quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Banco ataca e depois 'enche o carrinho' de Petrobras | Brasil 24/7

Banco ataca e depois 'enche o carrinho' de Petrobras | Brasil 24/7



247 – Um dos pivôs da crise financeira global de
2008, quando foi flagrado como um dos maiores distribuidores de títulos
podres dos Estados Unidos – os subprime --, o banco de investimentos
Merril Lynch resolveu agora operar em cima da estatal brasileira
Petrobras. Adquirido pelo Bank of America, por ordem das autoridades
monetárias dos EUA, o banco de investimentos que deu grande contribuição
para quebrar as instituições do mundo todo acaba de realizar uma jogada
clássica, feita na fronteira da ética e da lei.


Em outubro do ano passado, relatório oficial do Merril Lynch apontou a
Petrobras como "a empresa mais endividada do mundo", numa nota que
prontamente ganhou repercussão na mídia familiar brasileira (leia abaixo
notícia a respeito do jornal O Estado de S. Paulo). Com a avaliação
negativa da petroleira brasileira, o BofA/Merril Lynch ajudou a empurrar
para baixo os papéis da companhia na bolsa de valores, que entraram em
janeiro alcançando o recorde negativo de cerca de R$ 15 por ação.


E então vem a segunda parte da jogada do BofA/Merril Lynch.


Entre os dias 20 e 24 de janeiro, quando as ações da Petrobras
chegavam ao seu ponto mais baixo, o que fizeram os operadores da
instituição americana? Encheram o carrinho, como se diz na gíria
financeira, de ações da Petrobras.


O Merrill Lynch, segundo levantamento publicado no site Infomoney
(leia abaixo), comprou no período nada menos que 12,9 milhões de ações
ON da estatal brasileira e outros 3,7 milhões de papéis PN. De quebra,
ainda buscou 2,1 milhões de papéis da Vale e mais 1,5 milhão de ações da
BRF. Todas empresas brasileiras com ações em baixa


Em resumo, o Merrill Lynch praticou o que se pode chamar de
estratégia de crítica a uma companhia – no caso, a maior do Brasil –
para derrubar seu valor e, em seguida, uma vez conseguido o intento,
comprou os mesmos papéis com o objetivo de saborear os lucros da sua
recuperação.


Sem dúvida, um caso para ser analisado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), considerada como xerife do mercado de ações.


Por menos que isso, a CVM já expediu multas milionárias e humilhou com suas investigações outras instituições.


O BofA/Merrill Lynch vai passar batido?


Abaixo, links para as notícias sobre o relatório com críticas à
Petrobras, de outubro, publicado no Estadão, e a respeito da compra de
milhões de ações da Petrobras, divulgado no site Infomoney:


http://www.infomoney.com.br/mercados/acoes-e-indices/noticia/3162990/banco-estrangeiro-encheu-carrinho-acoes-petrobras-vale-semana-passada


http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,petrobras-e-a-empresa-com-mais-dividas-no-mundo,1087347,0.htm

‘Minha Vaca, Minha Vida’: microcrédito tira família da pobreza - economia - geral - Estadão

‘Minha Vaca, Minha Vida’: microcrédito tira família da pobreza - economia - geral - Estadão



‘Minha Vaca, Minha Vida’: microcrédito tira família da pobreza

Modalidade de financiamento ao microprodutor dispara 68% em 2013 e favorece a ascensão social no Brasil

29 de janeiro de 2014 | 17h 41


Mariana Congo e Gustavo Santos Ferreira - Economia & Negócios
SÃO PAULO - Um empréstimo de R$ 100 aqui, outro de R$ 1 mil acolá. De
pouco em pouco, o microcrédito destinado aos microempreendedores
alcançou em 2013 seu saldo em carteira recorde: R$ 4,8 bilhões. Do fim
de 2012 ao do último ano, os financiamentos aos pequenos produtores
subiram nada menos que 68%. Enquanto isso, os repasses aos consumidores,
em tendência de queda desde 2010, recuaram mais 39% no ano passado -
leia o "histórico", mais abaixo. No total, entre microempreendedores e
consumidores, o saldo em carteira do microcrédito subiu 42% em 2013.



Perto do saldo total do crédito direcionado no País, de R$ 1,2
trilhão no mesmo mês, o microcrédito é, de fato, "micro". Mas é "macro",
no entanto, por sua função social.



"O mercado de trabalho não supre toda a necessidade de vagas", diz o
presidente da Associação Brasileira de Entidades Operadoras de
Microcrédito e Microfinanças (Abcred), Almir da Costa Pereira. "Por
isso, um cliente típico de microcrédito produtivo é aquele que não tem
condição de empregabilidade e busca como alternativa abrir um negócio
próprio e se tornar um microempreendedor."



Os microempreendedores urbanos mantêm, por exemplo, pequenas lojas,
confecções, mercearias e salões de beleza nas periferias. Na zona rural
do Brasil, quem recebe os financiamentos são produtores, normalmente,
com mínimas condições de sair sozinhos das classes D e E.



A paranaense Beatriz Rocha, de 37 anos, está entre esses brasileiros.
Mãe de três crianças entre 2 e 11 anos, mora num barraco de madeira de
20 metros quadrados, na cidade de Santo Antônio do Sudoeste, divisa do
Paraná com a Argentina. Com um empréstimo de R$ 3 mil adquirido no banco
Fomento Paraná, pôde comprar um freezer e uma vaca - de nome Ariana.
Somada às outras duas vacas que já tinha comprado com ajuda do programa
Bolsa Família, do governo federal, a dona de casa pôde iniciar pequena
produção, vendida a uma cooperativa da região.







Para Antonio Mendonça, diretor executivo do Banco do Povo Paulista
(BPP), ligado ao Governo do Estado de São Paulo, o microcrédito faz
parte da "revolução social" observada no Brasil nos últimos anos. Embora
ainda não seja possível calcular o tamanho do impacto do acesso ao
microcrédito na inserção de mais de 40 milhões de brasileiros nas
classes consumidoras desde a última década, ele não tem dúvidas da
importância da modalidade. "O microcrédito é responsável por mudar a
vida de muitas famílias", diz.



O BBP realizou entrevistas com microempreendedores para avaliar seus
serviços. De acordo com a pesquisa, 98,9% dos clientes entrevistados
dizem que seus negócios melhoraram após tomarem microempréstimos; 79,2%
tiveram aumento de faturamento; e outros 95,8% disseram que suas vidas
melhoraram após os financiamentos.



O BBP oferece linhas de microcrédito entre R$ 200 e R$ 15 mil e dez
minicursos voltados ao microempreendedor. Diz atender hoje 74 mil
famílias em 514 municípios. Tem saldo em carteira de R$ 290 milhões, com
recursos do Estado e dos municípios. "As parcerias são feitas com
prefeituras de diversos partidos, aliados ou não", diz Mendonça.



Histórico. Em 2007, início da série histórica do
Banco Central, o microcrédito no Brasil era majoritariamente voltado ao
consumo: 75% do total. E, embora o crescimento econômico do País tenha
sido estimulado pela demanda desde a última década, a partir de 2011 o
cenário do microcrédito mudou radicalmente. Hoje, 89% dos empréstimos é
para microempreendedores.



O microcrédito ao microempreendedor é oferecido basicamente por
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips de
microcrédito); programas do governo federal (como o Crescer) e de
governos regionais (como o Paraná Juro Zero e o Programa de Microcrédito
Gaúcho); ou diretamente em bancos públicos ou privados.



Os financiamentos são de baixo valor - a partir de R$ 100. Os juros giram na casa dos 5% ao ano - bem abaixo do juro médio de 29% do ano passado.
Na região Nordeste, onde o Banco do Nordeste consolidou o programa
Crediamigo nos últimos 15 anos, por exemplo, o tíquete médio dos
empréstimos em 2013 foi de R$ 1,2 mil.



Principalmente por meio da atuação das Oscips de microcrédito, os
empréstimos incluem parcela da população excluída do sistema financeiro
comum. É gente que não tem garantias de patrimônio ou renda. O
compromisso de pagamento é baseado na confiança ou na atuação de grupos
solidários (conhecidos que garantem o pagamento uns dos outros).



'Microinadimplência'. Ao contrário do senso comum, esses
empréstimos para quem quer (e tem) pouco dinheiro têm taxa de
inadimplência igual ou menor que a do sistema financeiro em geral.
Somados os consumidores e os microempreendedores, a inadimplência do
microcrédito foi de 6,94% - em linha com a taxa de toda total de toda a
economia brasileira em 2013, de 6,7%, de acordo com o Banco Central.



"No microcrédito produtivo orientado, temos profissionais agentes de
crédito que acompanham os empreendimentos para oferecer o crédito
acertado", avalia Pereira, da Abcred. Dessa forma, quem recebe o
financiamento pode investir em algo que dará retorno". A inadimplência
média dos empréstimos feitos via Oscips de microcrédito gira em torno de
3%, calcula a Abcred.



