sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Tijolaço – O Blog do Brizola Neto

Tijolaço – O Blog do Brizola Neto
Um conto de Natal

O ano foi pesado e, sobretudo mais pesados o foram os dois últimos meses. Espero que seja compreensível, portanto, que este final de semana do Natal seja de descanso e de dedicação àqueles que amamos e, quando temos tal ventura, aos que nos amam.

Mas é uma data que, por transcendido seu significado religioso e se tornado uma celebração da identidade e da igualdade humana, sempre desperta reflexões.

Quero contribuir para elas, com um texto que alia a força desta igualdade a um belo estilo – simples e vigoroso, que me faz lembrar Lobato – de um juiz da cidade de Viçosa, Omar Gilson de Moura Luz

Trata ele de conceder o registro civil a um pobre homem, mas um ser humano como todos, que vagava, alienado, vivendo da caridade dos moradores de Ervália, uma pequena cidade das montanhas de Minas.

Incrível que, dois séculos depois da Revolução Francesa, ainda se precise escrever tanto para proclamar o mais básico da igualdade humana, o direito de existir diante da sociedade.

Mas esta obviedade, que é uma boa coisa, fere a exclusão que, como ao personagem, fez a história deste país. E o texto do Dr. Omar, que junta o vigor do óbvio à beleza de sua proclamação, consegue, por isso, maravilhar. E é capaz de fazer isso a muitas pessoas, como à querida amiga mineira que me enviou este conto – infelizmente real – de Natal.

Vistos, relatados, etc…

Cuida-se de pleito formulado em favor de João Getúlio, cuja origem incerta encontra-se narrada da inicial pela pena ilustre do padre Geraldo Francisco Leocádio, inicial ratificada, posteriormente, pelo causídico Vicente César Santana.

Ao que consta, segundo informações de José Alves Ladeira e sua mulher, Conceição Ladeira, ambos acima dos setenta anos de idade, seria o requerente filho de Antônio Getúlio e de Maria das Neves, ambos falecidos na zona rural de Ervália. Os pais residiam na propriedade de Godofredo Alves Ladeira que, piedoso, acolheu o órfão, então com oito anos de idade. O menino sempre ficou aos cuidados da família Ladeira, tendo ido morar com D. Chiquinha, irmã de Godofredo; depois, foi acolhido por José Alves Ladeira que, casado com Conceição Ladeira, o levou para Palmital, zona rural de Coimbra.

O rebento, todavia, revelava amentalidade desde os verdes anos; ora agressivo, ora passivo. Nas crises de ausência, desaparecia da casa de seus benfeitores, para retornar dias ou meses depois. João de Lima, produtor rural de Ervália, conta que também acolheu João Getúlio, narrando ter ele, em certa ocasião, sido acometido de mal súbito; dado como morto, foi entregue a velório e, no meio das exéquias, despertou e assustou a todos os presentes.

Foi acolhido, finalmente, pela paróquia de Fátima, em Viçosa, onde faz uso das instalações e se alimenta, eventualmente. Nas ruas, dado seu estado andrajoso, recebe algumas moedas e corre a depositá-las aos pés da santa, no adro da igreja.

A pretensão, portanto, é no sentido de se conceder o registro civil, garantindo-se-lhe assistência judiciária.

Ratificada a inicial, foram ouvidas três testemunhas e colhido o depoimento do padre Geraldo Francisco Leocádio.

Parecer ministerial pela improcedência.

É o relatório.

Decido.

A inópia do processo é flagrante e o fato foi lembrado pelo cioso promotor público. Nada se sabe sobre esse tal de João Getúlio. Não se sabe, também, como e quem o teria partejado.

O processo é pobre como João, mas o último é pior, porque nem mesmo direito ao processo teria, porque João, em verdade, não existe.

João não existe oficialmente, mas é. Lá está ele ao derredor do adro da Igreja de Fátima; lá vai ele, andar trôpego, em andrajos, na esquina da rua a despertar a caridade dos passantes que lhe deitam moedas; recebendo-as, voa para depositá-las aos pés da imagem da Virgem, onde ali, realidade ou

onirismo, recebe o afago da mãe, abebera-se da luz da esperança e banqueteia-se no seu conforto.

João não existe para o Estado, e o Estado faz questão de não querê-lo.

João é nada e não será nada, mesmo venha a viver milhões de noites. Continuará ignorado porque seu fado, essa a sina imposta pelos Homens.

João é ninguém.

Sua inexistência consolida-se porque, em verdade, ele não está nesse mundo. Seu espectro, conquanto visto aqui e acolá, apenas encorpa sua natureza irreal. Se ele vive, não está aqui, porque no arremedo de cérebro não parece haver fixação telúrica. Se ele existe, está nos próprios sonhos e nos nossos, conquanto a maioria o enxergue, mas teime em não vê-lo. João é uma peça de ficção, mas ele não se dá conta, não percebe.

Ele está muito acima,num alcantil inacessível, passageiro em oceano imaginário, desde os verdes

anos, da Stultifera Navis, aquela mesma embarcação que singrou os rios europeus no século XV, túrgida de loucos. Mas João, apesar de membro da Nau dos Insanos, ao contrário do imaginado, ufana-se dela. Nele há paz.

O Estado, de qualquer modo, feliz ou desinfeliz o João, prefere continuar a ignorá-lo.

O Estado sabe como fazer isso. O Estado cria leis e elas também se prestam ao olvido de coisas e pessoas sem importância. Por isso o Estado exige papéis, documentos. Esses têm maior eloqüência e são mais verazes que o testemunho somático.

João teima em parecer existir, mas sua carne, insistentemente perturbadora, não está documentada. Ele parece gente, mas não é. Lá vai a matéria, matéria animada, mas ela não existe, não está registrada, não é oficial.

Aquele velho adágio, para o Estado (“Penso, logo existo”), sempre teve feitio diverso. A verdade é: “Sou um documento, logo existo”.

João não se explica. De onde veio, quem é sua mãe, quem é seu pai?

Qual sua história, qual é a sua João? João não pode responder e João não ajuda, porque não vive, simplesmente passa, como passará um dia, em definitivo, tranqüilizando o Estado e a todos que se perturbam com sua (não) presença.

Mas se passar, que passe em definitivo, bem enterrado, para não se fazer redivivo no velório, como já ocorreu uma vez, quando assustou todo mundo.

Onde já se viu? Não existe, mas morre, e morto arremeda, em visos, a Lázaro?

Voltando ao processo, o promotor público está certo. Apresentou a lei e sua interpretação dada pelos tribunais. Cumpriu seu papel, com exação, com talento, como sempre faz. Declarar existente o João sem prova documental é temerário, porque inexiste prova. A decisão será facilmente cassada, porque o Estado só entende a linguagem dos documentos.

Mas o Estado tem opositores. Há sempre alguém “pondo gosto ruim”, se rebelando, difundindo cizânias.

A despeito de João não existir, populares, como José Raimundo da Silva (Avenida Tal, 242, Bairro Tal, Viçosa), e sua mulher, Maria das Neves, bem assim José Alves Ladeira (Rua Qual, 375), e sua esposa, Conceição Ladeira, todos com existência oficial, teimam em afirmar ser o indigitado, o João, presente, existente.

Seria filho de Maria das Neves e de Antônio Getúlio, nascido,“esse não existir”, em Ervália.

José Raimundo da Silva, João Henrique de Freitas e o padre Geraldo Francisco Leocádio, pároco de Fátima (fls.13/15), sustentam ser a idade, estimada, entre 65 e 70 anos, mas tudo é possível: pode ter menos ou mais.

Não há de carecer a informação sobre dia e ano do natal quimérico. Se até agora não existiu, há de bastar-lhe apenas uma idade, mesmo incerta, “para finalmente se identificar”. Fica-se com aquela menor, de 65 anos, para consolo estatal, porque preocupa-se apenas com o furo nas burras do instituto de previdência, embora adrede esqueça-se da própria omissão, do abandono dos seus filhos, oficiais ou não.

Não há de calar no intimorato juízo do promotor público a preocupação com a ascendência dada a João. Se ela existiu, ou se existe, não há de ter deixado capaz de causar espanto, a não ser a pobreza, que deveria escandalizar mais que a opulência.

Depois, ainda que a sorte ou infortúnio ditem uma coincidência tamanha, a da existência de legados, meios jurídicos o Estado terá, bem assim seus filhos reconhecidos, para o afastamento de João, aí já existindo, documentado, mas sempre, como hoje, importuno.

Posto isto, julgo procedente o pedido para determinar ao senhor oficial de registro de pessoas naturais de Viçosa, representante do Estado, seja oficialmente reconhecida a existência do peregrino JOÃO GETÚLIO, vulgo “JOÃO NINGUÉM”, filho de Antônio Getúlio e de Maria das Neves, nascido do Município de Ervália, há sessenta e cinco anos.

Custas pelo Estado.

Incontinenti, ao mandado.

Publique-se, Registre-se e Intime-se

Viçosa, 27 de setembro de 2004.

“Somos capazes de declarar que a corrupção é só e maior no público”

“Somos capazes de declarar que a corrupção é só e maior no público”

1. PRIMEIRA PÁGINA – PRONUNCIAMENTO DE GILSON CARVALHO NA CERIMÔNIA DA CNTU – VERSÃO ESCRITA

PRÊMIO PERSONALIDADE PROFISSIONAL DA EXCELÊNCIA NA GESTÃO PÚBLICA – CNTU

Gilson Carvalho[1]

Fiquei surpreso e lisonjeado quando, ao chegar de uma de minhas viagens, minha esposa veio me cumprimentar pois tinha sido agraciado com um título pela CNTU. Meio atordoado titubeei, fui tomar conhecimento de que se tratava. Seríamos sete os agraciados. Senti-me honrado ao saber quem eram os meus pares, que ora cumprimento, e saber que estaria ali representando a gestão pública.

