domingo, 31 de março de 2013

Moralismo capenga - Revista de História

Moralismo capenga - Revista de História

Moralismo capenga

O combate à corrupção foi palavra de ordem durante a ditadura. Nos porões do regime, porém, a ilegalidade prevaleceu.

Heloisa Maria Murgel Starling
23/3/2009

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  • Combater a corrupção e derrotar o comunismo: esses eram os principais objetivos que fermentavam os discursos nos quartéis, às vésperas do golpe que derrubou o governo João Goulart, em março de 1964. A noção de corrupção dos militares sempre esteve identificada com uma desonestidade específica: o mau trato do dinheiro público. Reduzia-se a furto. Na perspectiva da caserna, corrupção era resultado dos vícios produzidos por uma vida política de baixa qualidade moral e vinha associada, às vésperas do golpe, ao comportamento viciado dos políticos diretamente vinculados ao regime nacional-desenvolvimentista.

    Animado por essa lógica, tão logo iniciou seu governo, o marechal Castello Branco (1964-1967) prometeu dar ampla divulgação às provas de corrupção do regime anterior por meio de um livro branco da corrupção – promessa nunca cumprida, certamente porque seria preciso admitir o envolvimento de militares nos episódios relatados. Desde o início o regime militar fracassou no combate à corrupção, o que se deve em grande parte a uma visão estritamente moral da corrupção.

    Essa redução do político ao que ele não é – a moral individual, a alternativa salvacionista – definiu o desastre da estratégia de combate à corrupção do regime militar brasileiro, ao mesmo tempo em que determinou o comportamento público de boa parte de seus principais líderes, preocupados em valorizar ao extremo algo chamado de decência pessoal.

    Os resultados da moralidade privada dos generais foram insignificantes para a vida pública do país. O regime militar conviveu tanto com os corruptos, e com sua disposição de fazer parte do governo, quanto com a face mais exibida da corrupção, que compôs a lista dos grandes escândalos de ladroagem da ditadura. Entre muitos outros estão a operação Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares), que ganhou concorrência suspeita para a exploração de madeira no Pará, e os desvios de verba na construção da ponte Rio–Niterói e da Rodovia Transamazônica. Castello Branco descobriu depressa que esconjurar a corrupção era fácil; prender corrupto era outra conversa: “o problema mais grave do Brasil não é a subversão. É a corrupção, muito mais difícil de caracterizar, punir e erradicar”.

    A declaração de Castello foi feita meses depois de iniciados os trabalhos da Comissão Geral de Investigações. Projetada logo após o golpe, a CGI conduzia os Inquéritos Policiais-Militares que deveriam identificar o envolvimento dos acusados em atividades de subversão da ordem ou de corrupção. Com jurisdição em todo o território nacional, seus processos obedeciam a rito sumário e seus membros eram recrutados entre os oficiais radicais da Marinha e da Aeronáutica que buscavam utilizar a CGI para construir uma base de poder própria e paralela à Presidência da República.

    O Ato Institucional n.º 5, editado em 13 de dezembro de 1968, deu início ao período mais violento e repressivo do regime ditatorial brasileiro – e, de quebra, ampliou o alcance dos mecanismos instituídos pelos militares para defender a moralidade pública. Uma nova CGI foi gerada no âmbito do Ministério da Justiça com a tarefa de realizar investigações e abrir inquéritos para fazer cumprir o estabelecido pelo Artigo 8º. do AI-5, em que o presidente da República passava a poder confiscar bens de “todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública”.

    Para agir contra a corrupção e dar conta da moralidade pública, os militares trabalharam tanto com a natureza ditatorial do regime como com a vantagem fornecida pela legislação punitiva. Deu em nada. Desde 1968 até 1978, quando foi extinta pelo general Geisel, a CGI mancou das duas pernas. Seus integrantes alimentaram a arrogante certeza de que podiam impedir qualquer forma de rapinagem do dinheiro público, através da mera intimidação, convocando os cidadãos tidos como larápios potenciais para esclarecimentos.

    A CGI atribuiu-se ainda a megalomaníaca tarefa de transformar o combate à corrupção numa rede nacional, atuando ao mesmo tempo como um tribunal administrativo especial e como uma agência de investigação e informação. Acabou submergindo na própria mediocridade, enredada em uma área de atuação muito ampla que incluía investigar, por exemplo, o atraso dos salários das professoras municipais de São José do Mipibu, no Rio Grande do Norte; a compra de adubo superfaturado pela Secretaria de Agricultura de Minas Gerais e as acusações de irregularidades na Federação Baiana de Futebol. Entre 1968 e 1973 os integrantes da comissão produziram cerca de 1.153 processos. Desse conjunto, mil foram arquivados; 58 transformados em propostas de confisco de bens por enriquecimento ilícito, e 41 foram alvo de decreto presidencial.

    Mas o fracasso do combate à corrupção não deve ser creditado exclusivamente aos desacertos da Comissão Geral de Investigações ou à recusa de membros da nova ordem política em pagar o preço da moralidade pública. A corrupção não poupou a ditadura militar brasileira porque estava representada na própria natureza desse regime. Estava inscrita em sua estrutura de poder e no princípio de funcionamento de seu governo. Numa ditadura onde a lei degradou em arbítrio e o corpo político foi esvaziado de seu significado público, não cabia regra capaz de impedir a desmedida: havia privilégios, apropriação privada do que seria o bem público, impunidade e excessos.

    A corrupção se inscreve na natureza do regime militar também na sua associação com a tortura – o máximo de corrupção de nossa natureza humana. A prática da tortura política não foi fruto das ações incidentais de personalidades desequilibradas, e nessa constatação reside o escândalo e a dor. A existência da tortura não surgiu na história desse regime nem como algo que escapou ao controle, nem como efeito não controlado de uma guerra que se desenrolou apenas nos porões da ditadura, em momentos restritos.

    Ao se materializar sob a forma de política de Estado durante a ditadura, em especial entre 1969 e 1977, a tortura se tornou inseparável da corrupção. Uma se sustentava na outra. O regime militar elevou o torturador à condição de intocável: promoções convencionais, gratificações salariais e até recompensa pública foram garantidas aos integrantes do aparelho de repressão política. Caso exemplar: a concessão da Medalha do Pacificador ao delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979).

    A corrupção garantiu a passagem da tortura quando esta precisou transbordar para outras áreas da atividade pública, de modo a obter cumplicidade e legitimar seus resultados. Para a tortura funcionar é preciso que na máquina judiciária existam aqueles que reconheçam como legais e verossímeis processos absurdos, confissões renegadas, laudos periciais mentirosos. Também é necessário encontrar gente disposta a fraudar autópsias, autos de corpo de delito e a receber presos marcados pela violência física. É preciso, ainda, descobrir empresários dispostos a fornecer dotações extra-orçamentárias para que a máquina de repressão política funcione com maior precisão e eficácia.

    A corrupção quebra o princípio da confiança, o elo que permite ao cidadão se associar para interferir na vida de seu país, e ainda degrada o sentido do público. Por conta disso, nas ditaduras, a corrupção tem funcionalidade: serve para garantir a dissipação da vida pública. Nas democracias – e diante da República – seu efeito é outro: serve para dissolver os princípios políticos que sustentam as condições para o exercício da virtude do cidadão. O regime militar brasileiro fracassou no combate à corrupção por uma razão simples – só há um remédio contra a corrupção: mais democracia.

    Heloisa Maria Murgel Starling é professora de História da Universidade Federal de Minas Gerais e co-autora de Corrupção: ensaios e críticas (Editora da UFMG, 2008).

    Saiba Mais - Bibliografia:

    FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2001.

    GASPARI, Elio. Coleção As Ilusões Armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

    RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Juremir Machado da Silva - Blogs - Correio do Povo | O portal de notícias dos gaúchos

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Jango, o subversivo, e a traição militar