A taxa de inadimplência (mais de 90 dias de atraso) do microcrédito
ao microempreendedor em dezembro foi de 5,34%. Para o consumidor, o
registro é bem menos favorável: 20,77% de taxa de inadimplência. Ou
seja, a orientação produtiva gera maior compromisso com os pagamentos
que empréstimos feitos para mero consumo.

O complexo de vira-latas — Portal ClippingMP

O complexo de vira-latas — Portal ClippingMP

O complexo de vira-latas

Autor(es): Joaquim Falcão
Correio Braziliense - 30/01/2014
 
 O
famoso escritor Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro sofre do
complexo de vira-latas: "Por complexo de vira-latas entendo eu a
inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do
resto do mundo". Nós mesmos nos consideramos a escória do mundo.
Andando sem eira nem beira, sem origem nem destino.
Uma
das áreas em que esse complexo de vira-latas estaria mais vivo é a da
corrupção. Existe um sentimento difuso de que "corrupção é coisa de
Brasil", "coisa de brasileiro", "vergonha universal". Não é bem assim.
Infelizmente, corrupção é um mal global do século.
Rankings
e índices internacionais costumam classificar nossa administração
pública como uma das mais corruptas do mundo. E afirmar que isso aumenta
o custo Brasil e dificulta fazer negócios por aqui. Para que esses
índices fossem críveis, seria preciso um conceito universal do que é
corrupção.
Seria
necessária também uma base de respondentes que fosse metodologicamente
homogênea. O que igualmente não existe. Em geral, apenas é ouvida uma
elite de consultores e de interessados pré-selecionados. É uma amostra
enviesada, sem representatividade maior. Mas tem alta instrumentalidade
política.
Quem
leu na última semana os principais jornais econômicos americanos e
ingleses, ou os noticiários internacionais, com certeza ficou espantado
com o imenso número de notícias sobre corrupção que inundam diariamente o
mundo econômico e o mundo político.
Não
vamos falar sobre a corrupção recente na presidência e nos ministérios
da Alemanha. Nem sobre o Banco do Vaticano. Nem sobre as relações
ilegais entre o governo inglês e o News Corporation. Nem sobre a família
real espanhola. Nem sobre os casos de Berlusconi reacusado agora de
coagir testemunhas.
Nem
vamos falar dos superempresários russos colocados na cadeia. Nem dos
presidentes franceses Jacques Chirac e agora Nicolas Sarkozy a responder
na Justiça. Ou do primeiro-ministro alemão, Helmut Kohl, réu confesso,
mas além de qualquer suspeita. Ou do tio do Kim Jong-un da Coreia do
Norte, condenado à morte por corrupção, ou do ministro Liu Zhijun, da
China, também condenado pelo mesmo crime.
Falo
da corrupção do dia a dia da política comum. O futuro candidato a
presidente dos Estados Unidos, o governador de New Jersey, Chris
Christie, do partido Republicano, está sob investigação por ter usado
recursos públicos para coagir adversários. E mais: por ter mandado
fechar uma ponte, para que a população se revoltasse contra o prefeito,
adversário dele, do partido Democrata.
O
ex-prefeito de Nova Orleans volta a ser julgado por malversação dos
recursos públicos para restaurar a cidade depois do furacão Katrina. Um
vereador de estado do norte, que foi condenado criminalmente, cumpre
pena na prisão, mas não renuncia. O ex-governador do estado de Illinois,
cumprindo pena de prisão por tentar vender a vaga no Senado que ficara
vazia com a eleição de Obama, ao invés de indicar um sucessor.
O
prefeito de Toronto, além de alcoólatra, aparece, provavelmente,
drogado por drogas ilícitas, em público. O ministro de Orçamento do
presidente francês, François Hollande, é acusado de ter conta não
declarada na Suíça. E por aí vamos.
Muitos
americanos consideram a corrupção doença endêmica da própria sociedade
americana. Usam até uma palavra: "greed", ganância, para justificar a
humanidade, ou a desumanidade da corrupção. Que atinge vira-latas ou
não. Como combatê-la é a tarefa comum a todos.
Nessa
empreitada, dois pontos são decisivos. Primeiro, a livre imprensa e as
mídias sociais. Os casos de corrupção do dia a dia da política estão
vindo à tona, em geral, por meio da internet, com repercussão da mídia
tradicional. E tendem a aumentar.
O
outro ponto importante é a ainda muito frágil capacidade dos
ministérios públicos de investigar os detalhes com o tempo e a expertise
necessários. A corrupção, enquanto se banaliza, se sofistica. Não é
preciso doutrinas ou sofisticadas argumentações legais. É preciso saber
coletar fatos e buscar a coragem da verdade. Nesse campo, o mundo todo
ainda é vira-lata.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

ISTOÉ Independente - AVISO AOS INDIGNADOS

ISTOÉ Independente - AVISO AOS INDIGNADOS


Paulo Moreira Leite







AVISO AOS INDIGNADOS

Tratamento desigual para o esquema financeiro do PT e do PSDB foi resolvido no STF em agosto de 2012



 


É preciso reconhecer que não há surpresa nenhuma diante dos  primeiros resultados do mensalão PSDB-MG.
Em função da idade, um dos réus
mais importantes acaba de ter sua pena prescrita. Em breve, o próprio
tesoureiro também irá receber o mesmo benefício.
A indignação diante desses
resultados, depois das  sentenças pesadas recebidas pelos réus da Ação
Penal 470, ilustra uma situação chocante, é verdade. Mas, na prática,
apenas demonstra que o comportamento moralista é essencialmente
seletivo. 
Não vamos nos iludir. O tratamento desigual apenas traduz um resultado  tão previsível  como a chegada do dia após a noite.
 Por 9 votos a 2, o
STF decidiu, em agosto de 2012, que iria julgar os 37 réus da ação penal
470 num bloco só, sem direito a uma segunda instância. A maioria
folgada não reflete a gravidade daquela decisão. Nada menos que  34 réus
eram cidadãos sem direito a foro privilegiado. Por esse motivo, o
 Supremo não tinha sequer competência constitucional para julgar, como
já explicou, numa entrevista de mestre, o professor Dalmo de Abreu
Dallari.
 Por essa razão,
eles deveriam, também, ter sido julgados como acontece com os réus do
mensalão do PSDB-MG. Em varas de primeira instancia, por juízes comum. O
mesmo critério, aliás, foi definido para o mensalão do DEM-DF, que
também está desmembrado.
 Quem fica indignado
com o tratamento desigual precisa entender este aspecto. O que se vê
hoje  não é fruto do acaso, nem de uma  eventualidade. É parte de uma
opção jurídica definida a partir de uma visão política que construiu o
mito do que estávamos diante do  “maior escândalo de corrupção da
história do país.”
A desigualdade de hoje é o
resultado inevitável  daquela decisão tomada meses depois que os mesmos
juízes do mesmo tribunal já haviam decidido desmembrar o mensalão
PSDB-MG, consolidando uma jurisprudência que, nas palavras de Janio de
Freitas, criou “Dois pesos, dois mensalões.”
Poucos protestaram, na época. Muitos acharam que era conversa de quem só queria protelar o caso e  garantir a impunidade. 
Poucos criticaram, embora fosse
uma disparidade tão óbvia, tão absurda, que não escapou a este
blogueiro, que é o primeiro a admitir sua condição de amador nos
fundamentos do Direito. Escrevi,  no dia 3 de agosto de 2012, o
seguinte:  
 “O mensalão
mineiro, mais antigo que o petista, envolve o mesmo empresário Marcos
Valério, as mesmas agencias de publicidade, e até o Banco do Brasil
(...) Mesmo assim, foi desmembrado. Isso beneficiará os réus que forem
julgados na primeira instancia. Em caso de condenação, terão direito a
um segundo julgamento. (...) Essa decisão tão diferente, para situações
tão parecidas, vai gerar muita polêmica, estejam certos.”
O julgamento em bloco cumpriu uma função básica na ação penal 470.
Permitiu sustentar a teoria do
domínio do fato e colocar os réus como membros de uma organização
criminosa única, com um núcleo publicitário, um núcleo financeiro e um
comando político.  
 Se os réus fossem
desmembrados, seria preciso julgar cada um individualmente,  com suas
culpas e responsabilidades definidas e provadas. Não seria lógico montar
uma acusação única para ser sustentada em tribunais diferentes, perante
réus com situações diferentes.
 A opção pelo
julgamento unificado sugere que a maioria do STF já tinha um visão
pré-definida sobre o que seria examinado e como pretendia tratar os réus
– de forma coletiva, onde culpas não eram individualizadas, mas se
definiriam em relação a uma pratica coletiva.
Já havia, portanto, a convicção de que eles formavam uma organização – e uma “organização criminosa.”
A indignação contra eventuais
benefícios que a lei reserva a todo cidadão – inclusive réus do mensalão
PSDB-MG – tem um aspecto compreensível mas é um erro. Implica em
revogar garantias do Estado de Direito apenas para impedir o
questionamento da ação penal 470.
 A ação penal 470
foi conduzida com regras de exceção, prática típica de julgamentos
políticos, que não devem repetir-se novamente.  
 A injustiça não vem de Belo Horizonte. Foi cometida em Brasília e é isso que precisa ser encarado. 
A menos, claro, que se pretenda
transformar um abuso lamentável em jurisprudência.  O que se trata é
corrigir os erros cometidos e não ensair novos corais moralistas. 
Por isso os embargos
infrigentes são importantes -- poderão, no caso de determinados réus,
amenizar a injustiça de penas fortes para provas fracas.
O mesmo vale para o exame do
inquérito 2474, que contém 78 volumes de fatos, provas e testemunhas que
ficaram de fora do julgamento.

