sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A economia da China abala o mundo — CartaCapital

A economia da China abala o mundo — CartaCapital

Não quero falar sobre gênero

Não quero falar sobre gênero - 28/08/2015 - Ilustrada - Folha de S.Paulo



Vladimir Safatle

Não quero falar sobre gênero



'Acho que os gays são pervertidos e quero fazer meu filho achar isso. Por que o Estado me impediria?'
"Não quero que a escola trate de assuntos relacionados a comportamento
sexual, religião ou política. Quero o Estado longe, tenho o direito de
ensinar meus valores a meus filhos. Chega de doutrinação."





Esse é um comentário que apareceu abaixo de uma notícia na internet
sobre a decisão "iluminista" e "corajosa" do prefeito de São Paulo de
não vetar o Plano Municipal de Educação, que exclui menção explícita à
importância de ensinar questões de gênero e respeito à diversidade
sexual.





Tais afirmações podem inicialmente parecer ter alguma sensatez. Afinal, o
que essa pessoa estaria a dizer é que o Estado não deveria impor
valores a seus filhos. Ao contrário, ele deveria respeitar as diferenças
de valores que existem nas famílias. Não seria possível aceitar
"doutrinações" monolíticas que visariam a impedir os indivíduos de
defender aquilo em que acreditam.





Sim, tais afirmações podem parecer sensatas, mas só para aqueles
acostumados ao caráter distorcido e farsesco do liberalismo brasileiro, o
mesmo liberalismo que outrora se esmerou em usar o discurso dos
"valores esclarecidos liberais" para justificar sociedade escravocrata e
golpe de Estado.





Poderíamos sintetizar o argumento acima da seguinte forma: "Não quero o
Estado dizendo para meu filho que ele deve respeitar homossexuais e
travestis e parar de vê-los, de uma vez por todas, como portadores de
alguma forma de doença ou perversão. Quero continuar a educar meus
filhos da maneira que achar melhor, mesmo que 'educar', nesse contexto,
signifique 'internalizar preconceitos'. Acho que homossexuais são
pervertidos e quero continuar a fazer meu filho acreditar nisso. Por que
o Estado me impediria?". Bem, talvez porque seja atribuição maior do
Estado proteger parcelas vulneráveis da sociedade de uma violência
arraigada e recorrente vinda de outros setores da população.





Estamos falando de um país, como o Brasil, que lidera rankings
internacionais de assassinato de homossexuais e travestis por motivações
homofóbicas e transfóbicas.





Uma das razões para isso é, certamente, que há muita gente que
compreende preconceito e violência como "liberdade de opinião", ou
respeito à diversidade e indiferença à diferença como "doutrinação".





No entanto, há de se lembrar que a democracia não respeita os "valores
da família" quando tais "valores" são, na verdade, máscaras para
perpetuar práticas de exclusão e desigualdade. Ela não os respeita
quando famílias são racistas, antissemitas, islamofóbicas e homofóbicas.
A democracia não é neutra do ponto de vista da enunciação de valores.
Ela tem um valor que toda e qualquer família deve entender. Ele se chama
"igualdade". O que uma criança e um adolescente aprendem quando uma
escola ensina gênero é a prática efetiva da igualdade.





Há ainda um ponto que explica muito da histeria de certos setores da
população brasileira a respeito de questões de gênero. O Brasil gosta de
ter uma imagem de si mesmo como um país tranquilo e permissivo, mesmo
enquanto pratica as piores violências contra grupos minoritários.





Essa imagem parte do pressuposto de que você pode agir de forma singular
desde que não se faça muito alarde, ou seja, desde que não quebre o
pacto da invisibilidade, pois é assim que o poder impõe suas normas, a
saber, decidindo o que pode ser visível, o que pode ser visto.





Todo poder é uma decisão sobre o que pode ser visto e o que deve ser
aceito apenas em silêncio. Nesse sentido, o que tais práticas escolares
fazem é quebrar o pacto de silêncio e invisibilidade que perpetua as
piores sujeições.





Mas é verdade que questões de gênero não precisam lidar apenas com o
estranhamento de alguns a respeito da extensão da igualdade como valor.
Há também algo a mais, que toca o cerne do edifício ideológico de nossas
sociedades, porque, a partir do momento em que se afirma que gêneros
não são meros decalques da diferença binária da anatomia dos sexos, que a
anatomia não é o destino, há algo que parece entrar em abalo profundo.





