sábado, 29 de setembro de 2012

Um espectro ronda o jornalismo: Chatô | Brasil 24/7

Um espectro ronda o jornalismo: Chatô | Brasil 24/7
Por Fernando Morais

As agressões e infâmias dirigidas por alguns jornais, revistas, blogs e telejornais ao ex-presidente Lula e ao ex-ministro José Dirceu me fazem lembrar um episódio ocorrido em Belo Horizonte em meados do século passado.
            Todas as sextas-feiras o grande cronista Rubem Braga assinava uma coluna no jornal “Estado de Minas”, o principal órgão dos Diários Associados em Minas Gerais. Irreverente e anticlerical, certa vez Braga escreveu uma crônica considerada desrespeitosa à figura de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira de Belo Horizonte. Herege, em si, aos olhos da conservadora sociedade mineira o artigo adquiriu tons ainda mais explosivos pela casualidade de ter sido publicado numa Sexta-Feira da Paixão.
            Indignado, o arcebispo metropolitano Dom Antonio dos Santos Cabral redigiu uma dura homilia recomendando aos mineiros que deixassem de assinar, comprar e sobretudo de ler o “Estado de Minas”. Dois dias depois o documento foi lido na missa de domingo de todas as quinhentas e tantas paróquias de Minas Gerais.
            O míssil disparado pelo religioso jogou no chão a vendagem daquele que era, até então, o mais prestigioso jornal do Estado. E logo repercutiu no Rio de Janeiro. Mais precisamente na mesa do pequenino paraibano Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, um império com rádios e jornais espalhados por todos os cantos do Brasil.
            Célebre pela fama de jamais engolir desaforos, o colérico Chateaubriand telefonou para Geraldo Teixeira da Costa, diretor do “Estado de Minas”, com uma ordem expressa, repleta de exclamações:
            - Seu Gegê! Quero uma reportagem de página inteira contando que quando jovem Dom Cabral estuprou a própria irmã! O senhor tem uma semana para publicar isso!
            Tamanha barbaridade não passaria pela cabeça de quem quer que conhecesse o austero Dom Cabral, cujas virtudes haviam levado o Papa Pio XI a agraciá-lo com o título de Conde. Mas ordens eram ordens.
            Os dias se passavam e a reportagem não aparecia no jornal. Duas semanas depois do ultimato, um Chateaubriand possuído pelo demônio ligou de novo para Belo Horizonte:
            - Seu Gegê! Seu Gegê! O senhor esqueceu quem é que manda nesta merda de jornal? O senhor esqueceu quem é que paga seu salario, seu Gegê? Cadê a reportagem sobre o estupro incestuoso cometido por Dom Cabral?
Do outro lado da linha, um pálido e tremebundo Gegê gaguejou:
- Doutor Assis, temos um problema. Descobrimos que Dom Cabral é filho único, não tem e nunca teve irmãs...
Sapateando sobre o tapete, Chateaubriand parecia tomado por um surto nervoso:
- TEMOS um problema? Seu Gegê, nós não temos problema algum! Isso é um problema de Dom Cabral! Publique a reportagem! Cabe A ELE provar que não tem irmãs, entendeu, seu Gegê? Vou repetir, seu Gegê: cabe A ELE provar que não tem irmãs!!
Passadas oito décadas, suspeito que Chatô exumou-se do Cemitério do Araçá e, de peixeira na cinta, encarnou nos blogueiros limpos e nos editores dos principais jornais e revistas brasileiros.
Como no caso de Dom Cabral, cabe a Lula provar que não marchou com a família e com Deus, em 1964, quando tinha 18 anos, pedindo aos militares que derrubassem o governo do presidente João Goulart. Cabe a Dirceu provar que não foi o chefe do chamado mensalão.
Fernando Morais é jornalista e escritor. É autor, entre outros livros, de “Chatô, o rei do Brasil”, biografia de Assis Chateaubriand.

Para Dalmo Dallari, mídia cobre STF 'como se fosse comício' — Rede Brasil Atual

Para Dalmo Dallari, mídia cobre STF 'como se fosse comício' — Rede Brasil Atual

Para Dalmo Dallari, mídia cobre STF 'como se fosse comício'

Jurista critica comportamento da imprensa e dos ministros da corte no julgamento do 'mensalão'
Por: Conceição Leme, do Viomundo
Publicado em 29/09/2012, 12:23
Última atualização às 12:23
Para Dalmo Dallari, mídia cobre STF 'como se fosse comício'
Dallari: Agindo de maneira inadequada, STF compromete sua própria autoridade (Foto: Enemat)
São Paulo - Nessa quinta-feira 27, aconteceu a 29ª audiência da Ação Penal 470, o chamado mensalão. A cada semana de julgamento – foi-se a nona –, aumentam os questionamentos sobre os aspectos jurídicos, éticos e midiáticos do processo.
“Eu não sei se devido à pressão muito forte da imprensa ou por qualquer outro fator, o fato é que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem cometido equívocos, agido de maneira inadequada de forma a comprometer a sua própria autoridade”, alerta o jurista Dalmo de Abreu Dallari. “Muitas vezes ministros antecipam a veículos o que vão dizer no plenário.”
“Na semana passada, o jornal o Estado de S. Paulo noticiou com todas as letras o que Joaquim Barbosa iria dizer no seu voto naquele dia. E o ministro disse exatamente aquilo que o jornal havia antecipado. Isso foi um erro grave do ministro”, afirma Dallari. “O ministro não deve – jamais! — entregar o seu voto a alguém, seja  quem for, antes da sessão do tribunal, quando vai enunciá-lo em público.  É absolutamente inadmissível comunicar o voto antes, compromete a boa imagem do Judiciário, a imagem de independência e imparcialidade.”
“Muitas vezes a imprensa, querendo o sensacionalismo e se antecipar aos outros órgãos de comunicação, busca penetrar na intimidade do juiz”, observa Dallari. “Isso é contrário ao interesse público. Não tem nada a ver com a liberdade de imprensa. Isso eu chamaria de libertinagem de imprensa.”
Dalmo de Abreu Dallari é um dos mais renomados e respeitados juristas brasileiros. Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, ele está perplexo com o comportamento da mídia assim como dos juízes do STF no julgamento da Ação Penal 470.
Viomundo – Em artigo no Observatório da Imprensa que nós reproduzimos, o senhor aborda impropriedades cometidas pela mídia na cobertura de assuntos jurídicos. Também diz:  no chamado mensalão, “a imprensa que, vem exigindo a condenação, não o julgamento imparcial e bem fundamentado do processo, aplaudiu a extensão inconstitucional das competências do Supremo Tribunal e fez referências muito agressivas ao ministro Lewandowski – que, na realidade, era, no caso, o verdadeiro guardião da Constituição”. Isso é culpa só da imprensa?
Dalmo Dallari — Nos últimos anos, se passou a dar muita publicidade ao Judiciário. A sua cobertura, porém, está sendo feita sem o preparo mínimo, como se fosse um comício.
Acontece que o Judiciário, além de aspectos técnicos muito peculiares, tem posição constitucional e responsabilidade diferenciadas. Em última instância, decide sobre direitos fundamentais da pessoa humana. Então, é necessário tomar muito cuidado no tratamento das suas atividades. Exige de quem vai produzir a matéria um preparo técnico mínimo. Exige também o cuidado de não transformar em teatro aquilo que é decisão sobre direitos fundamentais da pessoa humana.
Eu acho que, no caso do chamado mensalão, está se dando tratamento absolutamente inadequado. Eu não sei se devido à pressão muito forte da imprensa ou por qualquer outro fator, o fato é que o próprio Supremo Tribunal tem cometido equívocos, agido de maneira inadequada de forma a comprometer a sua própria autoridade.
Viomundo – Mas o próprio Supremo está se deixando pautar pela mídia, concorda?
Dalmo Dallari – Sem dúvida alguma. Eu entendo que de parte a parte está havendo erro. Os dois [STF e mídia] deveriam tomar consciência de suas responsabilidades, da natureza dos atos que estão sendo noticiados, comentados, para que não se dê este ar de teatro que estamos assistindo.
Às vezes uma divergência entre ministro parece clássico de futebol, um Fla-Flu, um Palmeiras-Corinthians. Entretanto, quem acompanha a área jurídica, sabe que é normal divergência entre os julgadores.
É por isso que a própria Constituição brasileira – e não só brasileira, isso é universal –,  as constituições preveem tribunais coletivos, porque se pressupõe que é preciso um encontro de opiniões para que, com equilíbrio, independência, colocando os interesses da Justiça acima de tudo, se chegue a uma conclusão majoritária.
Nem é necessário que as conclusões sejam todas unânimes. Existe, sim, a previsão da conclusão majoritária, o que implica o reconhecimento de que haverá divergências.
Viomundo – A mídia às vezes antecipa como o ministro vai votar no dia seguinte. O que representa isso para um processo?
Dalmo Dallari — Isso é muito sério. Leva à conclusão de que houve uma interferência na formação da opinião do ministro. Ele não agiu com absoluta independência, com a discrição, a reserva que se pressupõe de um ministro de um tribunal superior.
Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo  noticiou com todas as letras o que o ministro Joaquim Barbosa iria dizer no seu voto naquele dia.
Como é que esse jornalista sabia antes o que o ministro iria dizer? Esse jornalista participou da elaboração do voto, da intimidade do ministro, quem sabe até inferiu nele?  Será que sugeriu use esta palavra e não aquela? Ou, pior, sugeriu algum encaminhamento?
Como o ministro Joaquim Barbosa disse exatamente o que o jornal havia antecipado (leia AQUI e AQUI), ficou comprovado que ele permitiu a presença do jornalista no momento em que ele estava elaborando o seu voto.
Isso é absolutamente inadmissível, compromete a boa imagem do Judiciário, a imagem de independência e imparcialidade. Portanto, houve, sim, um erro do órgão de imprensa, mas houve, sem dúvida, um erro grave do ministro que se submeteu a esse tipo de participação.
Viomundo – O ministro Joaquim Barbosa pode apenas ter entregue ou comentado  o seu voto ao jornalista antes…
Dalmo Dallari – Mas foi antes da sessão. Isso está errado! O ministro vai enunciar o seu voto em público numa sessão do tribunal.  Ele não deve – jamais! — entregar o seu voto a alguém, seja  quem for, antes da sessão. Até porque durante a sessão ele vai ouvir colegas, vão surgir situações novas, pode ser que ele aperfeiçoe o seu voto, introduza alguma coisa. Efetivamente, o voto só deve ser enunciado na hora do julgamento. Por isso, reitero: foi um erro grave do ministro Joaquim Barbosa.
Viomundo — Professor, que outros equívocos nesse julgamento comprometem o processo?
Dalmo Dallari – Pessoas que não têm “foro privilegiado” – a maioria, diga-se de passagem — estão sendo julgadas originariamente pelo Supremo Tribunal. Esse é um erro fundamental e mais do que óbvio. É uma afronta à Constituição, pois essas pessoas não têm “foro privilegiado” e devem ser julgadas inicialmente por juízes de instâncias inferiores.  A Constituição estabelece expressamente quais são os ocupantes de cargos que serão julgados originariamente pelo Supremo Tribunal.
Viomundo – Em que casos o acusado deve julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal e não por alguma instância inferior?
Dalmo Dallari – Estão nomeados no artigo 102 da Constituição. No inciso I, dispõe-se, na letra “b”, que o Supremo Tribunal tem competência para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, “o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros [do STF] e o Procurador Geral da República”. Em seguida, na letra “c”, foi estabelecida a competência originária para processar e julgar “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.
Portanto, o Supremo está julgando originariamente pessoas que não se enquadram nessas hipóteses. Isso é grave, porque essas pessoas não têm aquilo que se chama “foro privilegiado”.  A expressão “privilegiado” é discutível, porque, na verdade, é um privilégio que tem restrições.
A decisão nos casos de “foro privilegiado” começa e termina no Supremo Tribunal. Ao passo que os empresários, o pessoal do Banco Rural, o próprio Marcos Valério, que são pessoas que não ocupavam função pública, deveriam, em primeiro lugar, ser processados e julgados pelo juiz de primeira instância. Se condenados, teriam  direito a recurso a um tribunal regional. E, se condenados ainda, teriam recurso a um Tribunal Superior.  O Supremo, no entanto, acatou a denúncia e está julgando essas pessoas que não terão direito de recurso.
Viomundo – O que representa essa decisão do STF de julgar todos os acusados?
Dalmo Dallari — O direito de ampla defesa delas foi prejudicado. Isso vai contra a Constituição brasileira, que afirma que elas têm esse direito. Vai também contra compromissos  internacionais que o Brasil assumiu de garantir esse amplo direito de defesa.
Depois de terminado o julgamento, isso vai abrir a possibilidade de uma nova etapa. É fácil prever. Os advogados dos condenados sem “foro privilegiado” têm dois caminhos a seguir. Um, será uma denúncia a uma Corte internacional, no caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). O outro: eles poderão entrar também com uma ação declaratória perante o próprio Supremo Tribunal para que declare nulas as decisões, porque os réus não tinham “foro privilegiado”. E, aí, vai criar uma situação extremamente difícil para o Supremo Tribunal, que terá de julgar os seus próprios atos.
Viomundo – Na fase inicial do julgamento, o ministro Lewandowski levantou a questão do “foro privilegiado”…
Dalmo Dallari – De fato, essa questão foi suscitada, com muita precisão e de forma absolutamente correta, pelo ministro Ricardo Lewandowski. Ele fez uma advertência que tinha pleno cabimento do ponto de vista jurídico.
Entretanto, por motivos que não ficaram claros, a maioria dos ministros foi favorável à continuação do julgamento de todos os acusados pelo Supremo Tribunal. E prevaleceu a posição do ministro-relator Joaquim Barbosa que dizia que o tribunal deveria fazer o julgamento de todos sem levar em conta que muitos não têm “foro privilegiado”. O ministro Marco Aurélio Mello foi o único que acompanhou o voto do revisor.
Viomundo – No seu entender, o que levou o Supremo a agir assim?
Dalmo Dallari — Eu acho que, em grande parte, a pressão da dita opinião pública feita através da imprensa. Eu acho que isso pesou muito. E, a par disso, pode ter havido também um peso das próprias convicções políticas dos ministros, porque eles claramente estão julgando contra o Direito. Eles não estão julgando juridicamente, mas politicamente.
Eu me lembro que, no começo, antes mesmo do julgamento, alguns órgãos da imprensa já diziam seria o “julgamento do século”.  Não havia nenhum motivo para dizerem isso.  Os julgamentos de casos de corrupção já ocorreram muitas e muitas vezes e não mudaram o comportamento da sociedade brasileira nem criaram jurisprudência nova.
O julgamento do chamado mensalão também não vai criar jurisprudência nova. Não há nenhum caso novo que houvesse uma divergência jurisprudencial e que somente agora vai ser unificado.  Não existe essa hipótese. Então, é um julgamento como outros que já ocorreram, com a diferença que há muitos réus e vários deles ocuparam posições políticas importantes. Mas, do ponto de vista jurídico, nada justifica  dizer que é um julgamento excepcional, menos ainda o julgamento do século.
Viomundo – O senhor apontaria algum outro equívoco?
Dalmo Dallari – Acho que os básicos são estes. Primeiramente, o STF assumir uma competência que a Constituição não lhe dá. Depois, essa excessiva proximidade dos ministros com a imprensa, antecipando decisões que serão tomadas numa sessão posterior. Acho que é um comportamento muito ao contrário do que se espera, se pode e se deve exigir da mais alta Corte do país. Isso também está errado do ponto de vista jurídico.
Viomundo – O ministro Lewandowski tem sido até insultado pela grande mídia por causa do julgamento do mensalão. O que acha disso?
Dalmo Dallari – A mesma imprensa que faz referências agressivas ao ministro Lewandowski é a que vem exigindo a condenação e não um julgamento imparcial e bem fundamentado de todos os casos. É a mesma imprensa que aplaudiu o STF, quando ele, no início do julgamento do chamado mensalão, passou por cima das nossas leis, extrapolando a sua competência. Nesse caso, o ministro Lewandowski tem sido o verdadeiro guardião da Constituição brasileira.
Viomundo – Em 2002, o senhor publicou um texto dizendo que a indicação de Gilmar Mendes para o STF representava a degradação do Judiciário. Em 2010, quando ministro defendeu a necessidade de dois documentos para o cidadão votar, o senhor, em entrevista, ao Viomundo, disse que a “Decisão de Gilmar Mendes prova que ele não tinha condições de ser ministro do STF.” Considerando que sobre o ministro Gilmar Mendes pesam várias acusações, não seria um contrassenso ele julgar a Ação Penal 470?
Dalmo Dallari – Claro que é uma contradição. Ele não tem condições morais para fazer esse julgamento.
Gilmar Mendes foi acusado de corrupção quando era Advogado Geral da União. Ele é dono de um cursinho em Brasília e, com dinheiro público, matriculou os seus auxiliares da Advocacia Geral da União no seu próprio cursinho. Ele estava nos dois lados do balcão: contratante e contratado.
A par disso, na questão indígena e em várias outras, ele revelou sempre uma parcialidade mais do que óbvia. Ele não é um ministro imparcial, equilibrado, que se orienta pela Justiça e pelo Direito. Ele é um homem arbitrário, que não tem respeito pelo Direito nem pela Constituição. Nem pela ética.
Viomundo – Teria mais algum alerta a fazer?
Dalmo Dallari — Eu gostaria que a própria imprensa advertisse os juízes dos tribunais quanto ao risco do excesso de exposição. Muitas vezes a imprensa, querendo o sensacionalismo e se antecipar aos outros órgãos de comunicação, busca penetrar na intimidade do juiz. Isso é contrário ao interesse público. Não tem nada a ver com a liberdade de imprensa. Isso eu chamaria de libertinagem de imprensa.