Fiquei relembrando minha história de vida que agora na velhice me surpreende como esta homenagem. Sempre gostei de jogar bola mesmo sem nunca ter sido bom jogador. Era escalado todas as vezes… que faltava gente para completar o time!!! Tinha uma característica em que me destacava para suprir a inabilidade: era esforçado, corria atrás da bola, não entregava os pontos e muitas vezes na defesa como beque de espera, passava a bola, mas não passava o atacante!!! Sempre tive o reconhecimento de meus colegas pela regularidade, jamais pela excelência. Assim também me analiso sob o ponto de vista da gestão pública onde atuei em várias esferas e postos durante 30 anos de meus 50 anos de saúde. Mais que a excelência na gestão, recebo o prêmio como um reconhecimento do trabalho duro, ininterrupto e persistente. Enfim uma homenagem à regularidade.

Entre cumprir outros compromissos e hoje aqui estar, foi uma escolha difícil. Deveria estar em Natal, falando no Congresso de Secretários Municipais de Saúde. Fui bem substituído pela compreensão e empenho da Solane Costa a presidente do COSEMS-RN, e pelo colega Nilo Bretas. Decidi estar aqui nem tanto por mim, mas, pelos quantos acho representar. A gestão pública, tão desprestigiada, pode ter nesta homenagem um momento de respiro e enlevo. Por isto que tenho a obrigação de partilhar esta homenagem com várias pessoas que se destacaram e destacam na gestão pública.

Partilho com minha esposa Maria Emília exemplo de servidora pública na área de educação no âmbito federal (INEP), estadual (SEE) e municipal (SME e SDS). Entre suas experiências inovadoras se destaca a da Gerência do primeiro CAIC do Estado de São Paulo um equipamento social integrando creche, escola, saúde, esporte, lazer. Seu projeto inovador foi colocar no horizonte da comunidade onde se implantou, o sentimento de posse e, consequentemente implantar uma gestão participativa entre o poder público e a comunidade.

Partilho com minha mãe tesoureira pública; com onze de meus quinze irmãos, que na área de educação, saúde, assistência social, finanças e comunicação destacaram-se no compromisso de servidor público; com meu pai que aos 14 anos foi mensageiro, depois telegrafista de morse, agente postal e finalmente Diretor Regional dos Correios e Telégrafos (DCT) durante 45 anos totalmente dedicados à eficiência do serviço público. Só parou compulsoriamente depois de um quinto acidente automobilístico grave, em serviço, com veículo e motorista oficial pois nunca dirigiu. Do trabalho público seguiu dedicando sua vida a vários trabalhos sociais destacando-se a Cruzada Nacional de Alfabetização por ele criada, antes mesmo do MOBRAL.

Partilho com colegas e amigos e com outros gestores desconhecidos, que durante anos vem se entregando totalmente à construção do SUS no campo da gestão. É só pela garra destas mulheres e homens, que o SUS tem conseguido evoluir em meio a todas as dificuldades e empecilhos sendo o principal deles a falta de dinheiro.

Partilho com pessoas da comunidade, usuários do SUS, que num gesto de desprendimento e dedicação lutam nos movimentos populares de saúde, nos conselhos gestores de unidades e nos conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde. São artífices de uma nova proposta de gestão participativa prevista na CF e que vem sendo implantada há já vinte anos.

Partilho com os cidadãos brasileiros, individual ou coletivamente organizados em associações, movimentos e outros coletivos numa luta generosa e solidária pela qual conseguiu fazer resistência e conquistar mais direitos.
Partilho finalmente com todos vocês aqui presentes ou ausentes, membros da CNTU, casualmente universitários mas, permanentemente cidadãos. Tenho repetido sempre que temos que fazer a dominância da ética do cidadão que tem que ser imperatriz e norteadora da ética de cada corporação e não a contrário.Todos aqueles que já exercem sua cidadania ajudando a fazer gestão pública e todos aqueles que no futuro passarão a fazê-lo. Tanto os profissionais de saúde como de todas outras áreas. Partilho com vocês o desafio de engajarmo-nos numa luta pelo nosso Brasil e em especial pela área de saúde. Ao fazermos parte da minoria universitária, num país tão pobre em educação, nos constituímos numa elite privilegiada dos “com curso universitário”. A dúvida que nos persegue, é em até que proporção continuamos sendo analfabetos políticos, segundo Brecht.

Esta é uma preocupação que me assombra a cada momento. Até quando vamos continuar dizendo e agindo como se nada deste país nos dissesse respeito a não ser termos a posição política contrária à política? Até mesmo localizando a corrupção apenas no público nos esquecendo que ela é 4 vezes maior no setor privado? E nós, financiadores e controladores do público, descompromissados com ele sob o pretexto da corrupção desvairada! Como externa a nós!

O desafio é fazer com que o grupo de pessoas que se juntaram na Confederação de Trabalhadores Universitários, não façam dela apenas mais uma. Temos que construir a diferença para melhor. Temos que participar ativamente da vida política e econômica deste Brasil, não sendo apenas parte, mas como cidadãos de formação universitária que vivem e praticam o papel de quem tem parte. Todos um pouco donos de nosso Brasil. Esta tem que ser nossa diferença.

Um dos males de nossos tempos é a terceirização generalizada e desenfreada. A principal delas, talvez seja a terceirização da responsabilidade e culpa de tudo que acontece conosco, com nossa cidade, estado, Brasil e mundo. Assumido que responsabilidade e culpa é dos outros o passo seguinte é inexorável: a solução só está com os outros e só pode vir dos outros. Temos que quebrar esta corrente viciosa. Reverter esta lógica e passar a assumir nossas responsabilidades e culpas individuais e nos juntando aos outros e a todos, busquemos a mesma atitude para que possamos ser protagonistas na construção das soluções.

A segurança vai mal, as estradas péssimas, a educação uma vergonha, o SUS ineficiente e insuficiente… De quem é a responsabilidade e culpa? Diremos todos, prontamente: do governo e dos políticos. Esquecemo-nos que, na democracia em que vivemos, todo governo tem sustentação e suporte na escolha da maioria dos cidadãos, caso contrário não teriam sido eleitos. Novamente estamos nós como “protagonistas esquizofrênicos” desta realidade que não reconhecemos como produção nossa: políticos, governos, planos, desvarios com o dinheiro público. Vivemos e temos atitude como se tudo isto tivesse geração espontânea ou da criação alheia, ou seja, dos outros!

Nós da classe média e alta deste país temos um viés histórico pernicioso. Se de consequências nefastas para nós, muito pior para o coletivo dos cidadãos e dos mais necessitados. Quando algo que deveria ser garantido pelos governos, não funciona, ao invés de exigirmos que funcione, criamos um sistema substitutivo no mercado paralelo. Para falta de segurança pública, criamos nossas milícias privadas que hoje já devem representar maior contingente que as públicas. Se a educação vai mal, matriculamos nossos filhos nas escolas privadas. Se inexistem vagas públicas nos cursos universitários, abrimos vagas privadas. Se o sistema público de saúde inexiste ou é insatisfatório, não temos dúvidas, filiamo-nos a planos e seguros privados de saúde alimentando seu crescimento. Se a administração pública direta não é eficiente, criamos e estimulamos organizações sociais, oscips e outros que tais privados para a substituírem. Somos capazes de declarar que a corrupção é só e maior no público, quando ela é no mínimo quatro vezes maior no privado! Nós, os com dinheiro, alienadamente bloqueando ou retardando a solução pública para nós e principalmente para os sem dinheiro!

Quero deter-me no SUS, nosso sistema público e universal de saúde. Privilegiadamente fiz parte dos milhares que lutamos por garantir este direito. No SUS criamos constitucionalmente os conselhos de saúde. Nada pode acontecer na saúde que não esteja no Orçamento Público, nada pode ir ao Orçamento que não esteja no plano, nada por ir ao plano sem aprovação do Conselho de Saúde. Todo o dinheiro da saúde tem que ser administrado obrigatoriamente pelo gestor público de saúde aplicado no Fundo de Saúde que tem que ser acompanhado e fiscalizado pelo Conselho. Olhem bem o poder dos Conselhos de Saúde: obrigatoriamente devem ser constituídos de 50% de cidadãos usuários. Além disto tem a representação dos profissionais de saúde, onde parte é composta de universitários. Falamos mal e mostramos defeitos (existentes e reais, junto com suas qualidades e excelências), mas não colocamos a mão na massa e passamos a fazer parte da mudança sendo conselheiro ou participando no apoio técnico a ele em uma de suas inúmeras áreas. Cadê os demais universitários e não apenas os da saúde? Temos obras na saúde, equipamentos, instalações: onde estão nossos companheiros engenheiros e arquitetos ajudando a fiscalizar, em nome dos cidadãos onde está, para que sejam bem feitas, bem equipadas e com menos perda pela corrupção? Temos gestão de materiais, força de trabalho, informação, logística e inúmeras outras áreas que estariam carentes de profissionais universitários (cidadãos usuários) que pudessem trazer sua contribuição acompanhando e fiscalizando como cidadãos. Cadê o administrador? Cadê os economistas, contadores, entendidos em finanças e orçamento público e que não estão participando das comissões de acompanhamento e fiscalização dos fundos de saúde onde estão sendo administrados todos os recursos da saúde? Poderiam evitar as perdas pela corrupção e mal uso e melhorar o uso eficiente dos recursos. Ou apenas continuaremos falando nós, com nós, que nada vai bem?! Temos falta de gente com competência técnica para fazer este trabalho, mesmo que com boa vontade e participação cidadã . Temos o espaço institucional, mas faltam cidadãos competentes tecnicamente para assumirem isto. Não é para trabalho voluntário, mas, para exercício de cidadania acompanhando e fiscalizando o SUS.

Ministros, governadores e prefeitos devem discutir seu planejamento governamental com a sociedade (constituição e leis assim o determinam) e devem prestar contas de feitos, fatos e de todo o desempenho financeiro a cada quatro meses em audiência pública, em cada cidade e estado. Ou estes governantes não o fazem ou, quando fazem, têm na platéia além da própria equipe, uma meia dúzia de cidadãos com imensa boa vontade e muitas vezes sem nenhuma competência técnica de avaliar contas e feitos.