Ninguém está a dizer a proposição delirante de que a diferença sexual
não existiria. O que se está a dizer é algo ainda mais forte, a saber,
que a diferença sexual não tem nenhum sentido que lhe seja natural, que
dela não se deriva normatividade alguma. Isso significa que as nossas
formas de vida, a estrutura de nossas famílias, não estão assentadas na
natureza. Não, a natureza não é um álibi para nossas decisões culturais.





Com uma covardia que lhe é costumeira, foi isso o que o PT e seu prefeito acharam que não valia uma briga.

Por que decidi processar Gilmar Mendes | GGN

Por que decidi processar Gilmar Mendes | GGN



 



O Ministro Gilmar Mendes me processou, um daqueles processos montados
apenas para roubar tempo e recursos do denunciado. Eu poderia ter
ficado na resposta bem elaborada do meu competente advogado Percival
Maricatto.


Mas resolvi ir além.


Recorri ao que em Direito se chama de "reconvenção", o direito de processar quem me processa.


A razão foram ofensas graves feitas por ele na sessão do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) na qual não conseguiu levar adiante a
tentativa canhestra de golpe paraguaio, através da rejeição das contas
de campanha de Dilma Rousseff.


Todo o percurso anterior foi na direção da rejeição, inclusive os
pareceres absurdos dos técnicos do TSE tratando como falta grave até a
inclusão de trituradores de papel na categoria de bens não duráveis.


Não conseguiu atingir seu propósito graças ao recuo do Ministro Luiz
Fux, que não aceitou avalizar sua manobra. Ele despejou sua ira
impotente sobre mim, valendo-se de um espaço público nobre: a tribuna do
TSE.


 Certamente quem lucrou foram os blogs sujos, que ficaram prestando um tamanho desserviço. 
um caso que foi demitido da Folha de S. Paulo, em um caso conhecido
porque era esperto demais, que criou uma coluna 'dinheiro vivo',
certamente movida a dinheiro (...) Profissional da chantagem, da
locupletação financiado por dinheiro público, meu, seu e nosso! Precisa
ser contado isso para que se envergonhe. Um blog criado para atacar
adversários e inimigos políticos! Mereceria do Ministério Público uma
ação de improbidade, não solidariedade”.



O que mereceria uma ação de improbidade é o fato de um Ministro do
STF ser dono de um Instituto que é patrocinado por empresas com
interesses amplos no STF em ações que estão sujeitas a serem julgadas
por ele. Dentre elas, a Ambev, Light, Febraban, Bunge, Cetip, empresas e
entidades com interesses no STF.


Não foi o primeiro ato condenável na carreira de Gilmar. Seu
facciosismo, a maneira como participou de alguns dos mais deploráveis
factoides jornalísticos, a sem-cerimônia com que senta em processos,
deveriam ser motivo de vergonha para todos os que apostam na construção
de um Brasil moderno. Gilmar é uma ofensa à noção de país civilizado,
tanto quanto Eduardo Cunha na presidência da Câmara Federal.


A intenção do processo foi responder às suas ofensas. Mais que isso:
colocar à prova a crença de que não existem mais intocáveis no país. É
um cidadão acreditando na independência de um poder, apostando ser
possível a um juiz de primeira instância em plena capital federal não se
curvar à influência de um Ministro do STF vingativo e sem limites.


Na resposta, Gilmar nega ter se referido a mim. Recua de forma pusilânime.


“o Reconvindo sequer faz referência ao nome do Reconvinte, sendo
certo que as declarações foram direcionadas contra informações
difamatórias usualmente disseminadas por setores da mídia, dentro dos
quais o Reconvinte espontaneamente se inclui”.



Como se houvesse outro blog de um jornalista que trabalhou na Folha,
tem uma empresa de nome Agência Dinheiro Vivo e denunciou o golpe
paraguaio que pretendeu aplicar na democracia brasileira.