Postado por Juremir em 31 de março de 2013 - Uncategorized
Nesta segunda-feira, a partir das 13h30, tem seminário na Câmara de Vereadores sobre o golpe de 1964. Almino Afonso e Waldir Pires, colaboradores de primeiro escalão de Jango, participarão. Depois de passar três anos estudando a vida de João Goulart e de ter lido mais de dez mil páginas de documentos sobre a sua ascensão, queda e morte no exílio, cheguei a uma conclusão devastadora: Jango era um subversivo. Sim, os militares que o derrubaram, a serviço de civis conservadores e dos interesses dos Estados Unidos, traindoa a pátria, tinham razão: Jango era um perigoso subversivo.
A primeira subversão aconteceu quando ainda ele era ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e convenceu o presidente a dar um aumento de 100% no salário mínimo. Pressionado por um manifesto de coronéis dotados de idealismo cívico e materialismo patronal, Getúlio demitiu Jango. Mas deu o aumento.
Nada mais subversivo do que um aumento desses em favor da ralé. Instalado no poder, Jango desandou a praticar ou a propor atos subversivos.
Um deles, dos mais perigosos e lesivos aos cofres dos patrões gananancios, continua a melhorar os nossos fins de ano: em julho de 1962, o fazendeiro subversivo – guindado ao Planalto graças à loucura bem rasteira de Jânio Quadros – fez aprovar o décimo-terceiro salário.
Num país em que parlamentares ganhavam até poucos dias 15 salários por ano e continuam a inventar subterfúgios para mamar, Jango criou um décimo-terceiro salário para todo mundo. Não é coisa de comunista? Não se deve ter ódio de um homem que defende cem por cento de aumento no salário mínimo e concebe um décimo-terceiro salário para os trabalhadores? Ô horror!
A veia subversiva de Jango acentuou-se com o passar do tempo.
Numa nação de altíssima concentração de terras e de uma massa de miseráveis parasitada por uma elite estúpida, voraz e impiedosa, decidiu fazer uma reforma agrária. Aí foi demais! As forças “sensatas”, “produtivas” e “ordeiras” da nação trataram de armar-se contra tamanho despautério. De quebra, Jango resolveu que era também necessária uma reforma urbana, fazendo com que imóveis fechados pudessem ser habitados.
Não satisfeito, queria também defender a população da alta dos preços. Num dos seus arroubos subversivos, achou interessante estender a legislação trabalhista ao mundo rural que continuava a viver na Idade Média.
A tendência subversiva de Jango era tamanha que ele, feito um louco vermelho, influenciado por doidos subversivos como Darci Ribeiro, pretendeu que os pobres também deveriam chegar às universidades. Uma loucura.
Por fim, atolado na subversão, começou a achar natural que subalternos de certos setores das forças armadas pudessem casar-se. O subversivo Jango chegou ao ponto de semear a indisciplina nos meios militares considerando normal que detentores de postos inferiores pudessem “contrair” matrimônio.
Melhor nem falar na questão de votar e ser votado.
Agora entendo melhor os golpistas de 1964 que atuaram patrioticamente em favor dos Estados Unidos da América. Era preciso agir, derrubar o homem, afastá-lo do Brasil, impedi-lo de voltar, fazer tudo o que os EUA pedissem. Com ele no poder, o Brasil corria um risco terrível de ficar melhor.
Olhando para trás, penso que se pode perdoar Jango por quase tudo, menos pelo décimo-terceiro salário. Que ideia altamente subversiva! Obrigar os pobres patrões a darem mais uma lasquinha dos seus modestos ganhos aos trabalhadores. Essa, com certeza, foi uma das ações mais subversivas de Jango. Só ela já justificaria o golpe. Depois, viriam a reforma a agrária, a lei da remessa de lucros para o estrangeiro e outras reformas de base.
Nunca a traição à pátria foi tão justificada.

“Façamos exatamente o contrário do que a Globo e outros inimigos desejam” « Viomundo – O que você não vê na mídia

“Façamos exatamente o contrário do que a Globo e outros inimigos desejam” « Viomundo – O que você não vê na mídia

Façamos exatamente o contrário do que a Globo e outros inimigos desejam”

publicado em 31 de março de 2013 às 10:16
por Conceição Lemes
Desde sexta-feira à noite, quando o Azenha postou Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa, nós conversamos bastante.
Temos várias coisas em comum. A paixão pela reportagem. A indignação com o crescente “jornalixo” brasileiro, que estupra a verdade factual, atenta contra a democracia, criminaliza os movimentos sociais, viola os direitos humanos e a cidadania.  A preocupação com a justiça social, dar voz a quem não tem. A defesa do SUS e da saúde pública.
Porém, democraticamente divergimos em relação ao futuro do Viomundo.  Sou contra o fim do site. Se a Globo está jogando seus “tomahawk” contra nós e outros jornalistas/blogueiros de esquerda, é porque incomodamos, estamos no caminho certo.  Mais um motivo para não jogarmos a toalha.
Lembra-se, Azenha, da petição em favor da pesquisa com células tronco-embrionárias? E do golpe D’Urso?
Em abril de 2007, após o Congresso aprovar e o presidente Lula sancionar, a lei que autorizava esse tipo de pesquisa no Brasil foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O então subprocurador-geral da República, Cláudio Fonteles, alegou que era inconstitucional. Questionado sobre se sua ação não teria motivação religiosa, o franciscano Fonteles acusou Mayana Zatz de viés judaico.
Diante do silêncio profundo que se seguiu, indignei-me. Na condição de cidadã, redigi um  texto, repudiando a desesperada manobra para desviar o foco do debate. O texto acabou virando uma petição que destinei ao STF: Células tronco-embrionárias. Direito à esperança de cura e à liberdade de pesquisa, sim. Ao obscurantismo, não.
Eu ainda não conhecia pessoalmente o Azenha. O Viomundo, no entanto, foi o primeiro veículo a publicar a petição, com este destaque no título:  Eu apoio. Ao final, conseguimos 48.519 assinaturas. A petição foi usada pela defesa no julgamento do STF.
Em 26 de setembro de 2007, estreiei no Viomundo, denunciando um dos idealizadores do movimento tucano-direitista Cansei, Luiz Flávio D’Urso, que era presidente da OAB-SP.
D’Urso, além de alardear que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apoiava o Cansei, divulgou que o seu presidente havia colocado toda a infraestrutura da entidade para ajudar o movimento. Era mentira.
Em fevereiro de 2008, denunciamos a epidemia midiática de febre amarela. Um verdadeiro crime contra a saúde pública cometido pela velha mídia. O pânico desencadeado pela combinação de má-fé e incompetência  de grande parte da imprensa levou milhões de pessoas a se vacinar inutilmente e a correr riscos desnecessários devido aos efeitos colaterais. Duas morreram estupidamente.
Impossível não relembrar, por exemplo:
Morre Manoel, outra vítima do amianto
Governo paulista ficou três anos sem limpar o Tietê 
Esgoto do Palácio dos Bandeirantes é jogado em córrego
Sabesp faz o que condena na população: joga sujeira em córregos
Aids: Serra assume como dele programa criado por Lair Guerra e Adib Jatene
Hospitais públicos de SP gerenciados por OSs: Rombo acumulado é de R$147,18 milhões
Alckmin “vende” até 25% dos leitos do SUS para reduzir rombo de R$ 147 milhões nas OSs
Morador do Pinheirinho espancado por PMs está em coma na UTI
Operação Pinheirinho: Faturando com a desgraça das 1.600 famílias despejadas
Caducou a MP do Nascituro: Vitória dos movimentos sociais
São Paulo fez contratos de quase um bi com a Delta; Paulo Preto assinou o maior deles, no governo Serra
Operação Monte Carlo atinge lobby parlamentar do amianto: Perillo, Demóstenes e Leréia
Eduardo Campos emprega até o sogro em governo pernambucano
Rogério Correia: “Se o Gurgel não abrir inquérito contra o Aécio, estará prevaricando”
Nossa razão de existir:  o interesse público com base na verdade factual em prol de bens maiores, como a defesa da democracia, da cidadania, da saúde pública, dos direitos humanos, dos movimentos sociais e das minorias.
Tudo isso só foi possível devido à independência do site, sem conflitos de interesse, e a cooperação de vocês, nossos milhares de leitores, e dos colaboradores voluntários que fomos conquistando.
Pressões nunca faltaram. Houve ministro mandando recado. Na última semana, uma pessoa que alguns de vocês conhecem teve o desplante de ligar para o Azenha, pedindo a minha cabeça, como o Serra e o Aécio fazem com os jornalistas que lhes fazem perguntas embaraçosas e matérias desfavoráveis.
Azenha deu risada. Como eu daria, se alguém viesse questionar a seriedade, a lisura e a ética profissional do Azenha.
Nós estamos juntos no Viomundo há quase seis anos. Temos plena autonomia de trabalho, pois agimos sempre com muita responsabilidade.  Nossas denúncias não são baseadas em achismos. Elas só vão para o ar depois de muito investigadas.
Tudo isso, confesso, à custa de muito sacrifício pessoal.  É com o dinheiro que ganho como free-lancer e livro na área de saúde que eu posso fazer o Viomundo.
Já disse aqui que entendo as razões do Azenha. É duríssimo ser penalizado por exercer o seu direito constitucional de expressar a sua opinião. Assim como é duríssimo ver tolhido o seu direito ao exercício adequado da profissão de jornalista.
Pior é que tudo muito surreal, kafkaniano, mesmo.
A Globo alardeia a liberdade de expressão e de imprensa. A dela, claro, pois a nossa, ela tenta silenciar por meio de processos. Isso é censura!
Queremos a regulamentação  dos meios de comunicação, como já existe na Inglaterra, EUA, Argentina e Venezuela. A Globo e o restante da mídia corporativa dizem que é censura, quando não é.
Paradoxalmente, ela pode destruir a reputação de quem desejar, pois sabe que conta com impunidade.  Já nós, pela simples menção de um nome, somos alvo de processo.
Já pensaram quanto o Lula  lucraria se um belo dia o ex-presidente  decidir processar a Globo & Cia, com base no que já o difamaram?
No Viomundo, nunca nos recusamos a publicar contestações de quem quer que seja. Tanto que já postamos notas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do senador Aécio Neves. Procedimento que a velha mídia usualmente não tem com as vozes discordantes.
A Globo leva despudoradamente 70% das verbas publicitárias do governo federal, que paga para apanhar.  Mas basta esse mesmo governo anunciar em algum blog progressista para ser chamado às falas pela velha mídia, que posa de vestal, e o veículo ser tachado de chapa branca.
Azenha já disse trocentas vezes.  O Viomundo não aceita nem pleiteia verba de governos federal, estaduais e municipais. Porém, em nome da pluralidade e da democratização da informação, defendemos que o governo federal anuncie também na blogosfera progressista, como faz em outros veículos da própria internet. Queremos equidade de tratamento em respeito à pluralidade democrática.
A questão não é financeira mas política.  Incomodamos não só porque mostramos os malfeitos da mídia corporativa, como também os dos seus apaniguados.
A Globo, ao tentar nos calar, não quer apenas ficar livre de críticas incômodas à sua atuação. Ela quer também proteger os seus aliados políticos.
Lembram-se da bolinha de papel que, em 2010, atingiu a cabeça de José Serra, levando-o a fazer uma tomografia num hospital no Rio de Janeiro? E da hipocrisia de dona Mônica Serra que, em campanha na Baixada Fluminense, disse que a Dilma queria matar criancinhas, quando ela própria já havia feito aborto? Essas armadilhas – todos sabem — só foram desmascaradas graças à blogosfera de esquerda.
Em entrevista que me concedeu esta semana, o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, José Augusto Camargo (Guto),  alertou: “Estamos assistindo ao crescimento da violência contra os jornalistas no Brasil. Vão de ameaças veladas, intimidações, ações na Justiça a agressões e assassinatos. Tudo isso levando ao cerceamento do exercício da profissão”.
Os processos contra Azenha, Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello, Cloaca, Luís Nassif, Paulo Henrique demonstram essa violência.
Ontem à noite, Gerson  Carneiro postou nos comentários uma foto  com Azenha, eu, ele e Dukrai (João Aguiar), no 1º Encontro de Blogueiros Progressistas, realizado em São Paulo, em 2010.  Legendou-a como o famoso postulado de Saint-Exupery: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”
Queridíssimo Gerson, sabia que isso torna tudo mais difícil neste momento?
Concordo com Igor Felippe, outro queridíssimo, quando diz que o Viomundo já saiu das nossas mãos.
Construímos o Viomundo não mirando no próprio umbigo. Mas, pensando, em mostrar, de forma transparente, democrática e digna, o que a mídia corporativa não divulga, em dar voz aos movimentos sociais e aos que pensam fora da caixa.
Talvez até por isso o Viomundo tenha se tornado muitíssimo maior do que nós. Sem dúvida, uma conquista, que nunca teríamos conseguido sem vocês, leitores e colaboradores voluntários.
Azenha, eu já te disse e repito: eu respeito e entendo os seus motivos.
Mas reflita. O fim do Viomundo é exatamente o que outros inimigos nossos mais querem. Já estão a comemorar essa possibilidade. Fechar o Viomundo, portanto, é fazer o jogo deles. Defendo que façamos exatamente o contrário do que eles desejam. Temos que seguir adiante pela confiança que nossos milhares de leitores depositam em nós. Não vamos deixar que nos calem.
Tenho certeza de que o seo Azenha, comuna de quatro costados das antigas, concordaria comigo e com os milhares de leitores e amigos do Viomundo, que, desde sexta-feira, nos emocionam com tanta solidariedade. À luta, amigo queridíssimo, companheiro de batalha por um Jornalismo decente, parceiro de trabalho.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Carta Maior - Blog das Frases