Folha de S.Paulo - Poder - Tiro na democracia - 28/01/2014

Folha de S.Paulo - Poder - Tiro na democracia - 28/01/2014


Janio de Freitas 

Tiro na democracia

Os governadores e seus prepostos para a 'segurança' pública não podem instaurar ambientes de guerra civil
Arma de fogo no policiamento de manifestação pública é uma truculência
que denuncia a admissão, pelos dirigentes civis e pelos comandos
policiais, de violências fatais idênticas às de ditaduras. Balas de
borracha já têm agressividade mais do que suficiente para intimidar e
conter possíveis investidas de arruaceiros contra policiais.





Os governadores e seus prepostos para a "segurança" pública não podem
instaurar ambientes de guerra civil, com suas armas inadmissíveis e
ferocidade injustificável permitidas, senão estimuladas, como se fossem
normais na democracia. Essa prática é uma transgressão ao Estado de
Direito e como tal pode ser tratada, por meio de impeachment.





É ainda bem antes da Copa que se decide a maneira como sua chegada será
recebida nas ruas. Em junho passado, a violência da PM paulista, contra
grupos que degradaram a grande passeata, incentivou protestos que
desandaram em arruaça e violência por vários Estados. Caso os
responsáveis pela contenção dos despropósitos de qualquer lado não se
limitem a métodos suportáveis, a tendência mais provável é de que o
crescendo nacional da reação seja maior do que o anterior. Até o
pretexto, motivo de quase unanimidade, facilitaria.





Pretexto, sim. Quando estimados os gastos com a Copa, os estádios a
serem construídos, a prevista marotagem dos aumentos de custos acertados
entre empreiteiras e governos, raríssimos foram críticos dessa
irresponsabilidade, de dimensão ainda incalculável. Os interesses
políticos e os financeiros se associaram ao Brasil levianamente festivo.
Ao se aproximar o que foi tão celebrado, com a ansiedade popular do
antimaracanazo, tudo de repente virou motivo de "rebelião"? Não dá para
crer. Ao menos, porém, há uma originalidade aí: rebelião popular com
data marcada, e anúncio a seus antagonistas com larga antecedência.





Seja qual for a verdade sobre a situação resultante nos tiros da PM
contra Fabrício Proteus, a primeira responsabilidade é clara: a
autorização de armas de fogo à PM em situação que não as requer, e na
qual são a maior ameaça. Sua desnecessidade em tal situação está
atestada na prática: a mais eficiente contenção da arruaça violenta, no
Rio, foi obtida na última grande "manifestação" --com a PM desprovida de
arma fogo.





A democracia não exclui confrontos entre opositores e centuriões do que
os governos vejam como ordem pública. Mas exige condições e limitações
que nenhum poder está autorizado a transpor. Tida como o regime das
liberdades, a democracia, na realidade, não é menos condicionante e
limitadora do que os outros regimes. Mas, o lugar-comum enfim se
justifica, no bom sentido. Que não inclui o uso indiscriminado de arma
de fogo nem em nome da ordem pretendidamente democrática.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Nuvens negras



Nuvens negras

SUZANA SINGER 

Um pessimismo feito “com o bolso”


Economistas avaliam se a cobertura da Folha está dominada por uma onda de pessimismo injustificado
Virou hit na internet a entrevista de Luiza Trajano, dona do Magazine
Luiza, ao programa "Manhattan Connection", especialmente o trecho em que
ela aponta um pessimismo excessivo sobre o estado da economia. "Nós,
brasileiros, olhamos bem o lado do copo meio vazio, e a imprensa coloca
esse lado. A gente nunca vê o copo meio cheio", disse.





Quem passa os olhos pelos títulos da Folha pode ficar com a mesma
impressão que a empresária. "Comércio tem o pior resultado no Natal em
11 anos" (27/12), "61 milhões estão fora da força de trabalho" (18/1),
"Brasil cria 1,1 milhão de empregos em 2013, pior saldo em dez anos"
(22/1), "Arrecadação federal sobe, mas fica aquém da meta oficial"
(23/1).





Todas as afirmações estão corretas, mas é possível contra-argumentar em
cada caso. O resultado do Natal foi positivo, com um crescimento de 2,7%
em relação a 2012. A nova pesquisa sobre o desemprego mostrou um grande
contingente que não trabalha, mas em qualquer país existe muita gente
fora da força de trabalho. Criar mais de um milhão de vagas com um
crescimento de apenas 2% não é desprezível, assim como é notável
aumentar a arrecadação, mesmo com tantas desonerações.





A ênfase em dados negativos é uma característica geral da Folha.
"O jornal tem uma predileção pelo mal-estar, pelo desconforto. Em
política, é até mais acentuado do que em Mercado'", definiu o economista
Eduardo Giannetti da Fonseca.





Avaliar como exagerada a cobertura depende de como se enxerga a situação
do país. Perguntei a 11 economistas, entre acadêmicos e profissionais
do mercado, se "a Folha está pessimista demais na área econômica": cinco
responderam enfaticamente que "não" e seis disseram que "sim", mas que o
jornal apenas reflete o mau humor do mercado. Ninguém apontou um viés
intencional na cobertura.





"Estamos há três anos com pouco crescimento e inflação resistente,
apesar de manipulada, com grande dificuldade em aumentar o investimento.
Os números fiscais estão perdendo credibilidade e há muita tensão no
mercado de câmbio", explicou o ex-presidente do Banco Central, Armínio
Fraga, um dos que, como Giannetti, não veem exagero nas tintas da Folha.





Já Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista-chefe da Quest
Investimentos e colunista da Folha, acha que há negativismo demais desde
o final de 2013, num processo em que mídia e mercado financeiro se
alimentam. "Como a imprensa faz cobertura quase diária de mercado, ela
reflete o estado de ânimo dos principais agentes econômicos e acaba
criando condições para mais pessimismo", diz.





Luiz Fernando Figueiredo, sócio-diretor da Mauá Sekular Investimentos,
não vê esse tipo de influência da imprensa. "Investidores nacionais e
estrangeiros têm dado sinais de maior desconfiança. Houve forte
desvalorização dos ativos brasileiros. É uma visão pragmática do que
está acontecendo", diz.





Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, lembra que a política
econômica mudou desde o segundo governo Lula, com a adoção de um projeto
desenvolvimentista, que não teria dado certo. "O PIB fraco gerou uma
enorme frustração, que se reflete no jornal", diz.





Mansueto de Almeida, pesquisador do Ipea, sublinha que os economistas
erraram muito nos últimos anos. "Havia um otimismo geral em 2011. A
projeção era que o Brasil fosse crescer cerca de 4% até 2020."





Ninguém vê, porém, o país à beira do abismo. "Não estamos, por enquanto,
perto de passarmos pelas dificuldades atuais da Argentina", afirma
Lisboa.





Da mesma forma, não há quem veja tudo rosa. "A situação não é tão ruim
como pintam nem tão boa quanto poderia ser, caso a indústria brasileira
tivesse um desempenho melhor", avalia Luiz Gonzaga Belluzzo, professor
da Unicamp.





Vários dos entrevistados apontam um peso grande do mercado financeiro
nas páginas de economia. De fato, é mais difícil obter uma declaração
importante de um grande industrial, que muitas vezes depende de
empréstimos do governo, do que colher aspas de quem lida com
investidores. Além disso, o mercado financeiro produz constantemente
relatórios e projeções, que facilitam muito a vida dos jornalistas.





O economista-chefe de um grande banco, que pediu para manter o
anonimato, afirmou: "Com honrosas exceções, há relativamente pouca
distância analítica na imprensa econômica, que, até involuntariamente,
ventila teses que traduzem interesses de mercado. Certas análises são
feitas com o bolso, e não com o bom senso".