A avaliação do dano não depende apenas da dimensão da vítima, mas
também do agressor. E quando o agressor é um Ministro do Supremo
Tribunal Federal, que pratica a agressão em uma tribuna pública - o
Tribunal Superior Eleitoral - em uma cerimônia transmitida para todo o
país por emissoras de televisão, na verdade, ele deveria ser alvo de um
processo maior, do servidor que utiliza a esfera pública para benefício
pessoal.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Os três patéticos

Os três patéticos - 24/08/2015 - Ricardo Melo - Colunistas - Folha de S.Paulo



Os três patéticos






Aécio Neves, Gilmar Mendes e Eduardo Cunha atuam como protagonistas de
uma causa falida. Mesmo assim, não perdem uma oportunidade de expor em
público sua estreiteza de horizontes. São golpistas declarados. Não
importa a lógica, a política, a dialética ou mesmo o senso comum. Suas
biografias, já não propriamente admiráveis, dissolvem-se a jato a cada
movimento realizado para derrubar um governo eleito.





Presidente do PSDB, o senador mineiro-carioca pouco se incomoda com o
ridículo de suas atitudes. Aécio sempre defendeu um programa de arrocho
contra os pobres. Gabou-se da coragem de adotar medidas impopulares para
"consertar o Brasil".





Agora sobe em trios elétricos como porta-voz do povo. Critica medidas de
ajuste, jura pensar no Brasil e usa qualquer artimanha com uma única
finalidade: isolar a presidente. Convoca sabujos para atacar um
jornalista que revelou o escândalo do aeroporto construído para atender a
ele e à própria família. Maiores informações na página A3 desta Folha
publicada ontem (23/08).





Seu ajudante de ordens, ou vice-versa, é o ministro do Supremo Tribunal
Federal Gilmar Mendes. Sintoma da fragilidade do equilíbrio de poderes
vigente no Brasil, Mendes emite toda sorte de opiniões fora de autos.
Muda de ideia conforme as conveniências. De tão tendencioso e parcial,
seu comportamento público seria suficiente para impugná-lo como síndico
de prédio. Na democracia à brasileira, pontifica como jurista na mais
alta corte do país. Quem quiser que leve a sério.





Mendes endossou as contas da campanha da presidente eleita alguns meses
atrás. Coisas do passado. Esqueçam o que ele votou. De repente, detectou
problemas insanáveis na mesma contabilidade e ruge ameaçadoramente
contra o que ele mesmo aprovou. No meio tempo, acusa o Planalto de
comandar um sindicato de ladrões financiado por empreiteiras envolvidas
na roubalheira da Petrobras.





Bem, mas as mesmas empresas financiaram a campanha dos outros partidos. O
que fazer? Vale lembrar: Mendes até hoje trava o julgamento favorável à
proibição do financiamento empresarial de campanhas políticas. Seu
pedido de vistas escancara um escândalo jurídico, legal e moral que o
STF finge não existir. Ora, isso não vem ao caso, socorreria o juiz
paladino Sergio Moro.





E aí aparece Eduardo Cunha, o peemedebista dirigente da Câmara. Terceiro
na linha de sucessão presidencial, Cunha encenava comandar um exército
invencível. Primeiro humilhou o Planalto na eleição para o comando da
Casa. Depois, passou a manobrar o regimento para aprovar o que interessa
a aliados nem sempre expostos. Tentou ainda se credenciar como
alternativa golpista. Curto circuito total. Pego numa mentira de pelo
menos 5 milhões de dólares, a acreditar no procurador geral, Cunha
atualmente circula como um zumbi rogando piedade de parlamentares muito
mais interessados em salvar a própria pele.





Cambaleante, o trio parece ter recebido a pá de cal com os
pronunciamentos dos verdadeiros comandantes da nossa democracia. O mais
recente veio do chefe do maior banco privado do país, Roberto Setubal.
Presidente do Itaú Unibanco, Setubal afirmou com todas as letras não
haver motivos para tirar Dilma do cargo. Tipo ruim com ela, pior sem ela
-que o digam os lucros pornográficos auferidos pela turma financeira.





