quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O complexo de vira-latas — Portal ClippingMP

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O complexo de vira-latas

Autor(es): Joaquim Falcão
Correio Braziliense - 30/01/2014
 
 O
famoso escritor Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro sofre do
complexo de vira-latas: "Por complexo de vira-latas entendo eu a
inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do
resto do mundo". Nós mesmos nos consideramos a escória do mundo.
Andando sem eira nem beira, sem origem nem destino.
Uma
das áreas em que esse complexo de vira-latas estaria mais vivo é a da
corrupção. Existe um sentimento difuso de que "corrupção é coisa de
Brasil", "coisa de brasileiro", "vergonha universal". Não é bem assim.
Infelizmente, corrupção é um mal global do século.
Rankings
e índices internacionais costumam classificar nossa administração
pública como uma das mais corruptas do mundo. E afirmar que isso aumenta
o custo Brasil e dificulta fazer negócios por aqui. Para que esses
índices fossem críveis, seria preciso um conceito universal do que é
corrupção.
Seria
necessária também uma base de respondentes que fosse metodologicamente
homogênea. O que igualmente não existe. Em geral, apenas é ouvida uma
elite de consultores e de interessados pré-selecionados. É uma amostra
enviesada, sem representatividade maior. Mas tem alta instrumentalidade
política.
Quem
leu na última semana os principais jornais econômicos americanos e
ingleses, ou os noticiários internacionais, com certeza ficou espantado
com o imenso número de notícias sobre corrupção que inundam diariamente o
mundo econômico e o mundo político.
Não
vamos falar sobre a corrupção recente na presidência e nos ministérios
da Alemanha. Nem sobre o Banco do Vaticano. Nem sobre as relações
ilegais entre o governo inglês e o News Corporation. Nem sobre a família
real espanhola. Nem sobre os casos de Berlusconi reacusado agora de
coagir testemunhas.
Nem
vamos falar dos superempresários russos colocados na cadeia. Nem dos
presidentes franceses Jacques Chirac e agora Nicolas Sarkozy a responder
na Justiça. Ou do primeiro-ministro alemão, Helmut Kohl, réu confesso,
mas além de qualquer suspeita. Ou do tio do Kim Jong-un da Coreia do
Norte, condenado à morte por corrupção, ou do ministro Liu Zhijun, da
China, também condenado pelo mesmo crime.
Falo
da corrupção do dia a dia da política comum. O futuro candidato a
presidente dos Estados Unidos, o governador de New Jersey, Chris
Christie, do partido Republicano, está sob investigação por ter usado
recursos públicos para coagir adversários. E mais: por ter mandado
fechar uma ponte, para que a população se revoltasse contra o prefeito,
adversário dele, do partido Democrata.
O
ex-prefeito de Nova Orleans volta a ser julgado por malversação dos
recursos públicos para restaurar a cidade depois do furacão Katrina. Um
vereador de estado do norte, que foi condenado criminalmente, cumpre
pena na prisão, mas não renuncia. O ex-governador do estado de Illinois,
cumprindo pena de prisão por tentar vender a vaga no Senado que ficara
vazia com a eleição de Obama, ao invés de indicar um sucessor.
O
prefeito de Toronto, além de alcoólatra, aparece, provavelmente,
drogado por drogas ilícitas, em público. O ministro de Orçamento do
presidente francês, François Hollande, é acusado de ter conta não
declarada na Suíça. E por aí vamos.
Muitos
americanos consideram a corrupção doença endêmica da própria sociedade
americana. Usam até uma palavra: "greed", ganância, para justificar a
humanidade, ou a desumanidade da corrupção. Que atinge vira-latas ou
não. Como combatê-la é a tarefa comum a todos.
Nessa
empreitada, dois pontos são decisivos. Primeiro, a livre imprensa e as
mídias sociais. Os casos de corrupção do dia a dia da política estão
vindo à tona, em geral, por meio da internet, com repercussão da mídia
tradicional. E tendem a aumentar.
O
outro ponto importante é a ainda muito frágil capacidade dos
ministérios públicos de investigar os detalhes com o tempo e a expertise
necessários. A corrupção, enquanto se banaliza, se sofistica. Não é
preciso doutrinas ou sofisticadas argumentações legais. É preciso saber
coletar fatos e buscar a coragem da verdade. Nesse campo, o mundo todo
ainda é vira-lata.

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