quinta-feira, 31 de março de 2011

Existiam 100 razões para Roger Agnelli não presidir a Vale, DOADA por preço miserável. E outros 100 motivos para não ser expulso agora. Com a liderança, aval e comando do Bradesco? « Tribuna da Imprensa

Existiam 100 razões para Roger Agnelli não presidir a Vale, DOADA por preço miserável. E outros 100 motivos para não ser expulso agora. Com a liderança, aval e comando do Bradesco? « Tribuna da Imprensa: "Existiam 100 razões para Roger Agnelli não presidir a Vale, DOADA por preço miserável. E outros 100 motivos para não ser expulso agora. Com a liderança, aval e comando do Bradesco?

Helio Fernandes

É uma pena que os prédios da Tribuna estejam interditados. Sem energia, telefone, computador, quase 3 anos sem limpeza. Impossível chegar perto até das escadas. Cito o fato, pois gostaria de reproduzir pelo menos uma parte do que escrevi nos tempos da DOAÇÃO.

Os chamados órgãos de comunicação se omitiram, se esconderam, não deram uma palavra de protesto. Já era época da globalização, se refugiaram nos subterrâneos da adesão glorificada e magnificamente remunerada.

A Comissão de DESESTATIZAÇÃO, por onde passaram fortunas dos bens doados, teria merecido antes uma CPI e continua merecendo. Agora, pela DOAÇÃO e pelo domínio da politicagem interna e financeira, comandada e beneficiada pelo Bradesco.

E a Vale não foi sequestrada, emparedada e destruída nos tempos da DOAÇÃO. Pelo menos 30 anos antes já era uma propriedade feudal de Eliezer Batista, que dominava e controlava a empresa, também doando seus principais minérios, pelos mesmos preços aviltantes.

Eliezer DOAVA os bens da Vale, parceladamente, mas mantinha a empresa, era mais lucrativa para ele. FHC DOOU a empresa de uma só vez, o mesmo preço vergonhoso, trilhava caminhos diferentes do “dono” da empresa.

Entregaram a preços vis todo o manganês do Amapá, dominado depois (coincidência ou reincidência no crime financeiro?) por José Sarney. De 1956 a 1961 (quando passei para a Tribuna de papel) no bravo Diário de Notícias escrevi dezenas, dezenas mesmo, de artigos revelando os roubos perpetrados, que palavra, pelo poderoso Eliezer Batista. Os navios que levavam o raríssimo minério, quase que exclusivamente existente no Brasil, eram descarregados no porto de Nova Iorque, bem lá no fundo, escondidos, para que poucos soubessem.

Mas eu tinha tantos informantes privilegiados, que publicava a identificação dos navios, os números da faturas, por quanto era miseravelmente faturada essa riqueza do Brasil. Antes e depois do golpe de 1964, ninguém interferia com Eliezer.

Eliezer não deixou a presidência da Vale, por um dia que fosse. Mas viajava muito e até morava no exterior. Na então União Soviética e depois, dois anos na Alemanha. Foi casado com uma alemão, confiram o nome dos filhos. E não era só isso.

Fundou uma empresa “concorrente”, a Icomi, que atuava no mesmo campo da Vale. Faturava horrores, vendendo minérios que não possuía. Denunciei tudo, com dados extraordinários, nada acontecia, Eliezer era intocável, inqualificável, indomável. Seus lucros aumentavam, inflacionavam sua geografia bancária, ao mesmo tempo assustavam e impediam que alguma providência fosse tomada, pelo menos para puni-lo.

Quando FHC e seus grupos da DESESTATIZAÇÃO decidiram entregar tudo, Eliezer já estava desinteressado, velho e rico demais. E cuidara a herança, que foi transferida de forma perdulária e criminosa como fora tramada.

Desaparecido e desinteressado Eliezer, surgiram os tempos da pós-doação, de Agnelli e do Bradesco. Os malabaristas do banco de SP indicaram um funcionário para presidir, controlar e dividir a Vale com eles. Acontece que o “planejamento” criminoso continua sendo um crime, mas os lucros não coincidem com o que foi planejado. O funcionário Agnelli virou patrão, como confiar nas pessoas?

Desconfiado co a atuação de Agnelli, o Bradesco fez acordo com a maior acionista,a Previ, propriedade dos funcionários do Banco do Brasil, displicentemente conduzida. Apesar dos resultados terem melhorado, lá no Bradesco continuava a desconfiança em relação à conduta de Agnelli.

Mesmo com a Previ subjugada, o Bradesco, numa eventual votação, não conseguiria maioria. Decidiram então obter “maioria majoritária”, sem investir coisa alguma, nem precisaram pensar (?) muito para chegarem à conclusão: “A solução é o BNDES”. Maravilha, acertaram como se estivessem atirando com um fuzil de mira telescópica, da mesma qualidade da que assassinou Martim Luther King a 1 quilômetro de distância. (“Tenho um sonho”).

Fizeram os cálculos, para controlar a empresa, precisavam comprar ações da Vale no total de 200 milhões. Mas como era a 4 por cento AO ANO, pediram e conseguiram 242 milhões. Que maravilha viver.

São no Brasil, os maiores possuidores de bônus da chamada DÍVIDA INTERNA, pela qual recebem, no momento 11,75% ao ano (e já se sabe que neste abril que está chegando, a remuneração pelo que chamam de Taxa Selic, vai passar dos 12 por cento).

***

PS – Só que esses compradores estão sentindo um “frio na espinha”. O governo tem que pagar (na verdade é AMORTIZAR) no mínimo, no mínimo, 180 BILHÕES por ano.

PS2 – O que significa que precisam ECONOMIZAR no que dizem que é DÉFICIT PRIMÁRIO (o único país que tem essa anomalia) 15 BILHÕES mensais.

PS3 – O Secretário do Tesouro comunicou à própria Dona Dilma: “Em janeiro, acumularam 2 bilhões e 200 milhões. Em fevereiro, 2 bilhões e 600 milhões”. Quer dizer: 4 bilhões e 800 milhões, quando já deveriam ter “ECONOMIZADO” 30 BILHÕES.

PS4 – A conclusão é simples: Dona Dilma vai indo bem na superfície, mas pessimamente no planalto. E o cidadão continua pagando ao Bradesco 9 por cento ao mês e 241 por cento ao ano. A Polícia, onde está a Polícia?

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Patarroyo presenta avance mundial en vacunas sintéticas

Patarroyo presenta avance mundial en vacunas sintéticas: "Patarroyo presenta avance mundial en vacunas sintéticas
Patarroyo presenta avance mundial en vacunas sintéticas

Autores de la investigación, Manuel Alfonso Patarroyo, Manuel Elkin Patarroyo y Adriana Bermúdez.
Foto: Claudia Rubio / EL TIEMPO
Publicó una investigación que sienta bases para nuevas vacunas contra más de 500 males infecciosos.

Después de 33 años de trabajo dedicados a buscar la forma de fabricar vacunas en el laboratorio para todas las enfermedades infecciosas, el científico Manuel Elkin Patarroyo, junto a un equipo de investigadores de la Fundación Instituto de Inmunología de Colombia (Fidic), acaba de dar a conocer los principios y las bases estructurales que lo permiten.

Este avance, que abriría las puertas para la prevención y el manejo, a través de vacunas, de más de 500 males infecciosos (que afectan a dos terceras partes de la humanidad y matan cada año a cerca de 17 millones de personas), fue divulgado hoy por la revista de química más importante del mundo: 'Chemical Reviews'.

Este, que sería el desarrollo científico más importante logrado por investigadores colombianos hasta ahora, se presentó a través de un modelo práctico, con la fabricación de una nueva vacuna contra la malaria que, de acuerdo con pruebas de laboratorio hechas con monos Aotus, tiene una efectividad del 90 por ciento.

¿En qué consiste el avance?

Como se sabe, hasta ahora las vacunas clásicas o biológicas se elaboran con el microbio causante de la enfermedad infecciosa, entero, mutado o muerto, o con un fragmento de él; al introducirse en el cuerpo, estas sustancias estimulan al sistema inmunológico para que produzca defensas contra él; de este modo, cuando vuelva a entrar al cuerpo, el organismo estará en capacidad de rechazarlo.

Con microbios y parásitos como el 'plasmodium falciparum' (causante de la malaria) existe el inconveniente de que al entrar al organismo, logra burlar al sistema inmunológico para no ser detectado, lo cual impide que genere defensas contra él.

Patarroyo y su equipo no solo descubrieron la forma como el 'plasmodium' engaña al cuerpo, sino que identificaron en él las partículas que dañan al organismo e inventaron la forma de fabricarlas, una a una, en el laboratorio, pero con las modificaciones necesarias para que el cuerpo no se deje engañar, las reconozca y reaccione, produciendo defensas suficientes y permanentes que actuarán en caso de que la infección llegue.

De eso se trata la vacuna sintética contra la malaria, la primera en el mundo de estas características -que no requiere ni del parásito ni de fragmentos de él para su elaboración-, con este nivel de eficacia.

¿Cómo lo hicieron?

Para lograrlo, los investigadores colombianos fabricaron y analizaron 38 mil fragmentos originales del 'plasmodium falciparum', que permitieron, después de 20 años de ensayos, descubrir las reglas y plantear principios 'para ir más allá de la naturaleza de las proteínas'.

El artículo de 'Chemical Reviews' muestra la composición química de noventa de estos fragmentos originales o modificados, elaborados en el laboratorio a través de la metodología 'más sofisticada desarrollada hasta hoy para reconocer la localización de los átomos en una molécula', explicó Patarroyo, que presentó su trabajo junto con la investigadora Adriana Bermúdez, candidata a doctorado en química, y el médico y doctor en ciencias Manuel Alfonso Patarroyo.

De acuerdo con Patarroyo, la forma de fabricación de las vacunas sintéticas es estándar, lo cual permite que todos los lotes sean iguales y puedan producirse en grandes cantidades (a precios muy bajos); tampoco requieren de cadenas de frío para mantenerse, no contienen contaminantes que generen reacciones secundarias y no se descomponen.

'Con este hallazgo -asegura Patarroyo- se va más allá de la naturaleza de los microbios, porque se modifican sus átomos según las necesidades del cuerpo, a través de un proceso estandarizado, lo que nunca podrá hacerse con las vacunas biológicas'.

Pero lo más importante, es que 'Chemical Reviews' presenta un decálogo innovador, que aporta la forma y los principios, para que cualquier laboratorio científico del mundo pueda producir, bajo este esquema, vacunas contra enfermedades tan complejas como la tuberculosis, la hepatitis, las neumonías, las meningitis producidas por bacterias, la sífilis, el dengue, el cólera, la caries dental y el herpes, entre otras. No se descarta, de hecho, que este modelo facilite, a futuro, la búsqueda de una vacuna contra el virus de inmunodeficiencia humana (VIH), causante del sida.

Este artículo está precedido por 300 investigaciones de Patarroyo y su equipo sobre el tema, publicadas en las últimas dos décadas por revistas como 'Nature', 'Account of Chemical Research', 'Clinical Microbiological Reviews' y 'Angewandte Chimie', en las que fueron demostrando que era necesario modificar algunos átomos en lugares específicos de los fragmentos involucrados en la invasión de los microbios, para que el sistema inmunológico se active y produzca los anticuerpos necesarios para defender al organismo.

Los resultados fueron calificados como 'excelentes' por un equipo anónimo de pares académicos de primera línea de todo el mundo, lo que hizo que la revista catalogara de 'fuera de serie' el trabajo de Patarroyo y su equipo de la Fundación.

'Es un orgullo que la solución al problema de las
infecciones, a través de este modelo, sea aportado por colombianos a la humanidad entera", afirma Patarroyo. ¿Qué viene con la vacuna antimalárica?
En el caso concreto de la vacuna contra la malaria, la importancia radica en que el sistema inmunológico de los monos Aotus y de los humanos se comporta en forma similar ante el 'plasmodium falciparum'.
"Por esa razón, el siguiente paso es determinar, en ensayos en humanos, si es necesario hacer modificaciones de algunos fragmentos del parásito, para que la eficacia que hemos obtenido en los monos, del 90 por ciento, sea equivalente en personas", dijo Patarroyo.
¿Por qué es importante la publicación?
Un trabajo científico es significativo solo si es avalado por pares académicos y publicado en revistas de alto impacto científico.
Se trata de publicaciones reconocidas en el mundo científico internacional; cada una tiene un comité editorial conformado por los investigadores más connotados del mundo, en diferentes áreas.
También cuentan con grupos asesores de pares (evaluadores externos especializados en los temas de cada revista). El Instituto de Información Científica (ISI) es el encargado de determinar cuáles de estas revistas son importantes en ciencia (indexar) y de calificarlas periódicamente bajo modelos muy rigurosos. Así se elabora el ránking de estas publicaciones.
¿Cómo se publica y se avala un artículo científico?
Los autores envían el artículo al comité editorial de la revista, que lo acepta o lo rechaza. Si se acepta, es enviado a pares anónimos del mundo. Ellos critican o rechazan el artículo y envían los comentarios al comité editorial de la revista, que los remite al autor. Este debe responder al comité editorial las críticas, comentarios o preguntas hechas por los pares, que finalmente aceptan, piden más explicaciones o rechazan definitivamente la publicación. Se estima que de cada cien trabajos enviados a una revista como 'Chemical Reviews', logran ser publicados entre dos y cinco.
¿Cuántas revistas científicas indexadas existen?
Son más de 10.000. Cinco mil de ellas no logran ninguna calificación. Solo 13 revistas están por encima de factor de impacto 30; 'Chemical Reviews', con 35,9, es la séptima revista de mayor impacto científico del mundo, por encima de 'Nature', 'The Lancet' y 'Science'. En sus 85 años de historia, solo ha avalado y publicado ocho artículos de investigadores latinoamericanos, dos de ellos de Manuel Elkin Patarroyo.
Carlos Francisco Fernández
Asesor médico de EL TIEMPO
Sonia Perilla Santamaría
Subeditora de Vida de Hoy
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quarta-feira, 30 de março de 2011

Blog Leituras Favre

Blog Leituras Favre: "Caiu a ficha!
Antonio Delfim Netto – VALOR

Caiu a ficha! A expressão não é elegante, mas cabe como uma luva aos economistas que ao pretenderem criar uma “ciência”, construíram uma “religião”: uma “ciência econômica” que acredita em leis naturais que governam o funcionamento do sistema econômico e são, portanto, independentes da história, da geografia, da psicologia, da antropologia etc.