Carta Maior - Blog das Frases
 



27/03/2013

Dilma enfrenta a pátria rentista: mídia uiva


Uma dia de estupefação e revolta no circuito formado pelos professores banqueiros, os consultores e a mídia que os vocaliza.

Na reunião dos Brics, na África do Sul, nesta 4ª feira, a presidenta Dilma afirmou que não elevará a ração dos juros reivindicada pelos batalhões rentistas, a pretexto de combater a inflação.

A reação instantânea das sirenes evidencia a cepa de origem a unir o conjunto à afinada ciranda de interesses que arrasta US$ 600 trilhões em derivativos pelo planeta.

Equivale a dez voltas seguidas no PIB da Terra.

Trinta e cinco vezes o movimento das bolsas mundiais.

Os anéis soturnos desse garrote reúnem – e exercem – um poder de extorsão planetária, capaz de paralisar governos e asfixiar nações.

Gente que prefere blindar automóveis a investir em infraestrutura. O Brasil tem a maior frota de carros blindados do mundo.

E uns R$ 500 bi estocados em fundos de curto prazo; fora o saldo em paraísos fiscais.

Carros blindados, dinheiro parado, paraísos fiscais e urgências de investimento formam a determinação mais geral da luta política em nosso tempo.

Em Chipre, como lembra o correspondente de Carta Maior em Londres, Marcelo Justo, o capital a juros compunha uma bocarra equivalente a 67 bilhões de euros, uns US$ 90 bilhões de dólares.

Três vezes o PIB. De um país com população menor que a de Campinas.

A fome pantagruélica desse organismo requeria rações diárias indisponíveis no ambiente retraído da crise mundial.

A gula que quebrou Chipre é a mesma que já havia quebrado a Espanha, Portugal, Irlanda, Islândia e alquebrado o mercado financeiro dos EUA.

A falência cipriota assusta o mundo do dinheiro não por suas dimensões.

Mas porque ressoa o uivo cavernoso de uma bancarrota, só anestesiada a um custo insustentável na UTI mundial das finanças desreguladas.

No Brasil o mesmo uivo assume o idioma eleitoral ao gosto do dinheiro graúdo: ‘dá para fazer mais’.

O governo Dilma acha que sim.

Mas com a expansão do investimento produtivo. Não com arrocho e choque de juros.

O país ampliado por 12 anos de políticas progressistas na esfera da renda e do combate à pobreza, não cabe mais na infraestrutura concebida para 30% de sua gente.

A desproporção terá que ser ajustada em algum momento.

Como o foi, com viés progressista e investimento pesado, durante o ciclo Vargas.

Sobretudo no segundo Getúlio, nos anos 50.

Mas também o foi em 64.

Em versão regressiva feita de arrocho e repressão contra as reformas de base de Jango, no golpe que completa 49 anos neste 31 de março.

O que se assiste hoje guarda uma diferença política importante em relação ao passado.

Nos episódios anteriores, o conflito de classe entre as concepções antagônicas de desenvolvimento seria camuflado pela vulnerabilidade externa da economia.

Um Brasil estrangulado pelo desencontro entre a anemia das exportações e o financiamento das importações colidia precocemente com o seu teto de crescimento.

O gargalo do investimento se realimentava no funil das contas externas. E vice versa.

Era um prato cheio para o monetarismo posar de arauto dos interesses da Nação. E golpeá-la, com as ferramentas recessivas destinadas a congelar o baile.

'Quem está fora não entra; quem está dentro não sai'.
Durante séculos, essa foi a regra do clube capitalista brasileiro.

Hoje, embora a pauta exportadora se ressinta de temerária concentração em commodities, não vem daí o principal obstáculo ao investimento.

O país dispõe de reservas recordes (US$ 370 bi). Tem crédito farto no mercado internacional. O relógio econômico intertemporal é favorável ao financiamento de um ciclo pesado de investimentos em infraestrutura.

Quem, afinal, veria risco em financiar a sétima economia do planeta, que, em menos de uma década, estará refinando a pleno vapor as maiores descobertas de petróleo do século 21?

O desencontro entre o Brasil que somos e aquele que podemos ser deslocou-se do gargalo externo, dos anos 50/60/80 para o conflito aberto entre os interesses da maioria da sociedade e os dos detentores do capital a juro.

Assim como em Chipre, na Espanha, nos EUA ou em Paris, o rentismo aqui prefere repousar num colchão de juros reais generosos, blindado por esférico monetarismo ortodoxo.

Migrar para a esfera do investimento produtivo, sobretudo de longo prazo, como requer o país agora, não integra o seu repertório de escolhas espontâneas.

Cabe ao Estado induzi-lo.

Dilma começou a fazê-lo cortando as taxas de juros.

A pátria rentista reclama:no primeiro trimestre deste ano, praticamente todas as aplicações financeiras perderam para a inflação. Ficou difícil multiplicar lucros e bônus sem botar a mão na massa da economia produtiva.

É essa prerrogativa estéril que os professores banqueiros do PSDB cobram pela boca e pelo teclado do jornalismo econômico, escandalizado com a assertiva defesa do desenvolvimento feita pela presidenta Dilma.

Presidenciáveis risonhos que se oferecem untados em molhos palatáveis às papilas monetaristas e plutocráticas vão aderir ao jogral.

“Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença está datado; é uma política superada", fuzilou Dilma.

Previsível, o dispositivo midiático tentou desqualificar o revés como se fora uma demonstração de ‘negligência com a inflação’.

Um governo que trouxe 50 milhões de pessoas para o mercado de consumo minimizaria a vigilância sobre a inflação?

Sacaria contra o futuro do seu maior patrimônio político?

A sofreguidão conservadora esmurra a própria coerência de sua análise sobre a força eleitoral do governo.