Sem a banca por trás, abandonada pelo pessoal do dinheiro grosso e
encrencada em acusações lançadas contra os adversários, à troupe do
impeachment não resta muito mais que baixar o pano.



domingo, 23 de agosto de 2015

Uma fortuna de 200 bilhões

Uma fortuna de 200 bilhões protegida do IR da pessoa física — CartaCapital



Uma fortuna de 200 bilhões protegida do IR da pessoa física


por André Barrocal



publicado
10/08/2015 01h09,


última modificação
22/08/2015 13h12

Lei de 1995 beneficia 71 mil brasileiros ricos que não pagam imposto de renda. Fim da isenção renderia meio ajuste fiscal






Marcelo Camargo / Agência Brasil
Leão do Imposto de Renda
Protesto da Força Sindical com o "leão" do IR: quem pode, paga muito pouco ou quase nada ao fisco brasileiro
O leão do imposto de
renda mia feito gato com os ricos, como atestam dados recém-divulgados
pela própria Receita Federal. Os maiores milionários a prestar contas ao
fisco, um grupo de 71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase 200
bilhões de reais sem pagar nada de imposto de renda de pessoa física
(IRPF). Foram recursos recebidos por eles sobretudo como lucros e
dividendos das empresas das quais são donos ou sócios, tipo de
rendimento isento de cobrança de IRPF no Brasil.
Caso a bolada fosse taxada com a alíquota máxima de
IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado, de 27,5%, o País
arrecadaria 50 bilhões de reais por ano, metade do fracassado ajuste fiscal
arquitetado para 2015 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Detalhe:
os 27,5% são a menor alíquota máxima entre todos os 116 países que
tiveram seus sistemas tributários pesquisados por uma consultoria, a
KPMG.
A renda atualmente obtida pelos ricos sem mordidas do
IRPF - 196 bilhões de reais em 2013, em números exatos – tornou-se
protegida da taxação há 20 anos. No embalo do Consenso de Washington e
do neoliberalismo do recém-empossado presidente Fernando Henrique
Cardoso, o governo aprovou em 1995 uma lei instituindo a isenção.
O paraíso fiscal foi criado sob duas alegações.
Primeira: as empresas responsáveis por distribuir lucros e dividendos
aos donos e sócios já pagam IR como pessoa jurídica. Segunda: com mais
dinheiro no bolso, os ricos gastariam e investiriam mais, com vantagens
para toda a economia. Argumentos com cheiro de jabuticaba, sendo que o
segundo foi recentemente derrubado pelo Fundo Monetário Internacional em um relatório
sobre o qual pouco se falou no Brasil. Na Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo a reunir 34 países
desenvolvidos, só a Estônia dá a isenção.
“No Brasil, quem mais reclama são os que menos pagam
impostos”, diz Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea). “A Receita é uma mãe para os ricos, o
Ministério da Fazenda é o Ministério social dos ricos.”
A boa vida garantida pelo fisco aos donos e sócios de
empresas ajuda a explicar algo curioso. O Brasil tornou-se uma pátria de
empresários nos últimos tempos. Possui mais gente nesta condição (7
milhões apresentaram-se assim na declaração de IR de 2014) do que a
trabalhar como empregado do setor privado (6,5 milhões). É a famosa
terceirização, com profissionais contratados na qualidade de PJ, não via
CLT.
A transformação de trabalho em capital é um fenômeno
mundial mas parece ainda mais “disseminada” e “impetuosa” por aqui, diz o
economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor do estudo Imposto de Renda e Distribuição de Renda e Riqueza no Brasil. Para ele, é urgente debater o assunto.
“O governo comemorava uma redução da concentração da
renda mas só considerava a de salários e a declarada nas pesquisas
censitárias”, afirma Afonso. “Se formos considerar também o declarado ao
imposto de renda, se descobre que daquelas pesquisas escapam parcela
crescente e majoritária das rendas de brasileiros de classe média e
alta, que passaram a receber como pessoa jurídica.”
O fim da isenção de IPRF sobre lucros e dividendos,
conta um ministro, era uma das medidas no bolso do colete de Dilma
Rousseff para ajudar no ajuste fiscal.
O problema, diz este ministro, é o provável boicote do Congresso contra
qualquer tentativa de taxar mais o “andar de cima”. O Palácio do
