sábado, 25 de janeiro de 2014

Candelária, Carandiru e Pedrinhas -

Candelária, Carandiru e Pedrinhas - Ricardo Noblat: O Globo



Candelária, Carandiru e Pedrinhas

Mara Bergamaschi

Peço que me acompanhem em
uma pequena digressão. Vamos lá: foi preciso a Chacina da Candelária – e
a repercussão internacional condenando o extermínio de crianças e
adolescentes pobres no Brasil -, para que Estado e sociedade
enfrentassem a dramática situação de nossa infância.

Duas décadas
depois, ainda existem meninos e meninas em situação de risco. Os
desafios persistem, sobretudo para jovens envolvidos com o tráfico. Mas
consolidamos políticas públicas e uma rede de proteção social. Surgiram
ONGs atuantes. E vingou nas empresas o conceito de responsabilidade
social.

Além de combater resolutamente a fome e a miséria,
cidadãos e governos agiram para resgatar das ruas os “menores
abandonados” – termo hoje em desuso. Eram assim chamados quando, em
julho de 1993, oito deles foram assassinados enquanto dormiam próximo à
famosa igreja da Cidade Maravilhosa.

Onde quero chegar? Vamos lá:
pouco antes, em outubro de 1992, também havíamos ganhado as manchetes
estrangeiras por outra barbaridade chamada Massacre do Carandiru – a
maior matança no sistema carcerário, o dobro da verificada em Pedrinhas
em 2013.

Mas nem as “imagens fortes” de um pátio com 111 cadáveres
nem a desaprovação do planeta foram capazes de nos unir e nos tirar
minimamente da inércia, como no caso da Candelária. Pelo contrário: o
Carandiru ainda divide opiniões e permanece como problema de São Paulo,
não do país.

No início dos anos 90, alcançamos algum consenso para
resguardar direitos de meninos de rua – ainda vistos como inocentes ou
como “pivetes” recuperáveis -, mas não os de adultos criminosos, já
encarcerados.

De lá para cá, não defendemos de verdade que as
masmorras brasileiras – e não somente o Carandiru – fossem varridas do
mapa, levando junto a tortura e o caos na execução penal. No final,
parece ter prevalecido aquela terrível máxima: “bandido bom é bandido
morto.” Aplicável hoje também aos menores infratores.

A área da
Justiça não nos sensibilizou: nem percebemos que o Ministério mudou de
mãos dez vezes durante os anos FHC. E que a gestão petista, apesar de
mais estável e atuante, economizou o Fundo Penitenciário, que poderia
construir e modernizar cadeias.

Sequer reivindicamos essas
melhorias em alto e bom som. Também não pedimos novas centrais de
flagrante ou mutirões da Justiça nos Estados. Deixamos as autoridades à
vontade para fazer pouco. A única coisa que exigimos sempre, acuados
pelo aumento da criminalidade, é que os malfeitores fossem detidos.

Chegamos
aos 500 mil presos, o dobro das vagas. E ao método-holocausto de
Pedrinhas - que, entre outros critérios, trucida quem chega por último.
Enfim os próprios detentos se matam, às dezenas, sem participação dos
policiais. Assim conseguimos ser alvo de ações da ONU e da OEA por
violação aos Direitos Humanos.

Não somente pelas decapitações de
Pedrinhas, no catastrófico Maranhão de Roseana Sarney, mas pela grave
situação, por exemplo, no presídio central de Porto Alegre, no próspero
Rio Grande do Sul, governado pelo ex-ministro da Justiça Tarso Genro.
”Sem que corações e mentes se mobilizem pela questão penitenciária”,
como disse a socióloga Julita Lemgruber, continuaremos a estarrecer o
mundo. É agora ou nunca.



Mara Bergamaschi é
jornalista e escritora. Foi repórter de política do Estadão e da Folha
em Brasília. Hoje trabalha no Rio, onde publicou pela 7Letras
“Acabamento” (contos,2009) e “O Primeiro Dia da Segunda Morte”
(romance,2012). É co-autora de “Brasília aos 50 anos, que cidade é
essa?” (ensaios,Tema Editorial,2010). Escreve aqui às quintas-feiras.

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