No cenário político partidário é a mesma coisa. Se não assumimos nós os partidos, os diretórios a discussão política. Se não constituímos ou transformamos partidos em ideários de reforma, estamos deixando que outros menos competentes ou mais oportunistas ocupem este espaço e maquiem seus objetivos. É atribuído ao velho Platão o aforismo de que “o castigo dos bons que não se metem em política, é serem governados pelos maus”.

Em geral é considerado piegas e soa falso falarmos entre nós que cada um tem que assumir suas responsabilidades. Até falamos isto a nossos companheiros, filhos e netos, mas quanto a nós assumirmos e vivenciarmos isto vai quase um abismo. Sempre ficamos esperando o bonde da história passar motorneirado por outros e com outros passageiros. Nunca nós, que estamos apeados do mundo esperando que ele gire e na falsa esperança de retomá-lo quando passar de novo, melhorado.

Terminou nesta semana de novembro de 2011, um festival de música, embalado na idéia da proteção de todos ao meio ambiente. O nome singelo de três letras, deste festival, andou e anda na boca de meio mundo. CCV. SWU. Colou. É estrangeirismo que passou a ser slogan nacional. Seu significado profundo talvez tenha passado desapercebido pela grande maioria: SWU – STARTS WITH YOU. Traduzido livremente seria “comece com você”. No caso este brado está sendo utilizado para que nós comecemos por nós mesmos a proteger nosso ambiente. Não esperemos pelos outros, mas comecemos conosco.

Termino minha fala querendo que cada um de nós saia deste evento com a proposta de fazer a mudança: individual e coletivamente através da Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários. Isto não é uma verdade nova mas já formulada por outras pessoas. Lembro o grande revolucionário pacifista Gandhi que defendeu a tese de que “o impossível só acontece com teimosia pacífica”. É dele a reflexão final que tem tudo a ver com nossa responsabilidade individual: “TEMOS QUE SER A MUDANÇA QUE QUEREMOS VER NO MUNDO”….SWU!!!

domingo, 25 de dezembro de 2011

A verdade, a justiça e o perdão

DEBATE ABERTO

A verdade, a justiça e o perdão

Em nome dos homens firmes e honrados, que não conseguiram resistir, e falaram, mais do que daqueles que foram capazes de suportar a tortura, é que a verdade deve ser conhecida. Essa verdade redimirá a alma dos que já se foram e aliviará o peso dos que conduzem, ainda vivos, sua alma dilacerada.

Quando se discute sobre a responsabilidade e os limites da Comissão da Verdade, as razões e as emoções de todos se dirigem ao ponto mais doloroso daqueles tempos: a tortura. Por ser tão anti-humana, e nem mesmo corresponder ao instinto animal da caça, que recomenda a rapidez do golpe, a fim de eliminar qualquer reação, o ato da tortura é incompreensível. Só um torturador poderia explicar a natureza de seu comportamento. Os torturados lembram o prazer dos algozes e a sua frustração animalesca, quando encontram a resistência das vítimas.

Ao se referir à violência da extrema-direita na Europa, Theodor Adorno dá uma explicação, que já se encontrava no núcleo do pensamento freudiano: o fascista é, na verdade, um masoquista, que só a mentira transforma em sádico, isto é, em agente da repressão.

Em um de seus inquietantes relatos sobre o auge do totalitarismo nazista, Arthur Koestler – o mesmo autor de “O Zero e o Infinito” – conta, em “Ein Mann springt in die Tiefe" (“Um homem salta no abismo”) uma história de torturas na Hungria, sob a ditadura de Miklós Horthy. Um jovem prisioneiro é torturado sempre à mesma hora da tarde, e sua astúcia para a resistência é a de masturbar-se várias vezes ao dia. Estando debilitado pela subnutrição, o esforço reduz a resistência física ainda mais: assim, aos primeiros golpes do torturador, desmaia – e é devolvido à cela com o seu silêncio.

Um dos aspectos menos discutidos da Revolução Francesa é o da ausência de atos de tortura. Houve a violência no ato de prisão de algumas personalidades, por ordem do Comitê de Salvação Pública e dos reacionários termidorianos, como foi o caso de Robespierre, alvejado e ferido na mandíbula, na noite de 27 de julho de 1794, ao resistir na Prefeitura de Paris. No dia seguinte sem ter sido ultrajado, foi guilhotinado.

A tortura sempre fora empregada na História, e tivera seu momento mais forte durante a Inquisição e a Reforma Protestante. A hierarquia católica e os reformistas luteranos e calvinistas (sobretudo os calvinistas) nada ficaram devendo a seus inimigos teológicos. A partir da Revolução Francesa, ela foi virtualmente abandonada pela repressão, até ressurgir durante a Primeira Guerra Mundial.

Em um de seus escritos, Hélio Pellegrino define a tortura como uma tentativa do torturador em colocar o corpo do torturado em conflito com a sua alma: o objetivo da dor é o de vencer o espírito. Antes do poeta e psicanalista mineiro, Albert Camus usaria a mesma imagem, a do conflito entre o corpo e o espírito, em um de seus mais incisivos libelos contra a barbárie dos ocupantes alemães.

Na série dos artigos que escreveu, logo depois da libertação, para Le Combat, destacam-se os dedicados aos torturados e mortos pelos colaboracionistas franceses, a serviço dos ocupantes. No texto publicado em 30 de agosto de 1944 – quando se refere a uma das muitas denúncias de tortura daqueles quatro anos de abjeção – Camus se espanta de que torturadores e torturados tivessem a mesma face humana. E lembra a figura de Himmler, que fizera da tortura uma ciência e um ofício, e que entrava em silêncio em sua casa à noite, depois dos crimes perpetrados durante o dia, para não acordar o canarinho amado, que serenamente dormia em sua gaiola.

E descreve os torturadores, os torturados, a natureza justa do castigo e do perdão:

“Eles acreditavam que há sempre uma hora do dia ou da noite na qual o mais valente dos homens se sente covarde. Souberam sempre esperar essa hora. E nessa hora, buscaram a alma, por meio das feridas do corpo, e a tornaram selvagem e demente, e, às vezes, traidora e mentirosa. Quem se atreveria a falar, aqui, de perdão? Já que o espírito compreendeu por fim que só podia vencer a espada com a espada, já que tomou as armas e obteve a vitória, quem lhe queria pedir que esqueça? Amanhã não falará o ódio, senão a justiça mesma, baseada na memória. E é justiça, a mais eterna e sagrada, perdoar, talvez em nome de todos os que, entre nós, morreram sem ter falado, com a paz superior de um coração que jamais traiu: mas também é justiça castigar terrivelmente, em nome dos mais valentes de nós, que foram convertidos em covardes, quando degradaram sua alma, e morreram desesperados, levando em seu coração, devastado para sempre, seu ódio aos torturadores e seu desprezo por si mesmos”.

Em nome dos homens firmes e honrados, que não conseguiram resistir, e falaram, mais do que daqueles que foram capazes de suportar a tortura, é que a verdade deve ser conhecida. Essa verdade redimirá a alma dos que já se foram e aliviará o peso dos que conduzem, ainda vivos, sua alma dilacerada. Uns por terem sido capazes de resistir, apesar da cicatrizes no espírito, e os outros, por haverem sucumbido ao flagelo da tortura.

Lembrar Camus e seu texto pungente, nestes dias de Natal, pode não ser adequado, mas essas reflexões tristes são necessárias. Ocorre que Cristo foi também torturado - por interesse do Império daquele tempo – até o momento da morte, quando o sofrimento do corpo fez com que a alma perguntasse, na agonia: “Pai, por que me abandonaste?”


Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Protógenes vai atrás da dívida externa do FHC | Conversa Afiada

Protógenes vai atrás da dívida externa do FHC | Conversa Afiada

Protógenes vai atrás
da dívida externa do FHC

    Publicado em 22/12/2011
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"Meu livro é um grito contra a elite tucana de SP" (Foto Geórgia Pinheiro)

Quinhentas pessoas compareceram na noite desta quarta-feira ao relançamento triunfal de “A Privataria Tucana” no Sindicato dos Bancários, em São Paulo.

Foi uma ideia vencedora do Instituto de Mídia Alternativa Barão de Itararé e seu presidente vitalício, Miro Borges.

Os expositores foram o Amaury Ribeiro Junior, delirantemente recebido pela plateia, Protógenes Queiroz, igualmente recebido com entusiasmo, e este ansioso blogueiro.

A moderadora foi Maria Inês Nassif.

Não foram ao evento, apesar de especialmente convidados, com lugar reservado e tudo, a Catanhêde, Elio Gaspari, Judith Brito (que até hoje não foi receber o prêmio O Corvo) e Ali Kamel, o mais poderoso diretor de jornalismo da História da Globo.

Amaury contou que só teve a sensação de ter dado um nocaute quando abriu a Veja (isso é um perigo ! Dá cancer de pele !) e a Veja não tinha nada para defender os tucanos.

Depois de apanhar tanto para escrever o livro, foi muito divertido constatar o silêncio cúmplice do detrito de maré baixa.

O meu livro é o grito – disse Amaury – dos que não aguentam mais a hegemonia dessa elite tucana paulista.

Eles se acham deuses porque estudaram Economia na PUC e aprenderam a lavar dinheiro em Harvard.

(A plateia foi ao delírio !)

Eles acham que faziam operações muito sofisticadas – conta o Amaury -, mas ficou demonstrado que eram operações fajutas.

Só são “sofisticadas” porque têm a blindagem do PiG (*).

(A plateia vem abaixo !)

Só vim a conhecer o Protógenes esta noite, aqui, talvez a noite mais emocionante da minha vida, contou ele.

E o Protógenes esteve lá: no Banestado, no BNP Paribas, na dívida externa.

São sempre os mesmos delinquentes.

São sempre os mesmos lavodutos.

Se a CPI for instalada, disse Amaury, vai chegar à midia.

Ela está lá e por isso está com medo.

A ação em que me indiciaram – conta Amaury – não foi para a frente.

Não deu em nada.

(A reportagem do jn do Ali Kamel sobre o Amaury, na eleição de 2010, só ela, disse o Amaury, dá um livro.)