Planalto não quer comprar briga em vão.
Repleto de políticos ricos e devedores de gratidão a
empresários financiadores de suas campanhas, o Congresso tem uma
resistência histórica a corrigir as injustiças do sistema tributário
brasileiro. A Constituição de 1988 previu, por exemplo, a cobrança de um
imposto sobre grandes fortunas, mas até hoje a nação espera pela aprovação de uma lei a tirar a taxação do papel. FHC chegou a propor tal lei. Mas foi como senador, antes de chegar ao Planalto.
Vez ou outra, algum parlamentar anima-se a propor tal
lei. No início do ano, foi a vez da deputada carioca Jandira Feghali,
líder do PCdoB, com a preocupação de direcionar os recursos só para a
saúde. Com seis mandatos seguidos, ela não se ilude com a chance de
aprovação de ideias como esta ou a taxação de jatinhos e iates com IPVA,
outra proposta dela. "Esse é um dos Congressos mais ricos e mais
influenciáveis pelo poder econômico da nossa história”, diz.
Os dados recém-divulgados pela Receita Federal sobre o
IRPF talvez possam ajudar a contornar tal resistência. Neste trabalho, o
fisco separou os contribuintes em onze faixas de renda, variáveis de
meio salário mínimo a 160 salários mínimos mensais. Em cada categoria,
podem ser vistos o número de pessoas ao alcance do imposto de renda da
pessoa física, seu patrimônio, renda, benesses e tributação efetiva. É a
mais completa e detalhada compilação de dados já feita pelo leão.
Em 2014, houve 26,5 milhões de declarações de IRPF.
Aquelas 71.440 pessoas com renda isenta de quase 200 bilhões de reais
estão no topo da pirâmide, faixa de renda superior a 160 salários
mínimos por mês. Juntas, elas detêm 22% do patrimônio e 14% da renda
nacionais. É como se cada uma tivesse salário mensal de 341 mil reais e
bens de 17,6 milhões. Apesar da riqueza, o IRPF pago por elas em 2013
somou míseros 6,3 bilhões de reais. Ou só 5,5% da arrecadação com IRPF.
Dados deste tipo são apresentados pelo economista
francês Thomas Piketty no livro “O Capital no Século XXI", bíblia para
os interessados em saber mais sobre a concentração de renda pelo
planeta. O Brasil ficou de fora da obra justamente porque a Receita não
tinha os dados de agora para fornecer antes. Espera-se que os acadêmicos
possam estudá-los daqui para a frente.
Um dos interessados no tema é diretor de Estudos e
Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre. No fim ano passado, o
economista concluiu um estudo chamado Nas Fronteiras da Desigualdade Brasileira,
no qual sustentava que a distância entre ricos e pobres no País era bem
maior em termos patrimoniais do que em termos de renda. E que esse
padrão histórico havia se mantido apesar da distribuição de renda vista
na década passada. O trabalho partia das declarações de bens entregues
por candidatos a prefeito à Justiça Eleitoral em 2102.
Em uma primeira análise sobre os dados da Receita,
Calixtre viu sua hipótese se confirmar. Entre 2007 e 2013, diz ele, o
número de declarantes de IRPF a ganhar até cinco salários mínimos caiu
de 54% para 50%, enquanto os que recebem acima de 20 mínimos permaneceu
em 8,4%. Ao mesmo tempo, o estrato intermediário, a receber entre 5 e 20
mínimos mensais cresceu de 37,2% para 40,8%.
O rendimento tributável pela Receita detido por cada
segmento sofreu a mesma alteração no período de 2007 a 2013. O pessoal
de renda baixa morde agora uma fatia maior (de 20,9% para 21,9%), o
pelotão do meio idem (de 44,2%para 47,8%), enquanto a turma do topo fica
com um pouco menos (de 34,9% para 30,4%).
O problema, diz Calixtre, é que em termos patrimoniais
praticamente nada mudou neste período de seis anos. As pessoas a receber
até cinco salários mínimos ainda ficam com 14% do valor dos bens
declarados aos fisco, aquelas situadas entre 5 e 20 têm os mesmos 27% e o
andar de cima (mais de 20 mínimos) segue com 57%. “Democratizamos a
renda, falta democratizar a propriedade privada no Brasil”, afirma.
*Matéria atualizada para correção de informações. A
versão original da reportagem informava que os 71.440 mais ricos
declarantes de imposto de renda detinham 29% do patrimônio e 22% da
renda declarados. Os percentuais corretos são 22% e 14%,
respectivamente.