Tal crença apoiada numa formalização útil, mas exagerada para lhe dar um ar “científico”, interditou ou reduziu à heterodoxia visões alternativas do mundo e produziu o míope “pensamento único” que empobreceu a economia política. Está agora a desfazer-se sob os nossos olhos, sob a pressão de velhíssimos ortodoxos! Esses tentam, desesperadamente, entender como foi possível a crise de 2007/2009 que emergiu como uma “surpresa” numa conjuntura que parecia de plena tranquilidade e atribuída ao sucesso daquela “ciência monetária”…

Economistas quiseram criar uma ‘ciência’ e criaram uma ‘religião’

Nada pode demonstrar melhor essa tragédia do que as contribuições de brilhantes economistas (todos do “mainstream”) à conferência “Repensando a Política Macroeconômica”. Ela foi organizada às expensas do FMI, por Olivier Blanchard (economista-chefe do FMI e autor de dois clássicos, um dos quais, desde 1989, dominou o estudo “sério” da macroeconomia), David Romer (autor da bíblia “Macroeconomia Avançada”), Joseph Stiglitz (Nobel, 2001) e Michael Spence (Nobel, 2001).

Na semana passada (dia 23) Blanchard publicou um minúsculo e devastador artigo “O Futuro da Política Macroeconômica: Nove Conclusões Tentativas”, resumindo os resultados da conferência (obviamente, uma visão pessoal, mas seguramente não viesada):

1ª) Entramos num magnífico (”Brave”) mundo novo, muito diferente do que vivíamos em termos do exercício da política macroeconômica;

2ª) Na velha discussão entre o papel relativo dos mercados e do Estado, o pêndulo avançou – pelo menos um pouco – na direção do Estado;

3ª) Há distorções sérias e muito maiores do que pensávamos na macroeconomia. Elas foram ignoradas porque supúnhamos que fossem pertinentes à microeconomia. Quando integramos as finanças à macroeconomia descobrimos que suas distorções são relevantes para a segunda e que a regulação precisa ser aplicada também aos reguladores. A economia comportamental e sua prima, a finança comportamental, são peças centrais da macroeconomia;

4ª) A macroeconomia tem múltiplos objetivos e muitos instrumentos (ferramentas) para implementá-los. A política monetária precisa ir além da estabilidade inflacionária. Precisa acrescentar o PIB e a estabilidade financeira como objetivos e incorporar medidas macroprudenciais entre os seus instrumentos. A política fiscal é mais do que “gastos” menos “receitas” e seus “multiplicadores” que influenciam a economia. Existem, potencialmente, dezenas de instrumentos, cada um com seus próprios efeitos dinâmicos que dependem do estado da economia e das outras políticas;

5ª) Temos muitos instrumentos e não sabemos exatamente como utilizá-los. Em muitos casos, não temos certeza sobre o que eles são, como e quando devem ser utilizados e se vão ou não funcionar. Por exemplo, nós não sabemos de fato, o que é a liquidez. Logo, “relação de liquidez” é apenas a continuação do que não sabemos;

6ª) Esses instrumentos são potencialmente úteis, mas levantam problemas por seu custo político. Por outro lado, os instrumentos podem ser mal utilizados. Ficou claro nas discussões que muitos pensam que existem razões plausíveis para o controle de capitais, ou para a política industrial (que todos sabem ter limites), mas o governo pode escolhê-los porque não lhe convém, politicamente, usar os instrumentos macroeconômicos corretos;

7ª) Para onde vamos, então? Em termos de pesquisa econômica o futuro é excitante. Há um imenso número de questões que devemos esclarecer e sobre as quais devemos trabalhar;

8ª) Os problemas são difíceis. Como não sabemos bem como usar os novos instrumentos e eles podem, potencialmente, ser mal utilizados, como devem proceder os formuladores da política econômica? O melhor é uma política cuidadosa e de pequenos avanços. O pragmatismo é fundamental;

9ª) Devemos ser modestos em nossas esperanças. Vão acontecer novas crises que não antecipamos. A despeito de todo nosso esforço podemos assistir a outras, no velho estilo das clássicas crises de crédito. Seria possível nos livrarmos delas com uma boa teoria dos agentes e uma regulação correta ou elas são parte do comportamento humano (endógenas ao sistema de economia de mercado) de forma que não importa o que façamos, elas sempre nos visitarão?

Abre-se, portanto, um vasto campo de conhecimento a ser explorado. Não devemos desanimar ou nos deixar enganar por essa visão relativista (de aparência quase niilista com relação a uma “ciência econômica”). O conhecimento acumulado nos últimos 300 anos, de cunho menos pretensioso, que transcende “escolas”, “ideologias” e “idiossincrasias” – a velha economia política – é, comprovadamente, rico de ensinamentos para a boa governança do Estado. Ele mostra a importância absoluta da boa coordenação entre a política fiscal e a política monetária, do incentivo correto aos agentes, da boa regulação dos mercados e a necessidade do respeito às identidades da contabilidade nacional.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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Blog Leituras Favre

Blog Leituras Favre: "“Ele era bom em vida”, diz ex -presidente




Assis Moreira | VALOR

De Coimbra

Foi em meio a momentos de prantos que a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentaram a morte de José Alencar, pouco depois de serem informados pelo médico do ex-presidente.

A visita de ambos em Portugal foi encurtada, e retornam a Brasília logo depois de Lula receber titulo de doutor honoris causa na Universidade de Coimbra, hoje cedo.

Com a voz embargada e os olhos marejados, a presidente Dilma Rousseff anunciou luto oficial por sete dias e velório no Palácio do Planalto para Alencar como chefe de Estado.

“Estamos num momento de muita dor e sofrimento, José Alencar vai deixar uma marca indelével na vida de cada um de nós”, disse a presidente, enquanto Lula ao seu lado caia literalmente no choro.

“Todo mundo fica bom depois de morto, mas José Alencar era bom em vida”, disse Lula, estimando que não podia ter tido um vice-presidente melhor e mais leal, sem “nenhuma divergência”. Qualificou a relação de ter sido mais que política e sim de “irmãos e companheiros e a gente funcionava como um orquestra”.

Lula declarou-se ainda mais agradecido ao lembrar que, depois de ter perdido eleições porque não passava de 35% dos votos, foi com ajuda de José Alencar que encontrou o restante. “Quando vi o discurso de José Alencar em Minas Gerais, comemorando os 50 anos de vida empresarial, sai de lá falando que encontrara meu vice.”

O ex-presidente lembrou a resistência ao nome do empresário mineiro. Mas os dois viajaram o Brasil inteiro. “Tinha muita gente mais à esquerda que achava que não devia chamá-lo para vice. Mas quando ele falava e contava sua vida, o mais esquerdista ficava chorando.”

Lula lembrou com Dilma de um episódio da campanha dela em Belo Horizonte. Alencar não tinha mais força nem sequer para levantar a mão de tão fragilizado. Mas subiu num carro e os três fizeram a carreata por Belo Horizonte por quatro horas. “Ele dizia que tinha de fazer isso porque queria eleger a Dilma.”

O ex-presidente disse que falava com Alencar praticamente toda semana. “O otimismo dele era uma coisa que causava na gente até uma inveja de ver sua força.” Antes de partir para Lisboa, ele telefonou para Alencar do carro. O ex-vice presidente sabia que do ponto de vista clínico não tinha mais muita expectativa, mas mantinha a fé.

Depois que chegou em Portugal, Lula ligou de novo para o médico de Alencar e soube que ele estava sedado. Mais tarde, o médico Raul Cutait informou sobre a morte. “Foi um descanso para ele, estava sofrendo há seis meses. Alencar não se contentava de ficar no hospital o tempo inteiro”, disse Lula, de novo chorando. Alencar pedira a opinião de Lula sobre se deveria parar de tomar remédios. “Achei que sim, ele devia viver da maneira mais prazerosa os dias que restavam”, contou. Depois interrompeu a entrevista aos prantos.

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Blog Leituras Favre

Blog Leituras Favre: "30/03/2011 - 09:27h Com Lula, um tango
Stefan Salej – O Estado de S.Paulo

As coincidências da vida são tantas que nos surpreendem. Eu tinha de ser de algum lugar de Minas porque como gringo, imigrante, e falando com sotaque, não tinha futuro. Por amizade com meu colega de faculdade Mauro Lobo adotei a cidade de Bom Jesus do Galho como minha cidade mineira. Criei a fábula de ser de lá.

José Alencar começou sua vida na cidade vizinha de Bom Jesus do Galho, Caratinga. Conhecemo-nos em Belo Horizonte, na Federação das Indústrias, onde Zé aterrissou após a injustiça que lhe fizeram na Associação Comercial de Minas, onde impediram que fosse presidente. Era avançado demais nos negócios, pensamentos e ações. Foi ungido presidente da Fiemg e eu virei seu vice. Repetia milhares de vezes sua história de menino pobre dormindo no corredor da pensão em Caratinga, e de como passou de jovem para adulto quase de noite para o dia, por necessidade e por vontade. Seu pai o emancipou e ele virou comerciante com o irmão. Comprava e vendia. Duro na negociação, esperto na conversa, homem de palavra.

Empresário líder, enfrentava os problemas políticos numa terra política. Não tinha raízes, não tinha parentes, não era dos “senhores das Gerais”. Era Zé Alencar, que de comerciante virou industrial com novos conceitos. Conceito de alta produtividade, competitivo e diferente. Enquanto todos instalavam teares de 2,80m, ele descobriu um fabricante no Japão que fabricava teares de 3,20m. Enfrentou toda a burocracia e o protecionismo e os instalou na sua fábrica.

Um dia o encontrei no avião voltando para Brasil, ele vindo da China com o filho Josué com aquela cisma que não o largava quando o pegava: “Por que chinês pode fazer camiseta tão barato e nós no Brasil não?” Antes de qualquer um, e fez camisetas competitivas de algodão para ninguém pôr defeito. E assim os negócios prosperavam, mas com uma fidelidade ímpar a seus amigos de início de vida.

A ação social na Fiemg nos dois mandatos, com sua ação no interior do Estado de Minas resultou em uma nova e inesperada face. Virou adorado e aplaudido por onde passava. No meio tempo veio a mudança do governo: sai Collor e entra Itamar. Mas antes de Itamar entrar para a Presidência, José Alencar, naqueles dias indefinidos, o visita no Hotel Glória e lhe diz que amigo ele não trai, amigo é amigo. Itamar vira presidente, José Alencar, candidato a governador de Minas. Os empresários enxergam nele um líder que pode dar certo na política. Franco, claro, objetivo, bem-sucedido como empresário, sem mancha e sem rolo, como se diz em Minas, poderia representar o sonho de um Brasil mais justo, mais social, mas também mais empresarial na sua gestão. Obtém 10% dos votos, ganha espaço, perde a eleição, mas marca um primeiro gol.

Deixava as pessoas crescerem em torno dele. Uma das vezes que o vi mais feliz foi quando seu filho Josué se graduou em engenharia e seguiu para a Vanderbilt, para fazer um mestrado, e obteve sua medalha de ouro. Pode-se imaginar alguém que só tinha primário, falava inglês bem, lia – e não era pouco (na época de Gorbachev, não cansava de falar de Perestroika, o que nos obrigou a todos a ler livro para conversar com ele) -, mas continuava simples Zé Alencar, filho de uma família numerosa, ter filho pós-graduado nos EUA?

Eleito depois senador, teve gabinete sempre aberto para as ideias. Discutia e, convencido, era o melhor aliado que poderia se imaginar. Nunca foi populista. Coitado de quem esperava que misturasse os negócios com política.

Dizer que Alencar não era ambicioso é omitir a verdade. Queria ser governador de Minas. Quando veio o convite para ser vice de Lula, os adversários queriam atingi-lo de toda maneira. Não conseguiram achar nem ações trabalhistas.

Ele tinha a consciência clara de que um acordo nacional, um entendimento entre trabalhadores e empresários, poderia representar um passo fundamental na construção de duas coisas que pudessem garantir o futuro sustentável do Brasil: democracia com economia de mercado. Já que um acordo entre facções e partidos políticos, entre vários atores, não era possível, por que não tentar um informal via eleições? Era a oportunidade não de ser um vice, mas de construir um projeto que o menino pobre de Caratinga sonhava. No fundo, não era a aliança de um trabalhador e um empresário, mas a junção de forças de dois homens de bem, forjados na vida, bem-intencionados e em especial querendo construir um Brasil mais justo. No fundo não se sabia quem era quem, quem era trabalhador e quem era empresário.

Com notável diferença dos demais vices, foi, desde primeiro dia da aliança com Lula, companheiro, amigo, às vezes até irmão mais velho, mas nunca concorrente. Os dois forjaram um par de dançarinos de tango que se movem ao som de música de uma forma perfeita, equilibrada, difícil de se dançar. E um exemplo de harmonia política que nem o ranzinza do José Alencar com sua obsessão por criticar juros altos (apesar que com sabedoria ganhava rios de dinheiro de outro lado porque acumulava caixa nas empresas, algo que escondia) conseguia desestabilizar. Ele falava de um sonho e a vida que me levou para o outro lado Atlântico não me deu chance de lhe dizer que ele se realizou. Não só para ele, mas para 190 milhões de brasileiros. Ele dizia que um dia iria a Paris sentar num restaurante nos Champs-Elysées e pedir um filet au poivre. E que, com nosso real tão forte, poderia pagar até gorjeta.

EX-PRESIDENTE DA FIEMG, EMPRESÁRIO

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terça-feira, 29 de março de 2011

Educação e Saúde têm a pior fiscalização, admite ministro-chefe da CGU - O Globo

Educação e Saúde têm a pior fiscalização, admite ministro-chefe da CGU - O Globo: "Educação e Saúde têm a pior fiscalização, admite ministro-chefe da CGU

Publicada em 28/03/2011 às 23h37m
Roberto Maltchik


O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage/Foto de Roberto Stuckert Filho

BRASÍLIA - A Controladoria-Geral da União (CGU) admitiu que a Saúde tem a pior fiscalização do governo devido ao controle 'absolutamente insuficiente' das transferências para estados e municípios. As mesmas falhas contaminariam o também bilionário orçamento da educação. O ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, afirmou que falta transparência no Ministério da Saúde e anunciou um plano de ação para conter o rombo nos cofres públicos. Nos últimos dois dias, O GLOBO mostrou como os desvios de recursos estão disseminados na Saúde .

( Leia também: Após denúncia de repasses, ministro da Saúde anuncia checagem de unidades que atendem pelo SUS )

- Educação e Saúde têm a pior fiscalização. Na Saúde, há grandes fragilidades no controle por parte do Ministério da Saúde em relação aos recursos fundo a fundo. Nós atribuímos tudo isso à falta de um acompanhamento com a devida transparência por parte do poder repassador (governo federal). As nossas fiscalizações in loco nos municípios sempre trazem uma incidência maior de irregularidades na Saúde e na Educação - afirmou Hage.

As falhas, apontadas esta semana em reportagens do GLOBO, já foram cobradas do Ministério da Saúde, em Nota Técnica emitida há quase dois anos. Mas nada foi feito para corrigir dois problemas mais críticos: a inexistência de análise dos relatórios de gestão, encaminhados por estados e municípios, e a falta de identificação de quem recebe o dinheiro federal.