O PSDB tem uma articulação muito forte dentro da Polícia Federal (alô, alô, Zé Cardozo, vai encarar A Privataria ?) e no Ministério Público Federal, disse o Amaury.

(Brindeiro Gurgel, o senhor recebeu os 700 exemplares que o Edu Guimarães lhe mandou, através do Blog da Cidadania ?)

Amaury observou que escreveram quatro livros para espinafrar o Lula e não venderam nada.

Ele, modestamente, em uma semana vendeu 120 mil exemplares.

A CPI da Privataria é o futuro, disse Amaury.

Este ansioso blogueiro pediu ao Amaury para refutar ali a principal crítica dos gatos pingados do PiG que ousaram enfrentá-lo: que o Amaury não prova o vínculo entre a roubalheira dos documentos e a privataria do Cerra e do FHC.

Disse o Amaury:

Por que o Carlos Jereissati paga uma propina ao Ricardo Sergio de Oliveira depois de ganhar a Telemar do Ricardo Sergio de Oliveira ?

Por que o Daniel Dantas manda a irmã financiar a empresa da filha do Cerra em Miami (em Miami !) depois de o Ricardo Sergio e o FHC lhe concederem de mão beijada – sem botar um tusta – a Brasil Telecom ?

Por que o Preciado, quebrado, cunhado e sócio do Cerra, foi salvo no Banespa, ganhou uma concorrência, e pagou propina ao Ricardo Sergio de Oliveira ?

A filha do Cerra está para ser julgada por violação de sigilo.

Ela é ré do processo.

A sócia dela na empresa?

A irmã do Daniel Dantas que o Protógenes Queiroz não deixa de chamar de “banqueiro bandido”.

O Coaf arquivou (???) um processo de investigação de lavagem de dinheiro do Bourgeois, genro do Cerra, por lavagem de dinheiro.

Quer mais ?

Vamos ver na CPI, disse o Amaury.

Porque na CPI de 206 assinaturas (e não dá mais para tirar nome – nem colocar !) Protógenes pretende estabelecer o vínculo entre a Privataria Tucana de Cerra/FHC e a composição da dívida externa brasileira.

É aí que entram as CC5, o Anexo 4, o Banestado, o BNP Paribas e as malfadadas “moedas podres”.

Protógenes contou que, no âmbito da investigação do Banestado – o Dantas está lá, de mãos dadas ao Naji Nahas – foi ao Banco Central pedir os documentos que constavam dos processos de conversão da dívida externa brasileira.

O funcionário do Banco Central disse: não existe mais o departamento que trata disso.

Foi extinto.

E os documentos ?

Meu caro, se o departamento sumiu, o que o senhor acha que aconteceu com os documentos – foi a resposta que ouviu.

Protógenes investigava o Ministro da Fazenda Fernando Henrique e o responsável pela área externa do Banco Central, Armínio Fraga.

(O amigo navegante entende a ligação entre isso e o “chamar o Presidente às falas”, não é ?)

E daí chegamos à privatizacao, observou Protógenes.

No livro, Amaury se vale do Aloysio Biondi (“O Brasil Privatizado”, editora Perseu Abramo) para demonstrar que o Cerra e o FHC PAGARAM para vender o patrimônio nacional.

Entre moedas podres e créditos subsidiados do BNDES, o Brasil pagou para vender a Vale e a Telebrás.

Este ansioso blogueiro limitou-se a lembrar que o livro do Amaury e a CPI do Protógenes tratam da MAIOR ROUBALHEIRA DE TODAS AS PRIVATIZAÇÕES DA AMÉRICA LATINA !

O ansioso blogueiro lembrou que presidente do México que fez a privatização fugiu para a Irlanda e hoje vive escondido num bunker na cidade do México.

O presidente da Bolívia que fez a privatização saiu a correr para o aeroporto ao gritos de “assassino ! ” e fugiu para Miami (Miami !).

O presidente do Peru que fez a privatização está numa cadeia peruana.

O presidente da Argentina que fez a privatização arrumou um mandato de senador para escapar da cadeia.

E aqui …

Para encerrar, o ansioso blogueiro leu o post “Protogenes jogou a bomba do Riocentro no colo do Governo”.

Sobre o livro do Amaury e a blindagem do PiG, a melhor frase da noite foi do Gerson Carneiro: “a não propaganda é a alma do negócio”.

Em tempo:

Clique aqui para ver o vídeo do evento.


Paulo Henrique Amorim

Renata Mielli: Estados Unidos cria regra para publicidade na TV. Até você tio Sam?

Renata Mielli: Estados Unidos cria regra para publicidade na TV. Até você tio Sam?

Estados Unidos cria regra para publicidade na TV. Até você tio Sam?

Estabelecer regras para a atuação dos concessionários de radiodifusão é algo comum nas chamadas democracias de inspiração liberal, leia-se Estados Unidos, Inglaterra, França, Canadá etc. Já, nos países ao sul do Equador, em particular no continente americano, o debate sobre regulação deste setor causa urticárias. Qualquer tentativa de discutir a questão no Brasil é divulgada pelos meios de comunicação com a advertência: regular faz mal à democracia e pode trazer censura à liberdade de imprensa.

Não é assim que pensam os Estados Unidos, sonho de consumo para uma vida avançada de toda a elite nacional colonizada – e dos veículos de comunicação brasileiros que vocalizam os seus desejos.


Como os Estados Unidos não têm os mesmos pudores que o Brasil para discutir regulação, o presidente Obama sancionou projeto que determina o volume de comerciais a serem veiculados nas emissoras de televisão. Até tú Tio Sam?

A medida mereceu silêncio da grande mídia brasileira. Mas, conforme notícia publicada no Telesíntese, "a FCC (Federal Communications Comission) aprovou semana passada novas regras para a veiculação de propagandas e intervalos comerciais nos canais de TV aberta e TV paga. A partir de dezembro de 2012, os intervalos comerciais terão que ter o mesmo volume que os programas".

A regulamentação foi criada com base na nova lei norte-americana, sancionada pelo presidente Obama em 2010 e conhecida como CALM Act (Commercial Advertisement Loudness Mitigation). A agência norte-americana levou pouco mais de um ano para regular o tema e concedeu outros 12 meses para que as emissoras de TV se adquem às normas.

Enquanto isso, no Brasil...

O excesso de comerciais e o avanço destes para a programação através do merchandising não obedece nenhum regramento – nem os já existem desde o tempo do onça, como o CBT (Código Brasileiro de Telecomunicações), de 1962, que diz que o tempo destinado à publicidade não pode ultrapassar 25% do total diário da programação.

Isso para não falar da ocupação irregular do espectro por emissoras que tem 100% de sua programação destinada à venda de tudo – lingeries, panelas, carros, bois, joias, tapetes.

Imagine se a Dilma apresentasse qualquer proposta que visasse regular o tempo de publicidade na TV aberta. Já iriam dizer que ela quer controlar os meios de comunicação. Mas, como a Dilma aparentemente não pretende mexer neste vespeiro, a radiodifusão brasileira continua terra de ninguém, isto é, terra de pouquíssimos “alguéns”.

Os banqueiros são os ditadores do Ocidente

Os banqueiros são os ditadores do Ocidente

Os banqueiros são os ditadores do Ocidente

Robert Fisk (The Independent, UK)

Escrevendo da região que produz a maior quantidade de clichês por palmo quadrado em todo o mundo – o Oriente Médio –, talvez eu devesse fazer uma pausa e respirar fundo antes de dizer que jamais li tal quantidade de lixo, de tão completo e absoluto lixo, como o que tenho lido ultimamente, sobre a crise financeira mundial.

Mas… que seja! Nada de meias palavras. A impressão que tenho é que a cobertura jornalística do colapso do capitalismo bateu novo recorde (negativo), tão baixo, tão baixo, que nem o Oriente Médio algum dia superará a acanalhada subserviência que se viu, em todos os jornais, às instituições e aos ‘especialistas’ de Harvard, os mesmos que ajudaram a consumar todo o crime e a calamidade.

Comecemos pela “Primavera Árabe” – expressão publicitária, grotesca, distorcida, que nada diz sobre o grande despertar árabe/muçulmano que está sacudindo o Oriente Médio – e os escandalosos, obscenos paralelos com os protestos sociais que acontecem nas capitais ocidentais. Fomos inundados por matérias sobre os pobres e oprimidos do ocidente que “colheram uma folha” do livro da “Primavera Árabe”; sobre manifestantes, nos EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Espanha e Grécia que foram “inspirados” pelas manifestações gigantes que derrubaram regimes no Egito, Tunísia e – só em parte – na Líbia. Tudo isso é loucura. Nonsense.

A verdadeira comparação, desnecessário dizer, ficou esquecida pelos jornalistas ocidentais, todos ocupadíssimos em não falar de rebeliões populares contra ditaduras, tanto quanto ocupadíssimos em ignorar todos os protestos contra os governos ocidentais “democráticos”, desesperados para separar as coisas, dedicados a sugerir que o ocidente estaria apenas colhendo um último alento dos estertores das revoltas no mundo árabe. A verdade é outra.

O que levou os árabes, às dezenas de milhares e depois aos milhões, às ruas das capitais do Oriente Médio, foi uma demanda por dignidade, a recusa a aceitar os ditadores & famílias e claques de ditadores que, de fato, viviam como se fossem donos de seus respectivos países. Os Mubaraks e os Ben Alis e os reis e emires do Golfo (e da Jordânia), todos acreditavam que tinham direitos de propriedade sobre tudo e todos.

O Egito pertencia à Mubarak Inc.; a Tunísia, a Tunisia à Ben Ali Inc. (e à família Traboulsi) etc. Os mártires árabes, das lutas contra as ditaduras, morreram para provar que seus países pertencem a eles, ao povo.

E aí está a real semelhança que aproxima as revoluções árabes e ocidentais. Os movimentos de protesto que se veem nas capitais ocidentais são movimento contra o Big Business – causa perfeitamente justificada – e contra “governos”.

