Janio de Freitas
Tiro na democracia
Os governadores e seus prepostos para a 'segurança' pública não podem instaurar ambientes de guerra civil
Arma de fogo no policiamento de manifestação pública é uma truculência que denuncia a admissão, pelos dirigentes civis e pelos comandos
policiais, de violências fatais idênticas às de ditaduras. Balas de
borracha já têm agressividade mais do que suficiente para intimidar e
conter possíveis investidas de arruaceiros contra policiais.
Os governadores e seus prepostos para a "segurança" pública não podem
instaurar ambientes de guerra civil, com suas armas inadmissíveis e
ferocidade injustificável permitidas, senão estimuladas, como se fossem
normais na democracia. Essa prática é uma transgressão ao Estado de
Direito e como tal pode ser tratada, por meio de impeachment.
É ainda bem antes da Copa que se decide a maneira como sua chegada será
recebida nas ruas. Em junho passado, a violência da PM paulista, contra
grupos que degradaram a grande passeata, incentivou protestos que
desandaram em arruaça e violência por vários Estados. Caso os
responsáveis pela contenção dos despropósitos de qualquer lado não se
limitem a métodos suportáveis, a tendência mais provável é de que o
crescendo nacional da reação seja maior do que o anterior. Até o
pretexto, motivo de quase unanimidade, facilitaria.
Pretexto, sim. Quando estimados os gastos com a Copa, os estádios a
serem construídos, a prevista marotagem dos aumentos de custos acertados
entre empreiteiras e governos, raríssimos foram críticos dessa
irresponsabilidade, de dimensão ainda incalculável. Os interesses
políticos e os financeiros se associaram ao Brasil levianamente festivo.
Ao se aproximar o que foi tão celebrado, com a ansiedade popular do
antimaracanazo, tudo de repente virou motivo de "rebelião"? Não dá para
crer. Ao menos, porém, há uma originalidade aí: rebelião popular com
data marcada, e anúncio a seus antagonistas com larga antecedência.
Seja qual for a verdade sobre a situação resultante nos tiros da PM
contra Fabrício Proteus, a primeira responsabilidade é clara: a
autorização de armas de fogo à PM em situação que não as requer, e na
qual são a maior ameaça. Sua desnecessidade em tal situação está
atestada na prática: a mais eficiente contenção da arruaça violenta, no
Rio, foi obtida na última grande "manifestação" --com a PM desprovida de
arma fogo.
A democracia não exclui confrontos entre opositores e centuriões do que
os governos vejam como ordem pública. Mas exige condições e limitações
que nenhum poder está autorizado a transpor. Tida como o regime das
liberdades, a democracia, na realidade, não é menos condicionante e
limitadora do que os outros regimes. Mas, o lugar-comum enfim se
justifica, no bom sentido. Que não inclui o uso indiscriminado de arma
de fogo nem em nome da ordem pretendidamente democrática.
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