Dados levantados pelo GLOBO mostram que apenas 2,5% das transferências da Saúde são fiscalizadas. E, ainda assim, nos últimos quatro anos, os desvios quantificados em Tomadas de Contas Especiais (TCEs) somaram R$ 662 milhões. O descontrole ultrapassa as transferências fundo a fundo e atinge as informações prestadas por estados e municípios ao ministério. Um médico com 14 vínculos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) disse ao GLOBO que, há dois anos, telefonou ao ministério para denunciar o uso irregular de seu nome por um hospital, mas nenhuma providência teria sido tomada.

A proposta da CGU para reestruturar o controle dos repasses legais fecha a porta para saques de dinheiro na boca do caixa, que ficariam limitados a situações 'excepcionais', com limite de R$ 800 por ano ou semestre. Entre as medidas que Hage classifica como 'mínimas e essenciais' está a restrição das transferências a bancos públicos. Da conta do estado ou do município, o dinheiro deve seguir diretamente - sem intermediários - para a conta do prestador de serviços ou da pessoa física contratada.

- (Hoje), não há obrigação de que dessa conta (do estado ou do município) o dinheiro saia para o seu destinatário final. Pode passá-lo para outras contas... inúmeras contas. Daí, o sistema perde completamente o controle - afirmou.

Para coibir fraudes no banco de dados da Saúde, a CGU propõe a criação de um portal capaz de unificar informações cadastrais de médicos, hospitais, clínicas e prefeituras, que seriam confrontados com a execução física e financeira dos projetos. As falhas e as propostas para conter o rombo nos cofres da União foram apresentados ao Ministério da Saúde em Nota Técnica de 9 de julho de 2009.

- Traria para o ministério condições de acompanhar o que repassaram, traria ao controle plenas condições de acompanhar o dinheiro que flui para os municípios e permitiria à sociedade o acompanhamento. As medidas de transparência se constituem no principal antídoto contra os desvios, o desperdício e a corrupção - disse.
Prejuízo não pode nem ser calculado

No último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, a CGU e o Ministério da Saúde criaram um grupo de trabalho conjunto para discutir a criação do portal. Mas a proposta ficou no papel.

- Já tenho uma conversa agendada com o ministro (Alexandre) Padilha para tratar desse assunto. Essa é uma diretriz da presidente Dilma (Rousseff) - informou Hage.

O ministro da CGU afirmou que a dimensão do país, a fragilidade do controle e a capilaridade dos repasses impedem que se dimensione o volume de dinheiro desviado da Saúde.

- Qual é o montante de prejuízo que isso dá ao dinheiro público? Não tenho condição de dizer. Não é uma coisa simples e trivial de dizer.

Entre as informações da Nota Técnica, a CGU identificou que não houve avanço em medidas financeiras e de prestação de contas.

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:: Fazendo Media: a média que a mídia faz ::

:: Fazendo Media: a média que a mídia faz ::: "21.09.2005

Entrevista concedida a Malu Muniz e Marcelo Salles.

Em cima do armário, num canto, uma máquina de escrever aparentemente aposentada. Ao fundo, a mesa com vista para a estonteante enseada de Botafogo. Por todos os lados, livros, jornais, recortes já amarelados pelo tempo e mais livros, de todos os tamanhos, formas e conteúdos. Assim é a sala de Jânio de Freitas, que conversou com o Fazendo Media durante duas horas. Olhar curioso, o jornalista niteroiense de 73 anos que reestruturou o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil, hoje colunista e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, parecia nos estudar a cada uma das perguntas abaixo...

Marcelo Salles - Eu gostaria de começar perguntando sobre sua infância, quais suas primeiras lembranças, sua família...
Eu fui criado aqui no Rio. Nasci em Niterói e vim pra cá com seis meses. Mas continuo adorando Niterói. E em minha infância não há nada de tão especial, não. Eu fui de uma família cuja maioria está morta, mas eram pessoas assim muito intelectualizadas, musicais, a música era uma coisa muito importante na minha família; minha mãe tocava piano muito bem e eu aprendi um pouco de piano com ela. E uma família de muita leitura, tinha uma tia escritora. Sou neto de um poeta e jornalista que morreu muito cedo. O que mais? Acho que minha linguagem mais propriamente minha é a música, é a linguagem musical, não-verbal. Comecei trabalhando com desenho e com música. Mas ao mesmo tempo a idéia de vôo, de voar de avião, me fascinava muito. Achava uma coisa encantadora. E fui fazer curso de aviação.

Marcelo Salles - Tirou o brevê?
Tirei.

Marcelo Salles - E você pilota um monomotor?
Há muito tempo não... Mas pilotei, sim. Gostava muito. E parei. Foi aí que entrei em jornal, porque tive um pequeno problema de joelho e tal, problema parcial de ligamento e aí fiquei sem poder voar. E aí, meio por acaso, entrei no Diário Carioca, um pouco para preencher o tempo, achava curioso esse negócio de jornal. E aí fiquei.

Marcelo Salles - Mas antes de entrar para o jornalismo, você já tinha esse interesse todo por política? Ou isso foi se desenvolvendo com o tempo?
Não, eu não tenho. Até hoje eu não tenho. Não gosto de política.

Marcelo Salles/www.fazendomedia.com

Jânio de Freitas durante a entrevista

Marcelo Salles - Não gosta? Quem lê suas colunas não diria...
Pois é, jornalismo tem isso. Você acaba causando nas pessoas impressões equivocadas. Por exemplo: me acham, com freqüência, uma pessoa mal-humorada. E quando me conhecem pessoalmente se surpreendem. As pessoas ficam muito espantadas. E eu realmente não sou. Apenas meu gênero de coluna, que passei a fazer na Folha, de um certo tempo pra cá, fui definindo certas bases para caracterizar, para personalizar aquele espaço. Então, de um certo tempo pra cá, a coluna ficou ranheta, bronqueada, e as pessoas que me pegaram a partir dessa fase, ou que pelo menos se esqueceram das fases anteriores, pensam que sou mal humorado. Mas eu não tenho nada a ver com isso, não sou nada disso. Pessoalmente sou outra coisa. Acho que jornal leva muito a esses equívocos. Até lamento, acho chato. Sou uma pessoa reclusa, não sou de noite, de festa, fico na minha, com os amigos. Gosto muito de cuidar de bichos.

Marcelo Salles - Que tipo?
Em geral. O que pintar de bicho é comigo mesmo. Tenho muito bicho, tenho livros sobre comportamento animal, desde minha infância sempre me interessei, sempre estive próximo a eles. É isso aí. Acabou a biografia.

Marcelo Salles - Pelo menos temos mais do que a internet. Procuramos sua biografia antes de vir pra cá e não achamos nada.
Malu Muniz - Pois é, você não tem vontade de fazer uma biografia?
Não, prefiro ficar na minha. Olha, em jornal, antes da Folha, eu fiz o que realmente gosto, que é editar. É uma coisa realmente muito agradável, muito gostosa. A gente pode exercer a criatividade. E eu não punha nome. O JB tem crônicas minhas sem assinatura. Eu passei a assinar a coluna na Folha porque era compulsório, não tinha outro jeito. Se não, não assinaria. Só assinei nas situações em que tinha que assinar. Na Manchete, por exemplo. Já no Cruzeiro tem vários textos sem minha assinatura.

Marcelo Salles - Você trabalhou com o David Nasser no Cruzeiro?
Eu trabalhei no Cruzeiro e o David era do Cruzeiro. Mas eu não trabalhei com ele.

Marcelo Salles/www.fazendomedia.com

Jânio de Freitas em sua sala na sucursal da Folha no Rio de Janeiro

Malu Muniz - Você não compartilhava das idéias do David?
Não. Nenhuma. Nenhuma delas. Principalmente das jornalísticas.

Malu Muniz - Por que você chamou sua equipe e deixou o Correio da Manhã? Foi um prenúncio do papel que ele cumpriria?
Num certo sentido, sim.