O que os manifestantes ocidentais afinal entenderam, embora talvez um pouco tarde demais, é que, por décadas, viveram o engano de uma democracia fraudulenta: votavam, como tinham de fazer, em partidos políticos. Mas os partidos, imediatamente depois, entregavam o mandato democrático que recebiam do povo, do poder do povo, aos banqueiros e aos corretores de ‘derivativos’ e às agências ‘de risco’ – todos esses apoiados na fraude que são os ‘especialistas’ saídos das principais universidades e think-tanks dos EUA, que mantêm viva a ficção de que viveríamos uma ‘crise de globalização’, e não o que realmente vivemos: uma falcatrua, uma fraude massiva, um assalto, um golpe contra os eleitores.

Os bancos e as agências de risco tornaram-se os ditadores do ocidente. Exatamente como os Mubaraks e Ben Alis, os bancos acreditaram – e disso continuam convencidos – que seriam proprietários de seus países.

As eleições no ocidente, que deram poder aos bancos e às agências de risco, mediante a conluio de governos eleitos – tornaram-se tão falsas quanto as urnas que os árabes, ano após ano, eram obrigados a visitar, décadas a fio, para ‘eleger’ os proprietários deles mesmos, de sua riqueza, de seu futuro.

Goldman Sachs e o Real Banco da Escócia converteram-se nos Mubaraks e Ben Alis dos EUA e da Grã-Bretanha, cada um e todos esses dedicados a afanar a riqueza dos cidadãos, garantindo ‘bônus’ e ‘prêmios’ aos seus próprios gerentes pervertidos. Isso se fez no Ocidente, em escala infinitamente mais escandalosa do que os ditadores árabes algum dia sonharam que fosse exequível.

Não precisei – embora tenha ajudado – de Inside Job, de Charles Ferguson, essa semana, na BBC2, para aprender que as agências de risco e os bancos nos EUA são intercambiáveis: o pessoal que lá trabalha muda-se sem sobressalto, dos bancos para as agências, das agências para os bancos… e todos, imediatamente, para dentro do governo dos EUA.

Os rapazes ‘do risco’ (a maioria, rapazes, claro) que atribuíram grau AAA aos empréstimos e derivativos podres nos EUA estão hoje – graças ao poder vicioso que exercem sobre os mercados – matando de fome e medo os povos da Europa, ameaçando-os de ‘rebaixar’ os créditos europeus, depois de se terem associados a outros criminosos do lado de cá do Atlântico, associação que já se construía desde antes do crash financeiro nos EUA.

Acredito que dizer menos ajuda a vencer discussões, mas, perdoem-me: Quem são esses seres, cujas agências de risco metem mais medo nos franceses hoje, que Rommel em 1940?

Por que os meus colegas jornalistas em Wall Street nada me dizem? Como é possível que a BBC e a CNN e – ah, santo deus, também a al-Jazeera – tratem essas comunidades criminosas como inquestionáveis instituições de poder? Por que nada investigam – Inside Job já abriu o caminho! – desses escandalosos corretores duplos?

Fazem-me lembrar o modo igualmente acanalhado como tantos jornalistas norte-americanos cobrem o Oriente Médio, delirantemente evitando qualquer crítica direta a Israel, imbecilizados por um exército de lobistas pró-Likud, dedicados a explicar aos leitores e telespectadores por que devem confiar no “processo de paz” norte-americano para o conflito Israel-Palestinos, porque os ‘mocinhos’ são os “moderados” e todos os demais são os ‘bandidos’ “terroristas”.

Os árabes, pelo menos, já desmascararam todo esse nonsense. Mas quando os manifestantes contra Wall Street fazem o mesmo, imediatamente passam a ser “anarquistas”, os “terroristas” sociais das ruas dos EUA que se atrevem a exigir que os Bernankes e Geithners sejam julgados pelo mesmo tipo de tribunal que julga Hosni Mubarak. Nós no Ocidente – nossos governos eleitos – criamos nossos ditadores. Mas, diferentes dos árabes, ainda mantemos intocáveis os nossos ditadores, intocáveis.

O chefe de governo da República da Irlanda, Enda Kenny, solenemente informou ao povo que seu governo não é responsável pela crise em que se debatem todos os irlandeses. Todos já sabiam, é claro. O que ele não contou ao povo é quem, então, seria o responsável. Já não seria mais que hora de ele e seus colegas primeiros-ministros da União Europeia contar o que sabem? E quanto aos nossos jornalistas e repórteres?

Conheça o destino dos presidentes latinoamericanos que fizeram as privatizações em seus países!

Conheça o destino dos presidentes latinoamericanos que fizeram as privatizações em seus países!

Conheça o destino dos presidentes latinoamericanos que fizeram as privatizações em seus países!

Sabe o que aconteceu com os presidentes que fizeram privatizações em seus países, no auge da onda neoliberal nos anos 1990?

- O presidente do México que fez a privatização fugiu para a Irlanda e hoje vive escondido num bunker na cidade do México.

- O presidente da Bolívia que fez a privatização saiu a correr para o aeroporto ao gritos de “assassino! ” e fugiu para Miami (Miami!).

- O presidente do Peru que fez a privatização está numa cadeia peruana.

- O presidente da Argentina que fez a privatização arrumou um mandato de senador para escapar da cadeia.

- E no Brasil… Fernando Henrique Cardoso (PSDB) cobra R$ 50 mil para dar palestras e tem seus livros medíocres comentados com grande carinho em toda a mídia corporativa.

Até quando vamos tolerar isso? CPI DA PRIVATARIA JÁ! CADEIA PARA FHC, SERRA E TODOS OS OUTROS BANDIDOS QUE FICARAM MILIONÁRIOS ÀS CUSTAS DO DINHEIRO PÚBLICO!

Crescimento das favelas desmente a redistribuição de renda

Crescimento das favelas desmente a redistribuição de renda

Crescimento das favelas desmente a redistribuição de renda

Pedro do Coutto

O IBGE, ao concluir o Censo de 2010 no setor habitacional, revelou que a população favelada do país cresceu 75% em relação ao ano de 2000, enquanto a população da década aumentou apenas 12,3%. Assim, o número de moradores em aglomerados, como os chamam o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, superou em mais de seis vezes o índice inflacionário brasileiro.

O confronto de números arrasa a tese de que, nos últimos anos houve redistribuição de renda no país, ao contrário do que sustentou o professor Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas. E de que também alguns milhões de pessoas pobres passaram à classe média. Se assim tivesse sido, de fato, e não na fantasia, o número de habitantes em favelas não teria subido de 6,5 milhões para 11,4 milhões de pessoas no período.

Excelentes reportagens de Karina Rodrigues, no Globo, e Antonio Gois e Denise Munchen, na Folha de São Paulo, iluminaram intensamente a matéria. No Globo, a foto é de Marcelo Piu. Na FSP, de Tiago Araujo. As duas editorias de arte compuseram gráficos bastante claros.Tenho a impressão, porém não possuo informação, de que o cálculo de 11,4 milhões de moradores em favelas foi feito mais pela superfície do que pela profundidade.

É maior. Pois é necessário considerar-se os porões, a população de rua. Acredito ser maior porque o déficit de moradias adequadas passa de 8 milhões de unidades. E a média de pessoas no país por unidade familiar é de 3,7. Entretanto, na falta de pesquisa mais ampla e rigorosa, fiquemos com os dados do IBGE. São bons, sobretudo na medida em que bloqueiam tentativas de farsa.

Não houve redistribuição de renda concretamente. Só no papel, a exemplo de inúmeras outras coisas no Brasil. Não ocorreu. Pois se a economia na década avançou 42,7% (IBGE falando) e a população favelada subiu 75%, é porque não houve melhor distribuição. Ao contrário: houve concentração.

Processo lógico, uma vez que o desemprego, no mesmo período, recuou de 9,7% (era FHC) para 6,1, primeiro exercício de Dilma Roussef. O desemprego diminuiu, mas a média de salários não se elevou. Pois se tivesse se elevado, o fenômeno teria se refletido na arrecadação do FGTS. E esta manteve-se equilibrada nos dois últimos anos, na escala de 60 bilhões de reais. Dados a respeito da receita do Fundo de Garantia, como citamos em artigo anterior, encontram-se na edição do Diário Oficial de 29 de julho deste ano, a partir da página 106.

Outra comprovação. O IBGE divulgou meses atrás que a taxa inflacionária acumulada no período FHC atingiu praticamente 100%. A que se acumulou na administração Lula alcançou 56%. Aplicando-se o cálculo dos montantes, vamos nos deparar com um percentual inflacionário da ordem de 210 a 220% em dezesseis anos. Qual o salário de categoria profissional que cresceu pelo menos na mesma escala? E se tivesse crescido na mesma escala, teria havido empate.

A redistribuição de renda, como único instrumento reformista de verdade, necessita que os valores do trabalho, incorporando índices de produtividade, superem as percentagens de inflação. Caso contrário, nada feito. Não adianta sofismar ou fantasiar.A política de distribuição de cestas básicas, hoje incorporando 12 milhões de famílias, é compensatória, tópica e emergencial. Não é algo consolidado como o mercado de trabalho formal. Não redistribui renda. Transfere do Estado para a pobreza.

Basta dizer que não implica em qualquer contribuição social para aposentadoria ou pensão. É positiva, mas não definitiva. Definitiva seria a possibilidade de os favelados poderam deixar as favelas. Neste caso, sim. A começar pela redução do déficit de saneamento. Que é uma vergonha para o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo. Em volume de produção. Não em qualidade de vida.

Carta Maior - Economia - 'Governo faz pouco contra spread escandaloso de truste bancário.'

Carta Maior - Economia - 'Governo faz pouco contra spread escandaloso de truste bancário.'

Governo faz pouco contra spread escandaloso de truste bancário.'

Para o secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer, bancos públicos deveriam ser mais bem empregados para forçar queda do juro cobrado do cliente final pelo sistema financeiro. Em entrevista à Carta Maior, Singer diz que freada do crescimento foi resposta do governo a reação de bancos contra 'pleno emprego'. E mostra otimismo sobre PIB voltar a avançar a 5%, patamar que equivaleria a 7% ou 8%, com população crescendo pouco.