Cadê as fitas, Civita? | Brasil 24/7

Cadê as fitas, Civita? | Brasil 24/7
247 – A suposta “entrevista” de Marcos Valério à revista Veja, publicada duas semanas atrás, entrará para a história como uma das maiores fraudes da história do jornalismo brasileiro. Tão ou mais grave do que a história contada pelo escritor Fernando Morais em seu artigo “Um espectro ronda o jornalismo: Chatô”, lembrando o caso da encomenda feita por Assis Chateaubriand contra o arcebispo de Belo Horizonte, Dom Cabral. Chatô queria provar que Dom Cabral havia estuprado a irmã, ainda que fosse filho único. Roberto Civita gostaria de ver Lula na cadeia ou, pelo menos, fora do jogo político.
Duas semanas já se passaram e Veja não apresentou qualquer indício de que tenha gravações de Marcos Valério incriminando o ex-presidente Lula - na “entrevista”, o ex-presidente era apontado como o “chefe do mensalão” pelo publicitário e comandaria ainda um caixa dois de R$ 350 milhões. Na edição seguinte, Veja saiu com capa falando sobre sexo. Nesta, fala sobre o esforço de Ronaldo para emagrecer, numa reportagem dedicada ao tema “força de vontade” – algo que seria necessário para crer na existência das gravações de Veja.
Quando se debruça sobre o mensalão, na reportagem chamada “A hora da verdade”, Veja afirma que “falta apenas a viga mestra legal no edifício que vem sendo construído pelo Supremo Tribunal Federal”, ou seja, a condenação do núcleo político, formado por José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Mas isso talvez não seja suficiente para excluir Lula da vida política brasileira, como aponta o jornalista Otávio Cabral, na coluna Holofote. “Eu não vou deixar que o último capítulo da minha bigrafia seja escrito pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Quem vai escrevê-lo é o povo”, teria dito o ex-presidente, segundo a revista, a um ex-ministro. Sendo verdadeira ou não a declaração, fica claro que Lula não irá se dedicar apenas a fazer churrascos em São Bernardo, como defende o historiador Marco Antonio Villa.
Como tem sido colocado aqui deste o início, a “entrevista” com Marcos Valério foi apenas uma fraude jornalística que visava impedir a eventual volta de Lula ao poder, seja em 2014, seja em 2018, ameaçando-o com um processo judicial. Uma tentativa de golpe paraguaio. Na reportagem sobre o mensalão, Veja tenta rebater o argumento, ao dizer que “golpe em ex-presidente é uma contradição em termos”. Ocorre que existem também os golpes e as guerras preventivas. Exemplo: ataque-se o Irã antes que o país tenha sua bomba atômica. Ataque-se Lula antes que ele cogite a hipótese de voltar.
Comprovada a fraude de duas semanas atrás, descobre-se agora que ela não é inédita. Na reportagem “Caraca, que dinheiro é esse?”, que falava da entrega pacotes de dinheiro dentro da Casa Civil, às vésperas da disputa de 2010 entre Dilma Rousseff e José Serra, Veja sustentou, com nítidas intenções eleitorais, que as confissões da propina haviam sido feitas a Veja “em depoimentos gravados”. Erenice foi à Justiça, pediu que a revista apresentasse as gravações – que jamais apareceram – e foi inocentada.
Quinze dias depois da entrevista que seria tão devastadora quanto a de Pedro Collor, segundo anunciado por Veja, só o ET de Varginha e o jornalista Ricardo Noblat ainda acreditam nas gravações. Haja força de vontade!

domingo, 23 de setembro de 2012

Diário do Centro do Mundo – Lula deveria ter respondido?

Diário do Centro do Mundo – Lula deveria ter respondido?