Malu Muniz - Se é que você vê que ele cumpriu algum papel...
Claro, claro. Acho que cumpriu e cumpriu um papel lamentabilíssimo. Num certo sentido sim, mas não exatamente aquele papel político que ele cumpriu no final de março. Editoriais lamentabilíssimos, absurdos. Aconteceu o seguinte: quando saí do JB eu quis sair de jornalismo. Mas, algum tempo depois, o dono do Correio da Manhã, que estava morando na Europa, há cinco anos, casado com a Niomar Muniz Sodré, volta ao Rio e pouco tempo depois, me procuram para ter um encontro com ele. Eu fui e ele me convidou para ir para o Correio da Manhã. E eu não quis ir. Conversamos uma quantidade imensa de vezes. E eu passei a gostar muito dele pessoalmente; um sujeito muito inteligente, culto. Muito engraçado, gostava muito de música, era bem mais velhos que eu. Eu já tinha recusado várias vezes. E teve um dia que recebi um recado para ir à sua casa, e ele estava com o procurador dele, Jorge Serpa, e repetiu o negócio: 'Como é, vamos para o Correio da Manhã?'. Eu disse que não, não vou não. Ele me disse: 'Olha, eu fui educado ouvindo sempre em todos os lugares que eu ia, ouvindo falar do Correio da Manhã. Meu pai morto, assumi o jornal e continuei ouvindo isso. Fui pra fora, fiquei esse tempo todo na França, quando volto, vou aos jantares, e só ouço as pessoas dizendo que o Jornal do Brasil disse isso, o Jornal do Brasil disse aquilo. Eu não suporto isso. Isso me faz um mal, é uma violência brutal. Eu preciso que você vá para o Correio da Manhã'. Achei aquilo uma coisa tão honesta, tão inesperada, que não tive muito o que fazer. Aí acertei com ele lá e fui. Mas a empresa estava muito desestruturada, não estava em condições de encarar uma remodelação do jornal, que teria um certo custo. Então, eu fiquei um bom tempo preparando, criando as condições, ou aprimorando as condições, para deslanchar o jornal.
Os meios de comunicação manipulam mesmo a opinião pública. Manipulam, não adianta dizer que não. Queira ou não queira, manipulam.
Marcelo Salles - Você ocupava qual cargo?
Eu era diretor, redator-chefe e diretor-superintentente. Ou seja, tinha a administração e a redação. E o Paulo Bittencourt adoece, um câncer de pulmão, quando eu lanço o jornal novo ele já não estava no Brasil. Ele tinha sido levado para a Suécia para fazer um tratamento de raio-x e não sei mais o quê, radiologia, e tal. E lançamos o jornal aqui e foi realmente um estouro, bateu o Jornal do Brasil com muita facilidade. Sendo que lá no JB eu tinha batido o Correio. Volta o corpo do Paulo Bittencourt (ele morreu lá) e começa aqui no Rio uma briga entre a Niomar e a filha dele. E no meio dessa briga, uma politicagem terrível porque não só os advogados estavam fazendo um jogo muito pesado um contra o outro, como no meio disso aí havia interesses do Carlos Lacerda, que era governador aqui do Rio. Havia a política anti-Jango. Um dos advogados era uma pessoa de grande participação lacerdista, na ala direita. O outro, que era o advogado da filha, tentava encontrar uma fórmula. No fundo ele não enfrentava muito a situação política que se tinha criado, pois se tratava de uma disputa pela propriedade do Correio da Manhã, que era o que as duas estavam disputando. E eu no meio desse troço. Disse que eu não tinha nada a ver com isso, não era herdeiro, nem sócio. Meu negócio aqui é fazer o jornal e levar esse jornal adiante. A minha é essa. Só que foi ficando impossível, uma coisa impraticável. E percebi que conviver com aquela situação... Houve um dia que roubaram um carro. O telefonema que recebi era o seguinte: "Jânio, uma situação complicadíssima, você precisa dar um jeito de não sair nada a respeito do roubo do carro. Se chegar aí, vê se consegue segurar em outros jornais, e tal". Tinha havido simplesmente o seguinte: uma turma ligada a Niomar roubou o carro da filha do Paulo Bittencourt. Era presumivelmente o único carro, em dois tons de azul, a parte de cima mais clara, só que esse carro roubado foi levado para a garagem, escondido na garagem do prédio da Niomar, na Av. Rui Barbosa, aquele tal famosíssimo apartamento que pegou fogo. Aí descobriram que o carro era de um médico que não tinha coisíssima nenhuma a ver com isso. E agora, pra tirar esse carro roubado dali? E estavam com medo de que saísse uma notícia. Disse que se era roubado, eu não tinha nada a ver com isso, se chegar vou publicar. Aí pouco depois eu resolvi ir embora mesmo. A Niomar colocou o Osvaldo Peralva para garantir que não sairia nenhuma notícia favorável à filha do Paulo. Disse a ela que enquanto eu estivesse ali não teria Peralva que decidisse por mim. Se eu disser que vai sair, vai sair. Ou então, faz o jornal. E é o que vocês vão fazer. Aí mandei um recado pra ela levemente desaforado. E foi isso.
Marcelo Salles - Isso em que mês de 63?
Fim de 63.
Marcelo Salles - E você foi pra onde?
Aí eu fui fazer um jornal, havia uma televisão aqui no Rio, que era a Excelsior, e o dono Mário Wallace. E ele tinha comprado um jornalzinho lá em São Paulo e queria inicialmente levantar o jornal pequeno que ele comprou lá em São Paulo, chamado "A Nação". E aí ele me chamou porque já tinha ouvido falar do meu trabalho. Aí eu disse: "Pra São Paulo eu não vou". Ele: "Não, eu to querendo fazer um jornal, e tal". "Se quiser fazer aqui no Rio, fazemos". Comecei a trabalhar para montar esse jornal. Chegou-se a comprar um prédio muito bom, ali em São Cristóvão, uma máquina, impressora. Mas aí veio o 64, o golpe. Aí, pouco depois, disse a ele que não iria continuar. Vamos parar. Esses caras vieram para ficar. Não vieram para mais um golpe que ficam dois dias, três, uma semana, e voltam para seus quartéis. Não vai ser isso não. O Cláudio Abramo estava dirigindo o tal pequeno jornal lá de São Paulo. Aí veio pro Rio. E o Roberto Gusmão, que depois foi ministro do Sarney, tava fazendo a administração desse jornal lá em São Paulo. Nos reunimos aqui, eu fui a voz discordante. O Cláudio achava que não, que não havia condições de eles ficarem muito tempo. Mas eu finquei o pé.
Malu Muniz - Mas esse jornal era combativo? Por que não poderia ter um jornal?
Porque tava na cara que eles iriam reprimir. E fazer um jornal sem liberdade de imprensa não me interessava fazer. E achei que a censura já estava sendo instalada e achei que eles iriam manter aquele troço. Estavam tentando assumir o poder há muito tempo. Tentaram em 1945, mas aí tinha aquela coisa da democracia e coisa e tal...
Malu Muniz - Você tinha essa idéia de que a ditadura seria um processo longo?
Eu tive essa intuição. Olha, em 1945 eles se sentiram imensamente derrotados depois que deram o golpe e derrubaram Getúlio e quatro, cinco anos depois Getúlio volta ao poder. Foi uma frustração imensa para a direita militar. Além do mais, nesse governo Getúlio eles são outras vezes derrotados em todas as teses deles porque vencem coisas como a campanha da Petrobrás "O petróleo é nosso", que eles diziam ser uma campanha comunista. Não admitiam ser uma campanha nacionalista, com visão estratégica para o país. Depois tentam em 55, tentam dar o golpe. O Lott, e tal. O Juscelino toma posse e o Jango como vice. Foi outra derrota. Isso aí é um acúmulo. Evidentemente eles não iriam mais colocar a cara num primeiro momento para tomar um murro logo em seguida. Vão tentar ficar, claro. Estão articulados para isso. E por trás deles há uma razão ideológica profunda de que se eles não liquidarem com a esquerda no Brasil, com tudo o que eles entendem por esquerda, vai haver o comunismo no Brasil. Essa é a cabeça deles. A idéia deles é essa. E os americanos sustentam essa teoria.
Marcelo Salles - E essa orientação dos EUA já era clara na época?
Era, muito clara, muito clara. Em 1963, acho que foi a principal das paradas que o Correio da Manhã enfrentou. Foi com a campanha do Correio da Manhã que realmente conseguimos coisas incríveis. Foi essa campanha que tornou inevitável o fechamento do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que só agora há pouco tempo o Lincoln Gordon reconheceu que, de fato, era sustentado por dinheiro americano. Isso que agora fizeram com meia dúzia, o mensalão, eles fizeram com uma parcela imensa na Câmara dos Deputados. Eles compraram esses deputados, financiando as eleições desses deputados. E o diretor, o chefe desse troço, era o brasileiro da CIA Ivan Hasslocker, morreu há pouco tempo, na Suíça até. Deu no pé do Brasil, foi ser agente lá. E dominaram uma parte muito grande da Câmara e foi uma batalha terrível. Eles jogaram muito pesado. Então era uma coisa de que se tinha ciência, sim. Havia um sujeito famoso, como agente americano, agente de Estado, que era o Walters.
Marcelo Salles - Vernon Walters.
Vernon Walters, que tinha vindo para cá como adido militar.
Malu Muniz - Tem uma historiadora chamada Anne-Marie Smith que lançou um livro pela FGV chamado "Um Acordo Forçado". Existia esse acordo, na medida em que a censura deixou de acontecer? Isso significava que o exército achava que podia haver uma auto-censura, como se os jornalistas já tivessem aprendido uma lição. Você analisa dessa forma?
Olha, o comportamento das chefias de Redação em 1964 e daí em diante foi o pior possível. Hoje em dia ouço muito em falar "O Jornal do Brasil fez", "O Jornal do Brasil protestou". Que eu sabia não. E eu duvido que prove. Os jornais fizeram o jogo do golpe, depois fizeram o jogo do regime militar. E não foi militar sentado nas redações que estavam fazendo jornal não. Era jornalista profissional.
Marcelo Salles - Era assim em todos os jornais ou havia alguma exceção?
Não sei de exceção. Entre 1964 e 1966 não sei de exceção, entre os jornais de maior relevo. Em 1967 a Última Hora foi exceção. Depois o Helio Fernandes começou a discentir de algumas coisas. Na morte do Castello, por exemplo, ele foi preso. Depois ele escreveu um artigo grande espinafrando o Castello. Mas nem aqui, nem em São Paulo, nem em Belo Horizonte, Brasília, Rio Grande do Sul. Eu não conheço. Esse papo aí de que "fulano de tal era democrata", não conheço.
Marcelo Salles - Quer dizer que a mídia grande apoiou o golpe?
Não só apoiou o golpe. Depois continuou servindo integralmente ao regime militar. Integralmente. Quanto a isso não há a menor dúvida, basta pegar os jornais antigos. Há mil episódios. Quando começam aqui no Rio, e no Brasil, os movimentos armados, as primeiras ações armadas, quem passa a absurdamente chamar os participantes desses movimentos de "terroristas", como ficou consagrado na imprensa brasileira, não foram os militares, não. Isso foi dado na redação do Jornal do Brasil por um jornalista que hoje se diz democrata. E assim foi.
Marcelo Salles - Acho interessante como em suas colunas você, de vez em quando, diz "a mídia não falou nisso, nem mesmo esta Folha". Como funciona isso? Você não recebe um telefonema pedindo para maneirar?
Na Folha não. Essa coisa da Folha é sensacional. A direção sempre me deu liberdade para trabalhar. Eu tive problemas, nunca diretos, na redação. Aí eu tive. Eu já dei muito, muito furo na Folha de S. Paulo, e nenhum virou manchete do jornal.
Marcelo Salles - Então, é isso que estou dizendo. Quando conversamos com o William Bonner, comentando matéria da CartaCapital sobre o ex-chefe do FBI no Brasil, ele disse que a matéria do Bob Fernandes não se sustenta. E continuou: "É igual ao Jânio na Folha, não se sustenta. Por isso a Folha não dá a manchete".
William Bonner! Ah, então... Não se sustenta, não. Não se sustentava com antecipação, porque eu publicava antes dos resultados. Eu nunca vi um ato jornalístico de William Bonner. Ato jornalístico dele é casar com não sei quem. Isso é um absurdo! Que isso...
Marcelo Salles - Qual é a função do jornalismo?
Acho que é basicamente proporcionar ao cidadão, ao leitor, material para que ele faça suas próprias definições. A necessidade de conhecimento factual é permanente porque você precisa também permanentemente estar se situando diante de fatos, diante de perspectivas, diante de decisões que você precisa tomar, orientações que você precisa transmitir, e quem pode proporcionar essa massa de conhecimento factual, de informação, é o jornalismo. Eu sou completamente contrário a essa história que foi muito difundida aqui há um certo tempo e ainda há quem haja assim, de que o papel do jornalista é fazer a cabeça do leitor. Não tem que fazer a cabeça de ninguém. Trate de fazer a sua se puder, se conseguir. Cada um é responsável pela sua própria cabeça e ninguém tem o direito de se meter a fazer a cabeça alheia. No mínimo é uma atitude fascista. Tive amigos que tiveram esse tipo de concepção, mas eu jamais fui nessa.
Marcelo Salles - O Brasil de hoje parece ter escolhido um modelo de jornalismo praticado nos EUA, que se diz imparcial, um pouco diferente do modelo europeu, onde os jornais explicitam sua posição política mais claramente. Você acha que o público brasileiro é suficientemente informado de modo a não se deixar enganar por essa "aura de imparcialidade"?
Antes de 1964 cada jornal tinha uma linha política muito bem definida. Em muitos dos casos, partidariamente definida. Então você tinha, por exemplo, o Correio da Manhã com uma posição mais liberal, mais identificada com a linha do PSD. O Diário de Notícias, isso até a ascensão do Jornal do Brasil, o segundo mais importante, era um jornal muito ligado aos militares, udenista. O Globo era um jornal muito à direita, contra tudo que representasse ou tivesse algum resquício de getulismo, de esquerda, de liberalismo. Foi muito anti-Juscelino durante toda a campanha. Naturalmente depois virou um jornal pró-Juscelino. Vem 1964, o que acontece é que todos assumem a posição oficialista, que era a do poder militar. Quando a gente sai do regime militar, fica uma situação muito curiosa, uma espécie de aturdimento, ninguém sabendo muito o que fazer da própria vida, como mostrar, que cara mostrar, como se mostrar, então vem essa coisa do somos independentes e tal, mas no fundo, a experiência de independência que tinha havido antes do golpe foi a do Jornal do Brasil durante um breve período. Já de 63 pra 64 o Jornal do Brasil já está engajado numa posição anti-popular. Aí sai do regime militar, não há partido com os quais a imprensa se identifique. Acho que isso facilitou um pouco essa impressão geral, ou essa pregação da objetividade, a imparcialidade, da independência, e tal, que foi muito relativa porque, por exemplo, O Globo continuou sendo um jornal com tendência para todas as posições de direita, o Jornal do Brasil se manteve um jornal de centro-direita, o Estado de S. Paulo, um jornal com uma vocação conservadora, identificada com posições de direita, a Folha, que era um jornal de pouca expressão, ficou um jornal indefinido por muito tempo, até porque já era assim antes, estava com novos donos, e não era um grande jornal, isso aí foi uma coisa que facilitou muito o percurso da Folha. Vai pra lá o Cláudio Abramo, com um convívio muito bom com o Frias. O Cláudio tinha uma visão boa a respeito de jornal, era uma pessoa bastante altiva, bastante independente, com a cabeça bastante livre, e acho que ajudou muito a evitar que a Folha se comprometesse de alguma maneira, caísse nas tentações, que em São Paulo certamente eram muitas, um estado rico, com políticos ligados a essa riqueza, um jornal se refazendo principalmente como empresa, pois como jornal mesmo só começou a se refazer mais tarde. Mas ficou essa farsa no fundo, se a gente tirar um ou outro caso, acho que ela prevaleceu. Basta a gente ver o que aconteceu durante o governo Fernando Henrique. Todos eram imparciais, mas todos eram fernandistas. Todos apoiaram a política neoliberal, o programa do Consenso de Washington. Entre os jornais de relevo médio para cima, não há exceção.
Marcelo Salles - Você acha que o sistema neoliberal serve para o Brasil, por exemplo?
Acho que não serve para nenhum país que não seja desenvolvido. Se o país for desenvolvido, ótimo para eles, mas para um país com necessidades de desenvolver-se, de promover justiça social, a regra não pode ser a regra do mercado. O mercado não é igual para toda a sociedade. O mercado é uma situação favorável a quem já desfruta de um estado economicamente e socialmente favorecido em relação ao restante. Quero ver o pobre entrar no mercado. O que ele faz no mercado? Para ele não há mercado porque ele não tem como lidar no mercado.
Malu Muniz - Você acha que nessa crise política do mensalão tem alguma especificidade no tratamento da mídia por ser o Lula, por ser um petista? O FHC já esteve numa situação em que havia corrupção e o posicionamento da mídia não foi como está sendo agora. A figura do Lula é ameaçadora em algum sentido e por isso tem uma resposta diferente do que teria se não fosse um petista?
O FHC deixou gravada uma autorização para usarem o nome dele numa manobra que obviamente ia deformar a correção da privatização telefônica. Não aconteceu nada com ele. Se o Lula fosse surpreendido com uma gravação dessas, não deixaria de acontecer. Não sei o que aconteceria, mas seguramente não deixaria de acontecer. O Fernando Henrique teve outros episódios assim. Na privatização da Vale do Rio Doce, por exemplo, houve notória interferência dele para impedir que o Antônio Ermírio comprasse e fazer com que o Steinbruch ficasse com a Vale do Rio Doce. Se fosse o Lula, eu não tenho a menor dúvida de que teria conseqüências brutais. Hoje o que acontece é que, para qualquer jornal, TV ou rádio que você olhe são profundamente ambíguos. Que de um lado é o horror do Lula e de outro é o Lula muito conveniente. Está dando muito lucro para eles todos e para todos os próximos: donos de bancos, de financeiras... Há uma enorme ambigüidade que a gente nota muito. Você percebe que as entrelinhas são profundamente anti-Lula, mas o jogo é para o "não vamos deixar que a economia seja atingida". Vamos blindar, é a nova palavra da imprensa brasileira: blindar. "É preciso blindar a economia!".
Marcelo Salles - Você acha que o governo do PT melhorou do ponto de vista social?
Eu acho que é a mesma coisa. Eu acho que muda um pouco a quantidade de pessoas que recebem esmola.
Marcelo Salles - Porque há várias correntes do jornalismo que dizem que mudou alguma coisa. Não continuou com as privatizações, por exemplo, preservou a Petrobrás, a Caixa e o Banco do Brasil.
E quem é que tem condições de privatizar a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e a Petrobrás? A Petrobrás tem um lucro gigantesco, quem tem condições de comprá-la, a não ser uma outra Petrobrás externa? Ou faz uma picaretagem até vender como as telefônicas foram vendidas. Você acha que se houvesse condições políticas internas o FHC não teria privatizado o Banco do Brasil? Estava na meta, privatizar o Banco do Brasil era um dos sonhos deles, não privatizaram porque não conseguiram. Não havia condições de se meter nisso e houve quem defendesse publicamente a privatização da Petrobrás. E o que é que sobrou para o Lula e o Palocci privatizarem? Se você souber de alguma coisa avisa porque eles privatizam em 24 horas e não vão privatizar de maneira diferente do FHC.
Marcelo Salles - O Mangabeira Unger falou que PT e PSDB são duas vertentes do mesmo plano. Você concorda?
Não, porque a origem e todo o percurso são bastante diferentes. A origem social é bastante diferente, o percurso histórico dos dois também, e os compromissos se tornaram iguais agora, recentemente, por uma razão muito deplorável, que é a traição a suas origens, ao seu percurso, aos seus princípios, aos seus compromissos, a tudo o que foi dito ao eleitorado. Então, não são exatamente a mesma coisa. A posição do PSDB é perfeitamente natural. O tipo de interesses que o PSDB passou a representar desde pouco depois de constituído é exatamente aquele que o FHC desenvolveu, daquele tipo de classe social. Uma visão muito paulista, muito pouco brasileira. Naquele governo lá todos conhecem melhor Nova Iorque que qualquer cidade brasileira.
Marcelo Salles - Numa coluna sua você diz que não existem elementos para se pedir o impedimento do presidente Lula. Mas isso vem tendo ampla divulgação nos partidos de direita e alguns de extrema esquerda...
Malu Muniz - O PSOL pede para que se antecipem as eleições.

O que é um impeachment disfarçado.
Marcelo Salles - Como você está vendo isso? Há uma alternativa à esquerda para 2006?
Malu: E sobre a proposta de refundar o PT?