BRASÍLIA – O economista Paul Singer, de 79 anos, é talvez o mais longevo membro do segundo escalão federal. Levado ao governo pelo ex-presidente Lula, há oito anos e meio é secretário nacional de Economia Solidária, de onde assistiu incólume às recentes denúncias de corrupção que ceifaram cabeças no ministério do Trabalho.

No acanhado gabinete que ocupa no terceiro andar do ministério, Singer dedica-se a pensar e propor ações que permitam aos trabalhadores tocar a vida sem depender de grandes corporações. Ali surgem ideias de estímulo a cooperativas que substituem patrões ou de microcrédito para ser operado por bancos comunitários, a juro baixinho.

Para o professor, há um “escandaloso” e injustificável spread praticado por um “truste bancário” no Brasil. Ele acredita que discutir o juro cobrado pelos bancos nos empréstimos ao cliente final é hoje tão ou mais importante do que o debate sobre a taxa básica do Banco Central (BC), a Selic.

O governo, afirma o professor, erra ao usar muito pouco os bancos públicos para fazer concorrência contra o truste privado. Tirando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com seus empréstimos subsidiados para as empresas, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (CEF) praticamente não se diferenciam do sistema financeiro privado.

O que é incomprensível, considerando que o governo, nas palavras do ministro da Fazenda, Guido Mantega, aposta hoje no crédito como arma para reativar a economia depois do PIB zero do terceiro trimestre.

Segundo Singer, essa estagnação resultou de reações do sistema financeiro ao “pleno emprego” no Brasil e levou os bancos a promover um campanha, via imprensa, de que haveria pressões inflacionárias fortes demais. Resultado: o governo tomou medidas contra o crescimento no fim de 2010 e no início de 2011, e os efeitos da crise europeia encarregaram-se de potencializá-las.

Estas e outras reflexões de Paul Singer, o leitor confere abaixo na entrevista exclusiva que ele deu à Carta Maior.

Por que o Brasil teve PIB zero no terceiro trimestre?

PAUL SINGER: Estávamos num crescimento muito vigoroso em 2010, que em parte foi recuperação do crescimento que não houve em 2009, por causa da grande crise internacional. Com esse forte crescimento, a economia chegou ao que eu julgo que é pleno emprego: ninguém fica desempregado muito tempo, só algumas semanas. Uma das consequências do pleno emprego são pressões salariais. O Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconomômicos] divulgou que a grande maioria dos acordos salariais registrou ganhos reais para os trabalhadores. Isso gerou no mercado financeiro, principalmente nos bancos, uma expectativa de inflação. E uma campanha, desencadeada pelos bancos, pelos seus economistas, seus porta-vozes que têm muito acesso à imprensa, de que era preciso que o BC aumentasse os juros, para dar um breque no crescimento, antes que a inflação se tornasse incontrolável. Também tivemos problema de expectativas, por causa daqueles pobres países da periferia da União Europeia.

Há quem ache que houve aí intensidade exagerada do governo brasileiro em conter o crescimento, inclusive porque também foi feito um grande arrocho fiscal. Houve exagero?


SINGER: Eu fui contra a elevação dos juros quando foi feita, ao longo de todos esses anos. Nossos juros são fora de série, quanto mais você conseguir aproximá-los dos níveis usuais no mundo, tanto melhor para nós. O esforço brasileiro deveria ser normalizar os juros. Mas não conseguiu porque, cada vez que a economia tende ao pleno emprego, o BC interveio de uma forma bastante drástica.

Inflação e pleno emprego são uma tensão permanente ou ela tem como ser superada?

SINGER: Tem, tem como ser superada.

Como?


SINGER: Substituindo o capitalismo por economia solidária. Esse é um processo que está de alguma maneira acontecendo. Na economia solidária, nas cooperativas, não tem luta por salário. Os trabalhadores são os donos da empresa e decidem quanto vão retirar por mês, mas dentro das possibilidades da cooperativa. Certamente, a situação de pleno emprego não fará os trabalhadores das cooperativas aumentar sua retirada. Só se ela aumentar sua produção, conseguir vender mais a preços melhores.

No marco do capitalismo não tem como superar?

SINGER: Não quero ser tão radical... Houve tentativas. Quando houve os 30 anos gloriosos antes do neoliberalismo, houve um crescimento muito forte da economia capitalista com pleno emprego, era a política keynesiana. O pleno emprego foi inscrito nas constituições. E havia pressões inflacionárias, claro que havia. E as tentativas que houve foi fazer um entendimento político com os sindicatos. Colocar os patrões, as centrais sindicais e o governo, de forma tripartite, para negociar aumentos de salários e de preços, controlar os dois, para que a inflação fosse pequena. Foi chamado de neocorporativismo. Deu muito certo na Suécia, na Áustria... Mas o cômputo geral dessas tentativas não foi bom. Chegou-se à conclusão que isso dava certo em poucos países, porque exige uma unidade muito grande entre os trabalhadores e entre os patrões. Tem que pensar que as empresas competem entre si, não é simples alinhar todas. E os trabalhadores tampouco. Começou a haver greves selvagens contra os sindicatos. E de fato a inflação acabou sendo maior.

O senhor acha que o pleno emprego veio para ficar no Brasil ou precisa ser cultivado?

SINGER: Precisa ser cultivado, claro. Se isso que aconteceu no terceiro trimestre se repetir, se a economia, sei lá, estagnar, não crescer mais, aí pode acontecer que você tenha aumento do desemprego e saia da situação de pleno emprego. Eu digo pode porque o outro fator importante, que é o demográfico, nesse momento não pesa. Se essa entrevista fosse cinco anos atrás, minha resposta seria enfaticamente: "Se não crescer, vem desemprego”. Porque teriam jovens entrando no mercado de trabalho incessantemente.

Se a luta política entre trabalhadores, por emprego, e sistema financeiro, por inflação baixa, não vai acabar, cabe ao Estado arbitrar. Para o senhor, o Estado está arbitrando corretamente?

SINGER: Nesse ponto, a política da presidenta Dilma é diferente do presidente Lula, é a nossa grande novidade macroeconômica. E e eu servi aos dois presidentes, não tenho preferência.

Acha possível ou desejável acelerar a queda da taxa de juro? Ou aliviar o superávit primário? Ou os dois?


SINGER: Não há a menor dúvida de que nós deveríamos chegar a juros civilizados. Os americanos estão com juro zero, se você descontar a pequena inflação que eles têm, estão com juro negativo. Não só eles. Os países europeus todos estão praticando uma taxa de juros muito pequena. Isso é positivo até do ponto de vista da distribuição de renda. O juro é um pagamento de quem ganha menos para quem ganha mais, é uma forma de concentração de renda. É uma discussão antiga no Brasil. Desde que a inflação foi debelada pelo Plano Real, era de se esperar que a taxa de juros regredisse. E não estou pensando na Selic [a taxa básica do BC], não, estou pensando nos juros cobrados pelos bancos. Hoje, estamos com juros ao consumidor de, sei lá, 6%, 7%, 8% ao mês, e uma inflação de 0,5% ao mês, ou menos. É um spread escandaloso, não tem como justificar. Há um truste bancário. Uma das coisas que o governo podia fazer, e faz parcialmente, muito pouco, é reduzir a taxa de juros dos bancos oficiais. A Taxa de Juros de Longo Prazo [TJLP] do BNDES já está quase civilizada, quase zero real. Se o BNDES pode fazer isso, qualquer banco público também pode.

Só a concorrência dos bancos públicos pode baixar os spreads que o senhor chamou de escandalosos? Ou o governo poderia fazer algo além
?

SINGER: Você poderia fazer uma lei limitando os juros, existe a lei da usura. Mas a gente geralmente procura as formas politicamente menos provocativas. E o governo não quer provocar o sistema financeiro.

Acredita que o Banco do Brasil e Caixa Econômica teriam mesmo condições de trabalhar com juros como os do BNDES?

SINGER: Não estou acompanhando os balanços bancários, mas comparando a situação dos bancos brasileiros com qualquer banco europeu, norte-americano... Qualquer um pratica juros muito menores.

O interesse do sistema financeiro também se manifesta no superávit primário. Aí o senhor acha que o governo tem de mudar a política também?

SINGER: A questão toda é o que queremos fazer com a dívida pública brasileira, sendo que a nossa, comparativamente, é pequena. A política dos oito anos do governo Lula foi de reduzir a dívida pública, isso foi muito bom para o Brasil. Para os próprios banqueiros também foi bom. Uma política conservadora, dê o nome que você quiser. E a Dilma está fazendo por igual. Agora, vamos supor que o governo brasileiro estivesse tão bem que pudesse pagar, sei lá, 10% da dívida a cada ano. No segundo ano, eu preveria que haveria escassez de moeda. Seria terrível para a economia, a economia pararia de crescer. O sistema financeiro capitalista exige dívida pública, o título é sempre o mais seguro, é o lastro da moeda emitida pelos bancos. Se falta moeda, todo mundo guarda moeda. Cria nas pessoas a ânsia do entesouramento, não botariam dinheiro no banco, mas numa caixa. Você não compra, para guardar. E não comprar significa crise. É preciso ter um suprimento de moeda, e essa moeda básica é a dívida pública. O ideal seria praticamente manter ou até ampliar um pouco a dívida, na medida em que a economia inteira está crescendo.

No PIB zero, só a agropecuária cresceu com suas exportações...

SINGER: É, estamos matando a fome dos chineses...

A qualidade do desenvolvimento brasileiro está bem distribuída, na sua opinião?


SINGER: Difícil responder essa pergunta. Diria que efetivamente nos transformamos no maior exportador de alimentos do mundo, acho que mais do que os EUA, que são um clássico exportador. Isso é uma coisa que ajuda a economia brasileira. O ideal é ter uma balança comercial equilibrada, e estamos perdendo espaço na exportação industrial, inclusive por causa da valorização do real. Isso tem um pano de fundo muito feliz, não para o Brasil, mas para o mundo. Estamos numa crise de escassez de alimentos, uma crise que a FAO [a agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] já proclamou, houve um grande aumento de preços em 2008, e as pessoas não conseguiam comer. Nesse ambiente, o Brasil tem uma posição privilegiada. Mas crescer em cima da infelicidade e da fome dos outros, não é uma boa. O que acho que o Brasil precisa fazer é ajudar principalmente a África a produzir seus alimentos. A África foi colonizada e foi extremamente mal orientada, hoje importa seus alimentos. Nós temos muito para oferecer, uma tecnologia agrícola respeitável.