O governo Dilma optou por abortar as pressões inflacionárias imediatas com desonerações. E enfrentar o desequilíbrio estrutural com um robusto ciclo de investimentos.

Entende que o desafio da produtividade, indispensável à progressão dos ganhos reais de salários, deve ser vencido com infraestrutura e inovação. Não com arrocho, como se fez nos anos tucanos.

São lógicas dissociadas da receita rentista.

Aqui e alhures, a obsessão mórbida pela liquidez descolou-se da esfera patrimonial para a dos rendimentos financeiros. Não importa a que custo social ou político.

Sua característica fundamental é a preferência parasitária pelo acúmulo de direitos sobre a riqueza, sem o ônus do investimento físico na economia.

A maximização de ganhos se faz à base da velocidade e da mobilidade dos capitais, sendo incompatível com o empenho fixo em projetos de longa maturação em ferrovias, hidrelétricas ou portos.

Durante a década de 90, as mesmas vozes que hoje disparam contra o que classificam como ‘intervencionismo da Dilma’, colocaram o Estado brasileiro a serviço dessa engrenagem.

A ração dos juros oferecida no altar da rendição nacional chegou a 45%, em 1999.

Um jornalismo rudimentar no conteúdo, ressalvadas as exceções de praxe, mas prestativo na abordagem, impermeabilizou essa receita de Estado mínimo com uma camada de verniz naval de legitimidade incontrastável.

A supremacia dos acionistas e dos dividendos sobre o investimento –e a sociedade-- tornou-se a regra de ouro do noticiário econômico.

Ainda é.

A crise mundial instaurou a hora da verdade nessa endogamia entre o circuito do dinheiro e o da notícia.

Trata-se de uma crise dos próprios fundamentos daquilo que o conservadorismo entende como sendo ‘os interesses dos mercados’. Que a mídia equipara aos de toda a sociedade.

Dilma, de forma elegante, classificou essa ilação como uma fraude datada e vencida. De um mundo que trincou e aderna, desde setembro de 2008.

A pátria rentista uiva, range e ruge diante de tamanha indiscrição.

Blog da Helena — Rede Brasil Atual

Blog da Helena — Rede Brasil Atual

Joaquim Barbosa erra ao acusar bancos por ocultação de bens



Por Helena Sthephanowitz, especial para a Rede Brasil Atual

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criticou os bancos, chamando-os de "lenientes" com a lavagem de dinheiro. Longe de mim defender os banqueiros, que em sua maioria, de fato não querem nem saber se o dinheiro é sujo ou limpo, querem é só lucrar. Mas a crítica está completamente fora de foco para quem é a autoridade máxima do poder Judiciário.
De nada adianta reclamar de bancos que seriam coniventes em casos de lavagem de dinheiro, se quem deve reprimir e dissuadir os crimes ficar empurrando a responsabilidade para os outros. Se os bancos são lenientes é porque o próprio Judiciário e o Ministério Público estão sendo lenientes com os bancos. Afinal, no que resultou a descoberta da "lavanderia" do Banestado? Meia dúzia de bagrinhos foram pegos, mas os tubarões escaparam impunes. E a "Privataria Tucana"? E o caso Alstom – de propina a tucanos paulistas –, que anda rápido nos tribunais europeus e a passos de tartaruga nos tribunais brasileiros? E a operação Satiagraha e a Castelo de Areia? Está nas mãos do STF julgar se as provas são válidas. Por que não coloca em julgamento e faz o processo andar?
E o "mensalão tucano" que tem até cheques e recibos bancários como prova nos autos? E a lista de Furnas, que também tem confissão de executivos de multinacional confirmando o esquema? Tudo isso não depende de bancos e sim do próprio Judiciário fazer os processos andarem.
Que culpa tem um gerente de banco se uma empresa, que ele não conhece, com CNPJ e Contrato Social na Junta Comercial, e se nada consta contra ela, abre uma conta de pessoa jurídica? Como um gerente de banco honesto iria adivinhar se aquela empresa é "laranja" de um bicheiro, como Carlinhos Cachoeira por exemplo, ou se exerce atividades legítimas quando movimenta a conta?
Cabe ao banco avisar ao Banco Central se notar movimentações fnanceiras suspeitas, como manda a lei, e todos os bancos fazem isso até de forma automática, informatizada. Já o Procurador Geral da República tinha a faca e o queijo na mão desde 2009, a partir da Operação Vegas da Polícia Federal para desbaratar a quadrilha do bicheiro, mas deixou a denúncia engavetada durante todo os anos de 2010 e 2011.
Quem foi "leniente" neste caso? O banco ou o procurador-geral?
O ministro Joaquim Barbosa falou também em ocultação de valores:
“Enquanto instituições financeiras não visualizarem a possibilidade de serem drasticamente punidas por servirem de meio para a ocultação da origem ilícita de valores que se encontram sob a sua responsabilidade, persistirá o estímulo à busca do lucro, visto como combustível ao controle leniente que os bancos fazem sobre a abertura de contas e sobre a transferência de valores", disse.
Daí chegamos a outro caso. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi pego em flagrante numa blitz de trânsito no escândalo do bafômetro, na madrugada de 17 de abril de 2011. O que seria apenas uma infração de trânsito ao se recusar a soprar o bafômetro (grave, uma vez que dirigir bêbado coloca vidas em risco), abriu uma caixa de pandora com fortíssimos indícios de ocultação de patrimônio e sonegação fiscal.
A partir da placa do veículo de luxo Land Rover multado, descobriu-se que a rádio Arco-Íris do tucano, tem uma inusitada frota de veículos de luxo. Um deles era o usado pelo senador na balada no Rio de Janeiro na madrugada do bafômetro, nada tendo a ver com veículo de trabalho de uma rádio em Belo Horizonte. Qualquer fiscal ou auditor principiante imediatamente identifica no fato o clássico método de sonegação fiscal, de jogar despesas pessoais em despesas da empresa, para diminuir o lucro em vez de pagar imposto de renda.
Além disso, há o claro indício da ocultação de patrimônio pessoal na empresa, a ponto de o tucano declarar não ter carro (ver tela do TSE na figura acima). Isso cria a obrigação do Procurador Geral investigar se não há algum tipo de lavagem de dinheiro por trás, tamanhas são as suspeitas geradas pelos próprio fatos.
Os deputados estaduais de Minas Gerais apresentaram representação pedindo investigação destes fatos ao procurador-geral da República há quase dois anos, e até hoje só tiveram resposta de que estava na gaveta, sem providências. E aguardam uma abertura de inquérito até hoje. Repetindo: há quase dois anos!
Enquanto isso, o IPVA, o seguro, a manutenção, talvez o financiamento, se houver, a depreciação da frota de luxo, tudo isso e sabe-se lá mais o quê continua sendo pago pelas contas bancárias da rádio, em vez de ser pago com a renda pessoal após as devidas alíquotas de impostos, como tem de fazer qualquer trabalhador ou empresário honesto.
Que culpa tem o banco disso? É o banco ou o procurador-geral que está sendo "leniente"?

Folha de S.Paulo - Blogs - Miopia na crise de segurança | Frederico Vasconcelos

Folha de S.Paulo - Blogs - Miopia na crise de segurança | Frederico Vasconcelos
POR Frederico Vasconcelos
Sob o título “De olhos bem fechados”, o artigo a seguir é de autoria do juiz de direito Gustavo Sauaia Romero Fernandes, de São Paulo.

Não sou especialista em segurança. Como juiz, entro em cena quando ela não se mostra suficiente para prevenir. Porém, fazer parte deste cenário já é o bastante para ter uma certeza: o referencial da criminalidade é equivocado e a imprensa, de forma consciente ou não, participa do processo desinformador.
Com efeito, todas as matérias sobre índices de crimes têm como carro-chefe o número de homicídios. Foi o que sustentou, durante dez anos, a versão de que os números foram positivos para o governo estadual de São Paulo. O fato de crimes como latrocínio e roubo seguirem em quantidade igual ou maior foi praticamente ignorado. Justamente os delitos que, por natureza, são cometidos por bandidos de ofício, que fazem do crime sua profissão diária. São estes as maiores ameaças ao cidadão que sai e – nem sempre – volta para casa. E os homicidas? Como qualquer juiz, jurado, promotor ou advogado que atuaram em Júris sabem, em sua imensa maioria são pessoas comuns. Gente que, em situação limítrofe, perde o controle e tira a vida de outrem, por conta de uma briga de bar, desinteligência doméstica, desilusão amorosa etc… É, em regra, gente como a gente.
Não se prevê quando e onde pode ocorrer um homicídio. Neste exato momento, um vizinho do leitor pode estar prestes a entrar neste estado de descompensação acima citado. O que pode ser feito é restringir oportunidades, como limitar o horário de funcionamento de bares e atacar a livre circulação de armas de fogo. Isso aconteceu e continuaria provocando quedas quantitativas, não fosse a entrada de um novo fator: a guerra velada entre crime organizado e policiais. É tão somente este dado que modifica o fluxo de baixa. Por outro lado, quanto a roubos e latrocínios, fechar bares mais cedo e desarmamento pouco adianta. Bandido que é bandido não vai deixar de buscar a arma “fria” onde ela estiver, nem tampouco terá o bar como habitat. Ele vai à rua, vai a restaurantes, vai a edifícios, vai a casas, vai a bancos e, eventualmente, a bares – mas não para beber e discutir. Ao contrário do homicida, pode-se antever onde estará e, com policiamento adequado, intimidá-lo. O fato de não conseguirem revela, pois sim, o fracasso da política de segurança.
A esta altura, quem estiver lendo já entendeu por que o senhor governador, aquele que sempre garante estar tomando providências, procura se concentrar nos dados de homicídios para relativizar a situação calamitosa que vive o paulistano. Não é preciso ser magistrado, membro do Ministério Público ou representante da advocacia para reconhecer o óbvio. Resta saber quando os editoriais atentarão para esta autêntica farsa estatística que aflige São Paulo há anos. Ver a crise de segurança como um fenômeno recente é atestar a própria miopia. Ou pior: optar por ela.