Até esse momento o Lula não foi atingido diretamente. Não há nada que diga que o Lula foi o beneficiário daquele pacote que o Duda Mendonça fala de 25 milhões. Tem muita coisa aí que tem que ser questionada, que para mim não ficou claramente convincente. Então eu acho que até esse momento ele não foi diretamente atingido,e a Constituição determina com muita clareza que, para haver impedimento, é preciso uma razão muito calara, muito concreta, muito sólida. Impedimento é uma coisa séria, muito pesada, muito forte. Então tem que ser feito com bastante seriedade e muita segurança. Não pode ser na base do ressentimento anti-Lula, anti-PT. Para impedi-lo de governar há que demonstrar uma razão muito sólida e muito, mas muito de acordo com o que a Constituição exige, sem o quê não tem cabimento. Senão é rasgar a Constituição. Eu não sei dizer a você o que vai acontecer ao PT ou o que vai acontecer à esquerda. Eu acho que está tudo muito nebuloso e eu não vejo o PT morto, é um partido de 800.000 filiados. E digamos que perca 50%. Ainda assim será um partido de 400.000 filiados. Os petistas do Brasil afora estão muito mal informados do que está acontecendo. No Brasil se lê muito pouco. Essa história de que todo mundo tem televisão... Não é todo mundo que vê o jornal da televisão e quando vê nem sempre absorve aquilo que está ali. Seja porque não está prestando atenção, seja porque não tem nível cultural para absorver, porque os jornalistas que estão falando ali não estão falando para eles. Estão falando para eles jornalistas e para São Paulo, as chamadas elites. Não há um jornalista de política em televisão que fale de maneira verdadeiramente compreensível para a chamada grande massa de telespectadores. Então, quando a gente vai escrever, se você for mais lúcido como jornalista, você num certo sentido escolhe o nível de público ao qual você se dirige. Se não for, você faz aquilo que você sabe ou pode fazer e manda bala. O que é mais ou menos aquilo que acontece em TV. É aquela linguagem que você encontra em todas as TVs, igualzinho sempre. No máximo um diz "Vergonha!" e o outro diz "Meu bem, o que foi e tal", mas no fundo é a mesma coisa. Então a grande massa de petistas não está informada das coisas. Eu tenho certeza que não ficará muito bem informada das coisas e não sei o que é que poderia acontecer de tão forte para levar essa gigantesca massa de filiados a se decidir a abandonar o PT. E o que é que pinta fora do PT? O PSOL é muito fraco. A própria Heloísa Helena mais assusta que atrai, então é problemático. Não sei o que virá aí, só sei que é preciso alguma coisa. Mas quem vai fazer, como vai fazer e se vai fazer. Esse seu país é muito complicado...
Malu Muniz - O Milton Temer falou de uma proposta inspirada no que está sendo feito na Venezuela, de trazer um referendo para 2006 afim de que a sociedade civil participe. O que você acha?
Olha, eu acho toda essa história de referendo perigosíssima. Se for o referendo sobre o desarmamento, tudo bem, todo mundo sabe o que é não ter arma; agora, quando você põe uma questão mais requintada um pouco, político-econômica, a grande maioria dos eleitores vai ficar à mercê dos meios de comunicação e a gente já sabe que eles são identificados com determinadas posições, determinados setores sociais, setores políticos e econômicos. Os meios de comunicação manipulam mesmo a opinião pública. Manipulam, não adianta dizer que não. Independente ou não-independente, vendido ou não-vendido, manipulam sim. Queira ou não queira, manipulam. E a gente já sabe que tipo de posições os meios de comunicação terão frente a tal questão. Você fala qual a questão e a gente já tem idéia. Então eu acho uma coisa muito perigosa. Tenho visto pessoas muito sérias embarcando nessa idéia, considerando que isso é a democracia participativa. Do meu ponto de vista não é. Pode ser participativa para uma massa eleitoral com o domínio do conhecimento da informação e consciência política. Se não fosse assim não existiria marqueteiro político. Marqueteiro é exatamente isso, é um cara que fabrica uma visão, uma interpretação, que no fundo não é mais que uma manipulação. Por isso é que o Duda Mendonça vai trabalhar para o Maluf, para o Pitta. Elege esses dois e depois elege o Lula... Então, o que ele está fazendo? Está manipulando. Operando a manipulação com um instrumento que é algum meio de comunicação ou vários. Então dizer que ir lá e colocar um "sim" ou "não" é democracia participativa...
Marcelo Salles - Eles desconsideram a mediação que existe.
Pois é. Mediação que é fundamental, é determinante.
Marcelo Salles - No editorial do dia 9 de agosto a Folha pareceu deixar clara sua posição favorável ao José Serra na entrevista do dia anterior e quiçá a uma candidatura à presidência da república em 2006. Na sua percepção, a Folha está com o prefeito de São Paulo?
Não sei se está, mas acho que é uma tendência. Ele é ligado a muita gente da Folha, tem muitos amigos lá. Foi do jornal muitos anos, trabalhou lá, foi editorialista da Folha. Editorialista de economia durante anos e tem relações muito especiais, é paulista... Eu acho que é uma tendência, mas eu não li esse editorial. Não sei.
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domingo, 27 de março de 2011

Vanguarda da pilhagem: roubo e arte no UbuWeb - Prosa & Verso: O Globo

Vanguarda da pilhagem: roubo e arte no UbuWeb - Prosa & Verso: O Globo: "Enviado por Miguel Conde -
26.03.2011
|
09h40m
Vanguarda da pilhagem: roubo e arte no UbuWeb

Roubo, plágio e pilhagem de textos são as principais técnicas ensinadas pelo poeta Kenneth Goldsmith aos alunos das suas oficinas de escrita não criativa na Universidade da Pensilvânia. Seus métodos literários, ele afirma, são os mais adequados a uma época em que a principal arte popular é o arquivamento de dados (em computadores, celulares ou servidores online), e na qual “a pessoa que pode apontar a melhor informação é mais poderosa do que a pessoa que faz a melhor informação”. Descritos por ele próprio como “chatos” e “ilegíveis”, os livros de Goldsmith a rigor não são escritos, mas antes transcritos. “The Weather” (2005) reúne um ano de boletins meteorológicos ouvidos no rádio; “Soliloquy” (2001), tudo que Goldsmith disse durante uma semana; “Day” (2003), uma edição inteira do “New York Times”.

— Mandei um exemplar para o jornal, na esperança de ser processado, mas não deu certo — diz Goldsmith de Nova York, onde vive. — A questão central com os direitos autorais é o dinheiro. Posso “roubar” o que quiser porque minha poesia não dá lucro.

O mesmo acontece com a mais espetacular obra arquivística de Goldsmith — o site UbuWeb, uma página criada por ele em 1996 e que hoje reúne o maior acervo de arte de vanguarda na internet. De James Joyce lendo “Finnegans Wake” a um longa-metragem dirigido pelo músico John Cage, o UbuWeb possui um conjunto de milhares de vídeos, áudios e textos que dificilmente podem ser encontrados em outro lugar. A coleção do site cresce rápido porque Goldsmith publica primeiro e resolve depois, na conversa, as reclamações ocasionais.

— Ele acredita que não precisa pagar direitos autorais, e acho que está certo — afirma a crítica literária americana Marjorie Perloff, professora emérita de Stanford. — O site dá acesso grátis e universal a obras que estavam sumidas ou eram itens de colecionador.
Para a crítica de arte da revista “The New Yorker”, Andrea K. Scott, o site é mais do que um arquivo virtual:

— O UbuWeb desafia definições. É muitas coisas para muitas pessoas. É o mapa e o território. É a água e a onda. É uma obra de arte se você disser que é.

Não existe no mundo um acervo de arte moderna e contemporânea ao mesmo tempo tão extenso e acessível quanto o do UbuWeb, que nasceu dedicado à poesia concreta e até hoje reúne textos de Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari e José Lino Grünewald, além de músicas de Caetano Veloso. Visitada por pesquisadores e artistas, incluída na bibliografia de cursos universitários, citada no “Guardian” e no “New York Times”, a página ganhou uma importância que contrasta com a maneira um tanto informal como foi construída.

— É um recurso indispensável, mas que tecnicamente infringe muitos, muitos direitos autorais — resume o crítico e historiador Darren Wershler, que prepara um livro sobre o site. — A sobrevivência do UbuWeb pode em boa parte ser atribuída à personalidade de Goldsmith. Ele tem a audácia de continuar adicionando novo material, e o charme para convencer a maioria das pessoas irritadas que escrevem pedindo que ele tire algo do ar.

Apesar da relativa notoriedade, o site faz o possível para não aparecer muito no radar. Para diminuir problemas com direitos autorais, Goldsmith resolveu excluir o UbuWeb (cujo nome faz referência ao personagem Ubu, das peças do escritor francês Alfred Jarry) do cadastro do Google. Uma busca por “John Cage” no acervo do UbuWeb retorna 191 resultados. Mas quem procurar obras de Cage pelo Google não encontrará nenhum link direto para o UbuWeb. De certa maneira, hoje é preciso saber que o site existe para encontrá-lo, embora ele continue registrado “em todos os buscadores ruins”, como diz Goldsmith, em referência a serviços como Bing, Altavista etc.

Cinco meses atrás, a página foi derrubada por hackers, o que fez com que Goldsmith mudasse seus provedores para o México. A queda foi comemorada numa lista de discussão online por um grupo de cineastas, segundo Goldsmith a “classe” que mais reclama do site:

— Eles são o que mais sofrem com a transição para a internet, passam de uma tela enorme numa sala escura para um quadro pequeno num monitor.

Em geral, no entanto, o site conta com uma boa vontade que não pode ser atribuída apenas à lábia de seu criador. É o que se percebe pela história de um dos itens mais curiosos no acervo do UbuWeb: um documentário sobre os efeitos alucinógenos da mescalina e do haxixe dirigido pelo cineasta Eric Duvivier em colaboração com o poeta francês Henri Michaux. Autor de livros em que registrava suas experiências psicodélicas, Michaux ficou insatisfeito com o resultado final do filme, feito por encomenda de uma empresa farmacêutica. Depois de algumas exibições, o poeta se opôs à circulação da obra. O filme passou décadas desaparecido, até aparecer um dia no UbuWeb. Um representante do legado de Henri Michaux ficou sabendo — mas deixou passar porque gostava do site.

Quando a reputação não basta, Goldsmith faz o possível para “transformar inimigos em amigos”. Uma das pessoas a passar por essa conversão foi Yoko Ono. Os advogados da viúva de John Lennon entraram em contato com o site em 2002, quando Goldsmith botou no ar as dez edições da revista multimídia “Aspen”. Cada número da revista, publicada entre 1965 e 1971, vinha numa caixa com folhetos, cartões, pôsteres e discos. Um desses discos trazia obras experimentais de Lennon e Yoko, como uma faixa em que Lennon tentava criar uma melodia apenas mexendo no botão de volume de um rádio, e uma colaboração em que os dois musicavam notícias de jornal sobre eles mesmos.

— Após algum diálogo, Yoko deu permissão para mantermos os arquivos — diz Goldsmith. — Esse tipo de coisa acontece o tempo todo no Ubu. É uma noção flexível de direito autoral, improvisada, com base na confiança. Todos saem ganhando.

Explorar as obras que estavam desaparecidas, ou tinham uma circulação mínima, até serem recuperadas pelo site é se dar conta de quanto da arte do século XX, em aparência tão próxima e familiar, já caiu numa área de sombra conhecida apenas por especialistas, ou nem isso. Em suas dez edições, a “Aspen” publicou textos de Roland Barthes e Marshall McLuhan, composições de John Cage e Lou Reed, e teve uma de suas caixas criada por Andy Warhol. Mas até aparecer no UbuWeb, a revista só podia ser achada na coleção de um punhado de bibliotecas públicas. Mesmo a obra de artistas canônicos tem lados menos óbvios registrados ali. Conhecido por suas colagens, o alemão Kurt Schwitters aparece no site com uma série de poemas sonoros, entre eles uma sonata fonética em quatro movimentos, ignorados em seu catalogue raisonné, que se dedica apenas à sua obra visual. Algo parecido acontece com os experimentos musicais do pintor Jean Dubuffet, estranhas misturas de jam sessions com recitais de poesia.

— O site mostra que existe toda uma tradição da vanguarda a ser estudada com mais cuidado — diz o dramaturgo Mac Wellman, que deu um curso sobre o UbuWeb no Brooklyn College. — Ali você encontra uma história diferente do que é a cultura moderna.

A noção de “vanguarda” usada no site é elástica e inclui de etnopoesia a obras contemporâneas. Uma seção intitulada “Outsiders” reúne poemas apócrifos colados em orelhões de Nova York no começo dos anos 1990 e panfletos nonsense distribuídos pela cidade que atribuíam a uma organização secreta chamada A Ordem Antiga a responsabilidade pelo bombardeio de Pearl Harbor e pela morte de Bruce Lee, entre outras coisas.

A crítica Marjorie Perloff diz que um dos méritos do site é botar o termo vanguarda mais uma vez em circulação, desafiando as interdições de historiadores e teóricos da arte:

— Todos esses termos, modernismo, vanguarda, pós-modernismo, se baseiam em distinções muito escorregadias. Muitas pessoas se opõem ao termo vanguarda, pensam que soa elitista. Mas é claro que é elitista, sempre foi. O UbuWeb é fundado nessa crença, de que precisamos de um site que não vai se dedicar apenas ao que agrada à média das pessoas.

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Folha de S.Paulo - Grupo dos Alcoólicos Anônimos tem a sua eficácia contestada - 27/03/2011

Folha de S.Paulo - Grupo dos Alcoólicos Anônimos tem a sua eficácia contestada - 27/03/2011: "Grupo dos Alcoólicos Anônimos tem a sua eficácia contestada

Apesar da fama, método tem o pior resultado na recuperação de dependentes, mostra estudo

Pesquisa mostra baixa adesão ao programa contra o alcoolismo; livro recém-lançado também critica AA

MARIANA VERSOLATO
DE SÃO PAULO

Em uma entrevista desvairada, o ator americano Charlie Sheen atacou os Alcoólicos Anônimos, dizendo ter sido 'acorrentado e oprimido' nesse 'culto' por 22 anos.
Sheen não é lá um modelo de paciente. Mas deu voz a um silencioso grupo de alcoólatras que não se acham no grupo de ajuda mútua criado há 71 anos nos EUA, e replicado mundo afora.
Aqui, pesquisa da Unifesp mostrou que menos da metade dos frequentadores permanece no AA após três meses, e que a técnica é a menos eficaz contra alcoolismo.
Isso, apesar da crença geral de que o AA tem sucesso em recuperar dependentes.
Os resultados do estudo afirmam que, depois de seis meses, a taxa de abstinência de seus frequentadores é de 9%, em comparação com taxa de 10% entre os que não fazem tratamento e de até 36% dos que combinam remédios e terapia.
O motivo mais alegado pelos que não se adaptaram é a falta de identificação com a filosofia do AA. Outras razões são o clima pesado e a falta de credibilidade ('parece um teatro, os frequentadores não parecem estar sóbrios e há muita demagogia', disseram voluntários da pesquisa).