Pequeno guia

Pequeno guia do ódio ingrato da elite a quem a tratou muito bemTIJOLAÇO | “A política, sem polêmica, é a arma das elites.”



Pequeno guia do ódio ingrato da elite a quem a tratou muito bem

Nos índices publicados no “Vinte Anos de Economia Brasileira – 1995/2014”,
publicação do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI lançada em
julho de 2014 atualizada em março último, fui buscar alguns exemplos de
como “choram de barriga cheia” as elites brasileiras, ou suas
sub-elites, que nem mesmo modos refinados já conservam e adere sem
pudores à selvageria.


Para que estes senhores e senhoras reflitam como o governo dos
“nordestinos e vagabundos”  os beneficiou, a cada dado acrescentarei o
que teria acontecido com o salário mínimo – aquele que o Armínio Fraga
disse estar alto demais – se tivesse crescido na mesma proporção, e em
dólares, para que a valoração seja mais compreensível.


Um salário mínimo, recorde-se, valia R$ 200 em 2002, com o dólar
fechando o ano a  R$ 3,60, o que representaria 55,5 dólares para o
trabalhador humilde.


Começo pelas viagens internacionais, mesmo não considerando as que
Lobão e aquela moça do Revoltados Online disseram que iam fazer, no caso
de vitória da Dilma.


Em 2002, os brasileiros gastaram em viagens internacionais, US$ 0,4
bilhão. Ano passado, foram US$ 18,7 bilhões. 46,75 vezes a mais. Tivesse
crescido na mesma proporção, o salário mínimo seria de US$ 2.594,62. Ou
R$ 9.081, pelo dólar de hoje.


Nuncase viu tanto carro na rua – e com tanto carro de luxo, picapes e playboymóveis entre eles -pois  as vendas de veículos passaram de 1,48 milhões de unidades, em 2002 para 3,5 milhões em 2014.


Para o pessoal do agronegócio não reclamar, registre-se que a
produção de grãos passou de 96,8 milhões de toneladas para 193,4 milhões
ano passado.


O pessoal está “duro” por aqui, não é?


Os investimentos estrangeiros diretos – aqueles que iam fugir do
“Brasil comunista” implantado em 2002 – passaram de US$ 16,6 bilhões
naquele ano (lembrem-se que estávamos na “era das privatizações), para
US$ 62,5 bi em 2014.  Quase quatro vezes mais, a mesma proporção que se
aplicou ao salário mínimo, em dólar.


Mas e os investidores financeiros, a turma do “mercado”, que tem horror ao “bolivarianos”?


Bem, em 2002 tinham investido aqui, em ações, US$ 2 bi. Ano passado,
quase seis vezes mais: US$ 11,5 bilhões. Em salários-mínimos ( e em
dólar), daria para o office-boy receber hoje US$ 320 dólares, ou R$ 1.116, bem mais que os R$ 788 que recebe, se tivesse o mesmo tratamento dos investidores.


Se considerar-se a renda fixa (títulos), é ainda mais gritante: em
2002 tinham tirado do país, vendendo-os, R$ 6,8 bilhões. Ano passado,
compraram US$ 22 bi.


Mas não ficamos “perigosos” para eles, não somos os “frágeis da economia” onde o capital tem medo de investir.


O Risco Brasil em 2002 (medido pelo Emerging Markets Bond Index Plus do JP Morgan)
era de 1445 pontos (depois de ter chegado a 2.500 às vésperas  da
eleição de Lula). Ao final de 2014, era de 259 pontos. 5,6 vezes menor,
portanto.


Se a cada porção de segurança dos investidores crescesse, na mesma
escala, o salário dos pobres, sempre em dólar, o mínimo estaria a R$
1.084.


Ah, mas o Estado brasileiro é inchado e ineficiente e consome suas
receitas com o pagamento do funcionalismo. Será? Pessoal e encargos
sociais da União abocanhavam 4,8% do PIB ao final de 2002 e, no fim do
ano passado, absorviam um sexto a menos, 4,24%.


Hoje, porém, é que vivemos no “caos”.


Tudo o que o governo petista deu-lhes, até hoje, é nada.


Do outro lado, revelou-se, na eleição, a imensa gratidão do povão pelo pouco que conseguiu.