Paulo Nogueira View all posts by

 
 
Achei que era óbvio, mas pelo visto não era.
Lula não poderia ter respondido a Marcos Valério. Não em circunstâncias normais, e muito menos quando o próprio Marcos Valério nega que tenha dito o que dizem que ele disse.
Lula teria sido muito bobo se chancelasse o jogo do “disse-que-teria-dito”, e isso ele não é.
Qualquer pessoa razoavelmente inteligente, ou que não sendo tenha um advogado por perto, não responderia. O que quer que Lula dissesse apenas daria mais balas a quem deseja fuzilá-lo.
O debate em torno de Lula ultrapassou, já há muito tempo, os limites da racionalidade. Instalou-se, na grande imprensa, um vale-tudo em que o bom jornalismo não quer simplesmente dizer mais nada.
Uma suposta denúncia de um conhecido vigarista ganha instantaneamente status de verdade absoluta e indiscutível para quem é contra Lula. Uma palavra que qualquer jornalista mediano colocaria sob suspeição, dada a fonte despida de qualquer credibilidade, acaba – por obtusidade cínica ou má fé córnea, para usar a grande expressão de Eça de Queiroz – se transformando no equivalente a um verso do Corão para um muçulmano praticante.
Tenho para mim que Lula faz bem, de resto, em não tornar ainda mais tenso o ambiente político brasileiro. (Se é verdade que Rui Falcão anda criticando pesadamente a mídia, alguém deveria serená-lo.)
Em dois países vizinhos, existe um quadro parecido. Governos de esquerda são massacrados, na Venezuela e no Equador, pela mídia estabelecida. Não importa que Rafael Correa, do Equador, tenha vencido duas eleições: um comentarista auto-exilado em Miami o chamada de “Grande Ditador”. Nos dois casos, os presidentes têm reagido com fragor. Chávez, na Venezuela, é xingado e xinga, bem como Correa.
No Brasil, se a mídia age à maneira da imprensa venezuelana e equatoriana, a diferença está na atitude primeiro de Lula e agora de Dilma. Eles não estão reagindo aos ataques, e isso é bom para o Brasil e os brasileiros. De outra forma, a sociedade viveria sob uma uma atmosfera irrespirável.
Sequer na sombra surgem retaliações. Leio que a verba publicitária em 2011 do governo para a Globo – que astutamente, aspas, finge objetividade enquanto só dá voz e colunas a quem é visceralmente anti-Lula – foi de 50 milhões de reais. Para a Carta Capital, sempre atacada por ser chapa branca, restou um fragmento: 100 mil reais.
Não seria bom para ninguém se Lula ou Dilma agissem como Chávez ou Correa. Os que querem se livrar de Lula a todo preço deveriam respirar fundo e lembrar que ele tem um apoio extraordinário entre os brasileiros. Collor foi chutado sem reação, por não ter base nenhuma, mas se o mesmo acontecesse  a Lula o cenário seria diferente.
Me parece às vezes que é aquele caso do garoto que vai provocando um outro, e mais, e mais, porque não encontra reação. Toma a prudência por medo, e excede na insolência até que um dia as coisas realmente se complicam. Gostaria de ver tanto destemor , aspas, se vivêssemos sob uma ditadura. Basta ver o comportamento da Globo de Roberto Marinho sob os militares para ver onde vai parar tamanho ardor.  Saem os Jabores e entram os Amarais Netos, ao sabor das circunstâncias.
Quem quer ver Lula e o PT fora do poder – um direito legítimo de qualquer cidadão — tem que trabalhar duro: conquistar a simpatia da maioria dos brasileiros, mas não com truques baixos porque a voz rouca das ruas não é idiota, e ganhar nas urnas.
Democraticamente.


 Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Carta Maior - Paulo Kliass - Mais desoneração e o risco para a Previdência Social

Carta Maior - Paulo Kliass - Mais desoneração e o risco para a Previdência Social

Mais desoneração e o risco para a Previdência Social

O governo Dilma acabou incorporando essa reivindicação dos representantes do capital e comprando até mesmo o discurso enganoso a respeito dos efeitos positivos da desoneração da folha. Os empresários deixam de contribuir com os atuais 20% e apenas os assalariados pagam os 11%. E como fica a diferença da receita previdenciária, então?

A Presidenta Dilma parece ter gostado do último figurino que alguns ramos do conservadorismo lhe encomendaram. Praticamente a cada semana sua equipe tem anunciado um novo pacote de benesses destinado aos detentores do capital. Aparentemente iludida com a contradição artificial que setores da grande imprensa tentam criar entre os governos de Lula e o seu próprio, ela tenta acrescentar à sua conhecida fama de gerentona a imagem de uma mui generosa governanta para o setor privado.

Apesar das sistemáticas negativas em elevar os gastos orçamentários com as demandas de matérias oriundas da área social, quando se trata de afagar o capital privado o comportamento de Dilma muda radicalmente.

Quando as entidades ligadas à área da educação solicitam os 10% do PIB para esse setor, o Ministro Mantega proclama o alarmismo irresponsável: com tal medida, o País quebraria! (sic) Quando as organizações ligadas ao movimento social da terra alertam para os baixíssimos números relativos ao atraso na implementação da Reforma Agrária, o governo diz que não há recursos disponíveis. Quando os funcionários públicos reivindicam melhorias salariais e em suas condições de trabalho, o discurso se repete a respeito da necessidade do cumprimento rigoroso da “política fiscal responsável” e o governo ameaça com a criminalização do movimento. Quando as associações vinculadas ao movimento da saúde pública propõem o fortalecimento do SUS por meio de maiores verbas para a área, tampouco o governo se mostra disposto a assumir compromissos efetivos. Quando as entidades sindicais e as representações dos aposentados exigem o fim do famigerado fator previdenciário, as lideranças do governo dizem que não há como acabar com essa fonte de injustiça criada pelo governo tucano e mantida pelo PT desde 2003. Enfim, a lista das negativas é extensa.

Para benesses ao capital, surgem os recursos “inexistentes”
No entanto, quando se trata de favorecer os interesses dos empresários, aí parece que tudo muda de figura. As portas dos palácios se abrem solenemente para encontros e reuniões. As cerimônias cheias de pompa anunciam as medidas destinadas a beneficiar o capital, sob a falsa argumentação de banalidades como o aumento da competitividade, a geração de empregos, a redução do custo Brasil e por aí vai.

A esse respeito, a frase do mega empresário Eike Batista é precisa na definição da opção da Presidenta: ao receber a notícia de um dos pacotes de privatização de serviços públicos, resumiu-o como um verdadeiro “kit felicidade” oferecido pelo governo. Era um sorriso só! No entanto, o que é pouco noticiado pelos grandes órgãos de imprensa, a cada novo ato dessa natureza, são os custos associados às medidas. Na verdade, trata-se de expressivas despesas orçamentárias da União que passarão a ser efetuadas, quando até o dia anterior o “rigor fiscal” afirmava não haver recursos disponíveis para nada. Como assim, então? Ora, tudo se resolve por uma vontade política e a opção por determinadas diretrizes de governo revela quais são as suas verdadeiras prioridades. Ou seja, quais são os setores da sociedade - aliás, chamemos aqui por seu verdadeiro nome: as tão famosas classes sociais - que estão sendo atendidos de fato.

Em 2010, ainda quando era pré-candidata à sucessão de Lula, Dilma fez um famoso discurso aos prefeitos em Brasília, quando afirmava que não iria fazer “bondade com chapéu alheio”. Agora, quando anuncia sua disposição em ampliar ainda mais o espectro de ramos empresariais a serem beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos, não faz mais do que contradizer aquela promessa. Sim, pois está fazendo uma tremenda bondade dirigida ao capital, usando para tanto exatamente o chapéu de aposentados, pensionistas, trabalhadores e integrantes das futuras gerações de brasileiros.

Fim da contribuição patronal: caminho para a privatização
Essa reivindicação dos empresários é antiga. Ela sempre esteve na pauta dos encontros de suas associações classistas, desde ainda os tempos da ditadura. Surfando via de regra na onda geral da demagógica proposta de redução da “carga tributária excessiva”, outras vezes o discurso pende mais para a necessidade de reduzir os “elevados custos da força de trabalho” em nossa terra. Quase que obcecados pela radicalização ideológica do raciocínio, os proponentes dessa versão do “menos Estado” não pensam em uma alternativa efetiva para o financiamento da seguridade social, tal como previsto em nossa Constituição. Ao inviabilizar o modelo de previdência pública e universal por meio de redução de suas receitas, abre-se o caminho para a sua privatização. Maquiavelismo ou não, o fato é que a rota traçada não oferece outra alternativa. E o mais impressionante é que o Partido dos Trabalhadores corre o sério risco de passar para a História como sendo o responsável pela implementação de tal estratégia. Uma loucura!

A palavra mágica é a seguinte: desoneração da folha de pagamentos. Um mantra que, de tão repetido, chega a transmitir ares de unanimidade inescapável. Mas a coisa é bem mais complexa do que parece. O modelo de financiamento de nossa previdência social prevê duas fontes de contribuição para manter o sistema em operação: o assalariado recolhe 11% sobre seu salário a cada mês, enquanto a empresa recolhe o equivalente a 20% sobre a mesma base salarial. Com tais alíquotas e com as atuais regras de aposentadoria, a previdência vai bem, obrigado. A despeito das enganosas interpretações a respeito do suposto “déficit estrutural”, o fato é que o sistema ainda é superavitário – os números oficiais do Ministério da Previdência Social demonstram isso. É claro que serão necessários ajustes em razão das mudanças na dinâmica demográfica, pois o futuro aponta para menor universo de jovens ingressando no mercado de trabalho em relação ao maior número de aposentados e de maior longevidade, em razão de alta na expectativa média de vida de nossa população. Mas essa é uma discussão completamente diferente da atual.

O governo de Dilma acabou incorporando essa reivindicação dos representantes do capital e comprando até mesmo o discurso enganoso a respeito dos efeitos positivos da desoneração da folha. Os empresários deixam de contribuir com os atuais 20% e apenas os assalariados pagam os 11%. E como fica a diferença da receita previdenciária, então? Bom, aí as fórmulas mágicas começaram a sair da cartola – tinha para todos os gostos. O governo optou por uma alíquota a incidir sobre o faturamento das empresas. Ou seja, mudou-se subitamente uma forma de financiamento que, apesar das dificuldades, vinha operando bem por mais de meio século. A opção pode ser caracterizada como um salto no escuro, pois não há nenhuma garantia de bom funcionamento da nova forma de financiamento. Foi uma evidente tentativa desesperada de agradar aos representantes do patronato. Uma verdadeira irresponsabilidade para com o País!

O que era uma experiência localizada, começa se generalizar
No início, o discurso oficial dizia que se tratava apenas de uma experiência de laboratório, apenas 5 setores para verificar se o novo sistema seria viável ou não. Mas o tempo passa rápido e a primeira Medida Provisória (MP) virou a Lei n° 12.546, de dezembro de 2011. Os especialistas alertávamos para os riscos de tal estratégia, pois da forma que estava encaminhada a questão, dificilmente haveria espaço para voltar atrás. Logo depois, o número de setores aumentou para 15, pois os que estavam de fora do banquete generoso clamaram contra a discriminação – afinal, todos querem o mesmo direito de mamar de forma isonômica nas tetas do Estado. E depois o governo encaminhou ainda outras mudanças nas regras, ampliando o número de setores para 40 e reduzindo a alíquota que incide sobre o faturamento das empresas. A MP 563/12 já foi convertida na Lei n° 12.715 e a Presidenta sancionou a matéria.