CRÍTICAS INCOMUNS
'O AA se diz o melhor tratamento, mas, do ponto de vista científico, só é muito bom para uma minoria', diz Dartiu Xavier, psiquiatra e um dos autores do estudo.
Segundo o antropólogo e professor da USP Edemilson Antunes de Campos, que fez tese de doutorado sobre o AA após frequentar reuniões por um ano, críticas ao grupo não são comuns no Brasil.
Aqui, o grupo tem grande aceitação: o Brasil é o terceiro país com mais membros, atrás dos EUA e do México.
'Na França, o AA é visto como seita que contraria valores laicos. Aqui, não.'
O cunho religioso do AA é justamente um dos pontos da crítica que Luiz Alberto Bahia, conselheiro de drogadição, faz no seu recém-lançado 'O Mito da Doença Espiritual na Dependência de Álcool' (O Lutador, 381 págs.).
Bahia é ex-frequentador do AA e fundador de grupos de ajuda mútua em Minas.
'No AA, o dependente é tratado como pecador e deve aceitar um programa espiritual para ser curado', critica.
Já para Campos, o alcoólatra se reconstrói no AA a partir da imagem do poder superior. 'No AA, o alcoólatra nunca será autônomo; ele deve se reconhecer limitado, o que pode incomodar, mas é essencial à abstinência.'
Para Bahia, os abstêmios foram doutrinados. 'O AA tira a liberdade deles, que trocam uma droga por outra.'
Campos, de outro lado, diz que frequentadores até afirmam ser dependentes do grupo, mas têm a chance de escolher entre beber ou não. 'O sujeito recupera o controle da vida por meio de um suporte coletivo para reconstruir laços afetivos, sociais e profissionais', justifica.
Para Bahia, o AA é baseado numa ideia antiga de que vício é desvio de caráter.
'O programa estigmatiza o paciente, e a sociedade tem uma visão deturpada do alcoolismo por causa dele.'
Segundo o psiquiatra Xavier, a maioria dos dependentes tem outros problemas psiquiátricos. 'Quem chega no AA não tem isso diagnosticado e, segundo seu conceito original, não pode usar remédio, considerado droga.'
Um quarto dos dependentes têm alguma fobia social. E 80% deles começaram a beber por causa disso. 'Aí não faz sentido frequentar o AA, mas tratar a causa.'
Outra crítica é a rigidez . Segundo Xavier, as recaídas fazem parte do processo de recuperação. Mas, no AA, são consideradas fracasso.

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sábado, 26 de março de 2011

Blog Leituras Favre

Blog Leituras Favre: "31 milhões subiram de classe social em 2010

Formato da distribuição de renda deixa de ser uma pirâmide e se torna um losango
Márcia De Chiara – O Estado de S.Paulo

A distribuição dos brasileiros por classes socioeconômicas mudou nos últimos cinco anos. Deixou de ter o formato de pirâmide, típico de países pobres, com grande contingente de baixa renda, e passou a ser um losango, figura geométrica que se aproxima de uma distribuição socioeconômica mais equilibrada entre os estratos sociais e frequente em países desenvolvidos.

Essa é a principal constatação da 6.ª edição da pesquisa O Observador Brasil 2011, espécie de radiografia do mercado de consumo, executada pelo instituto Ipsos Public Affairs, a pedido da Cetelem BGN, do grupo financeiro francês BNP Paribas.

A mudança de formato da distribuição das classes socioeconômicas entre 2005 e 2010 ocorreu em razão do ganho de renda que levou a uma grande mobilidade social. Só no ano passado, quase 31 milhões de brasileiros ascenderam socialmente. Desse total, cerca de 19 milhões saíram das classes D/E e engrossaram a grande classe média, a classe C. E perto de 12 milhões de pessoas pularam da classe C para as classes de maior poder aquisitivo A/B.

“Eu não me surpreenderia se no ano que vem houvesse um empate entre as classes D/E e A/B em número de brasileiros”, afirma o presidente da Cetelem BGN, Marcos Etchegoyen.

De acordo com a pesquisa, a classe C já representava no ano passado mais da metade (53%) da população brasileira de 191,7 milhões de pessoas. Em 2009, a fatia da classe C era de 49% e em 2005, de 34%.

Já as classes D/E responderam em 2010 por 25% da população, ante 35% no ano anterior e 51% em 2005. No sentido oposto, a participação das classes A/B está aumentando. Cinco anos atrás, elas representavam 15% da população. Esse índice subiu para 16% em 2009 e atingiu 21% no ano passado.

Renda. Outro resultado relevante da pesquisa é que em 2010 houve ganho de renda disponível para os brasileiros de todas as classes sociais e especialmente para os estratos mais pobres. A renda disponível é aquela que sobra no orçamento das famílias depois de pagas todas as despesas e é basicamente sinônimo de consumo para as classes sociais de menor renda.

No ano passado, sobraram, em média, R$ 368 por mês no orçamento das famílias, cifra 60% maior que no ano anterior. Mas foram as classes D/E que registraram os maiores ganhos de renda disponível no período. “Em 2010, a renda disponível dos mais pobres superou R$ 100″, observa Miltonleise Carreiro Filho, vice-presidente da Cetelem BGN. No ano passado, a renda disponível desse estrato social atingiu R$ 104, com crescimento de 70% ante 2009.

Nas contas de Carreiro Filho, a maior renda disponível entre as camadas mais pobres equivale a um total de recursos de cerca de R$ 1,4 bilhão livre para o consumo. Ele lembra também que houve uma mudança radical na renda disponível das classes D/E ao longo dos anos. Em 2005, essa camada da população tinha renda disponível negativa em R$ 17, ou seja, a renda era insuficiente para cobrir as despesas do mês. “Faltava renda para fechar as contas”, observa.

Depois dos mais pobres, as classes mais ricas, A/B, registraram a maior taxa de crescimento da renda disponível em 2010, com aumento de 46%, de R$ 680 em 2009 para R$ 991 em 2010. Já a classe média teve o menor ganho de renda disponível no período. Em 2009, a renda disponível da classe C era de R$ 204 e subiu para R$ 243 no ano passado, com acréscimo de 19%.

Otimismo
Entre 13 países pesquisados pelo BNP Paribas, o Brasil foi o mais bem avaliado pela sua população em 2010. De zero a dez, o País obteve nota 6,8 e ficou um ponto à frente da Alemanha.

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Blog Leituras Favre

Blog Leituras Favre: "“A outra Era Vargas”, por Wanderley Guilherme
Maria Cristina Fernandes – VALOR

Dois anos antes do golpe de 1964, quando a esquerda embarcava na onda da revolução, Wanderley Guilherme dos Santos alertava num livro lendário (Quem dará o Golpe no Brasil, Civilização Brasileira, 1962) sobre a quartelada que estava em curso e que acabaria por sufocá-la.

Meio século depois, quando a análise política predominante situa o governo Luiz Inácio Lula da Silva como continuador da herança varguista e já trata de delinear os atritos deste legado com o governo Dilma Rousseff, lá vem Wanderley Guilherme novamente na mão contrária. Aos 75 anos, continua com um facho na mão.

Foi Lula, diz, quem, na verdade, encerrou a Era Vargas. Não fala a partir da Casa Rui Barbosa para cuja presidência ainda não foi oficializado. “A outra Era Vargas” é o tema da aula magna que profere hoje no início das atividades do Iesp, o instituto que, encampado pela Uerj, abriga os pesquisadores do antigo Iuperj fundado por Wanderley Guilherme no final dos anos 60.

Recorre ao seu conceito de cidadania regulada, que se tornou um dos mais influentes da ciência política nacional, ao advogar para Lula a condição de coveiro da Era Vargas.

Foi o governo Lula que encerrou a Era Vargas

Cunhado no final da década de 70 (Cidadania e Justiça, Campus, 1979), o conceito define a cidadania não por um conjunto de valores políticos mas pela inserção formal no mercado de trabalho. Com Vargas, passou a ser cidadão quem tinha uma profissão regulamentada e pertencia a um sindicato. A carteira de trabalho, na comparação de Wanderley Guilherme, passou a ser, de fato, a certidão de nascimento cívico e acabou controlando a expansão da cidadania no Brasil.

O primeiro ato de rompimento com a cidadania regulada, diz, aconteceu sob Médici, com a criação do Funrural. A abertura política ampliou o rompimento dessa regulação, mas foi apenas no governo Lula que seus pressupostos teriam sido sepultados.

Sem desmerecer o Bolsa Família, prefere lançar mão de um outro programa social, o Brasil Sorridente, para sustentar a tese de que não é preciso mais ser um torneiro mecânico para alcançar a cidadania. Segundo dados do Ministério da Saúde, as 18.650 equipes do programa haviam atendido, até 2009, 87 milhões de brasileiros que, até então, engrossavam os contingentes de desdentados que tanto envergonham a identidade nacional.

Wanderley Guilherme saúda a desregulação da cidadania mas não acolhe com o mesmo entusiasmo o fim de um dos instrumentos de sua promoção, o imposto sindical. Seus opositores estariam filiados à interpretação de que Vargas domesticou o movimento sindical – “Não havia nada a ser domesticado, os sindicatos eram fracos; o que o imposto fez foi resolver o problema da ação coletiva num momento em que a esquerda era revolucionária, não queria fazer política nem se expor ao degredo pela ação sindical”.

Enquanto a cidadania era regulada pelo Estado, o imposto sindical, era, e continua sendo, privado. Ao contrário do fundo partidário, que é estatal, o imposto sindical é recolhido junto aos trabalhadores. Acredita que o sistema possa ser aperfeiçoado mas indaga o que aconteceria se caísse a compulsoriedade: “Os ganhos obtidos pelos sindicatos apenas serão usufruídos pelos filiados?”.

Diz que a oligarquização atinge tanto as organizações sindicais trabalhistas quanto as patronais, mas não acredita que o meio para combatê-la seja o fim do imposto sindical. Credita o engajamento da CUT e do PT na campanha pela sua extinção a uma compreensão enviezada da Era Vargas que pode jogar por terra um estímulo à ação política dos trabalhadores.

Não acredita que o governo Dilma esteja contaminado pelo que chama de sentimento antivarguista conservador que hoje abriga CUT e PT. Cita a participação de empregados no conselho de administração das estatais, promulgada por Lula e regulamentada por Dilma, como um sinal eloquente de continuidade. “É um ato histórico porque tem a ver com a participação de trabalhadores no destino da mais valia e na definição dos investimentos que vão garantir empregos no futuro; é uma participação política crucial”.

Os limites da continuidade, diz, serão dados pela necessidade – mais premente agora do que o foi sob Lula – de se arbitrarem perdas.

É isso que está em questão na discussão da política antiinflacionária. A desregulação da cidadania só foi possível pelo rompimento com o preceito de que não era possível crescer sem inflação e desigualdade. Crescimento exige mais poupança interna e isso não rimava com distribuição de renda. Wanderley Guilherme diz que esta foi uma das mais espetaculares rupturas dos últimos oitenta anos visto que os dois antecessores que o superaram em avanço do PIB, Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel, não conseguiram domar a inflação nem evitaram que a desigualdade aumentasse.

“Os radicais dizem que os bancos ganharam mais. É claro que os ricos ficaram mais ricos, mas os pobres ficaram menos pobres em maior proporção. Isso se deu porque o bolo cresceu e é possível que não o faça no mesmo ritmo neste governo. Dilma terá que impor perdas a alguns segmentos se quiser que a desigualdade continue a ser reduzida”, diz.

Terá ainda que se ver com o crescimento do potencial do eleitorado conservador – tema de seu mais recente artigo no Valor (30/09/2010) – decorrente da percepção da nova classe média de que, dados os limites à mobilidade social, solavancos sociais podem acabar por desalojá-la.

Pelas medidas até agora tomadas, em relação ao salário mínimo, ao aumento do valor do bolsa família, ao programa de combate à miséria e às medidas antiinflacionárias, não vê uma arbitragem que rompa com o padrão de governo que a antecedeu.

O que ainda está por ver, na arbitragem das perdas, é o que Dilma fará para manter os pressupostos da competitividade internacional do país, o investimento em tecnologia e inovação. A ausência desse esforço sacrificaria um crescimento sustentado do país sem o qual todo o resto, desta e de outras eras, ficaria comprometido.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail mcristina.fernandes@valor.com.br

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Blog de Ricardo Noblat: colunista do jornal O Globo com notícias sobre política direto de Brasília - Ricardo Noblat: O Globo

Blog de Ricardo Noblat: colunista do jornal O Globo com notícias sobre política direto de Brasília - Ricardo Noblat: O Globo: "Presídios no Brasil são como 'masmorras medievais'

Marcelle Ribeiro, O Globo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Cezar Peluso, fez duras críticas ao sistema penitenciário brasileiro em palestra no I Seminário Segurança Pública promovido pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, [ontem].

Ele comparou os presídios a 'masmorras medievais' e reclamou do 'fracasso' e da 'falência' do sistema carcerário, que sofre com o desprezo do Poder Público.

- O país tem encarceramento em condições desumanas, em masmorras medievais - disse. - E quanto à ressocialização dos egressos do sistema (penitenciário), isso não pode continuar a ser um assunto subalterno - afirmou.

Na opinião do ministro, as situações de insalubridade e precariedade dos presídios brasileiros são 'um crime do Estado contra o cidadão'.

Peluso também disse ser favorável à integração das polícias no Brasil. Falando sobre casos recentes de criminalidade que causam preocupação, Peluso citou a tentativa de homicídio de um jovem desarmado por policiais militares no Amazonas.

- Foi grave o acontecimento no Amazonas, em que policiais militares tentaram matar um jovem desarmado. O jovem se salvou por má pontaria - disse Peluso.

Na quinta-feira, no mesmo seminário, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que os presídios têm 'situações grotescas' e que são verdadeiras escolas de formação de criminosos'.

O ministro ressaltou ainda que a integração das polícias não acontece por 'mesquinheza' dos politicos, que pensam mais em seus interesses eleitorais do que discutir concretamente um melhor desempenho das políticas de segurança.

O presidente do STF saiu da palestra na FAAP sem falar com a imprensa e nem comentar a decisão do tribunal de que a Lei da Ficha Limpa não se aplica às eleições de 2010.

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terça-feira, 22 de março de 2011

Controle de Agrotóxicos: com a palavra o médico governador!

Controle de Agrotóxicos: com a palavra o médico governador!: "22/03/2011

Controle de Agrotóxicos: com a palavra o médico governador!

Por Raul Marcelo e Marco Antônio de Moraes

No dia 1º de março deste ano, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo acatou a proposta de controle e fiscalização de agrotóxicos no território paulista, por meio da aprovação do Projeto de Lei nº 281/2010, de nossa autoria. A proposta visa uma efetiva participação estatal no controle e fiscalização destas substâncias, criando e expandindo atribuições para as Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente, uma vez que hoje, apenas a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, precariamente, apresenta atividades rotineiras de fiscalização ao comércio e ao uso destes produtos nas lavouras.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Se considerarmos apenas os agrotóxicos de uso na agricultura, cerca de 20 % deste total é aplicado nas lavouras de São Paulo. Porém, se contabilizados os pesticidas utilizados em áreas urbanas e industriais, como desinfestantes e domissanitários; na manutenção de ferrovias, rodovias e pátios; na saúde pública, para o controle de vetores de doenças, como a dengue, o volume de agrotóxicos consumidos no Estado, certamente, extrapola, em muito, este porcentual.