Parece que a questão é bem mais complicada do que um duelo entre otimistas e pessimistas.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Diário do Centro do Mundo

Diário do Centro do Mundo » Só falta crucificar Dirceu

 Paulo Nogueira



Às vezes me pergunto como Dirceu faz para manter o espírito elevado.
Não me lembro de alguém que tenha sido tão continuamente perseguido pelos conservadores depois da ditadura.
Lula, comparativamente, é bem tratado.
Contei já que, no último almoço de final de ano da
Abril com Roberto Civita vivo, um grupo de editores da Veja vibrava, no
restaurante, com a perspectiva de prisão de Dirceu.
Talvez eles empregassem melhor seu tempo vendo como
prolongar a vida da revista na era da internet, mas não. O que
importava era ver Dirceu na cadeia.
A mídia não lhe dá trégua. Mais recentemente, na Era JB, a justiça também o caça sem misericórdia.
Sempre há um motivo, um pretexto. É o chamado vale tudo.
Agora, é um alegado telefonema proibido entre
Dirceu e um secretário do governo da Bahia na Papuda. A Folha denunciou.
Dirceu negou. O secretário negou. A direção do presídio investigou a
negou.
Mesmo assim, Dirceu está pagando pela denúncia. A presunção de inocência não existe para ele.
Foi suspenso seu pedido de trabalho por 30 dias,
porque a justiça desconfiou de todas as negativas, incluída aí a da
direção da cadeia.
A quem apelar?
Joaquim Barbosa colocou na Vara de Execuções Penais de Brasília um juiz que faz o que ele, JB, quer.
E sabemos todos o que JB quer, além de dar rolezinhos na Europa e comprar Prada com um chapéu de parisiense na cabeça.
Que justiça é essa?
Quando JB deixar a presidência do STF, tudo vai
mudar, sem que os fatos mudem – o que significa que a justiça no Brasil
de hoje é uma questão não de evidências, não de lógica, mas de gosto e
capricho pessoais, e de uma subjetividade patética.
No caso específico de Dirceu, alguma coisa está
errada quando até um jurista conservador como Ives Gandra Martins afirma
que ele foi condenado sem provas.
Ainda assim, ele está preso, enquanto seu algoz
passeia pela Europa como um Bonaparte tropical, com diárias pagas pelo
contribuinte – mesmo estando em férias.
Já disse e repito: a única coisa boa desse circo
que foi o julgamento do Mensalão foi a oportunidade de vermos quanto são
ruins e precários o STF e, por extensão, o sistema judiciário
brasileiro.
Era uma ruindade escondida. Agora, ela está
exposta. O Supremo é um ajuntamento de juízes toscos, solenes, com
dificuldade de se expressar em português decente, deslumbrados com os
holofotes – e facilmente manipuláveis pela mídia.
Sem reformar o STF e a justiça brasileira o avanço
social de que o país precisa urgentemente ficará comprometido porque ali
está o atraso do atraso.
Quanto a Dirceu, deveria gritar como Lennon num de
seus clássicos da época em que passou a circular com Yoko: “Do jeito que
as coisas vão, os caras vão me crucificar.”
Autor : Paulo Nogueira

Os 30 anos do comício que a Globo transformou em festa - Carta Maior

Os 30 anos do comício que a Globo transformou em festa - Carta Maior

Após 20 anos de ditadura, 300 mil brasileiros foram à Praça da
Sé pedir eleições diretas. Jornal Nacional disse que o ato era festa
pelo aniversário de SP.





Najla Passos



Arquivo



Brasília - Há exatos
30 anos, cerca de 300 mil pessoas foram à Praça da Sé, em São Paulo,
para reivindicar eleições diretas para presidente. No palanque,
políticos, artistas, sindicalistas e estudantes. Era o maior ato
político ocorrido nos primeiros 20 anos da ditadura brasileira, com todo
o seu saldo de mortes, torturas, desaparecimentos forçados, censuras e
supressões dos direitos individuais. Mas o foco da reportagem que o
telejornal de maior audiência do país, o Jornal Nacional, da TV Globo,
levou ao ar naquela noite, era a comemoração pelos 430 anos de São
Paulo.

O histórico comício da Praça da Sé ocorreu em um momento
em que o Brasil reunificava suas forças para tentar por fim ao regime de
exceção, em um movimento crescente. Treze dias antes, um outro ato
político realizado em Curitiba (PR), com a mesma finalidade, havia sido
completamente ignorado pela emissora. Mesmo a chamada para o ato que os
organizadores tentaram veicular na TV como publicidade paga não foi
aceita pela direção. O Jornal Nacional nada falou sobre o comício que
levou 50 mil pessoas às ruas da capital paranaense. Antes dele, outros,
menores, já ocorriam em várias cidades brasileiras desde 1983. Nenhum
mereceu cobertura.

Em 1982,  a entrada em vigor da Emenda
Constitucional nº 22 permitiu eleições diretas para governadores.
Entretanto, previa que, em 1985, fosse realizada eleição indireta para o
novo presidente, a ser escolhido por um colégio de líderes formado por
senadores, deputados federais e delegados das assembleias legislativas
estaduais. Os brasileiros, porém, queriam enterrar de vez os anos de
arbítrio. Oposição e movimentos sociais se uniram para pedir Diretas Já.

Aliada
inconteste da ditadura civil militar, a TV Globo demorou a acertar na
análise da conjuntura. Acompanhando a leitura rasa dos militares que
ocupavam o Palácio do Planalto, acreditou que os atos por eleições
diretas não passariam de “arroubos patrióticos”, como depois definiria
seu então diretor de Jornalismo, Armando Nogueira. Mas a estratégia de
ignorar as diversas manifestações que pipocavam em várias cidades do
país já estava arranhando sua credibilidade. Decidiu mudar.

Quando
a multidão ocupou a Praça da Sé, a Globo optou por maquiar o ato e
alterar suas finalidades. No telejornal mais visto do país, o
apresentador Sérgio Chapelin fez a seguinte chamada: “A cidade comemorou
seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na
Praça da Sé”. A matéria que entrava a seguir, do repórter Ernesto
Paglia, evidenciava os 30 anos da Catedral da Sé e os shows artísticos
pelo aniversário da cidade. Só no finalzinho, o repórter dizia que as
pessoas pediam a volta das eleições diretas para presidente, como se
aquilo tivesse sido um rompante espontâneo no evento convocado para
outros fins.

Apesar da postura da maior rede de TV nacional, a
campanha Diretas Já ganhava o país. No dia 24 de fevereiro, um novo
grande comício foi realizado em Belo Horizonte (MG), e reuniu um
contingente ainda maior de pessoas do que o de São Paulo. No mesmo
Jornal Nacional, apenas rápidas imagens da multidão que saiu às ruas e
dos muitos oradores que pediam o fim da ditadura, acompanhados de um
texto que desvirtuam o sentido do ato.

A hostilidade com que os
manifestantes tratavam a emissora só fazia aumentar. Foi nesta época que
os protestos de rua passaram a bradar o slogan ouvido até hoje: “O povo
não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Foi nesta época também que os
repórteres da Globo passaram a ser achincalhado nas ruas. Alguns
sofreram agressões físicas.

Roberto Marinho, o fundador da
emissora, era comprometido com a ditadura até o pescoço. Afinal, foram
os militares que encobriram as irregularidades que marcaram a
inauguração da TV Globo, investigada por uma CPI Parlamentar por conta
de ter recebido injeção ilícita de capital estrangeiro, no escândalo
conhecido como Caso Time-Life. E também foram os militares que ajudaram a
emissora a se tornar a maior do país, em troca de apoio sistemático ao
regime de exceção.

Mas Marinho não era burro. Viu que era
impossível conter a nova força política que se tornava hegemônica no
país e, de uma hora para outra, virou seu jogo. No dia 10 de abril, duas
semanas do Congresso votar a proposta de eleições diretas já, ele
autorizou que sua emissora cobrisse à campanha. O comício realizado
aquela noite, no Rio de Janeiro, que reuniu mais de 1 milhão de pessoas
na Candelária, enfim ganhou espaço devido no Jornal Nacional.

A
emenda que previa as Diretas Já, apresentada pelo até então quase
desconhecido Dante de Oliveira, não foi aprovada. Mas Marinho já estava
aliado comas forças que venceriam a eleição indireta: Tancredo Neves, o
presidente eleito que morreu antes de tomar posse, e José Sarney, que
por uma contingência do destino, iria assumir o posto. Naquela época, a
família Sarney já controlava a mídia no seu estado de origem, o
Maranhão. Reza a crônica política que, de olho em uma parceria de
sucesso com a Globo, o novo presidente da república submeteu até mesmo o
nome de seu ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, à aprovação de
Roberto Marinho.

Erro histórico

O erro histórico da
Globo de manipular a campanha Diretas Já até hoje assombra a emissora.
Em setembro do mesmo ano de 1984, em matéria publicada pela revista Veja
sobre os 15 anos do Jornal Nacional, Roberto Marinho já tentava
minimizar o fato: “Achamos que os comícios poderiam representar um fator
de inquietação nacional, e por isso, realizamos num primeiro momento
apenas reportagens regionais. Mas a paixão popular foi tamanha que
resolvemos tratar o assunto em rede nacional”, justificou.

Não foi suficiente. A história continuou rendendo acusações, livros e teses acadêmicas, além de correr mundo. No documentário “Muito Além do Cidadão Kane”,
da emissora pública britânica Channel 4, de 1993, um trecho da matéria
exibida pelo Jornal Nacional sobre o comício da Praça da Sé ajuda a
comprovar a tese expressa no título pelo diretor, Simon Hartog. No filme
Cidadão Kane, de 1941, considerado a melhor produção cinematográfica de
todos os tempos, o genial Orson Wells narra a historia de um magnata
das comunicações que, para assegurar lucro e poder, não tem escrúpulos
em apoiar governantes diversos, indepentendes de partidos e ideologias.