O assunto foi tratado pelo governo com tanto “carinho, seriedade e preocupação” para com o futuro da previdência social, que a MP tratava num único texto de assuntos tão díspares, a ponto do complexo e sensível tema da desoneração da folha ser apenas um item a mais (art. 55), em meio a um verdadeiro cipoal de alterações legislativas em outras áreas. Oferecer um texto dessa forma para ser analisado pelos congressistas é uma estratégia ainda mais arriscada, como demonstra a longa lista constante da própria ementa da matéria:

“Altera a alíquota das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários devidas pelas empresas que especifica, institui o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, o Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações, o Regime Especial de Incentivo a Computadores para Uso Educacional, o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica, o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência, restabelece o Programa Um Computador por Aluno, altera o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (...) e dá outras providências.”

O problema está criado! Os valores a serem recolhidos sob a forma da alíquota de faturamento são insuficientes para cobrir as despesas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Mas o governo já anunciou sua intenção em cobrir esse rombo com recursos do Tesouro Nacional. Ou seja, vai assegurar mais vários bilhões de reais anuais de subsídio ao setor privado. Mas até quando ocorrerá tal disposição? Daqui a pouco começarão os recorrentes clamores quanto aos gastos exagerados com a Previdência e os conhecidos estudos “demonstrando” seu déficit estrutural crescente. A continuidade dessa forma de financiamento da Previdência Social tende a levar o sistema a uma asfixia em suas fontes de receita, abrindo mais espaço para as proposta de corte de benefícios e mesmo de privatização.

Preservar a Previdência Social é voltar com a contribuição sobre a folha
O cansativo e repetitivo discurso de nossas elites a respeito do custo da mão-de-obra não encontra respaldo na realidade. Há 15 anos atrás, quando PT propunha simbolicamente que o salário mínimo fosse o equivalente a US$ 100, os que hoje clamam pela desoneração diziam que o Brasil não suportaria tal “irresponsabilidade populista”. Hoje, a remuneração mínima vale mais de US$ 300 e o mercado de trabalho funciona a todo o vapor. Ora, parece evidente que não são esses 20% de contribuição sobre a folha que trazem dificuldades para a estrutura de custos das empresas. E o governo que se prepare, pois a lista da flexibilização dos encargos trabalhistas considera necessário também eliminar conquistas históricas como 13° salário, FGTS, licença maternidade – tudo em nome da redução do custo Brasil.

Ao movimento sindical e às associações de aposentados não existe outra alternativa que não seja exigir do governo o abandono dessa aventura irresponsável e o retorno à contribuição patronal na base de 20% sobre a folha de pagamentos. O que está em jogo é o futuro da Previdência Social pública e universal.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

A obsessão da mídia | Carta Capital

A obsessão da mídia | Carta Capital

Mino Carta

Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br
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Editorial

21.09.2012 09:58

A obsessão da mídia

Por que Lula se tornou a obsessão da mídia nativa? Por que tanta raiva armada contra o ex-presidente? Primeiro é o ódio de classe, cevado há décadas, excitado pelo operário metido a sebo, tanto mais no país da casa-grande e da senzala. Onde já se viu topete tamanho? Se me permitem, Lula é personagem de Émile Zola, assim como José Serra está nas páginas de Honoré de Balzac. O sequioso da emergência que chegou lá.
Dez anos depois. No fim de setembro de 2002, jornalões e revistões enxergavam Lula como se vê acima. E o operário ganhou as eleições…
Depois vem a verdade factual, a popularidade de Lula, avassaladora. E vem o confronto com os tempos de Presidência tucana, e o triste fim de Fernando Henrique Cardoso, o esquecido, no Brasil e no mundo. Assim respondem os meus meditativos botões às perguntas acima. E as respostas geram outra pergunta.
Por que a mídia nativa, intérprete da casa-grande, goza ainda de prestígio até junto a quem ataca diária e obsessivamente se seus candidatos perdem os embates eleitorais decisivos? Memento 2002, 2006, 2010. Mesmo agora, véspera dos pleitos municipais, as coisas não estão bem paradas para os preferidos de jornalões e revistões. Será que o jornalismo brasileiro dos dias de hoje faz apostas erradas? Defende o indefensável?
Na semana passada publiquei os números da verba publicitária governista distribuída entre as empresas midiáticas. Mais de 50 milhões para a Globo. Para nós, pouco mais de 100 mil reais. E sempre há quem apareça para nos definir como “chapa-branca”… E a Editora Abril, então? Na compra de livros didáticos, fica com a parte do leão em um negócio imponente que em 2012 já lhe assegurou a entrada de 300 milhões. Pode-se imaginar o que seus livros ensinam. Enquanto isso, a Petrobras acaba de cancelar um contrato de 11 milhões que estava para ser fechado com a casa do Murdoch brasileiro. Vem a calhar, a confirmar-lhe tradições e intentos, a última capa da sua querida Veja, ponta de lança na estratégia da guerra contra Lula.
A revista de Policarpo Jr., parceiro de Carlinhos Cachoeira em algumas empreitadas, produz esta semana mais uma obra-prima de antijornalismo. Formula acusações gravíssimas contra Lula sem esclarecer quem as faz (Marcos Valério ou seus pretensos apaniguados?), mas nome algum é citado, e o advogado do publicitário mineiro desmente a publicação murdoquiana. Ricardo Noblat (porta-voz de Veja?) informa no seu blog que a Abril vai divulgar o áudio de uma entrevista com Valério, e horas depois comunica que Policarpo Jr. convenceu a direção da Abril a deixar para lá, ao menos por ora.
Quanta ponderação, por parte de Policarpo… Suas relações com Cachoeira CartaCapital provou com documentos tão irrefutáveis quanto inúteis: a CPI não vai convocá-lo para depor, como seria digno de um país democrático, porque o solerte presidente-executivo abriliano foi ter com o vice-presidente da República para lembrá-lo de que se Veja for julgada, todos os demais da mídia nativa entram na dança.
Este específico enredo prova as dificuldades de governar o país da casa-grande e da senzala. É preciso recorrer a alianças que funcionam como a bola de ferro atada aos pés do convicto e padecer como vice o representante de um partido pronto a ceder diante das pressões da Abril. E da Globo, como CartaCapital relatou ao longo da cobertura da CPI do Cachoeira. Resta o fato: a mídia nativa é bem menos poderosa do que os graúdos supõem, inclusive os do próprio governo.
Uma exceção talvez seja São Paulo, com sua capital dos shoppings milionários, da maior frota de helicópteros do mundo depois de Nova York, de favelas monstruosas a rodear os bairros endinheirados, de mil homicídios anuais (5 mil no estado). Refiro-me à cidade e ao estado mais reacionários do Brasil. Aqui tudo pode acontecer. De todo modo, os senhores, de um lado e do outro, caem na mesma esparrela dos jornalistas que os apoiam ou os denigrem. Os jornalistas e seus patrões, na certeza da ignorância da plateia, acabaram por assumir o nível mental que atribuem a seus leitores, ouvintes e assistentes. Os graúdos apoiados agarram-se em fio desencapado, os ofendidos temem um poder em vias de extinção. E não percebem que a tentativa de demonizar Lula consegue é endeusá-lo.

Estado de exceção | Carta Capital

Estado de exceção | Carta Capital

Luiz Gonzaga Belluzzo

Política e mídia

22.09.2012 12:29

Estado de exceção

A lei promulgada pelo regime nazista em 1935 prescrevia que era “digno de punição qualquer crime definido como tal pelo ‘saudável sentimento’ popular’”. No Mein Kampf, Adolph Hitler proclamava que a finalidade do Estado é preservar e promover uma comunidade fundada na igualdade física e psíquica de seus membros.
Herbert Marcuse escreveu o ensaio O Estado e o Indivíduo no Nacional-Socialismo. Ele considerava a ordem liberal um grande avanço da humanidade. Sua emergência na história submeteu o exercício da soberania e do poder ao constrangimento da lei impessoal e abstrata. Mas Marcuse também procurou demonstrar que a ameaça do totalitarismo está sempre presente nos subterrâneos da sociedade moderna. Para ele, é permanente o risco de derrocada do Estado de Direito: os interesses de grupos privados, em competição desenfreada, tentam se apoderar diretamente do Estado, suprimindo a sua independência formal em relação à sociedade civil.
Foi o que aconteceu no regime nazista. O Estado foi apropriado pelo “movimento” racial e totalitário nascido nas entranhas da sociedade civil. Os tribunais passaram a decidir como supremos censores e sentinelas do “saudável sentimento popular”, definido a partir da legitimidade étnica dos cidadãos. A primeira vítima do populismo judiciário do nazismo foi o princípio da legalidade, com o esmaecimento das fronteiras entre o que é lícito e o que não é. Leio que circula nos meios judiciários a ideia de “flexibilizar” a tipificação da conduta criminosa. Vou dar um exemplo, talvez um tanto exagerado: se João de Tal arrotar na rua, corre o risco de ser enquadrado no crime de atentado violento ao pudor.
Trata-se da emergência, na esfera jurídico-política, da exceção permanente. Coloca-se em movimento a lógica do poder absoluto, aquele que não só corrompe, como corrompe absolutamente. Os cânones do Estado de Direito impõem aos titulares da prerrogativa de vigiar, julgar e punir o delicado sopesamento das relações entre a garantia dos direitos individuais, a publicidade dos atos praticados pela autoridade e a impessoalidade do procedimento persecutório. O consensus iuris é o reconhecimento dos cidadãos de que o direito, ou seja, o sistema de regras positivas emanadas dos poderes do Estado, legitimado pelo sufrágio universal, é o único critério aceitável para punir quem se aventura à violação da norma abstrata.
Já há muito tempo, não só no Brasil, mas também no resto do mundo, sucedem-se os episódios de constrangimento midiático das funções essenciais do Estado de Direito, para perseguir adversários, ajudar os amigos, quando não cuidar de legislar em causa própria. A exceção permanente inscrita nos métodos de justiçamento midiático é funesta para o Estado Democrático de Direito: transforma as autoridades em heróis vingadores, encarregados de limpar a cidade (ou o País), ainda que o preço seja deseducar os cidadãos e aumentar a sensação de insegurança da sociedade. Nessa cruzada militam os que fazem gravações clandestinas ou inventam provas e os jornalistas que, em nome de uma “boa causa”, tentam manipular a opinião pública.
Os apressadinhos não se cansam de dizer que o Judiciário é lento. Poderia e deveria, com mais recursos, pessoal e, sobretudo, com o aperfeiçoamento dos códigos de processo, tornar-se mais rápido. Mas, num sentido profundo, a lentidão é uma virtude do Judiciário. Melhor seria dizer que a instantaneidade dos tempos da web é estranha ao bom cumprimento da prestação jurisdicional. Não haverá julgamento justo sem o contraditório entre as partes, a exibição de provas, os depoimentos. A formação da convicção do juiz, qualquer estudante de Direito sabe, depende da argumentação das partes.
Invocar a virtude, a honestidade ou os bons propósitos para contestar a impessoalidade e o “formalismo” da lei é a maior corrupção praticada contra a vida democrática. Montesquieu dizia que há insanidade na substituição da força da lei pela presunção de virtude autoalegada.
O Judiciário era rápido e eficiente na União Soviética de Stalin ou na Alemanha de Hitler. Os processos terminavam sempre de forma previsível e o contraditório não passava de uma encenação. Tudo estava justificado pelas razões superiores do Reich de Mil Anos ou pelos imperativos da construção do socialismo.
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Terceiro Milênio: Escola e cidadania