Os agrotóxicos são responsáveis por desequilíbrios ambientais de extrema relevância e associados a monoculturas trazem efeitos dramáticos para a biodiversidade. Um dos exemplos é o desaparecimento de abelhas, com grave impacto para biomas inteiros pela falta de polinização de espécies vegetais silvestres. Até mesmo a produção de alimentos fica sob ameaça, pois se estima que um terço das culturas agrícolas dependa da polinização por abelhas. Na região de Araraquara, são recentes as constatações de mortandade de colônias de abelhas provocadas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos visando o controle do inseto vetor do Greening, doença bacteriana que atinge a citricultura paulista. A preocupação é global, países europeus proíbem determinados inseticidas em função dos comprovados danos à população de abelhas.

Por outro lado, no mundo todo, inúmeras pesquisas científicas associam os agrotóxicos ao desenvolvimento de enfermidades severas, como cânceres, distúrbios hormonais e doenças neurodegenerativas, como o “Mal de Parkinson”. São também várias as constatações que revelam maior incidência de suicídios entre as populações de trabalhadores rurais expostos aos inseticidas organofosforados, entre os quais metamidofós, paration metílico e clorpirifós, vergonhosamente, ainda em voga no Brasil, embora com uso proibido ou fortemente restringido em diversos países, como EUA, Comunidade Européia, China, Índia, Nicaraguá, etc.

Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA venha tomando importantes iniciativas para reavaliação de diversos princípios ativos de maior risco toxicológico, a efetivação de suas recomendações para restrições ou banimentos são sujeitas, por força de interesses mercantis, a um gradualismo indevido, como é o caso do banimento dos agrotóxicos à base de metamidofós e de endossulfam, com proibição definitiva postergada para 2013. No mundo todo, são substâncias fartamente reconhecidas como de extrema periculosidade. Cabe frisar que o endossulfam já está proibido em mais de 40 países, incluídos Sri Lanka, Mauritânia, Senegal, Burkina Faso e Cabo Verde por reconhecidos problemas como aumento do risco de problemas congênitos, imunodepressão e distúrbios hormonais.

Especialistas chegam a estipular que ocorram, anualmente, mais de 540.000 intoxicações por agrotóxicos no Brasil, com cerca de 4.000 mortes, revelando a elevada letalidade dessas substâncias. São mais atingidos os trabalhadores rurais, em contato direto com essas substâncias, mas toda a população, em maior ou menor grau, esta sujeita aos riscos dos pesticidas, seja pela exposição por meio do consumo de alimentos e de água contaminados ou em função do crescente uso em ambiente urbano.

Uma visão reducionista, predominante há mais de 50 anos e de conveniência às empresas que lucram com os agrotóxicos, imputa todos os males relacionados ao tema ao inadequado uso pelos agricultores, decorrente de um suposto problema cultural que atinge a população do campo brasileiro. Desta forma, tira-se o foco da periculosidade toxicológica e ambiental intrínseca aos agrotóxicos.

Ainda que fundamentais, as ações de fiscalização no campo não apresentam capacidade de onipresença, incidindo sobre parcela muito reduzida das aplicações de veneno no ambiente rural, sobretudo se considerarmos a precária situação estrutural dos órgãos fiscalizadores. Dessa forma, torna-se essencial o papel do registro dos agrotóxicos, - que autorizam a sua produção, comercialização e uso no território nacional -, como instrumento normativo de controle, com poder de imposição de banimento e restrições.

No uso da competência legislativa concorrente prevista na Constituição Federal de 1988 e evidenciada na “Lei dos Agrotóxicos” (Lei Federal 7.802/1989), o projeto de lei nº 281/2010 inova ao trazer para a esfera estadual, um cadastro com maior possibilidade de rigor e imposição de restrições ante o registro pelos órgãos federais. Hoje, o cadastro de agrotóxicos no Estado é feito de forma meramente cartorial e burocrática pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, sem qualquer parecer técnico dos órgãos estaduais de meio ambiente e saúde. Em caso da sanção do projeto aprovado pela ALESP, o Estado passa a ter condição legal de se antecipar aos órgãos federais nas restrições e banimentos, como a dos inseticidas a base de metamidofós, paration metílico e endossulfam, bem como dos herbicidas a base de paraquat, entre outros, fundamentado em impugnação de cadastro dos agrotóxicos que outros países proíbam, motivadamente, o seu uso.

O projeto também prevê a renovação quinquenal do cadastro, permitindo, periodicamente, a reavaliação automática dos agrotóxicos; institui taxas direcionadas ao custeio do aprimoramento da fiscalização, à criação de sistema de monitoramento de intoxicações e contaminações ambientais e a fomentação de técnicas agroecológicas, substitutivas ao uso dos agrotóxicos; e especifica como irregularidades, um rol de condutas que potencializam os riscos dos pesticidas.

Os agrotóxicos se configuram como um dos maiores agentes de risco à saúde humana da contemporaneidade. Com a palavra o médico governador, Geraldo Alckmin, a quem cabe a sanção do projeto aprovado, para demonstrar sua sensibilidade com a saúde pública.

Raul Marcelo de Souza é ex-deputado estadual e autor do PL 281/2010. Marco Antônio de Moraes é engenheiro agrônomo.

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domingo, 20 de março de 2011

Entrevista com Ivan Izquierdo

Entrevista com Ivan Izquierdo: "A MEMÓRIA

Entrevista com Ivan Izquierdo

por
Ignacio Brusco, MD; Diego Golombek, PhD e Sergio Strejilevich, MD

Atualmente vivendo em Porto Alegre, o argentino Ivan Izquierdo é um dos maiores pesquisadores do mundo na área de fisiologia da memória e seus artigos e livros já são parte imprescindível das bibliografías básicas dos trabalhos dedicados ao tema. Este atrativo personagem converteu o nosso encontro em um momento adequadamente estimulante, desses que deixam memórias !

Nesta entrevista, concedida com exclusividade para RAN, e reproduzida em 'Cérebro & Mente', o Prof. Izquierdo responde a questões palpitantes sobre a neurobiologia da memória, tais como:

* O que é a memória e seus circuitos neurais
* O impacto da pesquisa básica no conceito da memória
* A memória guarda fatos ou emoções ?
* Estresse e memória
* Como as memórias se apagam ?
* O papel das endorfinas no esquecimento
* Memória: digital ou analógica ?
* Proteinas celulares e a formação da memória
* A potenciação sináptica na memória
* Homocentrismo e nosso conceito de memória
* Os mecanismos genéticos e individuais

RAN: O que é a memória? Aonde nos vai levar a estratégia reducionista, que em última análise é a que todos nós utilizamos na ciência ?

Bem, está nos levando a um determinado destino, que não sei dizer se é bom ou não, mas que sabemos ser cada vez mais exato. Creio que conhecemos básicamente as áreas cerebrais envolvidas nos principais tipos de memória. Uma delas, a memória de trabalho, que é uma memória muito rápida, pois dura segundos (por exemplo, se alguém nos dita um número telefônico; o qual discamos e logo o esquecemos), tem sua localização na área prefrontal.

Há varios estudos recentes, feitos básicamente por três grupos, Fuster e Goldman Rackick nos Estados Unidos e Sakata, no Japão (que provavelmente é o melhor dos três) que encontraram circuitos neuronais no córtex prefrontal e no córtex anterolateral, sobretudo (há outras áreas envolvidas também), as quais já se conhece em parte como funcionam, e o que fazem durante os diferentes tipos de memória de trabalho.

Portanto há dois grandes grupos de memória que se podem subdividir o não. Um é o da memória de procedimentos, de atos motores o de concatenações de atos motores, como por exemplo, saber escrever à máquina, saber nadar, esse tipo de coisas. Essa memória tem uma localização cortical em parte, pelo menos inicialmente, mas depois envolve os gânglios basais e o cerebelo. É a chamada memória procedural. Conhecemos as suas vias, a sua arquitetura, digamos, mas não quem a 'habita', não conhecemos muito bem como funciona. A outra é a memória declarativa, que é o que todos chamam comumente de memória. É a memória de fatos, de eventos, de seqüências de fatos e eventos, de pessoas, de faces, de conceitos, de idéias, etc. Esta é memória sobre a qual mais sabemos do ponto de vista bioquímico e neuroanatômico.

As memórias declarativas se formam em primeiro lugar em uma região do lobo temporal, o hipocampo, que tem muitas fibras de conexão com o córtex entorrinal, que está localizada logo abaixo dele. Conhecemos até certo ponto a natureza dessa conexão, ou seja, a informação que irá converter-se eventualmente em memórias no hipocampo entra pelo córtex entorrinal, que recebe fibras de todas as vias sensoriais, de praticamente todo o córtex.

Quando a memória é de tipo aversivo, ou envolve emoções, um grau de alerta muito grande, ou algum grau de estresse, entram em jogo duas estruturas cerebrais adicionais: a amígdala, que está no próprio lobo temporal, perto do hipocampo, e que tem conexões bidirecionais com o mesmo; e talvez, no homem pelo menos, a região corticomedial do córtex prefrontal, que possivelmente supre ou complementa as funções da amígdala. O hipocampo efetua uma série de processos bioquímicos que eventualmente servem para fortalecer seus conexões com outras estruturas. Isto é feito através do subiculum-córtex entorrinal. Dependendo do tipo de memória, a via envolverá, mais tarde, o córtex parietal associativo. Isso está bem demostrado e há boa evidência para estabelecer que noutros tipos de memória pode chegar a intervir os córtices associativos frontal, occipital e temporal .

A memória mais bem estudada é uma que ocorre em um modelo muito simples, utilizando ratos. O rato aprende a evitar de entrar em um lugar onde recebe uma punição por isso, um choque eléctrico. É uma memória de formação rápida -se forma em segundos-, mas que pode durar toda a vida. No momento que o rato adquirir essa memória, entra em jogo o hipocampo, modulado pela amígdala, a qual é modulada, por sua vez , pelo septo medial, dando início a uma extensa sequência de processos bioquímicos. Aos trinta minutos, mais o menos, se ativa o córtex entorrinal durante horas e essa ativação é necessária para a memória. Se se bloqueia esse circuito, a memória não se forma, necessitando-se um processo bioquímico extenso no hipocampo, de varias horas, e algo que entre em paralelo, e um pouco depois, temporalmente, na área entorrinal. Meia hora mais tarde entra em jogo o córtex parietal posterior. Ou seja, sem essa sequência de três estruturas e sem a cadeia bioquímica que ocorre no hipocampo paralelamente durante a ativação, não há memória do evento.

Se pedimos ao animal que evoque a memória um dia depois de aprendido o estímulo, e fazemos uma injeção de antagonistas glutamatérgicos e de NMDA no hipocampo, amígdala, área entorrinal ou parietal, se cancela a memória; caracterizando assim o circuito necessário para recuperar a memória. É de se crer que memórias menos aversivas não envolvam a amígdala, por exemplo, e que outras mais aversivas envolvam o septo também.

Agora, se pedimos ao animal que evoque a memória vinte dias depois do aprendizado, o quadro é mais o menos o mesmo, essas quatro estruturas estão participando. No entanto, se fizermos o teste de memória trinta dias depois, o hipocampo e a amígdala já não participam mais; podemos bloqueá-lo ou não com antagonistas glutamatérgicos e a memória continua igual. Por outro lado, se se bloqueia as áreas entorrinal ou parietal a memória não é recuperada. Portanto, o circuito que é necessário para evocar a memória e onde possivelmente ela esteja radicada, envolve, aos trinta dias depois de adquirida: o córtex entorrinal e o córtex parietal, mas não mais os lugares onde primeiro se formou, ou seja; hipocampo e amígdala.

Possivelmente o circuito da memória de maior duração começa na área temporal, e envolve outras estruturas, posteriormente. Não sei quantas -nós estudamos apenas a área parietal posterior- mas há muita evidência para outros tipos de memória de que também estão envolvidos as áreas occipital associativa e algumas regiões do córtex prefrontal. É muito provável que a memória, além de de fazer uma cópia, por assim dizer, do hipocampo para a área entorrinal e para a área parietal, deve fazer cópias também para outros lugares. Aqui já não conhecemos praticamente nada sobre os mecanismos dessas cópias, e apenas um pouco sobre os locais do cérebro onde ocorrem.

RAN: Evidentemente não somente há mais dados, como também tem ocorrido uma renovação no próprio conceito de a memória (o da memória de trabalho é um bom exemplo). Até que ponto a pesquisa básica tem impactado nossos conceitos a esse respeito ?

Bem, há varias contribuções da ciência básica nesse sentido, e muitas mudanças têm ocorrido. Por exemplo, creio que uma das coisas mais importantes que nos tem permitido este conhecimento sobre o mecanismo bioquímico que ocorre na memória, bem sobre o que é necessário ocorrer no hipocampo para que possa haver a memória, é que nos tem levado a estudar em bastante detalhe e em forma bastante precisa a modulação desse mecanismo por vias claramente comprometidas com emoções, afetos, etc.

Por exemplo, há uma via dopaminérgica, atuando no hipocampo e na área entorrinal sobre receptores D1, uma via noradrenérgica, que atua no hipocampo e na área entorrinal sobre os receptores beta e uma via serotoninérgica, que atua no hipocampo e na área entorrinal, sobre receptores 5HT1A. Isto foi relativamente simples de estudar mas muito interesante e muito ilustrativo. Se implantam animais com cânulas no hipocampo ou na entorrinal, e por elas se injeta drogas agonistas ou antagonistas específicas para estas vias, em diferentes tempos depois que o animal aprendeu determinado estímulo: imediatamente depois, uma hora e meia depois, e três horas depois. Se o antagonista tem um efeito, quer dizer, que a via é ativa fisiológicamente e se o agonista tem um efeito, ou seja, que a via existe, os resultados são muito claros. As vias que usam receptores dopominérgicos D1 e as que usam receptores beta noradrenérgicos estimulam a enzima adenilciclase, que fabrica AMP cíclico, enquanto que as vias que usam receptores 5HT1A a inibe. Por isso, estudamos também o efeito de um estimulante dessa enzima que não atua através de receptores, e que se chama foscolin , bem como o próprio AMP cíclico, em uma versão solúvel, que é o 8-bromo-AMP cíclico.