Um trecho da polêmica “cobertura” da Globo pode ser conferida no documentário Muito além do Cidadão Kane (a partir de 1h17m40s)
 

 


Foram
necessários muitos anos de democracia e, principalmente, de pressão
popular, para que a emissora voltasse a enfrentar o assunto. Depois que
as primeiras edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS),
colocaram o debate sobre a manipulação da imprensa na agenda nacional,
outros caciques da Globo tentaram apaziguar a história. Em depoimento
gravado em 2000, o ex-diretor da emissora, José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, o Boni, admitiu a fraude, ainda que apresentando motivações
enviesadas. “Enquanto as outras emissoras cobriam isso, nós ficamos
limitados, pelo poder de audiência que a Globo tinha, a cobrir isso como
se fosse um show de cantores”.

http://globotv.globo.com/para-assinantes/ta-na-area/v/diretas-ja-19831984/2233321/

Um
ano depois, foi a vez do ex-diretor de Jornalismo da Globo, Armando
Nogueira, revisitar a polêmica, em outro vídeo: “As passeatas, as
manifestações, aquilo acabou se transformando em uma avalanche. E a Rede
Globo, com o instinto de sobrevivência que sempre teve seu patrono,
Roberto Marinho, não poderia ficar insensível a isso, embora tivesse
duramente pressionada pelo Palácio do Planalto a não prestigiar o que se
supunha, lá no Palácio do Planalto, apenas uns arroubos patrióticos,
quando na realidade era a manifestação irresistível da consciência
nacional”.

http://globotv.globo.com/para-assinantes/jornal-da-globo/v/diretas-ja-19831984/2233346/

Em
2003, o diretor executivo de jornalismo da emissora, Ali Kamel, reabriu
a polêmica ao colocar no ar uma chamada em comemoração aos 34 anos do
Jornal Nacional que evidenciava o pequeno trecho da matéria em que o
repórter falava em “eleições diretas para presidente”. E no artigo “A
Globo não fez campanha; fez bom jornalismo”, publicado na sequência no
jornal O Globo, ainda teve a ousadia de afirmar que a chamada servia
“para rechaçar de vez uma das mais graves acusações que o JN já sofreu: a
de que não cobriu o comício das diretas, na Praça da Sé, em São Paulo”.

Os
muitos autores que, até então, publicaram obras rechaçando a postura da
emissora contra-atacaram, evidenciando a desproporção com que o tema
foi tratado no telejornal. Ninguém nunca conseguiu saber, ao certo, se a
vinheta de Kamel exibia a reportagem que, de fato, fora levada à época
ao Jornal Nacional ou se era uma das tais “reportagens regionais” a que
Roberto Marinha se referiu na entrevista à Veja de 1984. De certo, ficou
apenas que o assunto não teve, no principal veículo de informação da
emissora, o tratamento que merecia. E que o Brasil verdadeiramente
democrático jamais engoliu a manipulação.

Brasil? Poupe me... - Carta Maior

Brasil? Poupe me... - Carta Maior

por: Saul Leblon






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Arquivo


Foi preciso que o presidente de
um dos maiores bancos brasileiros viajasse 8.940 kms para fora do país,
um estirão aéreo de  11 hs  até Genebra, na Suíça, para encontrar um
jornalista, o competente Assis Moreira, correspondente do Valor
Econômico, disposto a ouvir e reportar  uma visão  da economia  ausente
na pauta  do Brasil aos cacos,  que predomina nas páginas  do seu
próprio jornal.

Que isso tenha acontecido na carimbada paisagem
de neve e ternos pretos de Davos, onde se realiza o concílio das
corporações capitalistas,  diz algo sobre  o belicismo da emissão
conservadora em  azedar  as expectativas  contra o Brasil e seu
desenvolvimento.

Luiz Carlos Trabuco Cappio, presidente do Bradesco, não dirige uma instituição socialista.

Segundo
maior banco do país, o Bradesco  acumulou até o 3º trimestre de 2013 um
lucro  da ordem de R$  9 bilhões, em boa parte pastejando tarifas e
juros no lombo de seus clientes.

Até aí,  estamos na norma de um setor que  ao primeiro alarme da crise mundial deixou o Brasil falando sozinho.

Recolheu-se ao bunker dos  títulos públicos (juro limpo, risco zero de inadimplência) e deixou o pau quebrar do lado de fora.

Mais
de 50% do financiamento da economia brasileira hoje é garantido pelos
bancos estatais –  15  pontos acima do padrão de mercado pré-crise.

Não
dispusesse  de um  sistema de bancos estatais, o país seria  arrastado à
crise pela vocação  pró-cíclica da lógica financeira.

O Bradesco
tem 26 milhões de correntistas; está espalhado por todo o Brasil  –sua
rede de oito mil agências talvez só perca para a do Banco do Brasil.

Um
dos segmentos de maior  expansão do banco  no ano passado  foi a
carteira  imobiliária: o financiamento de imóveis  totalizou  R$ 12,5 bi
–crescimento de 33% no período, contra 11% do credito em geral.

Talvez essa capilaridade explique a dissonância.

O
que disse Trabuco, em Genebra,  destoa da água para o vinho dos
clamores emitidos pela república rentista, aferrada a circularidade do
lucro que não passa pela produção, nem pelo consumo.

No cassino, a
regra de ouro é o descompromisso com a sorte do desenvolvimento e o
destino da sociedade  –não raro, o confronto, em modalidades conhecidas.

A
saber: arbitragem de juros (leia ‘O governo invisível não quer Dilma’;
neste blog), especulação  com papelaria e moedas (bolsas, volatilidade
cambial) e imposição de  Selic gorda no financiamento da dívida pública.

Até
mesmo pelo maior  entrelaçamento  geográfico  com o país real (se o
Brasil der errado isso tem consequências) o dirigente do Bradesco se
obriga a um outra visão da economia e do governo.

Excertos da sua entrevista a Assis Moreira soam como mensagens de um marciano  em meio ao alarido do rentismo  local:

(...)
‘O grande desafio que nós temos é fazer o capital produzir no Brasil. É
fazer o investimento estrangeiro ou capital privado nacional funcionar
para suprir os nossos fossos, principalmente de infraestrutura. O Brasil
não é um país pobre, é um país desigual. Não é um país improdutivo. Nós
temos problema de competitividade, mas o país é produtivo’.


(...)
‘ninguém quer ficar fora do Brasil. Porque a democracia brasileira, o
Judiciário, as instituições, a harmonia social, independente dos
problemas que possam existir, tem uma coesão. O Brasil tem um projeto de
país’.


(...) ‘Houve uma época na economia brasileira em
que tudo estava no curto prazo. Agora, teve um alongamento. E foi
positivo, porque o governo soube aproveitar isso, que foi o alongamento
da dívida interna. Hoje já temos estoques  importante de títulos de
2045, de 2050’.


(...) ‘O relatório do FMI foi até
positivo em alguns aspectos, porque olhou para a economia brasileira e
viu um crescimento superior à média da projeção dos economistas
brasileiros. Isso é o reconhecimento da capacidade do PIB potencial.


Com
relação ao movimento de capitais, o FMI falou genericamente, sobre
migração [de capital]. O pior dos mundos seria um cenário em que os
Estados Unidos, Europa e Ásia mudassem o patamar dos juros, aí
teríamos... Acho que a fuga de capital no Brasil não se aplica’.



Isso
na 4ª feira. Um dia antes,  o mesmo jornal debruçava-se no colo do
mercado financeiro para anunciar a rejeição  do governo invisível  do
dinheiro  à reeleição de Dilma.

A dificuldade em pensar o Brasil
advém, muito, da inexistência de um espaço ecumênico  de debate em que
opiniões como a de um Trabuco,  ou a  de Luiza Trajano  --a dona do 
Magazine Luiza, que desancou ao vivo um gabola desinformado do pelotão
conservador--   deixem de ser um acorde dissonante no jogral que
diuturnamente aterroriza:  de amanhã o Brasil não passa.

Os desafios ao passo seguinte do desenvolvimento brasileiro são reais.

De
modo muito grosseiro, trata-se de modular um ciclo de ganhos de
produtividade (daí a importância  de resgatar seu principal núcleo
irradiador, a indústria)  que financie  novos degraus de acesso  à
cidadania plena.

A força e o consentimento necessários para
conduzir  esse  novo ciclo requisitam um salto de discernimento e
organização social,  indissociável de um amplo debate sobre metas, 
ganhos, prazos, sacrifícios  e valores.

 Não se trata apenas de sobreviver  à convalescência do modelo neoliberal.

Trata-se
de distinguir  se a crise global é uma ruptura ou o desdobramento 
natural de um modelo cuja restauração é defendida  por rentistas,
jornalistas e rapazes assertivos, desprovidos do recheio competente.

Antes
de classificar como excrescência o que se assiste na Europa  --onde o
ajuste neoliberal  produziu  26,5 milhões de desempregados, implodiu
pilares da civilização e acumula déficits paralisantes, que a recessão
‘saneadora’ não permite deflacionar--,  talvez fosse mais justo creditar
à razia o bônus da coerência.