Com Texto Livre

Com Texto Livre

Imprensa da liberdade

A liberdade de debate cultural, e mesmo religioso, não se confunde com a liberdade de pregar racismo
O autor do filmeco e os extremistas da idolatria islamista deram-nos, a nós ocidentais, mais uma oportunidade de fazer o que não faremos: refletir sobre a liberdade de imprensa sem ideias prefixadas.
O tema é dificílimo em dois sentidos. Por si mesmo, é claro, e pela resistência ainda intransponível à busca de sua conceituação sem interesses e sem hipocrisias.
Não sou adepto da ideia de liberdade de imprensa plena: tenho convicção de que a imprensa não possui a liberdade de difundir o que ponha em risco pessoas inocentes. A decisão do semanário francês "Charlie Hebdo", de redobrar o ataque à intolerância do extremismo islamista, não foi defesa e afirmação do princípio da liberdade de imprensa.
Foi provocação utilitária, com a qual os dirigentes e acionistas da publicação obtiveram, como poderiam esperar, resultado financeiro e promocional muito acima do seu histórico (a publicação esgotou em horas). Os editores de "Charlie" aliaram-se ao autor do filmeco de origem suspeita, causa do assassinato miseravelmente covarde do embaixador dos Estados Unidos em Benghazi, na Líbia que ele ajudou a livrar de Gaddafi.
A edição anti-islamista de "Charlie Hebdo" não trouxe nem uma só contribuição positiva, por mínima que fosse, a não ser para o seu comando. Mas forçou o governo francês à humilhação de fechar suas embaixadas no mundo islâmico afora, para salvaguardar a vida de funcionários posta em risco pelas respostas à provocação do semanário.
O argumento é admissível: ainda que em nome da vida inocente, a restrição à liberdade de imprensa plena pode abrir caminho a restrições por causas deploráveis. A que liberdade de imprensa, porém, se refere o argumento, eis o problema.
Está sujeito à punição legal o jornalista que chamar de ladrão a quem não o é. Se punido pelo que fez, é porque não tinha a liberdade de fazê-lo. Abusou daquela que lhe foi concedida, mas concedida sob limitação legal - e quase sempre com desconsideração pelas especificidades do jornalismo, que ficam pendentes da sagacidade e da isenção do juiz.
A liberdade de imprensa plena, parte da plena liberdade de expressão, é alimentada também por doses variáveis de hipocrisia. O governo dos Estados Unidos e a justiça da Califórnia disseram não agir contra o tal filmeco em respeito à liberdade de expressão. Mas só um tolo acreditará que, se em vez de Maomé, o filmeco retratasse do mesmo modo George W. Bush, por exemplo, o governo americano deixaria as cenas correndo o mundo pelo YouTube. E o autor isentado de processo.
A França da "Charlie Hebdo" proibiu, judicialmente, as fotos do topless de Kate Middleton, mulher do príncipe William, e fez a polícia buscar os originais na revista "Closer" (cujo valor para a liberdade de imprensa é mensurável pela propriedade de Silvio Berlusconi).
Jornalistas e "scholars" americanos, poucos embora, deixaram e ainda fazem trabalhos sobre a violação da Primeira Emenda, a da liberdade de imprensa na Constituição dos Estados Unidos, por medidas impostas pelo governo Bush a partir da derrubada das Torres Gêmeas. A própria história do 11 de Setembro ainda tem partes sob censura, como o ocorrido com o quarto avião, "caído".
"A possibilidade de crítica ampla" e "manifestações que poderiam ser classificadas como provocação" relacionam-se de modo diferente com a liberdade de imprensa, sem paralelismo algum entre crítica e provocação - razão da discordância em que me situo diante do editorial "Subdesenvolvimento puro", da Folha de 21/9/12.
A liberdade de crítica, de debate cultural, político ou científico, e mesmo religioso, não se confunde com a liberdade de pregar racismo, de incentivar arbitrariedades, de provocar impulsos criminosos. Aquelas práticas são a grandeza da imprensa. E as últimas, o lixo.
Janio de Freitas
No Falha

Carta Maior - Blog das Frases - O 'mensalão' é a 'Miriam Cordeiro' do Serra

Carta Maior - Blog das Frases - O 'mensalão' é a 'Miriam Cordeiro' do Serra

O 'mensalão' é a 'Miriam Cordeiro' do Serra

A história não permite incluir no âmbito da mera coincidência a decisão do relator Joaquim Barbosa de calibrar o julgamento do chamado do mensalão, de modo a levar a discussão sobre o ex-ministro José Dirceu à boca da urna, nas eleições de 7 e 28 de outubro próximo.

Ao fazê-lo, o relator abastece a cartucheira conservadora com mais uma daquelas balas de prata de que se vale frequentemente a direita brasileira quando parte para o tudo ou nada, sem deixar tempo ao adversário ou ao eleitor para reagir.

O conservadorismo sempre teve um aliado canino nesses botes. Agora pelo jeito tem dois.

O parceiro tradicional é a cobertura esperta da mídia 'isenta', que nunca sonegou a essa tocaia o amparo 'factual' que a legitima, e mais que isso, inocenta o capanga e criminaliza o alvo.

O rito sumário na boca da urna é uma das especialidades eleitorais desse jornalismo. À s vezes só há tempo para um jogo de fotos. Nisso também eles são bons .

Quem não se lembra de um clássico do gênero, a edição da Folha de 30 de setembro de 2006, véspera do 1º turno da eleição presidencial daquele ano?

Um jato da Gol havia se chocado com outro avião no ar. Morreriam 155 pessoas. A tragédia, de longe, era o destaque do dia. Mas a Folha, a mesma que agora coloca na boca de Haddad a frase que ele nunca disse ('é degradante me associar a Dirceu..'), montou também uma 'pegadinha' nesse dia sombrio.

Virou um 'case' do jornalismo meliante.

No alto da página, em destaque, uma manchete em seis colunas encimava a foto de uma montanha de dinheiro, supostamente para a compra de um dossiê contra Serra, que havia abandonado a prefeitura para disputar o governo do Estado.

Logo abaixo da pilha de dinheiro, a imagem de Lula, encapuzado com um impermeável de chuva que cobria o seu rosto. Dois homens ladeavam o presidente e candidato à reeleição contra o tucano Geraldo Alckmin. Seguravam o seu ombro.

Coisa de profissional. O conjunto compunha a cena típica do bandido capturado por policiais: Lula reduzido à imagem de um marginal, emoldurado por montanhas de dinheiro suspeito e manchetes criminalizando o PT.

Foi assim a bala de prata daquele sábado, véspera da votação do 1º turno das eleições presidenciais de 2006. Funcionou. Lula, favorito, não conseguiu resolveu a parada e precisou do 2º turno para derrotar Alckmin.

Como será a primeira página da Folha e assemelhados no dia 6 de outubro, véspera do 1º turno do pleito municipal deste ano; ou no dia 28, na segunda rodada, tendo o julgamento de José Dirceu como pauta convergente?

O julgamento em curso no STF cercou-se de singularidades jurídicas suficientes para não merecer o bônus da ingenuidade nesse encavalamento político. A entrevista desta sexta-feira daquele que é reconhecido como o mais importante analista político do país, professor Wanderley Guilherme dos Santos, publicada no insuspeito jornal Valor Econômico, resume essas apreeensões: 'É um julgament de exceção (feito para condenar um partido)', diz ele.

A maior das exceções consiste em abortar dos autos a identidade univitelina que liga as motivações e práticas que resultaram na ação contra o PT, e aquelas pioneiramente testadas e praticadas pelo PSDB , em Minas Gerais.

Outras 'balas de prata' disparadas pela mídia no passado endossam a suspeição em torno dessas 'convergências' eleitorais sempre desfrutáveis pelo conservadorismo nativo.

A mais famosa delas eclodiu no último dia da propaganda eleitoral de 1989.

O então candidato à presidência, Fernando Collor de Mello, apresentou em seu programa de despedida o depoimento de Miriam Cordeiro, mãe de Lurian, filha de Lula. A história é conhecida: Miriam acusou o petista de forçá-la a abortar; não havia mais como obter direito de resposta e a mídia 'isenta' cuidou de martelar a denúncia odiosa.

Uma bala de prata porém não seria suficiente para afastar o risco - elevado então - de Lula vencer a primeira eleição direta para presidente depois da ditadura militar. Era necessário um tiroteio.

Ele veio com o sequestro do empresário Abílio Diniz por ex-militantes políticos chilenos. Abílio foi libertado do cativeiro no dia 17 de dezembro. Presos, os sequestradores foram fotografados e filmados pela Globo & Cia usando camisetas do PT. Isso aconteceu exatamente no dia da votação do segundo turno da disputa presidencial, vencida por Collor.

Na eleição presidencial de 2010, a Folha, novamente ela, tentou até a véspera do pleito obter junto ao Supremo Tribunal Militar a ficha e os processos da 'guerrilheira' Dilma Rousseff, candidata do PT contra o tucano José Serra.

A esperança da coalizão demotucana era nesse tudo ou nada era evidente: obter através de documentos sigilosos a bala de prata capaz de reverter uma derrota anunciada, quem sabe com a revelação de algum 'crime de sangue' que tivesse contado com a participação da candidata petista. Para a Folha, ademais, tratava-se de comprovar aquilo que o jornal falseara em 2009 por conta própria, quando publicou uma ficha inexistente do Deops, que sugeria a participação de Dilma em sequestros e expropriações.

O caso virou uma das maiores barrigadas da história do jornalismo brasileiro; Dilma impôs uma derrota esmagadora ao candidato do peito dos Frias: 56% a 44%.

Neste pleito de 2012, o paiol de balas de prata conta com novos fornecedores. Mas a mídia é a mesma e o governo Dilma concentra nela quantidades industriais de anúncios, ao mesmo tempo em que hesita em apoiar de forma transparente e legítima o novo canal de comunicação representado por sites e blogs alternativos. Além de fortalecer a democracia e a liberdade de imprensa, eles tem se mostrado contrapesos importantes às balas de prata que cortam e cortarão os ares do país, com intensidade crescente, até 2014.
Postado por Saul Leblon às 06:08

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Carta Maior - Laurez Cerqueira - Por que a reeleição de FHC nunca chegou ao STF?

Carta Maior - Laurez Cerqueira - Por que a reeleição de FHC nunca chegou ao STF?

Por que a reeleição de FHC nunca chegou ao STF?

A campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso é considerada por especialistas a mais cara da história do país e nasceu contaminada. Segundo denúncia publicada na época pela Folha de S. Paulo, a aprovação da emenda que possibilitou a reeleição contou com a compra do voto de vários parlamentares na Câmara dos Deputados, por R$ 200 mil cada um.
Quem não sabe como são feitas as salsichas, as leis e as eleições? A novidade é que parte do Ministério Público e parte do Supremo Tribunal Federal resolveram julgar o “caixa dois”, feito para as eleições municipais de 2004, curvando-se à versão sobre o “mensalão” criada por Roberto Jefferson, pela oposição e por parte da imprensa que sempre tratou o PT como um intruso na política brasileira. Um precedente perigoso que coloca o STF acima dos demais poderes da República. O alvo é o PT. Destruir o PT.

