. Todo ele incluindo mortes, domínio de territórios e dominação de populações. Quando as organizações iniciais tiveram dinheiro para a compra de contrabando, a entrada fácil de armas de guerra, modernas, mudou o grau da ação delinquente.
O sinal claro da mudança foi dado em São Paulo, com a capital lançada na instabilidade pânica pelo então desconhecido PCC. Sobre o episódio, o pré-candidato a presidente Ciro Gomes disse, no recente fórum da Folha, tudo indicar um "acordo [do PCC] com autoridades locais há mais de uma década". Comentário que o governador Alckmin acusou de "descabido".
Não foi, não. Só acordo faria o PCC, com domínio da situação, adotar repentina parada da ação, e logo ver seus chefes, sendo já presidiários, poupados de qualquer represália governamental ou judicial. Para as várias organizações hoje existentes, e não só para os precursores Comando Vermelho e PCC, desde então as penitenciárias são postos de comando. Facilitados por corrupção e por ameaça a guardas e suas famílias. Método que substituirá um carcereiro ameaçado, como quer a intervenção no Rio, por outro ameaçado. 
Foram sobretudo as ramificações paralelas ao tráfico, porém, que elevaram tanto a insegurança da população nos últimos anos. A propósito, uma frase de artigo da economista Laura Carvalho (Folha, 1º.fev.):
"O número de desocupados cresceu de 6,7 milhões de pessoas entre o fim de 2014 e o fim de 2017 [ano integral de Michel Temer], o que representa um crescimento acumulado de 96,2%."
Só acaso no agravamento simultâneo do desemprego e da criminalidade urbana? Por certo não há uma só causa para a criminalidade, ou para seu aumento. Mas se pretende vencê-la quando não há sequer a compreensão dos fatores que produzem criminosos em massa. 
De um fator, no entanto, não se precisa duvidar: parte dos delinquentes tem na delinquência o único meio de se dar subsistência. Comprar comida, para essa coisa tão simples: comer. Esses, expulsos das favelas e das ruas, vão fazer o mesmo em outro lugar, pelo mesmo motivo. Podem também comemorar a queda da inflação e a alta da Bolsa, que são as metas estabelecidas para o seu país.

Na Itália, as máfias não vivem sem os políticos; no Brasil, não é igual?

Na Itália, as máfias não vivem sem os políticos; no Brasil, não é igual?

Clóvis Rossi

Como há alguma frequência na comparação entre a Lava Jato e a italiana ”Mãos Limpas", sugiro prestar a maior atenção à entrevista que “El País” publicou nesta sexta-feira (23) com Nino di Matteo, juiz que investigou os vínculos entre o Estado italiano e a “Cosa Nostra" e que, por isso mesmo, está sob proteção já faz 25 anos.
O ponto que liga Brasil e Itália, no quesito corrupção, é precisamente o dos laços entre mundo político/poder público e as máfias, mesmo quando, no Brasil, elas não estejam tão articuladas como na Itália. Ninguém chama os presos da Lava Jato de mafiosos, mas é isso que são.
Primeiro ponto a chamar a atenção na entrevista de Di Matteo é exatamente esse.
Transcrevo a pergunta do jornalista Daniel Verdú, correspondente de “El País” na Itália, e a parte principal da resposta:
P - O que seria a máfia sem a política?
R - Respondo com as palavras de Salvatore Cancemi, um colaborador da Justiça [delator premiado, no léxico brasileiro], que pertencia à direção da “Cosa Nostra”. (...) Depois de um interrogatório longuíssimo, me disse: “Doutor, Totó Riina [um dos maiores capos mafiosos, morto recentemente] muitas vezes me dizia: 'Sem a relação com a política, seríamos um bando de chacais [criminosos comuns]. O Estado nos teria esmagado a cabeça facilmente. Essa é nossa força e devemos continuar cultivando-a'”.
Transplante agora essa concepção para o Brasil e é fácil concluir que, sem o conluio política/empresas, haveria apenas bandos de batedores de carteira, em vez do portentoso assalto aos cofres públicos que a Lava Jato está expondo.
O ponto, para o futuro, é saber se esse laço pode ser interrompido e, aí, volto a entrevista de Di Matteo, agora no ponto em que toca na atualidade político-eleitoral italiana.
O juiz lembra que uma sentença definitiva demonstrou que Silvio Berlusconi, várias vezes premiê, “teve relações com a máfia siciliana. Subvencionou-a, lhe deu dinheiro (...) em um período em que a máfia matou dezenas de pessoas das instituições italianas".
Não obstante, Berlusconi, impedido de candidatar-se ao pleito de 4 de março, é o poder nas sombras da coligação que lidera as pesquisas. Se as urnas confirmarem as pesquisas, completa Di Matteo, “seria o retorno à liderança do país de um sujeito que uma sentença definitiva reconheceu que manteve relações com a ‘Cosa Nostra’ ao menos durante 20 anos".
Voltemos ao Brasil, também em ano eleitoral: ainda que as “Nossas Coisas” não tenham cometido atentados, pelo menos até agora, há um punhado de líderes condenados ou, no mínimo, sob suspeição justificada que podem ser de novo abençoados pelas urnas.
Depois, não adianta reclamar dos políticos.
Clóvis Rossi