O senhor mencionou o câmbio. Acha que o Brasil tem que se adaptar a ele ou o câmbio tem que se adaptar ao Brasil?

SINGER: Já está bem melhor do que já foi. Talvez o dólar devesse ainda subir, mas não muito, talvez até R$ 2. O que está sendo muito discutido hoje pelos meus colegas é a desindustrialização. O Brasil hoje tem uma exportação industrial menor do que já teve e, ao mesmo tempo, estamos exportando produtos agrícolas. O peso da agricultura na economia está aumentando, mas da indústria não. Seria importante o Brasil acompanhar o resto do mundo no avanço tecnológico.

E como se altera a equação cambial?


SINGER: O governo tem recursos para ter a taxa de câmbio que ele considera a melhor, não temos mais a política que nós herdamos do Fernando Henrique, a tal da livre flutuação, não vejo nenhuma vantagem na livre flutuação, porque ela é totalmente financeira. Se o câmbio determinado no mercado fosse pela troca de mercadorias, por serviços... Se fosse da economia real... Mas não, a grande demanda por dólares é dos especuladores, e aí podemos ter taxa de câmbio desfavorável aos interesses do país.

O senhor acha possível atingir 5% de crescimento no ano que vem, diante do impulso pequeno dado no segundo semestre deste ano?

SINGER: É muito difícil fazer projeção para o ano que vem, a partir deste ano. A grande incógnita é em que medida a situação internacional vai degringolar ou não. Porque, nesse momento, o foco da incerteza é só a Europa. E por uma anomalia política, a meu ver. A direita europeia está chegando ao poder em países em que tinha perdido as eleições com a bandeira da austeridade. E a austeridade significa recessão, significa cortar brutalmente os gastos públicos, piorar os serviços sociais, mandar uma parte dos funcionários públicos para casa, tudo para reduzir o gasto público e tentar reduzir a dívida. Mas isso a Europa ocidental. Os Estados Unidos, tenho a impressão que está se recuperando, a China e a Índia, que são na verdade os grande motores da economia mundial, estão mantendo um bom crescimento... Acho que a previsão do Guido [Mantega, ministro da Fazenda] tem boas chances de se realizar, não é impossível, talvez nem improvável. E política tem que ser essa mesma, de manter um crescimento de 5% é uma meta boa. Nós deixamos de crescer como população. Isso torna um crescimento de 5% algo equivalente a 7%, 8%.

O que o Brasil pode fazer adicionalmente para crescer?

SINGER: Distribuir renda. Nós somos um país, eu diria, em grande medida autossuficiente. Numa época nossa grande dependência externa era o petróleo, mas isso com o pré-sal mudou completamente, nossos potencialmente um grande exportador. Do que nós dependemos, o que precisamos importar tanto que não só possa produzir no Brasil? Nós podemos ainda substituir importações, nós deveríamos ter substituído. Mas, como barreira externa, não vejo nenhuma ameaça.

Eliana Calmon chama associações de juízes de ‘mentirosas’ - O Globo

Eliana Calmon chama associações de juízes de ‘mentirosas’ - O Globo

Eliana Calmon chama associações de juízes de ‘mentirosas’

Corregedora do CNJ nega investigação de 231 mil magistrados e servidores de tribunais

Carolina Brígido

Publicado:
Atualizado:
A ministra corregedora do CNJ, Eliana Calmon, durante entrevista coletiva, em Brasília Foto: Sérgio Marques / O Globo

A ministra corregedora do CNJ, Eliana Calmon, durante entrevista coletiva, em Brasília Sérgio Marques / O Globo

BRASÍLIA - A ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disse nesta quinta-feira que as associações representativas de juízes são “mentirosas”, “maledicentes”, “corporativas” e estão focadas numa “tentativa de linchamento moral contra ela”. Ela negou as informações das associações de que ela estaria investigando 231 mil magistrados, servidores de tribunais e seus parentes. Segundo a ministra, os magistrados sob investigação não passam de 500 integrantes de 22 tribunais.

- Só posso lamentar a polêmica, que é fruto de maledicência e irresponsabilidade da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e da Anamatra (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que mentirosamente desinformam a população ou informam com declarações incendiárias e inverossímeis - afirmou.

A corregedora disse que, com base em dados fornecidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), 150 magistrados do estado de São Paulo tiveram a movimentação financeira taxada de atípica, porque receberam mais de R$ 250 mil por ano. No estado, 45% dos juízes não apresentaram declaração de Imposto de Renda, uma atitude obrigatória por lei. Outra preocupação é com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, onde nenhum juiz apresentou o documento.

O período examinado pela corregedoria são os anos de 2009 e 2010. A ministra explicou que as movimentações atípicas não necessariamente constituem irregularidades. Agora, os técnicos do CNJ vão examinar os pagamentos para dizer quais são ilegais. Há casos aceitáveis – como, por exemplo, heranças recebidas ou eventual venda de imóvel que represente ganho na renda do magistrado. Ela negou que tivesse acessado dados bancários dos magistrados.

Eliana Calmon disse que o monitoramento da evolução patrimonial dos juízes brasileiros é feito pelo CNJ há quatro anos, com base na emenda constitucional que criou o órgão. Ela reiterou sua posição de que o conselho deve fiscalizar a magistratura para contribuir com o fim da corrupção no país. Para ela, as associações de classe estão interessadas em comprometer a “sobrevivência com autonomia do CNJ”:

- Este é o verdadeiro ovo da serpente.

A decisão de interromper as investigações foi do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), em liminar pedida pelas associações representativas dos juízes. Por conta da polêmica, Eliana interrompeu suas férias e voltou a Brasília para dar entrevista sobre o assunto.

A ministra negou que a corregedoria tivesse informações sobre os rendimentos dos ministros Lewandowski e Cezar Peluso, do STF. Ela esclareceu que nenhum dos dois foi incluído na investigação, ao contrário do que informou parte da imprensa. A corregedora disse que não conversará com os ministros sobre o episódio.

- Se a questão está judicializada, não se pode conversar como se fosse um clube de amigos - disse.

Na segunda-feira, o ministro Marco Aurélio Mello, também do STF, deu liminar proibindo o CNJ de investigar qualquer juiz que não tenha sido antes investigado pela corregedoria do tribunal onde trabalha. A ministra afirmou que, por enquanto, não vai enviar os processos abertos no conselho para as corregedorias nos estados, porque ainda não recebeu a decisão do ministro. Ela acrescentou que, segundo foi informada, esse pedido de transferência de foro das investigações não estaria expresso na liminar.

- Se ele mandar eu devolver, eu devolvo - ponderou.

Juízes querem que MP investigue corregedora

Em mais um capítulo da guerra travada entre juízes e o CNJ, a Ajufe , a AMB e Anamatra divulgaram nota nesta quinta-feira anunciando que pedirão à Procuradoria Geral da República (PGR) para investigar a ministra Eliana Calmon. As entidades reclamam da suposta quebra do sigilo de dados de 231 mil juízes, servidores de tribunais e parentes, sem ordem judicial, por parte da corregedora.

As entidades também anunciaram que vão pedir ao presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, a instauração de uma investigação na corregedoria do conselho para apurar o episódio. “As Associações entendem que a quebra do sigilo de dados de apenas um cidadão brasileiro, sem autorização judicial, já constitui violação ao texto constitucional e prática de crime”, diz a nota.

Por fim, as associações afirmam que apoiam as atividades do conselho, desde que exercidas dentro da lei. “As Associações subscritoras continuarão apoiando todas as medidas de investigação do CNJ da conduta de juízes e servidores do Poder Judiciário, desde que observadas as garantias constitucionais inerentes a todos os cidadãos brasileiros”, concluem.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/eliana-calmon-chama-associacoes-de-juizes-de-mentirosas-3497471#ixzz1hNg5UetH
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É o software, estúpido!

É o software, estúpido!

Política, Economia e Cotidiano

É o software, estúpido!

Meses atrás o Marc Andressen entre outras coisas, co-fundador da Netscape e hoje com o Brad Horowitz, investidor em inúmeras startups escreveu no WSJ (ver abaixo) sobre como o software está engolindo o mundo.

Ele não é o primeiro, e nem vai ser o último a dissertar sobre isso. Confesso que nós, técnicos, temos um sério problema de comunicação com as outras pessoas “normais”. Às vezes, ignoramos que o que é óbvio para nós às vezes não o é para os outros.

Vejam as últimas decisões do Governo. Uma série de medidas a fim de “proteger a industria nacional”. Por outro lado, tenta inutilmente trazer para o Brasil certas “industrias”. O exemplo mais patético são os consoles de videogames. Passamos anos clamando por isso, e só agora, quando a 7ª geração de consoles (Wii, PS3 e XBox360) chega, melancolicamente, ao fim é que pessoas no governo começam a discutir políticas específicas para esse setor.

Não dá mais! Já era! Acabou. A própria industria de games está sendo solapada pela revolução mobile. Há dúvidas se teremos uma 8ª geração de consoles. Com o aumento da capacidade de processamento e os avanços na nanotecnologia um smartphone ou tablet é – ou bem em breve será – capaz de ser a plataforma ideal para jogos eletrônicos.

A solução óbvia, natural, para o problema é estimular a produção dos jogos. O software, não o hardware. Mas não, todas as políticas seguem aquilo que considero a “maldição cepalina“. Burocratas por todo o governo e universidades, acreditam piamente que seremos capazes de promover uma “substituição de importações” plena, em todos os setores. E como isso recursos já escassos para setores que simplesmente não importam mais.

Vejamos as últimas decisões para o setor automobilístico. Não estou aqui, querendo que o deixem nossas montadoras, construídas à base de pesados subsídios, sob o ataque das agressivas montadoras asiáticas. Só gostaria que houvesse o mínimo de contrapartida delas, aceitando investir uma pequena parte em design e em carros e motos elétricas.