Afinal, a elite não acreditava que os de baixo fossem capazes de se organizar num partido politico de massa para fazer a luta social e eleitoral no país das desigualdades. Naquela eleição, em 2004, apesar de tudo, a esquerda cresceu eleitoralmente e em seguida reelegeu Lula.

Agora, como num delírio narcísico diante do espelho (câmeras de tv, internet) ministros do STF, enrolados nas suas capas pretas, parecem fazer o jogo de setores da imprensa, que querem fazer valer a todo custo a versão do “Mensalão” e patrocinam um triste espetáculo. A hipocrisia, o cinismo, aparecem reluzentes nas faces de alguns inquisidores como se o financiamento de campanhas eleitorais por meio de “caixa dois” fosse uma invenção do PT. As câmeras têm revelado com riqueza de detalhes aspectos sombrios do caráter de personagens centrais do julgamento no STF.


As investigações foram cirúrgicas e não foram além da superfície do sereno mar que encobre o financiamento das campanhas eleitorais de todos os partidos políticos.
 Não há nenhum questionamento sobre os demais partidos, como se os de oposição (PSDB, DEM, PPS) tivessem financiado as eleições de 2004 na mais perfeita ordem.

Especialistas da Universidade de São Paulo (USP) calcularam que nas eleições municipais de 2004 cerca de 400 mil políticos empregaram algo em torno de 12 milhões a 16 milhões de trabalhadores, para disputar 55 mil vagas de vereador e 5.600 cargos de prefeito no país.

A infra-estrutura das campanhas eleitorais municipais de 2004 - propaganda dos candidatos veiculada pelos mais variados meios de comunicação - comícios, shows, alugueis, equipamentos de comitês eleitorais, assessores, enfim, custou cerca de 5 bilhões de reais. O total gasto atingiu a cifra de 41 reais por eleitor. 
Especialistas estimam que, por baixo, mais da metade do dinheiro envolvido em campanhas não aparece nas prestações de contas.

Cerca de 70% a 80% das despesas dos candidatos não foram registradas como manda a lei. O que daria em média geral 1 real para o caixa oficial e 3 reais para o caixa dois. Quem adota o caixa dois costuma dizer que as contribuições sem registro são feitas a pedido dos contribuintes que não querem se expor como se o problema fosse a Lei Eleitoral.


O professor David Samuels, da Universidade de Minnesota, pesquisador do processo eleitoral no Brasil, analisou o perfil de doadores oficiais a partir dos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e chegou a conclusão que as candidaturas a presidência da República são financiadas com maior volume de recursos do setor financeiro e da indústria pesada, como a de aço e a petroquímica. Isso porque a Presidência da República é quem responde pela macroeconomia (juros, tarifas, câmbio e política de exportação). Além disso, lida com marco regulatório e concessão de subsídios. Os setores financiadores das campanhas à presidência da República costumam ser os mesmos das candidaturas ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados porque os assuntos tratados no Senado e na Câmara são também do âmbito da União; já as candidaturas a governador recebem mais recursos de empreiteiras, isso porque as grandes obras estão mais concentradas nos Estados; os candidatos a prefeito e vereador recebem mais recursos das empresas de transporte e de coleta de lixo.


A campanha à reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é considerada por especialistas a mais cara da história do país e nasceu contaminada. Segundo denúncia publicada na época pelo jornal Folha de São Paulo, assinada pelo repórter Fernando Rodrigues, a aprovação da emenda que possibilitou a reeleição contou com a compra do voto de vários parlamentares na Câmara dos Deputados, por R$ 200 mil cada um.

Naquele momento, Sérgio Motta, ministro das Comunicações havia declarado que o projeto dos tucanos era permanecer no poder por no mínimo 20 anos. Disse isso depois das privatizações dentre outras áreas, a de telecomunicações.


No início da campanha presidencial de 1998, o comitê eleitoral responsável pelas articulações da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso elaborou um orçamento minucioso de gastos e concluiu que, para cobrir todas as despesas do pleito, seria necessário R$ 73 milhões. Esse orçamento prévio foi comunicado ao Tribunal Superior Eleitoral.

Passadas as eleições o comitê fez as contas e encaminhou a declaração oficial de doações ao TSE, informando que o total arrecadado e gasto na campanha foi de R$ 43,022 milhões. 
A revista Época, de 30 de novembro de 1998, informou que a equipe que cuidou das finanças, coordenada pelo ex-ministro Bresser Pereira, dias depois do envio da lista ao Tribunal, refez as contas e concluiu que os gastos foram R$ 45,931 milhões, uma quantia muito superior ao total declarado ao TSE.

Esse desencontro de valores, entre o que se arrecadou, o que se gastou e o que se declarou ao TSE jamais foi explicado pelos coordenadores. Paira sobre esse assunto uma nuvem de mistério. Curioso é que na campanha de 1998 o candidato Fernando Henrique Cardoso viajou menos, fez menos comícios do que em 1994, mas gastou R$ 10 milhões a mais. 
Bresser Pereira conta que, diante do volume das dívidas deixadas pelo comitê, ele foi obrigado a reunir a equipe financeira e colocá-la de novo em campo para arrecadar mais dinheiro dos empresários para cobrir o rombo. 


A revista Época informou ainda que as solicitações foram deliberadamente concentradas nos grupos empresariais que compraram as estatais. Na segunda quinzena de outubro daquele ano (período proibido pela lei) foram arrecadados R$ 8,2 milhões. Essa decisão foi absolutamente ilegal e contrariou a legislação eleitoral, mas mesmo assim a arrecadação de recurso foi feita. 


Dentre as empresas que doaram recursos após o pleito, constam a Vale do Rio Doce, Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) e Telebras. As subsidiárias da Vale do Rio Doce doaram R$ 1,5 milhão. Os donos da Copesul, R$ 1 milhão e os grupos La Fonte/Jereissati/Andrade Gutierrez e Inepar, que haviam comprado as empresas do sistema Telebras, doaram R$ 2,5 milhões. No final da ofensiva dos coletores, os dirigentes do comitê disseram que ficou faltando R$ 2,9 milhões para liquidar as contas.


Na mesma matéria, a Época destacou o setor financeiro como o que mais contribuiu para a campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Em 1994, os banqueiros deram R$ 7,1 milhões. De cada R$ 10,00 que entraram no caixa da campanha, R$ 4,30 originaram do setor financeiro. Em 1998, a aposta do setor no candidato à reeleição atingiu 43% (R$ 18,6 milhões) mais que o dobro da campanha anterior. Apenas cinco conglomerados financeiros contribuíram com quase R$ 10 milhões. Somados, responderam por 66,1% das doações feitas pelo setor financeiro e 28,6% do total de contribuições declaradas na campanha presidencial, informou a revista.


As controvérsias sobre o financiamento da milionária campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso não pararam por aí. Para complicar ainda mais a vida do tucanato a Folha de São Paulo, de 12 de novembro de 2000, publicou uma vasta matéria com informações comprometedoras, obtidas de planilhas eletrônicas datadas de 30 de setembro de 1998, vazadas do comitê eleitoral do candidato tucano. Essas planilhas revelam a existência de uma contabilidade paralela de arrecadações e gastos da campanha. 
O jornal informou que pelo menos R$ 10,120 milhões deixaram de ser declarados ao TSE e que, de cada R$ 5,00 arrecadados R$ 1,00 era desviado para uma contabilidade particular desconhecida.

Além dos R$ 10,120 milhões não declarados oficialmente ao Tribunal, feitos os cálculos, tomando por base a planilha completa, ficou de fora R$ 4,726 milhões, doados por empresas que constam da lista do TSE, com valores menores do que os da planilha, que aparecem sob a rubrica de uma associação de classe de empreiteiros.
O dinheiro arrecadado pelo comitê financeiro, descrito em 34 registros na planilha principal obtida pelo jornal, totalizara R$ 53,120 milhões. Vale lembrar que na data constante da planilha, a qual os repórteres tiveram acesso, o comitê ainda não havia registrado todas as contribuições o que leva a crer que o volume de recursos não declarados devia ser muito maior, levando em consideração que o orçamento estimado inicialmente pelo comitê para os gastos, e comunicado ao TSE, era de R$ 73 milhões.

Nota-se que havia margem suficiente para declarar os recursos constantes na contabilidade paralela em questão e a equipe financeira não o fez. As razões não foram esclarecidas à imprensa, que insistentemente tentou sem sucesso obter explicações dos responsáveis pelas contas. Toda essa história acabou envolta num manto de mistério.


A imprensa, na época da divulgação das planilhas pelo jornal, andou escarafunchando a lista de contribuintes da campanha da reeleição e trouxe à baila informações preciosas. Os colaboradores ao ver seus nomes e os nomes de suas empresas publicados nos jornais não conseguiram esconder o constrangimento. Muitos deles acabaram dando informações contraditórias. A lista mais parecia um condomínio de interesses escusos. 
A maior doação constante na planilha publicada foi de R$ 3 milhões e não está registrada no TSE.

O jornal atribuiu à época essa contribuição ao então ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Andrea Matarazzo. Ele negou dizendo que não participou do grupo de arrecadadores e que apenas realizou alguns jantares com empresários. Mas, membros da equipe financeira como Bresser Pereira e o publicitário Luiz Fernando Furquim afirmam que Andrea Matarazzo fazia parte sim do grupo de coletores. Um detalhe: na planilha não consta registro da procedência do dinheiro.


O publicitário Roberto Duailibi, dono da agência DPZ, em entrevista à Folha de São Paulo, disse no primeiro momento que havia contribuído com R$ 7.500 mil. Quando ficou sabendo que a sua doação não estava registrada no TSE ligou para o jornal e disse que a empresa dele não havia contribuído com a campanha. Porém, consta na planilha que a DPZ contribuiu com R$ 200 mil. Outro publicitário, Geraldo Alonso, da agência Publicis Norton disse ao jornal que contribuiu para a campanha com serviços de publicidade. O valor do trabalho prestado pela agência dele registrado na planilha foi de R$ 50 mil. Em seguida ele negou que havia prestado serviços.


A empresa Atlântica Empreendimentos Imobiliários, da banqueira Kátia Almeida Braga, (Grupo Icatu), uma das coletoras de recursos, disse que contribuiu com R$ 100 mil e que tinha recibo emitido pelo PSDB. Esse valor aparece na planilha e não foi registrado na contabilidade oficial. Numa investida no Rio de Janeiro, Kátia Almeida Braga procurou dezoito empresários. Uma das empresa da lista era a Sacre, de Salvatore Cacchiola, aquele banqueiro do caso Marka e FonteCindan, que fugiu para a Itália depois do escânddalo financeiro. Kátia Braga conseguiu que a empresa dele doasse R$ 50 mil para a campanha.