O que o schumpeterismo ortodoxo 
promove  no antigo berço do Estado do Bem- Estar Social é radicalização
do processo de ‘destruição criativa’ que por três décadas esganou  o
rendimento do trabalho, sacrificou soberanias, instituições e direitos,
simultaneamente  a concessão de mimos tributários aos endinheirados.

Para
clarear as coisas: não foi a crise que gerou o arrocho e a pobreza em
desfile no planeta --mas sim o arrocho e a desigualdade neoliberal que
conduziram ao desfecho explosivo, edulcorado agora por  vulgarizadores
que, no Brasil,  advogam  dobrar a aposta no veneno.

A ordem dos fatores altera a agenda futuro.

Se a crise não é apenas financeira, controlar as finanças desreguladas é só um pedaço do caminho.

 O
percurso inteiro inclui controlar a redistribuição do excedente
econômico, ferozmente concentrado nas últimas décadas na base do morde e
assopra --arrocho de um lado, crédito e endividamento suicida do outro.

O saldo está exposto no cemitério de ossos da crise mundial.

Genocídio
do emprego, classe média em espiral descendente, mercados atrofiados, 
plantas industriais carcomidas,  anemia do investimento e colapso dos
serviços público e do investimento estatal.

Para quem acha que a
coisa começou agora, o insuspeito Wal Street Journal acaba de publicar 
reportagem com números pedagógicos sobre o esmagamento da classe média
no mundo rico, antes da crise.

Dados compilados por Emmanuel
Saez, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Thomas Piketty, da
Escola de Economia de Paris’, diz o Wall Street  corroboram o desmonte
social em curso nos países ricos.

 Em 2012, os 10% mais ricos da
população norte-americana ficaram com metade de toda a renda gerada no
país. Trata-se do percentual mais alto desde 1917.
Mas o ovo regressivo vem sendo chocado bem antes disso.

Estatísticas
coligidas por Branko Milanovic, ex-economista do Banco Mundial ,
adverte  o Wall Street, mostram que, de 1988 a 2008, a renda real dos
50% mais pobres nos EUA cresceu apenas 23%. Enquanto isso, a renda do 1%
dos americanos no topo da pirâmide cresceu 113% no período –‘ um
percentual que outros estudos consideram subestimado’, lembra o jornal
conservador. As famílias dos 50% mais pobres na Alemanha e no Japão
tiveram um desempenho ainda pior. A renda real dos 50% mais pobres no
Japão caiu 2% em termos reais.

“As desigualdades nacionais em quase todos os lugares, exceto na América Latina, aumentaram", diz Milanovic  ao Wall Street.

Pela
ansiedade dos nossos falcões e a animosidade de seus  gabolas no debate
das questões nacionais, tudo indica que eles não querem ficar para
trás.

Ao ouvirem notícias encorajadoras sobre o potencial do país desabafam enfadados:
‘Brasil? Poupe-me...’

sábado, 25 de janeiro de 2014

G1 - 'Falta amor', diz cubana que completa um mês de Mais Médicos no RS - notícias em Rio Grande do Sul

G1 - 'Falta amor', diz cubana que completa um mês de Mais Médicos no RS - notícias em Rio Grande do Sul


Enriquecer não está entre as prioridades da doutora cubana Lourdes
Richardson Mann, selecionada para atuar pelo programa Mais Médicos em Cristal,
no Rio Grande do Sul. Especialista em atenção primária à saúde, a
médica da terra de Fidel Castro cede 90% do seu salário mensal a Cuba e
ao governo brasileiro e, mesmo assim, tem a convicção de que pode viver
bem com cerca de R$ 1.000 no pequeno município da Região Sul, de pouco
mais de 7,6 mil habitantes, sua nova casa pelos próximos três anos.
Nascida em Caimanera, província de Guantánamo, Lourdes passa, aos 42
anos, a imagem de uma mulher segura, confiante e focada no objetivo de
oferecer, pelas próprias mãos, saúde gratuita para a população mais
carente, sem condições de pagar por uma consulta particular.



Em entrevista ao G1, Lourdes Mann fala sobre seu
primeiro mês no país e suas impressões em um território bem diferente de
sua origem socialista. “O Brasil vive um problema de falta de caridade
humana. Falta amor ao próximo”, interpreta. Em relação à resistência da
classe médica ao Mais Médicos, ela não demonstra tanto espanto. “Não
vejo nada estranho nisso. É um programa novo, pouca gente conhece. Nós,
cubanos, estamos preparados para isso. Não viemos para enriquecer, temos
um conceito diferente, um conceito revolucionário. A vida vem
primeiro”, diz.


A médica, mãe de três filhos, também relata a experiência vivida
durante cinco anos na Venezuela, onde havia, à época, um programa
semelhante ao que é realizado hoje no Brasil. O período na terra de Hugo
Chávez ainda lhe ajudou a garantir a participação no programa
brasileiro.



Antes mesmo de chegar ao país, já estava familiarizada com os costumes
locais. Em Havana, onde morou por cinco anos entre uma viagem e outra,
ouviu clássicos de Roberto Carlos e o embalo do samba de Alexandre
Pires. Agora, nas horas vagas, além de falar com os filhos, tenta
aprender a sambar. “A comida é muito boa. A música também. Ainda não
escutei a música tradicional dos gaúchos. Gosto de samba. Minhas colegas
do posto de saúde estão me ensinando a sambar. Isso quando não temos
pacientes”, conta.



Abaixo, confira a entrevista com a médica cubana.



Você nasceu em Havana? Sempre pensou em fazer medicina?

Não nasci na capital, sou de Caimanera, província de Guantánamo. Estou
em Havana há cinco anos. Ou melhor, estava. Agora vivo em Cristal
(risos). Quando eu era criança, queria ser professora como minha mãe.
Mas depois, com 18 anos, tive uma inclinação forte para a medicina,
porque é uma carreira muito ampla, com várias possibilidades, muito
humanitária. Estudei por seis anos até me formar como médica.



Por que existem tantos médicos em Cuba?

No meu país, existe uma preocupação muito grande com as pessoas, com o
povo cubano. Todos cuidam de todos. Acho que a medicina tem esse poder
de ajudar as pessoas. Gosto de ajudar as pessoas. Por lá, a maioria
pensa assim. Existem muitos médicos formados em Cuba com foco na atenção
básica. Não me imaginaria, com a minha cor de pele, negra, cursando
medicina em outro país. No Brasil, vocês têm cotas...


Pedir permissão para internar em casos de urgência? Isso não existe
por lá. Fiquei sabendo que as pessoas entram na Justiça para conseguir
um leito aqui. É um absurdo."
Lourdes Mann, médica
O que mais você sabe sobre a saúde e a educação no Brasil?

Conheço muito pouco sobre a educação daqui. Sei muitas coisas sobre o
lado da saúde. Alguns dias atrás, por exemplo, atendi uma criança com
suspeita de apendicite, algo grave, portanto. Me orientaram a ligar para
o hospital mais próximo para saber se eles tinham vaga para internar
aquela criança. Em Cuba, casos como esse não precisam de formalidades,
de pedidos, para internação de urgência. Encaminhamos o hospital e o
atendimento é feito na hora porque ela não pode esperar. Corre riscos...
Pedir permissão para internar em casos de urgência? Isso não existe por
lá. Fiquei sabendo que pessoas entram na Justiça para conseguir um
leito aqui. É um absurdo. O Brasil vive um problema de falta de caridade
humana. É isso que falta para as pessoas. Falta amor ao próximo.



Como o Mais Médicos chegou até você? Qual é sua experiência profissional?

Tenho mais de 10 anos de experiência em atenção básica à saúde. Em
Havana, trabalhava em um consultório, em uma policlínica, como chamamos
em Cuba. Os hospitais são atenção secundária, assim como aqui. As
policlínicas são primárias, preventivas. Eles estavam procurando pessoas
com esse perfil para vir ao Brasil. O programa chegou em Cuba há mais
ou menos um ano. Mas foi uma coisa voluntária, uma opção que fiz, porque
já tinha realizado uma missão na Venezuela e ter experiência anterior
em outro país era um dos requisitos para se candidatar.



Missão na Venezuela?

Passei cinco anos da minha vida lá, entre 2004 e 2009. Estive em
Bolívar e Caracas. Não faz tanto tempo assim. Chavez tinha muitas ideias
liberais semelhantes ao que se vê hoje em dia em Cuba. A igualdade, a
vontade de eliminar a pobreza, de dar saúde a todos e educação ao povo.
Vi programas de habitação para comunidades carentes, centros de
diganósticos integrados, supermercados, tudo voltado à população pobre.
Foi uma experiência marcante. Quando terminei minha missão na Venezuela,
me mudei para Havana. Tive a possibilidade de comprar um apartamento e
fui para a capital. Tenho uma irmã que também vive lá, e ela se sentia
muito sozinha.


Lourdes mostra a cozinha do apartamento onde mora (Foto: Caetanno Freitas/G1)Lourdes mostra a cozinha do seu novo apartamento

(Foto: Caetanno Freitas/G1)
E como foi a preparação montada para os cubanos que chegaram ao Brasil em dezembro?