"Berlusconi subsidiou a máfia por anos"

O promotor anti-Mafia, Nino Di Matteo, que investiga as negociações do Estado italiano com a Cosa Nostra, lamenta a falta de compromisso da política na luta contra o crime organizado

No corredor, um grupo de guarda-costas passa a conversa da tarde. Atrás da porta blindada, em um escritório da Prefeitura de Antimafia, em Roma, que é acessado através de um interfone, aguarda o magistrado mais protegido da Itália. Nino di Matteo (Palermo, 1961), o procurador que investigou os laços entre o Estado italiano e Cosa Nostra , está sob proteção desde 1993. Mas nos últimos cinco anos, desde que a polícia interceptou conversas na prisão da capo da Cosa Nostra Totò Riina, as medidas atingiram o nível mais alto. Os dei capi capo queria morto. E ele teve seus motivos.
Di Matteo é a chave principal para decifrar uma verdade parcial. Uma verdade, como ele diz, "negou" tantos anos sobre o que aconteceu nos ataques contra os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino em 1992. Mas também sobre o verdadeiro vínculo entre o crime organizado italiano e a política atual em um país voltado as eleições de 4 de março, ignorando uma questão crucial.
Pergunta Parte do aumento de sua segurança é devido às ameaças de Totò Riina . O que você sentiu quando morreu?
"A máfia sem política seria apenas uma gangue de chacais"
Resposta Eu pensei que não só o grande capo morreu com ele. Era o ponto de referência de todas as organizações mafiosas que operavam dentro e fora da Itália. Em sua mentalidade, ele incorporou a figura de um criminoso bem-sucedido que obteve resultados incomuns até o momento. Mas também estabelecendo relações criminais com altos níveis de poder na Itália. E isso não deve ser esquecido.
Q. Até qual o nível?
R. Existem dois julgamentos finais. Andreotti mostrou que a máfia de Palermo teve relações diretas e significativas até a década de 1980 com uma pessoa que foi sete vezes presidente do Conselho de Ministros [Giulio Andreotti]. E há outra, perdida na agenda política, como no caso [Marcello] Dell'Utri, que mostra que um dos fundadores da Forza Italia manteve relações com expoentes das famílias da máfia de Palermo. Mas também que, de 1974 a 1992, foi intermediário de um acordo estipulado e respeitado de ambos os lados, que teve como protagonistas famílias históricas como Riina e, por outro lado, Silvio Berlusconi . Nesse nível, Cosa Nostra mostrou sua capacidade de cultivar relações com o poder.
"Há 60 mil italianos na prisão, mas os detidos por corrupção não chegam a 30"
P. O que torna possível pensar que essas relações não existem mais?

inRead inventado por Teads
R. Cosa Nostra nunca desistirá de cultivá-los. Eles estão no seu DNA. Sua força reside na capacidade de manter esses links. Por essa razão, espero que a política compreenda um dia, finalmente, que, para derrotar a máfia, não é suficiente prender, processar e condenar os mafiosos. Você deve criar as condições para liquidar esses relacionamentos. Mas infelizmente muitos sinais que esperávamos não chegaram.
P. Durante esta campanha, o tema quase não foi tocado .
R. É devastador ver como pouco se diz sobre mafia e corrupção. Pretende-se mostrar que eles não são o principal problema da nossa democracia. Esperava mais atenção nos programas e na dialética eleitoral. Estou surpreso que as pessoas falem sobre a economia, por exemplo, e não entendem que as máfia adulteram e causam o empobrecimento de todos os territórios onde eles têm força.
"É devastador que, no quase
não tocou
Este assunto"
P. Onde está a fronteira entre máfia e corrupção?
R. É cada vez mais sutil, fazem parte de um sistema único. Não há mais apenas a máfia. E a justiça ainda não pode atingi-los da mesma maneira. Hoje temos mais de 60.000 detidos em prisões italianas, mas os condenados por corrupção não chegam a 30. E, precisamente, são os crimes com os quais conseguem controlar a administração pública. Hoje deve estar na agenda política a luta sem margem contra a máfia e a corrupção, mas infelizmente não é assim.
P. Por quê?
A. Não entendo se é porque está subestimado ou porque é aceito. No início dos anos noventa, havia um ministro do primeiro governo Berlusconi [Pietro Lunardi], que disse que devíamos aprender a viver com eles. Mas em nome de todos os nossos colegas mortos e as pessoas que continuam a lutar, você nunca pode aceitá-las.