domingo, 24 de março de 2013

A queda de um mito: salário mínimo x informalidade | Carta Capital

A queda de um mito: salário mínimo x informalidade | Carta Capital

João Sicsú

Artigo

20.03.2013 11:01

A queda de um mito: salário mínimo x informalidade

No dia 1º de maio, comemora-se no Brasil o dia do Trabalhador, mas também é o dia da criação do salário mínimo. Em 1940, o presidente Getulio Vargas, em discurso no campo do Vasco da Gama, na cidade do Rio de Janeiro, anunciou a sua criação:
“…assinamos, hoje, um ato de incalculável alcance social e econômico: a lei que fixa o salário mínimo para todo o país. (…). À primeira vista, poderão pensar os menos avisados que a medida é prematura e unilateral, visto beneficiar, apenas, os trabalhadores assalariados. Tal, porém, não ocorre no plano do Governo. A elevação do nível de vida eleva, igualmente, a capacidade aquisitiva das populações e incrementa, por conseguinte, as indústrias, a agricultura e o comércio, que verão crescer o consumo geral e o volume da produção.”
Fontes: IPEA/IPCA/IBGE
Fontes: IPEA/IPCA/IBGE

A visão do Presidente Getulio Vargas não era que o salário mínimo seria um custo para os empresários, mas seria sim um elemento que impulsionaria a economia já que aumentaria o poder de compra da população.
Nos anos neoliberais (1995-2002), o salário mínimo foi considerado um custo para os empresários. Sendo um custo, estimularia a informalidade no mercado de trabalho, ou seja, trabalhadores seriam contratados sem a assinatura da carteira de trabalho. E, além disso, na condição de trabalhadores informais, não receberiam nem sequer o salário mínimo reajustado. Em documento oficial do Ministério da Fazenda do período Fernando Henrique Cardoso (disponível no site do Ministério), datado de 22 de março de 2000, avaliava-se que:
“…o aumento no valor do salário mínimo pode vir acompanhado de um aumento da informalidade e uma redução do grau de cobertura do salário mínimo, sem que se atinja, ao menos plenamente, o objetivo de promover um ganho real nos rendimentos dos trabalhadores com menor remuneração.”
Ainda assim, a recuperação do valor salário mínimo teve início no governo de FHC. Mas foi uma recuperação modesta porque consideravam, acima de tudo, que estariam aumentando custos empresariais. Diferentemente, o presidente Lula fez uma recuperação mais vigorosa do salário mínimo. A presidenta Dilma adotou a mesma regra. A partir de 2007, o salário mínimo passou a ser corrigido todos os anos pela inflação do ano anterior, somada à variação do PIB de dois anos atrás.
Fontes: PME/IBGE
Fontes: PME/IBGE

Contrariando a “teoria econômica” do Ministério da Fazenda de FHC, de 2003 a 2012, enquanto o salário mínimo aumentou, a informalidade caiu. Uma boa medida da taxa de informalidade no mercado de trabalho é a população empregada com carteira como proporção do conjunto de trabalhadores informais e formais (excluindo militares e funcionários públicos, já que a contratação para essas categorias não é influenciada diretamente por variações do salário mínimo).
A taxa de informalidade caiu de 50,3%, em 2003, para 38,6%, em 2012. Esses números se referem às seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE. A informalidade no Brasil é um pouco maior. No mesmo período que a informalidade caiu, o salário mínimo foi valorizado 69% em termos reais. Em 2003, o salário mínimo era 200 reais, hoje, vale 678 reais, em valores correntes.
O salário mínimo é peça estratégica de um projeto de desenvolvimento social porque é um instrumento que promove a distribuição da renda. O valor do salário mínimo é um dos principais pilares da política de distribuição de renda: isto ocorre devido à influência sobre as remunerações do mercado informal de trabalho, porque estabelece um piso para o mercado formal e porque é também piso dos benefícios pagos mensalmente pela Previdência Social.

Pobre discussão | Carta Capital

Pobre discussão | Carta Capital

Inflação

23.03.2013 08:41

Pobre discussão

 Delfim Netto

Quando, há um ano e meio, o Banco Central iniciou o cuidadoso procedimento de redução da taxa de juros, abriu-se um espaço para a multiplicação de análises interessadas em atacar a política. A expectativa era produzir um nível de descrédito capaz de interromper o processo. Basicamente, as análises favoráveis à manutenção dos altos juros pretendiam convencer a sociedade de que sem eles seria impossível controlar a inflação.
As certezas do regime abriram as portas para os descuidos na supervisão financeira. Por Luiz Gonzaga Belluzzo
A inflação tem causas estruturais muito mais complexas do que aquelas passíveis de correção com a elevação dos juros
O governo insistiu, contudo, na política de trazer o juro o mais próximo possível dos níveis internacionais, por entender ter esse um espectro de influência sobre o sistema econômico que transcende seu papel de estabilizar a inflação. Manter um juro real baixo é fundamental para estimular a retomada dos investimentos privados. E um fator decisivo para aumentar a capacidade do investimento público nos empreendimentos vitais para a solução dos gargalos logísticos na infraestrutura.
Está mais do que evidente, hoje, que a estratégia do Banco Central foi correta ao manter a prioridade da política de queda dos juros. Durante um longo período, houve uma espécie de cabo de guerra entre o setor financeiro e o governo, finalmente vencido por este. A discussão ameaça recomeçar, com a iniciativa de analistas do setor financeiro a prever a alta da taxa Selic para 8,5% até o fim de 2013, o mais tardar no primeiro trimestre de 2014.
Projeções dessa ordem têm pouco valor. É muito difícil fazer previsões dessa natureza por um período superior a um trimestre, ou dois, no máximo. Num primeiro trimestre você tem alguma condição de acertar, num segundo a névoa cresce e num terceiro é noite pura. Estamos a ver apostas avançando quatro ou cinco trimestres. É tudo torcida! Elas apenas se inserem nessa pobre discussão que tomou conta do Brasil a respeito da necessidade de aumentar a taxa de juros. Novamente um cabo de guerra entre o setor financeiro e o governo, o primeiro tentando convencer a sociedade de que a taxa real de juros do Brasil está muito baixa; que a inflação está muito alta e que, portanto, só a elevação da Selic produziria o efeito de contê-la.
A inflação brasileira claramente tem causas estruturais muito mais complexas do que aquelas passíveis de ser corrigidas simplesmente com a elevação da taxa de juros. Acontece que muitas pessoas não querem discutir as causas reais, preferem aceitar que existem soluções simples como a defendida pelos sacerdotes do sistema financeiro: se subiu a taxa de inflação, basta elevar a taxa Selic e esperar que esse movimento produza o efeito desejado: o aumento do juro real colocará a inflação nos eixos. O Brasil, à custa de muito sofrimento, já entendeu ser isso absolutamente falso.
Hoje é preciso enxergar a desestruturação de nosso mercado de trabalho. Houve uma verdadeira revolução, quando se atingiu um nível de emprego bastante alto em meio a estímulos a aumentos de salários mínimos, cujo objetivo era melhorar a distribuição de renda (o que foi atingido), mas que se mostraram incompatíveis com o equilíbrio monetário. Agora se trata de balancear esses efeitos: não é possível imaginar que bastaria elevar a taxa de juros para controlar a inflação e fazer o Brasil caminhar para o seu nível de atividade normal.
Há um aparente conformismo com o baixo crescimento da economia brasileira. Para reencontrar o nível de atividade “normal” (crescimento mínimo anual do PIB de 4% a 5%, sustentável, com “viés de alta”) temos de aprofundar as mudanças na direção perseguida pela presidenta Dilma. Seu governo tem enfrentado graves problemas estruturais do País, como o da redução do custo da energia e da taxa de juros real, a batalha dos portos e a enormidade do estrangulamento logístico na infraestrutura de transportes, apanhando aqui, avançando mais adiante, com um saldo inquestionavelmente positivo.
Não é um governo contemplativo, mas um que luta nos campos estrutural e institucional à procura de melhorar a qualidade do mercado de trabalho, formulando um projeto de livre negociação dentro da empresa.
Todos esses são problemas fundamentais. Não significa que a questão dos juros não seja importante, ela produz seus efeitos. É preciso deixar claro, contudo: a vida não se esgota na Selic e o mundo não acaba nem começa na taxa de juros…
Leia os últimos artigos de Delfim Netto:
Inflação e taxa de juros: Mala sem alça
Crescimento econômico: O nosso diferencial