Éramos mais de 200 médicos. Fizemos uma escala em Manaus e depois fomos
a Vitória. Participamos de um curso para aprender português durante 21
dias. Aprendemos também sobre o sistema de saúde (SUS), como as coisas
funcionam por aqui. Foi uma passagem tranquila, muito boa. Lá definiram o
destino de cada um de nós. Essa parte não foi opcional porque ninguém
conhecia o país, então não importava muito para onde iríamos.



Você tem alimentação e habitação assegurada?

Quando cheguei aqui no Cristal já tinha um apartamento me esperando,
com cozinha, banheiro, um quarto e uma sala. Está bom. Fizemos um acordo
com o governo, onde doamos mais da metade do dinheiro que recebemos
para o povo cubano. Ficamos com mil reais, que é o suficiente. Cuba fica
com os R$ 10 mil e distribui ao governo brasileiro e me manda a minha
parte. Também recebemos ajuda com alimentação, dá uns R$ 500 por mês.
Para mim é o suficiente, não quero enriquecer. Quero ajudar as pessoas
daqui.



Como você está se sentindo? As pessoas lhe tratam bem?

Estou feliz. Todos me receberam muito bem. Dizem que sou bem-vinda.
Todos por aqui são muito hospitaleiros, receptivos. No posto de saúde,
todos colaboram comigo, precisam ter paciência por causa do português.
Ainda estou aprendendo. Tenho muito apoio da prefeitura também e de toda
comunidade.


Médica cubana atende nesta policlinica no centro da cidade (Foto: Caetanno Freitas/G1)Médica cubana atende nesta policlinica no Cristal

(Foto: Caetanno Freitas/G1)
Do que você está gostando mais?

A comida é muito boa. Muito parecida com a de Cuba. A música também.
Ainda não escutei a música tradicional dos gaúchos. Gosto de Roberto
Carlos, Alexandre Pires… Gosto de samba. Minhas colegas no posto de
saúde estão me ensinando a sambar. Isso quando não temos pacientes…



A maior dificuldade é o idioma?

Ah, com certeza. Eu tenho me esforçado, aprendemos muita coisa lá em
Vitória. Disseram que tínhamos de aprender rápido, mas é difícil. Sei de
alguns médicos cubanos que vieram para cá, ao Brasil, e pediram para
voltar porque não conseguiram aprender. Vocês falam muito rápido
(risos). Mas a comunicação é fundamental. Vou aprender, é questão de
tempo.



Você tem filhos? Como faz para fazer contato com sua família?

Sim, tenho três filhos, todos homens. Falo com eles pela internet.
Ernesto, 10 anos, Roberto, 16, e Rafael, 18. Meu pai, minha mãe e duas
irmãs também estão lá. Eu não pensava em sair de Cuba mais uma vez. Não
queria mais. A família entendeu quando decidi, os filhos maiores também.
O pequeno não. Ele não entende, sempre vai necessitar de sua mamãe por
perto.



Existe alguma dificuldade com a classe médica? Quando vocês,
cubanos, chegaram ao Brasil, houve uma reação por parte dos médicos
brasileiros contrários ao programa
.

Não vejo nada estranho nisso. É um programa novo, pouca gente conhece.
Nós, cubanos, estamos preparados para isso. Não viemos para enriquecer,
temos um conceito diferente, um conceito revolucionário. A vida vem
primeiro. O restante é secundário. A riqueza, a casa, o conforto, o
glamour, tudo isso é secundário. Mas estamos preparados para essa
resistência. Desde que não aconteça nada que me ofenda, que me agrida…
Na Venezuela, houve resistência também. A situação era igual. Os médicos
venezuelanos não queriam colaborar com os cubanos...

Candelária, Carandiru e Pedrinhas -

Candelária, Carandiru e Pedrinhas - Ricardo Noblat: O Globo



Candelária, Carandiru e Pedrinhas

Mara Bergamaschi

Peço que me acompanhem em
uma pequena digressão. Vamos lá: foi preciso a Chacina da Candelária – e
a repercussão internacional condenando o extermínio de crianças e
adolescentes pobres no Brasil -, para que Estado e sociedade
enfrentassem a dramática situação de nossa infância.

Duas décadas
depois, ainda existem meninos e meninas em situação de risco. Os
desafios persistem, sobretudo para jovens envolvidos com o tráfico. Mas
consolidamos políticas públicas e uma rede de proteção social. Surgiram
ONGs atuantes. E vingou nas empresas o conceito de responsabilidade
social.

Além de combater resolutamente a fome e a miséria,
cidadãos e governos agiram para resgatar das ruas os “menores
abandonados” – termo hoje em desuso. Eram assim chamados quando, em
julho de 1993, oito deles foram assassinados enquanto dormiam próximo à
famosa igreja da Cidade Maravilhosa.

Onde quero chegar? Vamos lá:
pouco antes, em outubro de 1992, também havíamos ganhado as manchetes
estrangeiras por outra barbaridade chamada Massacre do Carandiru – a
maior matança no sistema carcerário, o dobro da verificada em Pedrinhas
em 2013.

Mas nem as “imagens fortes” de um pátio com 111 cadáveres
nem a desaprovação do planeta foram capazes de nos unir e nos tirar
minimamente da inércia, como no caso da Candelária. Pelo contrário: o
Carandiru ainda divide opiniões e permanece como problema de São Paulo,
não do país.

No início dos anos 90, alcançamos algum consenso para
resguardar direitos de meninos de rua – ainda vistos como inocentes ou
como “pivetes” recuperáveis -, mas não os de adultos criminosos, já
encarcerados.

De lá para cá, não defendemos de verdade que as
masmorras brasileiras – e não somente o Carandiru – fossem varridas do
mapa, levando junto a tortura e o caos na execução penal. No final,
parece ter prevalecido aquela terrível máxima: “bandido bom é bandido
morto.” Aplicável hoje também aos menores infratores.

A área da
Justiça não nos sensibilizou: nem percebemos que o Ministério mudou de
mãos dez vezes durante os anos FHC. E que a gestão petista, apesar de
mais estável e atuante, economizou o Fundo Penitenciário, que poderia
construir e modernizar cadeias.

Sequer reivindicamos essas
melhorias em alto e bom som. Também não pedimos novas centrais de
flagrante ou mutirões da Justiça nos Estados. Deixamos as autoridades à
vontade para fazer pouco. A única coisa que exigimos sempre, acuados
pelo aumento da criminalidade, é que os malfeitores fossem detidos.

Chegamos
aos 500 mil presos, o dobro das vagas. E ao método-holocausto de
Pedrinhas - que, entre outros critérios, trucida quem chega por último.
Enfim os próprios detentos se matam, às dezenas, sem participação dos
policiais. Assim conseguimos ser alvo de ações da ONU e da OEA por
violação aos Direitos Humanos.

Não somente pelas decapitações de
Pedrinhas, no catastrófico Maranhão de Roseana Sarney, mas pela grave
situação, por exemplo, no presídio central de Porto Alegre, no próspero
Rio Grande do Sul, governado pelo ex-ministro da Justiça Tarso Genro.
”Sem que corações e mentes se mobilizem pela questão penitenciária”,
como disse a socióloga Julita Lemgruber, continuaremos a estarrecer o
mundo. É agora ou nunca.



Mara Bergamaschi é
jornalista e escritora. Foi repórter de política do Estadão e da Folha
em Brasília. Hoje trabalha no Rio, onde publicou pela 7Letras
“Acabamento” (contos,2009) e “O Primeiro Dia da Segunda Morte”
(romance,2012). É co-autora de “Brasília aos 50 anos, que cidade é
essa?” (ensaios,Tema Editorial,2010). Escreve aqui às quintas-feiras.

São quantos ‘surreais’? | Economia | Edição Brasil no EL PAÍS

São quantos ‘surreais’? | Economia | Edição Brasil no EL PAÍS



A imagem serena da efígie que simboliza a República deu lugar, nas
notas do real brasileiro, ao olhar debochado e ao bigode afiado do
pintor surrealista Salvador Dalí. A nova moeda brasileira que circula
pelas redes sociais é o Surreal e deveria, na opinião dos consumidores
do país, ser usada para substituir o real diante dos preços abusivos
cobrados por aí.


Em uma simples barraca de praia carioca, uma reles batata frita pode
custar 28 reais, valor suficiente para comprar 16 quilos do tubérculo em
um supermercado. Um misto quente chega a 20 reais, com os quais é
possível comprar quase meio quilo de presunto e meio quilo de queijo. E
em um bar badalado, uma porção de picanha pode atingir, facilmente, os
100 reais.


“É um mundo imaginário e fictício esse em que estamos vivendo, com
esses preços exorbitantes”, indigna-se a jornalista Patrícia Kalil, 35
anos, as mãos por trás da moeda Surreal. Ela diz que teve a ideia de
fazer a montagem depois de ler uma entrevista do webdesigner Toinho Castro, em que ele sugeria a criação de uma moeda própria para os preços do Rio, chamada Surreal. “Foi
irresistível criar a nota, foi como se eu tivesse visto a imagem do
Dalí na minha frente”, diverte-se. Em 5 horas, a moeda já tinha sido
compartilhada no Facebook mais de 1.000 vezes e atingido 50 mil pessoas.