Outra empresa que chamou atenção na lista de contribuintes da campanha de Fernando Henrique Cardoso foi a Vasp, de Wagner Canhedo, um dos acusados de integrar o esquema PC no governo Collor e que responde até hoje vários processos na justiça. A empresa de Canhedo era devedora na época de mais de R$ 3 bilhões ao governo. Canhedo doou R$ 150 mil e não consta na declaração do TSE. No caso da Vasp a lei proíbe doações, mas a direção da empresa confirmou a doação à Folha de São Paulo.


Além desses casos existem muitas outras irregularidades reveladas pela imprensa, como por exemplo, doações feitas por universidades e escolas privadas. A legislação proíbe instituições de ensino de participar de financeiramento de campanhas eleitorais, mas o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Edson Franco, confirmou a jornalistas que diversas instituições foram procuradas pelo ex-ministro Bresser Pereira e que várias delas fizeram doações. Ele citou a Unip, de João Carlos Di Gênio e a Faculdade Anhembi-Morumbi. Todos esses casos nunca foram investigados, o Minitério Público e o STF não se interessam por esse assunto.


A diferença do caixa dois da reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do caixa dois das eleições municipais de 2004 é que o PT dançou, foi investigado e está sendo julgado, enquanto os tucanos e o PFL flanam na desgraça do PT. 
O deputado José Dirceu, em seu depoimento no Conselho de Ética, lembrou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse certa vez que não admitiu a instalação de CPIs durante seu governo porque sabia que uma CPI o derrubaria.


Portanto, o financiamento de campanhas eleitorais por meio de caixa-dois é uma prática conhecida e só veio a público porque parte da cúpula do PT resolveu participar da festa e se deu mal. Agora o partido está sendo ridicularizado como se fosse um penetra.

Financiamento público já!





(*) Jornalista e escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes – vida e obra, Florestan Fernandes – um mestre radical e O Outro Lado do Real, em parceria com o deputado Henrique Fontana.

A ética do advogado criminalista | Revista Fórum

A ética do advogado criminalista | Revista Fórum
A ética do advogado criminalista
As recentes críticas ao advogado Márcio Thomaz Bastos por ter assumido a defesa de Carlinhos Cachoeira demonstram a persistente dificuldade da população em entender a ética do advogado criminalista. Advogados de defesa não escolhem clientes, pois todo acusado tem direito à defesa técnica.
Por Túlio Vianna 
De todas as profissões já inventadas, a advocacia criminal talvez seja a mais incompreendida pelo público em geral. E, por conta disso, é possível que seja a mais odiada.
Qualquer pessoa pode entender facilmente a contribuição social dada por um médico, um professor, um ator, um pedreiro ou um lixeiro. Todos eles, cada um a seu modo, contribuem para uma vida social melhor. Difícil, mesmo, é entender como alguém pode ganhar a vida “defendendo bandidos”.
O imaginário popular divide os advogados criminalistas em duas categorias: os “asquerosos defensores de bandidos” e os “honrados defensores de inocentes”. Na primeira categoria estaria a grande maioria dos advogados criminalistas, que teria vendido todos os seus princípios morais ao vil metal. Na segunda categoria estaria uma minoria de advogados honrados que trabalham por um ideal maior de justiça, só defendem inocentes e chegam a advogar sem cobrar honorários. Uma espécie de ONG de uma pessoa só, que paga suas contas com a gratidão do inocente e a admiração do público em geral.
A vida real, porém, é bem diversa desta visão romanceada da advocacia criminal. A ética do advogado criminalista o impede de fazer justamente o que a maioria das pessoas gostaria que ele fizesse: julgamentos morais dos seus clientes. Eis aqui o grande equívoco: advogado não julga; quem julga é o juiz. Advogado defende.
O escritório de advocacia não é um tribunal prévio que avalia se o cliente merece ser defendido ou abandonado à sua própria sorte e ao linchamento social. Quando um médico vai atender um paciente não faz uma triagem prévia para saber se o cidadão merece ou não ser curado. Professores no início do semestre não fazem qualquer seleção para saber se os alunos matriculados em suas disciplinas merecem ou não estudar com eles. Atores, pedreiros e lixeiros também prestam seus serviços indistintamente sem se preocuparem em fazer qualquer triagem moral para saber se os usuários são ou não merecedores de seu trabalho. O advogado, porém, no imaginário popular teria um suposto dever ético de escolher seus clientes aceitando os “bons” e rejeitando os “maus”.
A sociedade não recrimina o médico que cura o criminoso, o professor que leciona para o criminoso, o ator que entretém o criminoso, o pedreiro que constrói para o criminoso e o lixeiro que recolhe o lixo do criminoso. A sociedade não recrimina sequer o padre que ouve a confissão do criminoso e o perdoa por seus pecados. Mas o advogado, ao prestar seus serviços de defesa técnica ao criminoso, passa a ser visto quase como seu cúmplice.
É aqui que a crítica se confessa uma homenagem. No imaginário popular, o bom advogado é concebido como alguém capaz de absolver um culpado, mesmo contrariando todas as provas apresentadas pela acusação. Capaz de superar com sua habilidade o promotor e o juiz que são pagos com as mais altas remunerações da república, para respectivamente acusar e dar a palavra final sobre o caso. Em suma: o advogado de defesa é visto como uma espécie de anti-herói capaz de evitar que a “justiça” seja feita.
O imaginário popular superestima a participação do advogado no julgamento. Na prática, os poderes do advogado são limitados e sua participação no processo restringe-se a tentar evitar os excessos da acusação e o arbítrio judicial contra seu cliente. A lei nem sempre é respeitada pelos servidores públicos que têm o poder de investigar, acusar e julgar: comunicações telefônicas são interceptadas sem autorização, domicílios são violados ilegalmente, confissões são extraídas mediante tortura e toda sorte de abusos são praticados em nome de um suposto bem maior que é fazer “justiça” a todo custo. Tudo com a tolerância para não dizer o apoio tácito da maior parte da sociedade, que está disposta a passar por cima das leis que ela própria criou para punir o inimigo da vez.
O advogado tem a dura tarefa de lutar contra o delegado, o promotor, o juiz, a mídia e a própria sociedade para que se respeite a lei, mesmo que para isso tenha que se absolver um culpado. Destarte, o advogado criminalista não trabalha por um julgamento “justo”, se se entender por “justiça” a condenação do culpado a todo custo, mesmo que para isso se tenha que passar por cima das leis. No entanto, o conceito de “justiça”, em um Estado Democrático de Direito, pressupõe o respeito às regras do jogo, mesmo quando contrárias aos interesses da maioria. O advogado é pago pelo seu cliente e não pelo Estado; sendo assim, seu compromisso é com o acusado e não com a sociedade. Seu limite ético não está na culpa ou na inocência do acusado, mas no estrito cumprimento da lei.
É justamente este distanciamento moral que o advogado tem da fúria punitiva da maioria que faz dele o mais rigoroso fiscal da lei e dos direitos fundamentais da pessoa humana. O advogado é o profissional que existe para lembrar a toda sociedade, durante todo o processo, que os fins não justificam os meios; que não se pode fazer justiça passando por cima das leis. E é nesse sentido que a Constituição da República em seu artigo 133 estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça”.
A ética do advogado criminalista é muito singela: a lei deve ser respeitada não só no julgamento de inocentes, mas também no de culpados. Todo ser humano tem direito de ser julgado de acordo com as regras do jogo. Inocentes ou culpados; homens ou mulheres; brancos ou negros; ricos ou pobres.
Infelizmente, no caso dos pobres, o Estado brasileiro quase nunca cumpre seu papel de fornecer assistência jurídica gratuita e de qualidade aos condenados, por meio de Defensorias Públicas bem estruturadas. Mas isso não é culpa dos advogados; pelo contrário, muitos gostariam de prestar concurso para a Defensoria Pública se estas remunerassem seus defensores com valores semelhantes ao que o Estado paga ao órgão de acusação. Criticar advogados por cobrar altos honorários de seus clientes ou por não defender gratuitamente os pobres é transferir a responsabilidade do Estado de garantir defesa gratuita para o cidadão que não pode pagar por ela para o profissional que, como qualquer outro, trabalha para pagar suas contas ao final do mês.
Vivemos em um mundo capitalista no qual – gostemos ou não – médicos vendem diagnósticos, professores vendem conhecimento, atores vendem entretenimento, pedreiros vendem moradias, lixeiros vendem limpeza e advogados vendem defesas criminais. E os advogados mais procurados têm seu trabalho mais valorizado e cobram mais por ele. Não há nada de antiético em se cobrar caro por um trabalho bem feito. Antiético é o Estado não fornecer assistência jurídica de qualidade para quem não pode pagar.
E é no pagamento dos honorários que – mais uma vez – o imaginário popular deseja que o advogado faça um novo julgamento de seu cliente para descobrir a origem do dinheiro utilizado para pagar seus honorários. Nunca se cogitou que um médico devesse exigir de seu paciente que comprovasse a origem lícita do dinheiro usado para pagar suas consultas. Nunca se cogitou de uma escola exigir a declaração de imposto de renda do responsável pelo pagamento das mensalidades para se saber se a origem do dinheiro é lícita. Nunca se cogitou de que qualquer profissional fosse obrigado a julgar se a origem do dinheiro de seu cliente é lícita ou ilícita para só então aceitar o pagamento. Mas há quem defenda que o advogado tenha o dever ético de julgar a origem do dinheiro do seu cliente. Ora, se o dinheiro é lícito ou ilícito quem tem que investigar é a Receita Federal e o Ministério Público. O advogado é um profissional liberal e não é pago pelo Estado para investigar nada nem ninguém.
Não bastasse quererem que o advogado julgue se o cliente merece ou não defesa, e se seu dinheiro é lícito ou não, há quem defenda ainda que o advogado tenha que fazer um julgamento ideológico do cliente para decidir se ele merece defesa. Neste sentido, um advogado militante de esquerda estaria impedido moralmente de defender acusados ligados a partidos de direita, advogadas feministas estariam proibidas de defender estupradores e acusados de violência doméstica, advogados negros não poderiam defender racistas, advogados gays não poderiam defender homofóbicos; em suma, o advogado deveria submeter seu cliente a uma triagem ideológica antes de aceitar sua causa, sob pena de ser considerado um “mercenário traidor do movimento”.
Obviamente nunca se cogitou que um médico de esquerda pudesse recusar atendimento a um filiado a partido de direita; ou que uma professora feminista pudesse proibir algum aluno que bateu em sua companheira de frequentar suas aulas; ou qualquer outro profissional recusar-se a prestar um serviço por conta de sua ideologia oposta a do cliente. Somente do advogado é exigido um julgamento ideológico prévio antes da prestação do serviço.
O advogado deve ser julgado politicamente pelas ideias que expressa na vida pública e pelas causas nas quais eventualmente tenha advogado de graça; nunca por seus clientes. Em sua vida profissional, assim como um médico ou qualquer outro profissional liberal, atenderá indistintamente clientes de esquerda ou de direita, machistas ou feministas, racistas ou não, homofóbicos ou gays e o simples fato de defendê-los em juízo não o fará defensor de qualquer uma destas bandeiras, pois se trata de uma atividade profissional e não de amizade ou companheirismo.
Advogados criminalistas não escolhem clientes, pois a lei vale para todos. Mesmo um nazista culpado de ter estuprado e matado uma criança tem o direito de ser tratado conforme determina a lei. Quanto mais grave o crime, maior é o clamor público por uma condenação rápida e rigorosa. E quanto maior o clamor público e a pressa em se julgar, maior a necessidade de se cumprir rigorosamente a lei para se evitar julgamentos precipitados e condenações injustas.
No imaginário popular a advocacia criminal não é vista com uma profissão, mas como uma espécie de sacerdócio, no qual o objetivo do advogado não é ganhar o pão de cada dia, mas fazer justiça para o mundo. É preciso que a sociedade entenda que advocacia não é um hobby no qual só se defende pessoas inocentes e com a mesma ideologia política do advogado, pelo prazer que esta defesa irá proporcionar ao defensor. Também não é militância política, nem religião. Advocacia é uma profissão e, como tal, se o cliente está disposto a pagar o valor do serviço, não há razão para recusá-lo. O advogado, assim como qualquer outro profissional, troca trabalho por dinheiro e não há nada de reprovável nisso. Talvez um dia a humanidade supere o capitalismo e os trabalhadores possam conciliar trabalho e prazer em uma única atividade, mas no mundo atual, isso nem sempre é possível para a maioria dos profissionais, incluindo aí os advogados.
O advogado é o profissional que ganha a vida defendendo que a lei seja cumprida indistintamente, tanto para culpados quanto para inocentes. Se isso ainda hoje causa repulsa social, é porque nosso conceito de democracia ainda é demasiadamente frágil para reconhecer que a lei deva valer para todos, seja ela favorável ou não às nossas expectativas. E é para sempre lembrar a sociedade disso que existem os advogados.