\" Facebook é o condomínio fechado tomando conta da cidade\", diz Ronaldo Lemos, do Creative Commons - NovaE - Nova Consciência e Cibercultura

\" Facebook é o condomínio fechado tomando conta da cidade\", diz Ronaldo Lemos, do Creative Commons - NovaE - Nova Consciência e Cibercultura
" Facebook é o condomínio fechado tomando conta da cidade", diz Ronaldo Lemos, do Creative Commons
2013-02-08 13:46:58

Foto: Fábio Caffé
Esgotou-se a nossa capacidade de processar e lidar com tanta informação, diz Ronaldo Lemos, especialista em cultura digital
Ronaldo Lemos, 36 anos, é fundador e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas, criou o site Overmundo e gerencia o Creative Commons no Brasil Foto: Fabio Caffé 
Fundador e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV, o professor Ronaldo Lemos é hoje um dos maiores pesquisadores da cultura digital no País. Ele trafega pelos temas internet, direitos autorais e propriedade intelectual na mesma medida em que se interessa por música, pelo tecnobrega paraense (objeto de uma de suas pesquisas mais conhecidas) e a proliferação de lan houses e tablets.
 Lemos foi uma das figuras-chave na iniciativa e elaboração do projeto de lei que cria o Marco Civil da Internet no Brasil. Também fundou o site Overmundo, para mostrar como se faz trabalho colaborativo, livre e compartilhado. E, ainda, gerencia o Creative Commons no País, as licenças públicas para produção de conteúdos diversos.
Nesta entrevista, concedida no Rio, durante o Global Congress – uma conferência com a missão de construir uma agenda propositiva global na área de propriedade intelectual –, Lemos aponta que a tarefa dos próximos anos é selecionar e tornar disponíveis os conteúdos que vão “rodar” nas já onipresentes ferramentas tecnológicas.

Em 2001, Manuel Castells (no livro A galáxia da internet – reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade) fez uma análise interessante sobre o uso da web e os efeitos na cultura e na sociedade. Conectividade não resolveria os problemas da humanidade nem seria a derrocada da vida social. Como fazer uma análise adequada e profunda do tema, considerando-se esgarçamento das relações, solidão, doenças psicossomáticas versus novas sociabilidades, relações mais horizontais, compartilhamento, cultura livre?

O Castells é ótimo, enxergou a internet pela perspectiva de rede e das ciências sociais, o que trouxe reflexões para o ativismo e o papel da internet em mudanças no sistema político. Mas tem um pensamento que eu acho particularmente interessante, que é do McLuhan (Marshall McLuhan foi um teórico da comunicação, que introduziu o conceito de aldeia global para caracterizar a sociedade contemporânea interligada). Ele lembra que estamos mergulhados em um universo de mídia. Ou seja, toda vez que há uma mídia nova, isso, inevitavelmente, leva a mudanças de vida. A internet, que é a mídia de todas as mídias em toda sua complexidade, flexibilidade e dinamismo, tem um impacto gigantesco na vida de todos. 
Sem ser ufanista ou catastrofista.

Nenhuma das duas coisas. McLuhan enfatizava o caráter humanista das mídias. Achava que elas extrapolariam as possibilidades humanas, amplificariam os sentidos, nossa capacidade de pensar e nossa memória. Ele via como que uma expansão do humano se materializando naquelas mídias. Eu concordo, mas não sou tão otimista. Ele considerava as mídias um vórtice em que os seres humanos seriam envolvidos e saberiam compreender. Mas hoje a capacidade desse vórtice extrapolou. É tanta informação, dados e coisas acontecendo que nós não temos mais a capacidade de processar e lidar com tudo isso.

Precisamos cada vez mais de ferramentas e é a própria mídia que analisa a mídia. Existem várias estratégias, as curadorias sociais e as curadorias eletrônicas por algoritmo, que é o que o Google faz. O que eu acho importante é que o McLuhan pensava que o homem sempre seria capaz de dar conta do vórtice, mas estamos chegando no momento em que não dá mais.
E as curadorias ainda são feitas pelas grandes corporações, reproduzindo o modelo concentrador do mundo real, não é?
É informação demais e as pessoas não têm tempo para tanto, estão cansadas. Quem fica imerso e conectado precisa de filtros. Hoje, para a maioria das pessoas, os filtros são estes: de um lado o Google (que usa algoritmos matemáticos para descobrir o que é importante e o que não é) e de outro o Facebook, que usa algoritmos, mas também as informações de suas relações sociais. É curioso, porque ele devolve para você o mundo à sua imagem e semelhança, e entrega o que você mais preza, que é você mesmo.
O produto do Face é ser um espelho do usuário, é mergulhar você em uma bolha. Tem gente dizendo que isso aumenta o radicalismo, porque confirma posições e você acaba convivendo apenas com quem pensa da mesma maneira, perde o convívio com o diferente, com o acaso e o contraditório. E isso já é um problema geracional – quem nasceu depois de 1976 tem dificuldade de conviver com contradições e frustrações, as características da geração Y, a geração do ego. Pensando em tudo isso, a promessa original da internet, que é a diversidade, ausência de fronteiras e pluralidade, não se concretizou.
O diagnóstico então é sombrio, porque existe uma concentração nessas ferramentas que determinam o que será a vida social.

Antes um artista importante lançava um disco e as pessoas faziam fila para comprar o disco. Você estava prezando o conteúdo. Hoje as pessoas fazem fila para comprar o iPhone ou o novo aparelho. Não é o artista que importa mais, é o meio que se tornou a estrela, em detrimento do conteúdo. A mídia interessa mais que o conteúdo. Aliás, o conteúdo é X, pode ser qualquer coisa e tem uma validade mínima. Tudo está virando a lógica da moda, você tem alguns momentos de atenção, popularização, começa a decair, até que fica esquecido. Isso se aplica à música, o artista do verão que depois desaparece, e também à informação.

O ciclo das notícias está se acelerando, a notícia do dia enquanto a gente conversa aqui é essa tragédia nos EUA em que várias crianças foram assassinadas em uma escola, e o ciclo desses dias será essa tragédia, mas daqui a três quatro dias o ciclo se renova e essa notícia perdeu a relevância e, muitas vezes, nem a memória dela será preservada. A memória em tempos de internet é para mim um tema muito importante. 
O tema desta edição é “menos é mais”. Quais “menos” necessários enxerga em sua seara (tecnologia e sociedade)? Menos conectividade, por exemplo, é necessário?
Estamos caminhando para um momento em que a desconexão será um luxo. Hoje a conexão ainda é um luxo, pensando que, dos 7 bilhões de habitantes da Terra, apenas 30% têm acesso à internet. Pensando a longo prazo, e para os que já estão conectados, o fato é que vai ser cada vez mais difícil se desconectar. A internet vai se misturar ao mundo físico. Hoje o acesso é mediado pelo celular, mas estamos caminhando para “a internet das coisas”, em que a rede estará em todos os lugares. Você estará cercado por telas sensíveis ao toque, à voz, à sua movimentação, e o mundo inteiro será um grande aparelho de interação.
Nessa perspectiva, a desconexão será rara e as pessoas vão querer se desconectar em algum momento, porque o equilíbrio é necessário. Ficar conectado o dia inteiro e ser bombardeado de informação gera uma sobrecarga cognitiva. Não sou fatalista, acho que o cérebro tem possibilidades imensas para se adaptar, mas desconectar faz bem. Então, abrir mão da sobrecarga e valorizar outro ritmo é positivo para a inteligência e para o bem-estar.
Quais redes sociais manter e de quais podemos “nos livrar”, em nome da sanidade?