Um exemplo de uma boa política foi a construída a fim de atrair a produção de tablets, o chamado Processo Produtivo Básico (PPB). Mas só pode funcionar por que é um mercado recente. Mas mais importante que isso, é financiar a produção de conteúdo, software para tais plataformas. O software é a forma de revolucionar a indústria brasileira.

A Apple apesar das aparências, não revolucionou com o hardware dos seus produtos, revolucionou com inovação, com o design, com o software, com o conteúdo. O hardware só acompanhou um conceito mais profundo. A ideia física de tablet e smartphones já existia há anos. Veja aonde a Nokia, que produziu um dos smartphones com o hardware mais robusto da história (N95), está hoje. A obsolescência não perdoa ninguém.

O Android não está se consolidando como futura plataforma dominante por causa da qualidade do hardware que os fabricantes criam pra ele, e sim, pela consistência do ecossistema criou. Pela inovação constante que as só as plataformas abertas permitem. Pela agilidade e rápidas iterações para agregar funcionalidades.

É preciso convencer os governantes que fechar nossa economia ainda mais não vai ajudar em nada o nosso desenvolvimento. Um jovem designer ou empreendedor que precise de uma impressora 3D pra fazer a prototipação de um produto inovador a baixo custo, gastaria quanto, e principalmente, perderia quanto tempo pra fazer a importação? E os intermediários? E a burocracia? E a incerteza jurídica?

O Governo ainda acredita que a inovação acontece numa universidade ou instituto, quando na verdade ela está na cabeça dos jovens. Os mesmos jovens que abandonam uma Universidade ultrapassada, cheia de velhos, com regras draconianas, com professores que mais parecem ditadores. Foram jovens que largaram os “estudos” que criaram a Apple, o Google, a Microsoft e o Facebook numa garagem

As maiores companhias do mundo em breve serão as produtoras de software. Do mesmo tamanho só alguns dinossauros que ainda se alimentam da nossa estúpida dependência de combustíveis fósseis. Mas não podemos apostar nosso futuro e o dos nossos filhos numa industria que tem data de vencimento, ou na produção de bens primários sem a agregação de valor e tecnologia.

Esse deveria ser o foco do debate político hoje. É por isso que os jovens estudantes, técnicos e cientistas deveriam se mobilizar. Uma economia mais aberta, e não o contrário. E foco (não só verbas) na inovação, ciência e tecnologia.

Why Software Is Eating The World

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Memórias de um ex-dependente da nicotina

Memórias de um ex-dependente da nicotina

Memórias de um ex-dependente da nicotina

Inacreditável. Eu fumava Lucky Strike, Malboro. Só faltou o Camel, pra me sentir mais estúpido.

As memórias surgem como fotografias, aceleram, virando filmes em câmera lenta. Depois vem as sensações, o frio na pele, os odores da manhã, a luminosidade daquele dia nublado. Finalmente chego no fundo do baú das memórias, guardadas num canto escuro do meu cérebro, a decepção consigo mesmo, a vergonha com o que você havia se tornado, tudo isso catalisado para dar suporte à tomada de atitude.

Bem, resumidamente, foi assim que parei de fumar:

Anápolis, 20 de Janeiro de 2000

Venta frio, um frio cortante. O vento causa um zunido estranho, prelúdio de chuva. Essa cidade, entre Goiânia e Brasília, que mais parece um iceberg encalhado no meio do Planalto Central. Chove e faz frio, sempre. Manchester no calor seco do centro do Brasil? Sempre chove em Anápolis.

E eu de sunga, ao lado meu futuro professor de natação e amigo. Ele, debaixo de um amplo guarda-sol – que tinha patrocínio de uma marca de cerveja amarela (oh, ironia!) – quer testar minha capacidade respiratória. Ex-jogador do time de basquete. Ex-ciclista. Sempre, sempre praticando algum esporte. Não naquela época, não depois dos excessos da juventude.

Mergulho numa piscina semi-olímpica de temperatura quase-polar, e não chego nem ao meio dela. Depois de tirar a cabeça da água e me dar conta de onde tinha conseguido chegar me senti estúpido, me senti mais velho do que minha carteira de identidade dizia, me senti fraco, me senti dominado por uma maldita droga sabidamente cancerígena.

Sejamos sinceros, quem além do próprio mefisto teria colocado no mundo, folhas trituradas e misturadas com outras substâncias para potencializar o vício, enroladas num papel no qual se acende de um lado, suga-se a fumaça do outro, para depois exala-lá achando tudo isso glamouroso, cult, tão stylish como uma foto do James Dean, como Audrey Hepburn em Breakfast at Tiffany’s. Bom, mas se for de outra época, não se preocupe, existem outras referências sempre a mão. A indústria é extremamente profissional quanto a isso.

Cult, Rebelde - se você for homem

Só mesmo a infindável estupidez humana pra criar o hábito de jorrar fumaça numa obra prima da engenharia evolutiva, que chamamos de pulmões. Ela entra, mas não sai antes de deixar pelo caminho todas as suas toxinas e sujeiras. Não antes de jogar na corrente sanguínea doses de nicotina que 8 segundos depois já estão no cérebro mostrando seu poder.

A nicotina é tão viciante quanto cocaína e a heroína. Ela é a chave idêntica pra um outro neurotransmissor envolvido em muitas outras funções do corpo. Pra mim, servia pra ativar a memória e reduzir a ansiedade. Era por isso que fumava. Além de, óbvio, ser o complemento perfeito pra uma cerveja ou um café. Além de óbvio achar aquilo “bonito”.

Stylish - se você for mulher

Naquele dia frio, depois de 3 ou 4 tentativas anteriores (a maior com 1 ano e 8 meses) decidi que não fumaria mais; tomaria água; mascaria um chiclete; usaria adesivos; daria um chute na quina da porta. Mas não fumaria mais. Aliás, percebam que a nicotina pode ser absorvida por várias formas, narinas, língua, pele, etc., então não questionem o fato que fumantes passivos fumam quase o mesmo que um fumante ativo.

Aqui estou. Muitos amigos meus ainda fumam. E eu custo a acreditar nisso. Em pleno séc. 21, gente que fuma. Gente que defende o “direito” de fumar. É sério isso? Sabidamente alimentam uma das doenças mais destruidoras que surgiu na nossa breve existência. O câncer destrói não só quem o tem, ele é devastador principalmente pra quem está em volta. Pais, filhos, companheiros, etc. E a conta no final é de todos.

Nadar foi meu refúgio. O mesmo refúgio que achava ter encontrado no cigarro pra reduzir a ansiedade. E quer saber, perdi momentos únicos da minha vida permitindo que meu cérebro fosse enganado por uma falsária que levava a chave, mas deixava um rastro de sujeira permanente no meu corpo.

A ansiedade e o estresse fazem parte da vida. Só os covardes fogem dela. Só os estúpidos ainda inalam uma fumaça assassina pra dentro máquina quase-perfeita que é o corpo humano. Ainda, por que antes não sabíamos o mecanismo, o funcionamento. E não havia a tecnologia.

Estúpido, eu fui. Covarde, não depois daquele dia. Uma pena que ainda exista uma multidão ai fora. Usando falácias, pra tentar argumentar, pra justificar o injustificável. Hoje só falta a atitude. O querer.

Só falta o mergulho numa piscina gelada num dia frio. Não é muito.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Talvez o último artigo do professor Vladimir, na Folha

Talvez o último artigo do professor Vladimir, na Folha

Talvez o último artigo do professor Vladimir, na Folha



O inimigo da moral

O maior inimigo da moralidade não é a imoralidade, mas a parcialidade.

O primeiro atributo dos julgamentos morais é a universalidade. Pois espera-se de tais julgamentos que sejam simétricos, que tratem casos semelhantes de forma equivalente. Quando tal simetria se quebra, então os gritos moralizadores começam a soar como astúcia estratégica submetida à lógica do "para os amigos, tudo, para os inimigos, a lei".

Devemos ter isso em mente quando a questão é pensar as relações entre moral e política no Brasil. Muitas vezes, a imprensa desempenhou um papel importante na revelação de práticas de corrupção arraigadas em vários estratos dos governos. No entanto houve momentos em que seu silêncio foi inaceitável.

Por exemplo, no auge do dito caso do mensalão, descobriu-se que o esquema de corrupção que gerou o escândalo fora montado pelo presidente do maior partido de oposição. Esquema criado não só para financiar sua campanha como senador mas (como o próprio afirmou em entrevista à Folha) também para arrecadar fundos para a campanha presidencial de seu candidato.

Em qualquer lugar do mundo, uma informação dessa natureza seria uma notícia espetacular. No Brasil, alguns importantes veículos da imprensa simplesmente omitiram essa informação a seus leitores durante meses.

Outro exemplo ilustrativo acontece com o metrô de São Paulo. Não bastasse ser uma obra construída a passos inacreditavelmente lentos, marcada por adiamentos reiterados, com direito a acidentes mortais resultantes de parcerias público-privadas lesivas aos interesses públicos, temos um histórico de denúncias de corrupção (caso Alstom), licitações forjadas e afastamento de seu presidente pela Justiça, que justificariam que nossos melhores jornalistas investigativos se voltassem ao subsolo de São Paulo.

Agora volta a discussão sobre o processo de privatização do governo FHC. Na época, as denúncias de malversações se avolumaram, algumas apresentadas por esta Folha. Mas vimos um festival de "engavetamento" de pedidos de investigação pela Procuradoria-Geral da União, assim como CPIs abortadas por manobras regimentais ou sufocadas em seu nascedouro. Ou seja, nada foi, de fato, investigado.

O povo brasileiro tem o direito de saber o que realmente aconteceu na venda de algumas de suas empresas mais importantes. Não é mais possível vermos essa situação na qual uma exigência de investigação concreta de corrupção é imediatamente vista por alguns como expressão de interesses partidários. O Brasil será melhor quando o ímpeto investigativo atingir a todos de maneira simétrica.

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP. Publicado hoje na Folha.