No final da mesma tarde, ela foi procurada por um grupo de pessoas que criou uma página no Facebook com base na moeda, a Rio $urreal – Não Pague.
“Isso é resultado de um sentimento coletivo”, diz ela, que ressalta que
os preços altos estão mudando a rotina dos cariocas, um povo que vive
muito mais fora de casa do que dentro. “Muita gente deixou de comer
fora. Tem preferido cozinhar em casa. Isso contraria a essência do
carioca, que gosta de ir a bares, restaurantes, que vive fora de casa.
Só quem consegue pagar esses preços são as pessoas que fazem parte dos
5% do topo”, afirma, referindo-se a uma pesquisa Datafolha divulgada em novembro de 2013
que mostrou que apenas 4% da população brasileira têm renda familiar
entre 6.780 reais e 13.560 reais e só 1% tem rendimentos superiores a
isso. A imensa maioria das famílias, 66%, ganha até 2.034 reais.


A marca Surreal fez sucesso e, menos de dez dias após a criação da
página do Facebook, em 17 de janeiro, 105.000 indignados já faziam parte
da rede, onde são propostos boicotes aos estabelecimentos que cometem
abusos e relatados casos pessoais. Os exemplos coletados vão dos 6,80
reais pagos por um cafezinho expresso, passam pela cerveja de garrafa a
12 reais, e chegam a quase 55 reais a porção com dez bolinhos de
bacalhau. A página ganhou ainda um “irmão” carioca, o Rio Surreal, que também conta com a imagem de Dalí e tem mais 13.000 likes.
Lá, uma internauta conta que um café que ela costuma frequentar passou a
cobrar 96 reais por um prato de filé. “Levantei e fui embora me
sentindo agredida. Olhei o restaurante cheio e me deu vontade de cantar
‘Quanto riso, oh, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão….’”, diz
ela, em referência a uma popular marchinha de Carnaval escrita pelo sambista Zé Keti.


São Paulo, que já contava com duas iniciativas parecidas, o SP Honesta e o Boicota SP, que também denunciavam os preços altos e promoviam os estabelecimentos mais baratos, entrou na onda e ganhou o Sampa $urreal. Consumidores de Brasília discutem na internet a criação de uma página similar.


Entre 2012 e 2013, a variação dos preços dos alimentos e das bebidas foi de 8,48% no país, a maior elevação registrada pelo IPCA, índice que mede o aumento de preços dos produtos feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas o descontentamento nas páginas das redes sociais se estende também
aos preços dos imóveis. “Hoje, na zona sul carioca, é quase impossível
alugar um apartamento. Os proprietários preferem alugar por temporada
para os turistas, pois ganham mais, e os preços estão altíssimos”, diz
Patrícia.


As moeda com o rosto de Dalí já começam a aparecer pelas ruas
cariocas e alguns internautas já relatam que os preços das barracas
cariocas começaram a baixar. Uma escola de samba já procurou Patrícia
para pedir autorização para usar as cédulas do Surreal em fantasias no
desfile deste ano e um internauta enviou para ela uma nova marchinha
para ser entoada pelas ruas cariocas: "O Rio tá Surreal, Surreal,
Surreal, na praia a água é 5, imagina no Carnaval!"


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Joaquim Barbosa veste Prada

Joaquim Barbosa veste Prada

Joaquim Barbosa veste Prada




Postado em 24 Jan 2014
Nosso parisiense
Nosso parisiense
E ficamos sabendo pela revista da qual Joaquim Barbosa é ídolo que,
mesmo na Europa, ele acompanha tudo que se fala a seu respeito.


Pela Veja, ele mandou uma resposta ao advogado de João Paulo Cunha,
que numa boa tirada dissera que ele fora dar um rolezinho em Paris.


JB disse que o advogado foi “desrespeitoso e preconceituoso”.
Acusou-o de provincianismo por ignorar que “há 35 anos” frequenta a
cidade.


Temos então que JB se considera um parisiense, ou quase. E parece acreditar que todos devem saber disso.


Não existe nada mais provinciano do que se gabar de ser um semiparisiense, ou coisa que o valha.


Mas JB parece gostar de projetar nos outros o que vê no espelho. Um
artista no ofício de desrespeitar, ele acusou o advogado de ser
desrespeitoso.


Isso no mesmo dia em que desrespeitou colegas de STF ao dizer que
eles deveriam ter mandado prender Cunha. Transferiu, sem a menor
cerimônia, um gesto seu de incompetência e desmazelo – esqueceu de
assinar a prisão de Cunha — para os outros.


A impressão que se tem é que JB acreditou na adulação da mídia, por
incrível que pareça, e se considera mesmo o menino pobre que mudou o
Brasil.


A verdade é que ele não mudou sequer o Supremo, que sob sua
presidência mais parece um circo do que um tribunal, mas mesmo assim ele
transmite a impressão de se ter na conta de um transformador, de um
inovador.


Quem acredita nisso acredita em tudo, como disse Wellington. E o fato
é que JB parece acreditar, o que mostra sua envergadura intelectual.


A melhor imagem do rolezinho parisiense de JB foi uma foto que viralizou na internet sob o título de “O Diabo Veste Prada”.


Nela, nosso magistrado aparece não numa das celebradas livrarias
parisienses, não num dos tão conhecidos debates filosóficos de Paris –
mas fazendo compras numa loja com artigos da Prada, com um chapéu que
lhe dá o ar de um parisiense refinado, e não de um turista ávido por
torrar euros.


Também pela revista que o idolatra, descobrimos que alguém lhe
perguntou em Paris se seria candidato à presidência em 2014. Melhor: ele
disse a alguém da Veja que lhe perguntaram isso.


Bem, seria até engraçado ver JB enfrentar o teste das urnas e dos
debates, em que ficaria exposto a questionamentos sobre tantos absurdos
que comete, dos 90 mil reais da reforma dos banheiros do apartamento
funcional às diárias embolsadas durante as férias na Europa.


Mas ele não tem votos senão num grupo conservador que não tem conseguido eleger sequer prefeito em São Paulo.


É mais fácil imaginá-lo, no futuro, dando novos rolezinhos na Europa.


Sobre o Autor - O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Ex-ministro se livra de mensalão tucano após prescrição dos crimes - 21/01/2014 - Poder - Folha de S.Paulo

Ex-ministro se livra de mensalão tucano após prescrição dos crimes - 21/01/2014 - Poder - Folha de S.Paulo

Ex-ministro se livra de mensalão tucano após prescrição dos crimes














A Justiça de Minas Gerais confirmou a prescrição das acusações contra o
ex-ministro Walfrido dos Mares Guia pelos crimes de peculato (desvio de
recursos públicos) e lavagem de dinheiro no processo do mensalão tucano.





O ex-ministro foi acusado de participação no esquema de desvio de
dinheiro de empresas públicas de Minas Gerais para financiar a reeleição
do então governador Eduardo Azeredo (PSDB) em 1998. Na época, Mares
Guia era vice-governador e, segundo acusação da Procuradoria-Geral da
República, coordenou a campanha de reeleição de Azeredo, o que o
ex-ministro nega.





De acordo com a juíza Neide da Silva Martins, da 9ª Vara Criminal do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, os crimes pelos quais Mares Guia é
acusado prescreveram após ele completar 70 anos, em 24 de novembro de
2012.





O prazo de prescrição para esses crimes é de 16 anos, a contar a partir
da data em que os fatos ocorreram. Contudo, quando o réu completa 70
anos, o prazo é reduzido pela metade. Neste caso, os crimes ocorreram em
1998, segundo a denúncia, apresentada em 2009 e aceita no ano seguinte.
Quando Mares Guia completou 70 anos, as acusações de crimes contra
passaram a prescrever em 2006.









"Tendo transcorrido prazo superior a oito anos entre os fatos e o
recebimento da denúncia, [...] declaro extinta a punibilidade do réu
Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, qualificado nos autos, pela
ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado", afirma a
juíza, em decisão do dia 14 de janeiro.





Outro réu do caso também poderá pedir a prescrição dos crimes pelos
quais é acusado. O então tesoureiro da campanha do PSDB ao governo de
Minas Gerais em 1998, Cláudio Mourão, fará 70 anos em abril e poderá
requerer a prescrição das acusações de peculato e lavagem de dinheiro.





DENÚNCIAS





Segundo a denúncia, o mensalão tucano foi um esquema de desvio de
dinheiro de empresas públicas de Minas Gerais para financiar a reeleição
de Azeredo (PSDB), que acabou derrotado por Itamar Franco (1930-2011).





O caso é similar ao mensalão do PT, e também teria participação do
empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado e preso em 2013,
após conclusão do julgamento do esquema petista.





No Supremo, o processo sobre suposto desvio de recursos públicos em
Minas corre contra o ex-governador Eduardo Azeredo e o senador Clésio
Andrade (PMDB-MG), então candidato a vice na chapa de Azeredo. Outros
processos sobre o caso correm em instâncias inferiores da Justiça
mineira. Os réus do processo do mensalão tucano negam todas as
acusações.