R.
 Sim, seu trabalho foi muitas vezes traído. Com os fatos e com os políticos que, quando estavam vivos, os acusavam de serem politizados, de comunistas, de justiça. Quando eles morreram, mostraram que honraram sua memória, mas continuaram a perseguir os juízes vivos que queriam manter o controle do poder. A traição de suas figuras e seu compromisso tem sido muito sério por parte de muitos políticos.P.
 Você já sentiu que a memória de Falcone e Borsellino foi traída?
P. O que seria a máfia sem política?
R. Eu respondo com as palavras Salvatore Cancemi, um colaborador da justiça que pertencia à Comissão de la Cosa Nostra e que, para nos entender, era um daqueles que se sentaram na mesma mesa com Riina e Provenzano para decidir onde e como mata Falcone e Borsellino. Depois de um longo interrogatório, ele me disse: "Dottore, Totó Riina, muitas vezes me disse:" Sem o relacionamento com a política, teríamos sido uma gangue de chacais [criminosos comuns]. O estado teria esmagado nossas cabeças com facilidade. Essa é a nossa força e devemos continuar a cultivá-la. " Nunca esqueci disso.
P. Silvio Berlusconi está em posição de continuar influenciando este país. O que isso significa para a Itália?
R. Há uma frase final que afirma que de 1974 a 1992 Berlusconi teve relações com a máfia siciliana. Ele subsidiou, ele pagou dinheiro. O que é preocupante não é apenas que ainda conta politicamente, mas que ninguém fala sobre esses relacionamentos demonstrados no julgamento final. Mesmo os jornalistas ignoram isso. Além das idéias políticas de cada um, os fatos sempre devem ser lembrados.
P. Qual seria o seu retorno à primeira linha?
R. Eu cito um fato: seria o retorno à liderança do país de um assunto que uma sentença definitiva reconheceu que ele teve relações com a Cosa Nostra por pelo menos 20 anos, até o momento em que Cosa Nostra fez os ataques. Um assunto que pagou a máfia economicamente no período em que matou dezenas de pessoas das instituições. Não é uma opinião, são os dados de fato reconhecidos pelo Supremo Tribunal.
P. La Cosa Nostra , de acordo com suas investigações, você ainda pode extorquir dinheiro ao Estado?
R. A partir das investigações dos ataques de 1992 e 1993, surge a probabilidade de Cosa Nostra junto com pessoas de outros ambientes. Constituintes externos E até que a verdade sobre essas pessoas seja descoberta, Cosa Nostra sempre manterá uma arma perigosa, como a extorsão. Ainda há homens de Cosa Nostra que guardam segredos que envolvem parte do poder italiano. Até que tenhamos apenas uma verdade parcial sobre o que aconteceu, será uma verdade negada. E não podemos aceitá-lo.
P. Borsellino estava certo quando disse que não seria Cosa Nostra quem o matou?
R. Cosa Nostra participou. Mas em muitos crimes, inclusive na Via de Amelio, outros instigaram Cosa Nostra a realizar esse ataque ou participaram com o mafioso executando.
P. Como você acha que a abordagem do Vaticano para a Mafia evoluiu?
R. Eu respondo como um magistrado, mas também como um crente católico. Durante décadas, a Igreja foi responsável por uma aceitação muito séria do poder da máfia. Através do silêncio, desatenção, omissão. Mas nos últimos anos, após o famoso discurso de João Paulo II, foi muito importante tomar a posição do Papa Francis afirmando que ser um mafioso leva à excomunhão. E, como católica, sonho com uma Igreja ainda mais valente, que leva o discurso em todos os níveis. Não pode haver compatibilidade entre o Evangelho e a Mafia.