Confirma-se a amarga ironia da frase de Millôr Fernandes de que “pobre é muito mais barato”.


Ele pode estar calado, mudo, confuso, com a onda que se criou com uma
dúzia de ladrões públicos e com a covardia de alguns que prometem
“curar o Governo” de seus gastos sociais e de investimento estrutural.


Pode estar perplexo com um Governo que tenta, para agradar aos
“buchudos”, ser o que não deveria ser e que não fala com ele, não lhe
faz carinhos e só lhe pede que aguente o rojão.


Mas – não, senhores – não é burro, e conhece muito bem esta turma que
se diz pronta a curar o Brasil  que, há 12 anos, quase estava matando.

Provas no hospício

Provas no hospício - 23/08/2015 - Poder - Folha de S.Paulo



Janio de Freitas

Provas no hospício



É difícil prever a conduta do presidente da Câmara no futuro imediato, mas pode-se sondar hipóteses
É até engraçada, sem que deixe de ser o oposto disso, a expectativa
generalizada sobre o que um acusado da extorsão de US$ 5 milhões causará
ao país: vai abalá-lo ainda mais com suas pautas-bombas, ou enfim vai
reprimir sua natureza? Incluirá na pauta da Câmara um pedido de
impeachment, ou vai investir contra o procurador-geral da República?





Se um país chega a esse ponto, com o ambiente político e econômico em
dependência tão patética, está muito enfermo. Fosse gente, seria
recolhido ao hospício. Como não é gente, faz suspeitar de que seja o
próprio hospício.





Logo, falemos de Eduardo Cunha. Para começar, duvidando de que alguém
possa prever com razoável segurança a conduta do presidente da Câmara no
futuro imediato. Apesar disso, pode-se sondar, em linhas gerais,
hipóteses que tenha à sua frente.





A primeira: agravar a linha provocativa que mantém na Câmara pode ser
negativo para sua situação judicial. Como resposta, é bastante provável
que o Judiciário e o Ministério Público se sintam no dever de acelerar a
tramitação do processo, para que seus ritmos habituais não sejam
acusados de dar oportunidade à conturbação política. Não é menos
provável que o apoio dos oposicionistas da linha Aécio incentive a
tendência natural de Eduardo Cunha para a pauta-bomba e bombas sem
pauta.





A hipótese de autocontenção valeria ao menos como originalidade
biográfica para Eduardo Cunha –ao custo de parte do apoio que recebe do
oposicionismo extremado, como o grupo aecista do PSDB, e peemedebistas
paus-mandados. A liderança de Eduardo Cunha perderia alguma coisa, e é
muito incerto que ele conceda essa perda.





Eduardo Cunha tem uma inteligência esperta. Até hoje, não foi capaz de
convencer da sua inocência nas irregularidades, graves todas, em que
figurou. Mas está na presidência da Câmara, não está arruinado. As
acusações que o Ministério Público agora lhe faz em 85 páginas (ou um
terço disso em espaço normal) são mesmo pesadas. Mostram, inclusive,
conhecimento de truques atribuídos ao acusado, como uso de igreja
evangélica para recebimento de suborno.





Mas, teoricamente, condenação depende de prova. É verdade que o Supremo
já teve prática diferente e, na Lava Jato, o juiz Sergio Moro já emitiu
condenação em cuja sentença admite falta de provas. É recomendável
esperar o confronto entre as acusações duras e as respostas experientes
de Eduardo Cunha.





A denúncia entregue ao Supremo suscita duas observações. Ficou claro que
Rodrigo Janot esperou a condenação de Nestor Cerveró e Fernando Soares
por Sergio Moro. Citar na acusação a Eduardo Cunha duas condenações
consumadas pelos mesmos fatos dá um reforço e tanto contra o deputado,
que fica como comparsa de criminosos condenados.





Nota-se ainda que Janot preserva linguagem apenas profissional, técnica.
Não a violenta com os insultos e impropérios usuais em seus
antecessores Antonio Fernando de Souza (hoje defensor de Eduardo Cunha) e
Roberto Gurgel, sem que sequer os alvos das ofensas estivessem
condenados.