Bem, o Facebook é a praça do shopping, não da cidade. Isso porque ele é privado, com regras próprias, ele diz o que pode e o que não pode e isso não é decidido de maneira livre e democrática. E tem uma frase que um amigo costuma dizer de que eu gosto muito: o Facebook é o condomínio fechado tomando conta da cidade. Esse é o nosso dilema, estamos trocando a cidade ampla, descentralizada, livre, caótica (que é a internet), que está perdendo espaço e virando um grande condomínio fechado, com as ruas todas arborizadas padronizadas.
Podemos pensar então que a internet está subaproveitada?
O potencial dela é quase ilimitado. Pense que a internet é uma infraestrutura em que tudo o que você constrói no topo – foto, vídeo, filme, qualquer aplicação – vai rodar e na base pode ser acessada por qualquer aparelho. Então ela tem formato de ampulheta, roda qualquer aplicação, no topo, e, embaixo, qualquer aparelho. Com qualquer coisa que plugar você terá acesso a todo tipo de suporte que ela pode exibir. Esse caráter de abertura de conteúdos e acesso tem que ser preservado. O problema é quando sites como Facebook, Google e mesmo governos tentam restringir essa estrutura de ampulheta.
O senhor disse em artigo na Folha que, cedo ou tarde, a educação será revolucionada pela tecnologia. Que o material didático baseado no texto é um descompasso com o mundo multimídia. Mas a inserção de tecnologia nas escolas resolveria estatísticas como a que aponta o Ibope, de que 38% dos egressos do ensino superior no Brasil são analfabetos funcionais, ou seja, mais de um terço dos que completam a faculdade não são plenamente alfabetizados?
A tecnologia sozinha não resolve esse problema. É preciso enxergá-la como integrante de um sistema mais complexo, professores, qualidade do material didático, programa pedagógico bem pensado. Mas a tecnologia é uma ferramenta extraordinária. Chamo atenção para o paradoxo que vivemos. Os alunos convivem com um ritmo e uma intensidade de informações altíssimos fora da escola e, quando chega lá, essa velocidade e quantidade caem drasticamente. A escola se torna um ambiente frustrante do ponto de vista da informação. Se São Tomás de Aquino se materializasse no mundo de hoje, ele se surpreenderia com hospitais, com as estradas, automóveis, mas não se surpreenderia com uma escola.
Ela está no mesmo modelo da Idade Média, que é um professor na frente e um monte de alunos ouvindo. Para a educação é fundamental mudar a dinâmica de como o conhecimento é gerado. A escola precisa ser participativa, os alunos precisam aprender a colaborar uns com os outros.
Hoje o modelo educacional é unidirecional, em que o aluno ouve e o professor fala. Isso ignora que o aluno também é fonte de informação. E essa troca de experiências e informações e visões de mundo tem que ser provocada no ambiente escolar. A escola tem o papel de soltar a força e todo o conhecimento entre os alunos e fazer com que eles colaborem uns com os outros. E a tecnologia é excelente ferramenta catalisadora da colaboração.
Aqui no Rio tem uma experiência bacana, a da Universidade das Quebradas, baseada na ecologia dos saberes, que é pensar a educação pela experiência de todos, unindo prática e a ciência.
O projeto do Gilberto Dimenstein do Bairro Escola é muito interessante. O bairro em que a escola está inserida é usado como oportunidade educacional. Por exemplo, se tem uma oficina mecânica, o mecânico pode compartilhar o saber dele com as pessoas, e o dono da padaria compartilha a informação financeira com os alunos.
O que a tecnologia permite é trazer tudo isso sem necessidade de ir fisicamente até lá, construir as pontes e manter os canais abertos, sem que os alunos tenham que sair com a professora naquela operação que nem sempre é simples. Você pode criar buscadores, fazer videoconferências, abrir janelas para o mundo ou o bairro desde a sala de aula.
A respeito do Marco Civil da Internet, o que está em jogo, por que a votação está parada no Congresso e quais são os ganhos para os cidadãos?
A FGV participou do processo desde o início, em 2007, quando escrevemos um artigo dizendo que a internet deveria ser regulamentada civilmente. Tivemos várias adesões e começou um movimento nessa direção, culminando no projeto de lei do Marco Civil, que ficou um ano e meio em consulta pública e resultou em um documento muito benfeito e sofisticado.
O Executivo abraçou o projeto e o enviou ao Congresso, mas agora ele está enfrentando dificuldades e lobbies. Mas, do ponto de vista do interesse público, ele é importantíssimo. Garante que a internet permaneça internet, ou seja, com os princípios de abertura, descentralidade, isonomia, amplo acesso. Preserva a privacidade, tem disposições muito específicas assegurando que o que está na Constituição precisa estar garantido também na internet. Defende também a liberdade de expressão e incentiva e protege a inovação.
Hoje, quem está barrando o projeto no Congresso são as grandes empresas de telecomunicações, que pretendem transformar a internet em um serviço multimídia?
Este é um debate global, mas tivemos uma vitória recente. Dubai disse que qualquer linguagem no tratado internacional de telecomunicações contra a neutralidade da rede deve ser excluída. Ou seja, a rede é neutra e livre. Aqui no Brasil nossas chances resvalam no sistema político. O que assistimos hoje é que o Marco Civil está pronto para ser votado e o que sobrou foi a questão política.
Vemos de forma clara os partidos comprometidos com o interesse público e os partidos comprometidos com interesses puramente privados ou corporativos, que não estão nem aí para o interesse público e são contrários ao Marco Civil. Houve uma cisão, o cidadão pode olhar os partidos contrários e verá que a razão é de comprometimento privado, porque receberam alguma doação de campanha das teles ou porque estão comprometidos com outros interesses econômicos.
Direitos autorais e propriedade intelectual: como o país se posiciona hoje? A lei ainda penaliza autores e beneficia os intermediários?
A reforma da lei de direitos autorais já se estende por sete anos. É um tema fundamental, porque a lei se descolou da realidade. Se olharmos as práticas de hoje nas bibliotecas, nas universidades e o que os jovens fazem no computador, vemos que a tecnologia trouxe possibilidades que a lei de direitos autorais não dá conta de atender. É preciso reconciliar a lei e a realidade, permitindo que se pense a informação conjugada com o desenvolvimento, dando ao autor a justa remuneração, ao mesmo tempo que fomentam novos negócios e possibilidades de circulação da informação.
O que significa a ampliação da banda larga no Brasil? O que devemos observar sobre a proposta de regulá-la?
A banda larga hoje no País é muito insuficiente. O Brasil tem que ser mais agressivo e enxergar a banda larga como parte da infraestrutura, como a China fez. O salto tecnológico chinês partiu desta premissa, a de que a tecnologia da informação causa impacto em todas as outras áreas.
Aumenta a eficiência da saúde, da agricultura, de todas as outras áreas. Produz externalidades positivas para tudo. O Brasil precisa ser ambicioso, construir redes, receber tecnologias vindas de todos os lugares e fomentar a demanda que o país tem pela conectividade. Permitir que o brasileiro tenha sua internet, de qualidade, com fibra ótica passando nos municípios, pois a qualidade do acesso é tão importante quanto o acesso em si.
E o cabeamento das cidades vai definindo as regiões prioritárias para desenvolvimento. Sou do interior de Minas e vejo a transformação. Minha cidade (Araguari) foi escolhida para um projeto pioneiro de TV a cabo já em 1987. Isso impactou uma geração inteira e vejo claramente a ligação entre conectividade e oportunidade.
Acabei de ir a uma conferência na Universidade Harvard e eles faziam um mapa no qual viam as pessoas que participavam da conferência, tinha gente do mundo todo. Depois pegaram um mapa que mostrava onde existia conectividade em banda larga e o sobrepuseram ao mapa anterior: coincidia exatamente. Estavam ali em Harvard apenas pessoas que habitavam os lugares onde havia conectividade banda larga. Não é uma coincidência, conectividade significa oportunidade.
O Creative Commons no Brasil está fazendo dez anos. Como está a disseminação?
O Brasil foi pioneiro em Creative Commons, em 2004, foi o terceiro país do mundo, logo depois do Japão e da Finlândia. A partir daí, a adoção das licenças públicas só cresceu. Começou muito na música, pelo entusiasmo do Gil (Gilberto Gil, quando ministro da Cultura, levou o Creative Commons para sua pasta), e teve aquela explosão na musica e no audiovisual. Agora, ele chega cada vez mais à educação. É um terreno que está se ampliando.
Existe um movimento global dos chamados REAs – Recursos Educacionais Abertos. É uma recomendação da Unesco que os materiais didáticos sejam cada vez mais produzidos de forma livre, aberta, de modo a potencializar a educação. Quando o cara tiver um tablet na sala de aula, o conteúdo que ele vai acessar primeiro é o que estiver aberto e disponível. Se este conteúdo estiver em Creative Commons, é o que ele vai utilizar.
Suas pesquisas são voltadas para tecnologia e periferia, a proliferação das lan houses e o fenômeno do tecnobrega. Agora, o uso da internet já está disseminado em outro cenário. Quais os desdobramentos de seus estudos, para onde caminham?
As pesquisas continuam de vento em popa e cada vez mais descobrimos coisas incríveis. Estamos fascinados com a chegada dos tablets no Brasil. Em 2011 eram 200 mil, no fim de 2012 são mais de 5 milhões. E a maioria deles não são Apple ou Samsung Galaxie, são feitos na China a custo baixíssimo. Desenhados para a população de baixa renda, custam de 60 a 80 dólares com características diferentes dos Apple: pegam rádio FM, TV digital, Bluetooth. Para os de alta renda pode não ter importância, mas para as áreas carentes isso é essencial. Então, a gente está muito fascinado com isso que está dando conectividade para muitas periferias do Brasil. O impacto na educação e acesso ao conhecimento é fundamental.
A pergunta que se faz é qual o conteúdo que vai ocupar esses tablets. Como as pessoas vão buscar esses conteúdos, quais os materiais, as músicas, os filmes? A tecnologia está se espalhando, seja por lan house, seja por tablet, ou o que virá depois, o que a gente precisa se preocupar é em dar garantias para que a pessoa tenha acesso ao melhor conteúdo possível. Hoje tem um monte de gente comprando o tablet antes de ter o PC, é isso que estamos enxergando nas pesquisas. Então, os projetos são múltiplos, tentando ver o que vai impactar os próximos dez anos e ajudar a planejar as políticas públicas mais adequadas para aproveitar esses potenciais.