Onde está o dinheiro?

Onde está o dinheiro?

Onde está o dinheiro?

Neste momento, o quadro do julgamento do mensalão parece claro. Joaquim Barbosa sustenta  aquilo que o ministério público define como “organização criminosa” dedicada a  ”comprar” votos para o governo. Não há apoio político. Não há verba de campanha. Há “propina”, diz Joaquim Barbosa.
O voto de Joaquim merece elogios e reconhecimento. É um voto competente, bem articulado e coerente. Não faltam exemplos nem casos. Discordo de seu esforço para criminalizar a atividade política. Fala em “interesse dos corruptores” para definir a ação
da bancada do governo no Congresso. Toda partilha de verbas é definida como “vantagem indevida.” Este é o preço que ele paga pelo esforço em despolitizar uma discussão que é politica em todos os sentidos.
Mas é preciso admitir que Joaquim Barbosa está inteiramente convencido daquilo que diz. Não faz teatro nem joga. Não quer agradar a mídia – embora, em grande maioria, ela esteja adorando o que ele diz e sustenta. Isso lhe garante um tratamento positivo. Ao contrário do que ocorria em passado recente, quando Joaquim entrou em choque com Gilmar Mendes.
A julgar pelo aconteceu até agora, parece claro que, salvo casos menores, os réus mais importantes – como  José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno – têm grandes chances de serem condenados a penas severas.
Está tudo resolvido? Não acho.
Até agora não encontrei uma única notícia do dinheiro que, desviado  no Visanet, e também junto a empresários, nem todos chamados a sentar-se no banco dos réus, foi recolhido pela “organização criminosa”. Não acho uma notícia irrelevante.
É frustrante. Como dizia o editor do Washington Post, o jornal do Watergate, ao estimular seus repórteres:  ”Follow the money”
Os petistas dizem que foram recursos para campanha, em especial para as eleições municipais de 2004. As 317 testemunhas ouvidas no inquérito dizem a mesma coisa. A leitura do relatório da Polícia Federal – que descreve com maestria  o milionário desvio no Visanet – não contém uma palavra sobre isso. Diz textualmente que  foi possível encontrar a origem mas não se chegou ao destino do dinheiro.
Joaquim diz e repete, ora com ironia, ora com indignação, mas sempre com fatos e argumentos, que não acredita que os recursos se destinavam a campanha eleitoral. Rosa Maria Weber, em seu primeiro voto, declarou que achava essa informação irrelevante.
Eu acho que o debate é mais importante do que parece. Ele permite   demonstrar quem avançou o sinal, quem não fez o combinado pelas regras informais de nosso sistema político.
Isso não diz respeito apenas ao julgamento de hoje, mas ao funcionamento da democracia no país. Nossas eleições são limpas há muito tempo porque são disputadas numa ambiente de liberdade, no qual cada eleitor pode fazer sua escolha sem pressões indevidas.
Os pleitos expressam a vontade popular e não vejo nenhum motivo para suspeitar de seus resultados. Não há votos comprados nem fraudados em escala significativa.
Mas depois de PC Farias, o saudoso tesoureiro de Fernando Collor, nós sabemos que é preciso ser muito hipócrita para fingir que o financiamento de campanha, de qualquer partido, antes e depois do mensalão, é uma operação limpa. Ali se mistura o caixa 2 de empresas, o dinheiro da corrupção, e também o dinheiro que, mesmo de origem quente, precisa ser esfriado no meio do caminho.
Se houvesse vontade política para corrigir as imensas imperfeições e desvios, isso já teria sido feito. Mas sempre que surge essa oportunidade, ela é barrada por falta de interesse político. É mais interessante tirar proveito de uma denuncia em vez de procurar a origem dos erros. O mais recente projeto de reforma eleitoral, elaborado pelo deputado José Fortunatti, do PT gaúcho, foi sabotado alegremente pela oposição no ano passado. Previa, como nós sabemos, o financiamento público exclusivo de campanha, que proíbe a ação dos corruptores na distribuição de verbas para os partidos. Não há lei capaz de impedir a prática de crimes. Mas uma boa legislação pode desestimular as más práticas. Pode criar regras realistas e não um mundo aberto para falcatruas e irregularidades. A mesma oposição que agora pede guilhotina para os petistas é a primeira a manter as regras que alimentam o ambiente de abuso e desvio.
Este é o jogo do moralismo. Joaquim Barbosa pode não fazer jogo.
Mas ele existe e está aí, à frente de todos.
Após sete anos de investigação, não se encontrou um rastro do dinheiro. Você pode achar que os recursos foram lavados e se perderam nos esquemas de doleiros e enviados para o exterior. Também pode achar que foram lavados e entregues aos partidos aliados do PT, como disseram os advogados da defesa nas já longínquas manifestações dos primeiros dias.
O certo é que a Justiça quebrou o sigilo bancário e fiscal dos acusados e nada encontrou. O rastreamento não levou a nada. Não há sinal de enriquecimento indevido no patrimônio de nenhum dos réus.
Não tenho procuração para atestar a honestidade de ninguém. (Só a minha).
Mas não é estranho que não apareça um centavo gasto de forma ilícita?
Como é que o tesoureiro Delúbio Soares continua morando no mesmo flat modesto no centro de São Paulo?
Por que José Genoíno, combatente brasileiro que sempre irá merecer homenagens pela coragem de assumir as próprias ideias, muitas inconvenientes a seus interesses, continua residindo na mesma casa no Butantã, em São Paulo?
Apontado como chefe da “organização criminosa”, falta explicar o que Dirceu obteve  com seus superpoderes de ministro-chefe da Casa Civil.
Também falta outra coisa. O Visanet é um caso comprovado de troca de favores com dinheiro público. Mas outros casos são fiascos. Marcos Valério cansou de prometer o que não podia entregar. Não foi só o Banco Mercantil. Um assessor dele me garante que Valério prometia até entrar na negociação da licitação da transposição do São Francisco. As obras – que seguem a passo de tartaruga — acabaram com os militares. É certo que oferecer vantagem indevida já é crime. Mas vamos combinar que não é a mesma coisa.
Com seu voto articulado, com exemplos e histórias, Joaquim Barbosa está levando o julgamento. As descrições e diálogos ajudam a dar dramaticidade a seu voto.
Mas é uma questão de convicção e convencimento. Pela jurisprudência que parece dominar a maioria do STF, estes elementos parecem suficientes.
Concordo que ninguém chama fotógrafos para receber uma mala de dinheiro. Mas o bom senso recomenda admitir que a recíproca não pode ser verdadeira. A falta de provas não pode ser desculpa para condenação apressada e portanto errada.
Essa distinção separa a justiça do moralismo, recurso típico daquelas forças que tem dificuldade de conviver com a democracia e procuram atalhos para escapar da soberania popular.
Apontado como mensaleiro porque recebeu um cheque de 100 000 reais de Marcos Valério para sua campanha, o deputado Roberto Brant, do DEM mineiro, foi absolvido pelo Congresso por uma votação folgada. Não foi indiciado no mensalão, embora até pudesse, não é mesmo?
Bom político, lúcido e corajoso, Brant explicou, certa vez, ao jornalista Sérgio Lirio que o moralismo interessa “aos gru­pos que con­tro­lam o Es­ta­do bra­si­lei­ro, in­de­pen­den­te­men­te de quem es­te­ja no go­ver­no. São her­dei­ros dos pri­vi­lé­gios se­cu­la­res que o Es­ta­do dis­tri­bui. A so­cie­da­de bra­si­lei­ra é in­jus­ta des­sa for­ma por­que o Es­ta­do é um agen­te da in­jus­ti­ça. Es­ses gru­pos não que­rem re­for­ma de coi­sa ne­nhu­ma. O mo­ra­lis­mo só in­te­res­sa aos gru­pos que que­rem mo­bi­li­zar o Es­ta­do bra­si­lei­ro, ou pelo me­nos o sis­te­ma po­lí­ti­co bra­si­lei­ro, para não dei­xar que ele ope­re com li­ber­da­de. Isso já acon­te­ceu ou­tras ve­zes. Quan­do o Jus­ce­li­no (Ku­bits­chek) co­me­çou a mu­dar o Bra­sil, aqui­lo as­sus­tou tre­men­da­men­te as eli­tes ur­ba­nas. O re­sul­ta­do foi a cria­ção de uma sé­rie de es­cân­da­los que a his­tó­ria pro­vou ser com­ple­ta­men­te in­fun­da­da, in­con­sis­ten­te e fal­sa. To­dos os per­so­na­gens mor­re­ram po­bres. De­pois veio o quê? Jâ­nio Qua­dros, apoia­do pela opi­nião pú­bli­ca. Opi­nião cons­truí­da pelo (jor­na­lis­ta Car­los) La­cer­da, pela UDN nos gran­des cen­tros ur­ba­nos. Em São Pau­lo, in­clu­si­ve. Foi lá que ele ven­ceu. E deu no quê? De­sor­ga­ni­za­ção, po­pu­lis­mo e aven­tu­ra. De­pois do Jâ­nio, veio o gol­pe mi­li­tar. Como ta­char de cor­rup­to um par­ti­do in­tei­ro, o sis­te­ma de for­ças in­tei­ro? Isso é fal­so. Há po­lí­ti­cos que des­viam de con­du­ta no PT, no PFL, no PSDB. A agen­da do mo­ra­lis­mo não leva a nada. Ou leva a coi­sas pio­res.”