domingo, 5 de janeiro de 2014

O labirinto do lulismo

O labirinto do lulismo

O labirinto do lulismo

Labirinto
O cientista político André Singer publicou hoje, na Folha de São Paulo, um artigo, intitulado Armadilha lulista, no qual, comentando a entrevista do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, também concedida à Folha, enuncia o problema central que se coloca, atualmente, para o governo e para o Partido dos Trabalhadores: o impasse diante de uma contradição insolúvel, uma situação na qual a urgência do aprofundamento dos avanços sociais da primeira década do PT na presidência colide com o poder do mercado financeiro, avesso a qualquer alteração do status quo que se desenhe por fora do lulismo, do pacto social de conciliação de classes que emergiu com a eleição em 2002 de Lula à presidência da república.
O diagnóstico, que também é o de outro dos mais acurados analistas de conjuntura contemporâneos – como o historiador Lincoln Secco -, é dos mais corretos, mas ao contrário de Secco, Singer parece vagar perdido dentro do labirinto do próprio conceito, o lulismo, sem ter olhos para ver que não há qualquer dialética capaz de solucionar tal contradição por dentro, capaz de conservar o lulismo e ao mesmo tempo ‘aprimorá-lo’.
Tal cegueira decorre das debilidades da própria análise que Singer produziu do lulismo e que estão colocadas no artigo de hoje ao final do texto. Singer cita a entrevista de Belluzzo para descrever as dificuldades pelas quais passa a presidenta, cujo eleitorado seria ”o pessoal mais desinformado sobre as razões dos problemas, que foi submetido a um processo de obscurecimento durante séculos” e, portanto, seria incapaz de intervir em favor de uma agenda que permitisse a solução do impasse. Tal diagnóstico remete ao esforço mais geral de compreensão do lulismo feito por Singer, para quem a governança petista teria sido capaz de proletarizar o subproletariado, elevando seus níveis de renda e consumo, mas sem ‘politizá-lo’ de forma consequente e de modo a criar, para citar a formulação do artigo de hoje, “uma base social suficiente para sustentar a ruptura necessária.”
Trata-se de uma análise bastante problemática na medida em que insiste num procedimento materialista vulgar, que pretende ser possível dar vida à um corpo sem alma, ou, para falar a linguagem do velho marxismo ortodoxo, de produzir uma classe sem consciência. E não apenas por colocar o problema num enquadramento que não permite extrair dele todas as implicações – o quê talvez explique o seu segundo problema -, mas por ignorar essa classe sem nome já se colocou, de corpo e alma, no campo de batalha, protagonizando os levantes multitudinários de junho e os confrontos que se seguiram.
Assim, a procura de Singer, em pleno 2014, pela “energia capaz de quebrar as 11 varas da camisa que (…) paralisa a nação?” quando ela já explodiu em toda a sua potência em meados de 2013 é o sinal de que o lulismo enquanto horizonte é a sua própria armadilha enquanto prática. Pois aqueles que continuarem a pensar o cenário nos seus termos, após o dramático anúncio do seu esgotamento, serão devorado por essa esfinge cujo enigma já foi respondido material e historicamente. A ausência de qualquer menção aos eventos de junho, por fim, não é fruto de uma miopia temporária, mas resultado de uma cegueira estrutural, pois enxergar a multidão resolveria a armadilha do lulismo, impondo o fim do imobilismo e do compromisso histórico que o caracterizam, resultando na necessidade de abandonar o próprio lulismo não apenas enquanto instrumento conceitual, mas também como engenharia política.
Mas enquanto o analista tateia, às cegas, procurando o impulso capaz de livrar a ‘nação’ da ‘paralisia’, o governo prepara um exército de dez mil homens para combater a multidão. O governo e o capital financeiro, melhor do que Singer, parecem saber onde está a ‘energia’ suficientemente potente para alterar a correlação social de forças e radicalizar a democracia.

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