O AMP cíclico atua em boa parte, ativando uma enzima chamada proteínaquinase. Esta, por sua vez, fosforila muitas coisas, entre elas, os proprios receptores glutamatérgicos bem como fatores de transcrição nucleares, principalmente um que se chama CREP. Por isso usamos também inibidores da proteínaquinase A. Para encurtar a historia, a evidência indica que no tempo que decorre desde o momento que o animal aprende até seis horas depois, a via dopaminérgica D1 e a beta adrenérgica estimulam brutalmente a memória. A palavra chave aí é brutalmente, porque é enorme a estimulação, muito forte. Um antagonista beta, por exemplo, o timolol, e um antagonista D1 experimental que se chama SCH23390, deprimem a memória como se o animal tivesse recebido um eletrochoque, ou seja, liquidam-na. O animal pode ser retreinado depois como se nunca tivesse vivido aquela situação, porque não se lembra de nada, não aprendeu, não grava nada. Isto é feito na área entorrinal imediatamente após o aprendizado, ou 3 e 6 horas depois do mesmo. Nove horas depois isso já não ocorre, ou seja, existe uma 'janela' de tempo enorme na qual a memória é muito susceptível a estas vias.

Em resumo, há três fortes vias moduladoras da memória que se ativam, que são necessárias e que atuam durante muitissimo tempo sobre a memória, horas depois de ser adquirida. Este é um processo muito claro de ligação entre os processos cognitivos e as vias tidas como envolvidas em coisas que pelo menos antigamente se chamavam não cognitivas, emocionais...

RAN: A partir desse ponto, e especulando um pouco, poderíamos dizer que a hipótese de Antonio Damasio sobre o marcador somático poderia ser ampliada também como um tipo de memória...

Sim, claro, e o que Damasio diz no fundo tem uma base experimental muito clara. Nós e outros pesquisadores fomos capazes de demonstrar isso: a memória guarda emoções. Por exemplo, se neste momento cair o teto em nossas cabeças, ou algo do estilo, e sairmos correndo, nos lembraremos sempre desse episódio. A parte que é informacional ou cognitiva do episódio, ou seja, a visão do teto caindo, nossa corrida, etc. seguramente se registrará no hipocampo, na área entorrinal, etc. e a partir daí que ela será armazenada ou não. Seguramente ela será armazenada como uma memória declarativa. Agora, a parte emocional, o susto que isto nos daria, o terror que isto nos causaría (não necessariamente ligado ao teto que cai, mas ligado ao que aconteceu no momento); é armazenada pela amígdala e provavelmente pelo córtex corticomedial do área prefrontal no homem

RAN: Se o estresse é muito importante, já foi estudado como é que atuam estas estruturas inibindo a função de memória?. Ou seja, sabemos que uma situação de estresse muito importante, muito grave, pode produzir inibição, pelo menos de evocação de memória...

Não sabemos muito a respeito do córtex prefrontal nesse aspecto. Há elocubrações de Damasio que indicam que ele pode ter algo a ver com o momento imediatamente após a aquisição da memória. Na realidade, o que sabemos é o papel importantissimo da amígdala no momento imediato à aquisição. Por exemplo, quando a amígdala é hiperestimulada, ou quando está inibida, ocorre mais o menos a mesma coisa, ou seja, cancela as memórias, impede que se formem. Se poderia dizer que se algo não é suficientemente horrivel não o guardamos mas se é demasiado horrivel tão pouco o fazemos !

RAN: Há pouco estávamos lendo um trabalho no qual se pediu a pessoas se se lembravam com luxo de detalhes a tragédia do ônibus espacial Challenger. Poucos dias depois do mesmo, elas se lembravam do acidente com muitos detalhes. Mais tarde, lembravam-se de que houve algo que explodiu, e que foi muito terrivel, mas se lembravam muito pouco dos detalhes. O mesmo aconteceu com a guerra de Malvinas. Poderiamos pensar em uma via bioquímica que provoca um apagamento gradual dos detalhes?

Aí está! Nos esquecemos dos detalhes, mas nos lembramos que foi um momento muito dramático. E às vezes, inclusive, podemos até nem nos lembrarmos que foi um momento muito dramático. Em que ano foi, em 82 ou em 81? Já nos esquecemos dos detalhes. Mas veja: o que vai se apagando são os detalhes não emocionais. Cada vez que há uma circunstância que nos evoca algo emocional, que pode ser nossa própria vontade, evocamos os detalhes emocionais. Eu, por exemplo, me lembro claramente de momentos muito meigos com minha primeira namoradinha quando tinha 14 anos, mas não me lembro daa cara dela... Era uma mulher - ou um fragmento de mulher- muito doce...

RAN: Lembra-se da emoção...

Claro, a emoção; lembro que era muito linda; me lembro como me angustiava ficar esperando, ela virá hoje ou não ?... mas não me lembro muito bem como era, em si mesma, a pessoa à qual esperava.

RAN: Há processos mais agudos e mais importantes de apagamento de memória, não tanto a longo prazo, como por exemplo os casos de amnésia pós-traumática que acontecem depois de um atentado à bomba onde há pessoas que não se lembram de absolutamente nada Este poderia ser um processo de inibição de memória, e que fenómenos neuroquímicos estaríam implícitos?

Há varios mecanismos que se conhece. Um é uma hiper-secreção periférica de uma quantidade de hormônios que regulam a memória em seu momento inicial e o fazem através de mecanismos que envolvem a amígdala. ACTH, por sua própria conta, ou através da liberação de corticóides, adrenalina e noradrenalina periféricas, vasopressina, em parte, o fazem através de uma ação mediada pela amígdala - no caso dos corticoides também por uma ação sobre o hipocampo- e atuam nos momentos muito iniciais, nos primeiros minutos de formação da memória. Se eles não são liberados ou estão presentes em quantidades muito pequenas, a memória não é gravada. Mas se são hiper-secretados ou também injetados em quantidades muito grandes, apagam a memória, o animal não grava nada. Novamente, é aquilo que eu disse, que um certo nivel de alerta é necessário.

RAN: É interessante pensar sobre as razões evolutivas que devem ter favorecido a presença deste nivel de regulação, não acha?

Claro, uma sensação que produz emoções invariavelmente fortes é a dor intensa, e no entanto ela pode ser eaquecida. Podemos nos lembrar das circunstâncias em que ocorreram aquela dor, mas não da dor em si. O parto costuma ser doloroso, e às vezes muito doloroso, mas depois as mulheres se lembram apenas da cara do médico, de gestos da enfermeira, de detalhes da sala de parto, do momento em que viram o rostinho do filho pela primeira vez, etc., mas não da dor que sentiram. É por isto que as mulheres têm mais de um filho!

RAN: E que papel tem a liberação das endorfinas em tudo isso?

As endorfinas têm um efeito por um lado provavelmente analgésico e por outro, amnésico. Por exemplo há situações dolorosas ou em situações de novidade muito marcantes, como ao se colocar um rato em um novo ambiente (o rato é um animal que enxerga pouco, se guia muito pelo olfato e é pequeno, por isso se asusta quando está em um ambiente ao que não está acostumado). Neste animal, e nestas circunstâncias se libera betaendorfina cerebral em quantidades grandes e isto o faz se esquecer em parte do que está acontecendo naquele momento.

RAN: Mudando de tema, você acredita que a memória é digital, analógica, ou é um modelo mixto?

-Não tenho a menor idéia; creio que qualquer coisa que eu dissesse à respeito neste momento estaría inventando. O que sabemos de verdade é que os neurônios se comunicam entre si através de potenciais de ação. Esse é um fenómeno digital. Agora, as terminações sinápticas liberam uma quantidade maior ou menor de neurotransmisores segundo a densidade temporal deste potencial de ação, e este é um fenómeno analógico. O efeito do neurotransmissor liberado sobre os receptores é um fenómeno analógico também, Ou seja, se muitas moléculas de neurotransmisores são liberadas, ocupam muitos receptores e têm efeito maior, se liberam um pouco menos, têm efeito um pouco menor. Isso também é analógico e todos esses fenômenos são modulados por outras vias. Por exemplo, básicamente a transmissão no sistema nervoso central é glutamatérgica, envolve receptores AMPA ou em alguns casos receptores NMDA. Mas tudo isto é regulado por outras vias que não transmitem mensagens por si mesmas, mas que modulam a anterior. Então, há um processo central que é digital, que é a chegada de impulsos de um neurônio à sua conexão com a seguinte, mas no resto, há muitos processamentos analógicos.

RAN: As memórias que persistem ficariam acumuladas por meio de uma mudança nos circuitos cerebrais, fundamentalmente, ou além disso existe síntese proteica?

Há um processo de síntese proteica, toda a bioquímica que, como comentei brevemente, ocorre no hipocampo, desemboca na ativação de fatores de transcrição por proteínaquinase A e síntese proteica.

Quais são as proteínas que são sintetizadas? Sabemos relativamente pouco. Há uma que conhecemos muito bem, que é outro fator de transcrição, e que se chama C-FOS; sobre ela sabemos que sua síntese é necessária para que se estabeleça a memória. Por outro lado, há uma síntese geral de proteínas no hipocampo e noutras estruturas, que é tardia e necessária, pois se ela é inibida não há memória-.

Também há síntese de glicoproteínas que formam a matriz extracelular; e isto ocorre no hipocampo e nas conexões do hipocampo com outras estruturas. Então, é de se presumir que todo o processo de síntese proteica em uma sinapse que está ativada nesse momento desemboca em uma mudança em sua adesividade celular, através dessas glicoproteínas ou de outras coisas que ocorrem numa sinapse que foi específicamente ativada. Essas são as sinapses que são fortalecidas, e que depois mudam sua estrutura, inclusive.

As células hipocampais que formam a memória recebem mais o menos 10.000 terminações sinápticas excitatorias cada uma e podemos supor que em determinadas memórias se ativam dez, noutras cem e noutras mil dessas conexões, enquanto que em outras, nada. Em uma terceira memória se ativam aquelas outras duas que não ocorreram na primeira, e assim por diante. Dessa maneira se formam padrões complexos, de tal forma que uma mesma célula pode participar em muitissimas memórias. Portanto, qualquer uma delas acaba afetando a essa célula, inclusive morfológicamente. Entretanto, uma vez que essa célula tenha se alterado, ela vai processar de forma distinta não somente a memória que ela armazenou, como outras oisas parecidas, por exemplo, que envolvam sinapses vizinhas, no caso.

RAN: Muito bem, mas o LTP e todos estes processos bioquímicos terminam por explicar a memória, ou ela é ainda uma 'caixa negra' ?

Eu creio que neste momento seria insensato dizer que a memória é devida ao LTP ou coisas parecidas. O que podemos dizer é que há uma sequência complexa de alterações bioquímicas que ocorrem no hipocampo. Essas mudanças são em geral idênticas, enquanto que noutros casos são muito parecidas, assim como suas sequências, às mudanças da LTP.

Por exemplo, no gânglio de um molusco chamado Aplisia, há uma forma de aprendizagem que é eletrofisiológica, ocorre um jato de serotonina e se produz uma facilitação neuronal que é limitada a um grupo de neurônios e que dura muitissimo tempo. Envolve as mesmas mudanças que a memória no hipocampo (LTP). Também se produzem mudanças semelhantes no gânglio principal das moscas, quando elas aprendem a não entrar a algum lugar cujo cheiro é ruim.

Portanto o que podemos dizer é que há uma série de alterações, há algumas cadeias de mudanças bioquímicas que por sua vez estão concatenadas entre si e que são necessárias para a formação de fenômenos plásticos; entre eles, a facilitação por serotonina na Aplisia, a aprendizagem de uma mosca, ou de uma abelha, as memórias no rato, e por evidência muito indireta, a memória em primatas e no ser humano (seja por que temos estruturas semelhantes, seja porque as drogas têm um efeito parecido).

Em conclusão, já podemos afirmar que conhecemos os mecanismos bioquímicos básicos da plasticidade. Agora, isto não quer dizer que uma coisa seja a base da outra, por exemplo, os bípedes caminham sempre movendo uma perna depois outra, mas isto não quer dizer que ao caminhar um animal seja necessariamente um macaco !

RAN: Já que estamos falando de insetos e outros animaizinhos; não teremos cometido o pecado do homocentrismo nas nossas concepções ou nos modelos teóricos da memória, no sentido de que pensamos que a maneira com que nos lembramos é a única estrategia possivel de memorizar existente na natureza ?

Bem, eu diria que até recentemente isso era verdade, mas que agora, justamente em razão de que acabei de contar para vocês, isso não mais ocorre. Se tem estudado o que podemos chamar de 'modelos' de memória em abelhas, em moscas, etc., inclusive em nivel genético, mas que não sabemos bem se poderíamos chamar de memória.

Já, a aprendizagem no rato ou em um outro mamífero qualquer geralmente pode ser chamada de memória, pois é muito parecida com a humana, tem as mesmas fases, todos os mesmos elementos. Agora, a memória de uma mosca que entra em um lugar onde há mau cheiro e que no dia seguiente não entra mais aí, não sei até que ponto se pode chamar de memória. Há gente que diz que sim e gente que diz que não. Acho que todos esses modelos em invertebrados, e que não são modelos cognitivos em absoluto, nos têm levado a estabelecer uma sequência de processos bioquímicos que depois vemos que também são importantes para a memória de um rato, e assim inferimos -às vezes se comprova- de que noutras especies de mamíferos elas também são importantes.

Portanto, completamos aqui um círculo, ou seja, que o conceito e a palavra 'memória' se usaram primeiramente aplicadas àquilo que nos lembra os seres humanos, o seu conceito semântico. Mas em seguida, passamos a aplicar o mesmo conceito a computadores, aos moluscos e às moscas. Pelo menos nos animais, o certo é que os mecanismos que estamos encontrando são os mesmos na maioria das espécies, com pequenas diferenças.

RAN: E até que ponto há diferenças interindividuais na memória e as estratégias da memória e em que medida isso é controlado genéticamente?

Claramente, há enormes diferenças em relação à capacidade de memória entre os humanos, assim como nos ratos. A porcentagem é difícil de estabelecer, mas o que sabemos verdadeiramente é que há um componente enorme de aprendizagem e treinamento e que em muitos casos é indubitável ser esse o mecanismo predominante. A memória é filha da prática, como provavelmente todas as funções que envolvem sinapses. Por exemplo, as sinapses neuromusculares de um atleta são mais rápidas, são melhores o mais eficientes e assim acontece com todas as sinapses. Com as sinapses que se usam para o sexo também, se uma pessoa não pratica o sexo durante anos, há um momento que vai custar muito ativar essa sinapses, isto é evidente. Agora, com a memória ocorre o mesmo, a prática a favorece. Como exemplo é mais o menos clássico que os bancários têm uma excelente memória para números, e que um jogador de xadrez tem grande memória especializada para esse jogo, não necessariamente para outras coisas, um médico costuma ter muito boa memória para caras e para nomes, etc.

Entrevista concedida à RAN- Revista Argentina de Neurociências.
Email: streji@satlink.com Tradução e adaptação para o português: Prof. Renato M.E. Sabbatini

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