Via Página 22

Carta Maior - Blog das Frases

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20/03/2013

Mídia, ditadura e regulação: quem é quem

Trinta e seis anos após ter sido atribuída a um ataque cardíaco, a morte do ex-presidente João Goulart, ocorrida no exílio, em 6 de dezembro de 1976, volta ao noticiário e, mais uma vez, associada à palavra assassinato.

Antigas, as suspeitas devem ser esclarecidas de uma vez por todas com a realização da autópsia, que o regime militar que o derrubou nunca permitiu.

A ditadura só autorizou o sepultamento do ex-presidente, em São Borja, em um túmulo a 40 metros do de Getúlio Vargas, com féretro blindado.

Mesmo assim, na última hora, o então ministro do Exército, Sylvio Frota, da extrema direita militar, tentou anular a autorização expedida pela cúpula do governo Geisel.

Era tarde. Morto, Jango retornava do exílio.

O caixão lacrado, conduzido em carro a alta velocidade, cruzou a fronteira de Uruguaiana a 120 km por hora, vindo de Mercedes, na Argentina, onde ficava a estância dos Goulart.

Ladeava-o um aparato militar com ordens expressas de não permitir manifestações populares.

Inútil.

Quando chegou a São Borja, a população em peso estava nas ruas e cercou o cortejo; o caixão foi conduzido à catedral e daí cruzou a cidade em marcha solene até o cemitério.

'Jango, Jango, Jango!' Gritos guardados no fundo do peito desafiaram a tensão de um enterro vigiado por tropas, e o aviltamento da figura do ex-presidente, alimentado pela mídia antes, durante e depois de 1964.

Independente da autópsia que venha a ser feita, a verdade é que Jango já havia sido assassinado uma primeira vez 12 anos e oito meses antes dessa cena.

A autópsia de sua morte política não foi devidamente informada à população.

Os que derrubaram seu governo escreveram o laudo da história com a caneta dos vencedores.

Continuam a escrever, graças ao monopólio das comunicações, hoje mais forte do que aquele que detinham há 49 anos, quando deram o golpe.

Confiantes nesse poder de convencimento, invertem os termos da equação. Hoje, são eles, os golpistas de ontem, a denunciar os 'grilhões dos regimes autoritários', embutidos nos projetos de regulação da mídia, que o governo Dilma decidiu engavetar, na ingênua e temerária suposição de uma indulgência eleitoral que não terá.

Quase meio século após o golpe de 64 e dez anos de experiência à frente do Estado deveriam ter sido suficientes para os governantes do PT aprenderem que a 'síndrome de Estocolmo' que rege a sua relação com a mídia, antes de ser uma forma de astúcia política, é uma doença letal para a democracia.

Seu recuo, ademais, sanciona o jogral de vozes empregadas no lustro acadêmico do assalto à memória e ao futuro das liberdades e direitos que se alega defender.

Se em 1964 o golpismo dispunha dos intelectuais americanófilos do IBAD para legitimar a sua arenga, em sua nova roupagem requisita talentos delivery de extração ardilosa.

À promissora vaga de 'intelectual de estimação dos salões conservadores', concorrem currículos, para citar um caso, cujo atestado de excelência inclui o desfrutável título de ex- petista e esquerda arrependida.

A história, ressalve-se, não é feita em preto e branco.

O cardeal Bergoglio que o diga. Diretores de jornais que apoiaram o golpe, em diferentes momentos estenderam a mão a perseguidos pelo regime militar.

Importa, todavia, avaliar o papel das instituições.

A mídia, enquanto instituição, foi - é – parte interessada no assalto ao poder que interrompeu um governo democrático, suspendeu as liberdades e garantias individuais, prendeu, matou, torturou e censurou a própria liberdade de expressão.

Foi dela a iniciativa de convocar o medo e a mentira e alimentar o linchamento de reputações.

O conjunto foi decisivo para levar uma parte da classe média a apoiar a ação golpista.

E mesmo assim, apenas uma parte.

O acervo do Ibope, catalogado pelo Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, reúne pesquisas de opinião pública feitas às vésperas do golpe.

Os dados, cuidadosamente ocultados então, assumem seu real significado cotejados com a atuação do parato midiático, ontem e hoje.

As enquetes levadas às ruas entre os dias 20 e 30 de março de 1964, quando a democracia já era tangida ao matadouro pelos que bradavam em sua defesa, mostram que:

a) 69% dos entrevistados avaliavam o governo Jango como ótimo (15%), bom (30%) e regular (24%). Apenas 15% o consideravam ruim ou péssimo, fazendo eco dos jornais.

b) 49,8% cogitavam votar em Jango, caso ele se candidatasse à reeleição, em 1965 (seu mandato expirava em janeiro de 1966); 41,8% rejeitavam essa opção.

c) 59% apoiavam as medidas anunciadas pelo Presidente na famosa sexta-feira, 13 de março.


Em um comício que reuniu 150 mil pessoas na Central do Brasil (o país tinha 72 milhões de habitantes) Jango assinou, então, decretos que expropriavam as terras nas margens das rodovias para fins de reforma agrária, bem como nacionalizavam refinarias de petróleo.

As pesquisas sigilosas do Ibope formam apenas o arremate estatístico de um jornalismo que ocultou elementos da equação política, convocou, exortou, manipulou, incentivou e apoiou a derrubada violenta do Presidente da República, em 31 de março de 1964.

Não se deduza disso que a democracia brasileira espelhava a placidez de um lago suíço.

Num certo sentido, vivia-se, como agora, o esgotamento de um ciclo e o difícil parto do seguinte.

As reformas de base – a agrária, a urbana, a fiscal, a educacional — visavam destravar potencialidades e recursos de um sistema econômico exaurido.

O impulso industrializante de Vargas, dos anos 30 a meados dos anos 50, e o do consumo , fomentado por Juscelino, mostravam claros sinais de esgotamento.

Trincas marmorizavam todo tecido social e produtivo.

À vulnerabilidade externa decorrente da frágil capacidade exportadora, sobrepunha-se uma seca de crédito junto ao sistema financeiro internacional.

O déficit público era ascendente; idem, a espiral preços /salários; o PIB anêmico e a inflação de 25% no trimestre pré-golpe completavam a encruzilhada de uma sociedade em transe.

O conjunto tinha como arremate a guerra fria, exacerbada na América Latina pela vitória da revolução cubana, que desde 1959 irradiava uma agenda alternativa de desenvolvimento.

O efeito na vida cotidiana era enervante. Como o seria no Chile, nove anos depois; como o é hoje, em certa medida, na Venezuela do ex-presidente Chávez.

O mercado negro de produtos essenciais testava a paciência dos consumidores. Óleo, trigo, açúcar, carne faltavam ciclicamente nos grandes centros urbanos.

Fruto, em parte, de uma escassez provocada pela sabotagem empresarial.

As reformas progressistas de Jango estavam longe de caracterizar o alvorecer comunista alardeado pelos jornais. Tratava-se de superar entraves e privilégios de uma máquina capitalista entrevada em suas próprias contradições.

Jango pretendia associar a isso um salto de cidadania e justiça social, ampliando o acesso à educação e aos direitos no campo.

O que importa reter, como traço de atualidade inescapável, é o comportamento extremado do aparato midiático diante desse projeto.

Convocada a democracia a discutir o passo seguinte da história brasileira, os centuriões da legalidade optaram pelo golpe.

Deram ao escrutínio popular um atestado de incapacidade para formar os grandes consenso, indispensáveis à emergência de um novo ciclo de desenvolvimento.

Jango foi assassinado aí, pela primeira vez.E de forma explícita.

Se o fizeram de novo em dezembro de 1976, cabe averiguar de uma vez por todas.

Mas, sobretudo, parece claro que o tema das relações entre mídia e ditadura não pode mais se restringir aos bastidores das comissões da verdade. Assim como o binômio 'mídia e regulação' não deveria ser tratado pelo governo como matéria de barganha, em busca de indulgência junto a um poder que, em última instância, deseja-lhe a mesma sorte de Jango.

O governo tem obrigação de se perguntar se zela pela democracia arduamente reconquistada quando tergiversa, se acanha e se omite diante dos contrapesos previstos na Constituição para impedir que o monopólio asfixie a verdadeira liberdade de expressão.

Não há revanchismo nessa agenda.

Pauta-a a necessidade de dotar a democracia das salvaguardas de memória, pluralidade e participação social, que a preservem de uma recaída da intolerância, como a de 1964, que subtraiu à sociedade a prerrogativa de decidir o seu próprio destino.

Os que derrubaram Jango festejaram seu feito em editoriais gordurosos de cinismo.

O de "O Globo, veiculado pela família Marinho, dois dias depois do golpe, expõe um ponto de vista que consagra um método.

A julgar pela experiência recente, não se pode dizer que caiu em desuso.

Leia abaixo, o editorial de “O Globo” de 02 de abril de 1964:

Ressurge a Democracia


' Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.

Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.

Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo.

Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.

Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo.

As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, “são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.”

No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, conseqüentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube, vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei.

Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.

Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.

A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional, na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.

Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social. Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.”

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*Obs: texto atualizado em 21/03;às 18hs20m
Postado por Saul Leblon às 16:15