De passagem, a denúncia usa de uma expressão perigosíssima para Eduardo
Cunha: "desvio de finalidade", aplicada como referência indireta aos
ameaçadores pedidos de informação, em nome da Câmara, que Eduardo Cunha
teria feito com assinatura da então deputada Solange Almeida.
Destinavam-se, disse o lobista delator, a pressionar ele e uma empresa
para quitarem o saldo de US$ 5 milhões do suborno. Tal uso da Câmara é
conduta que justifica processo interno de perda de mandato. Bem
entendido, em Câmaras com certa dignidade.

sábado, 22 de agosto de 2015

O Estado deve garantir qualidade de vida ou é cada um por si?

O Estado deve garantir qualidade de vida ou é cada um por si? - Cotidiano - Cotidiano



O Estado deve garantir qualidade de vida ou é cada um por si?

Leonardo Sakamoto


Percorri durante um mês o São Francisco, da nascente à foz,
bem como regiões do Semiárido, para uma reportagem sobre o projeto de
transposição das águas do rio. Isso já faz 13 anos – o que mostra que
estou mais velho, mas não necessariamente mais sábio.

Particularmente,
sou contrário à forma como o projeto (que é tão velho quanto Dom Pedro
II) foi tocado, pois não irá capilarizar o acesso aos mais pobres ao
contrário do que o governo afirma. Mas esse não é o tema deste post.
Durante as entrevistas, um especialista me disse que todos querem o rio,
mas não eram todos que topavam, de forma democrática e transparente,
discutir a natureza da sua utilização. E que o correto seria fazer um
“orçamento'' do Velho Chico envolvendo a população, rica e pobre, que
dele se beneficia.

Considerando que a quantidade de água é finita,
quais deveriam ser as prioridades do rio? Abastecimento humano? Geração
de energia elétrica? Produção agropecuária? Indústria? Navegação?
Sabendo, é claro, que tomar decisões significa excluir opções, mais do
que agregar.

Como um orçamento doméstico. Que, convenhamos, a
maioria dos brasileiros conhece bem. Afinal, comer um bifão hoje pode
significa viver de ovo o resto da semana.

Todos concordamos que o
Estado deveria garantir as condições para possibilitar condições mínimas
de qualidade de vida da população. Daí aparece a divergência, do que
seria essas “condições mínimas''.

Pois pedimos mais educação, mais
saúde, mais segurança, mais transporte. Mas isso, claro, tem um custo. E
o Estado brasileiro, desde a redemocratização, gasta cada vez mais para
cobrir a crescente demanda da população.

Demanda que não vai
parar de crescer, pois aprendemos o que é cidadania e queremos parte do
bolo que, durante a ditadura, nos pediram para esperar porque ia crescer
para ser dividido.

Mesmo se um dia conseguirmos reduzir
significativamente a sangria da corrupção que envolve, historicamente,
todos os níveis administrativos, não haverá “água'' para fazer as
vontades de todo o mundo. O montante que será recuperado no âmbito da
Lava Jato e o que deveria ser na operação Zelotes (cujo rombo é maior,
mas ninguém se importa muito) não seriam suficientes para fazer frente a
todas essas demandas.

Há quem
defenda que o Estado não deveria ser tão responsável por educação,
saúde, segurança, transporte. Ou seja, ao invés de sustentar com
impostos a manutenção e ampliação de escolas públicas e do Sistema Único
de Saúde, por exemplo, destinaria o dinheiro para o bolso das famílias –
que usariam o que foi economizado para por os filhos na escola ou
comprar um plano de saúde.


Outros
defendem que o poder público deve atuar redistribuindo riqueza e,
através de impostos cobrados de forma mais pesada dos mais ricos do que
dos pobres, custear um Estado que cuide do bem estar da parte de sua
população que não poderia adquirir esses serviços de outra forma.


O
fato é que pedir mínima participação do Estado não casa,
necessariamente, com a garantia de serviços públicos de saúde, educação,
transporte, segurança pública de qualidade.

A Folha de S.Paulo publicou, neste domingo (16), uma boa matéria de Patrícia Campos Mello
sobre jovens da periferia que se engajaram nas manifestações contra o
governo, mas tinham uma visão diferente sobre o papel do Estado de parte
dos organizadores dos protestos.

Ou seja, em algum momento,
teremos que promover um debate amplo e público sobre o que queremos do
Estado brasileiro, explicando direitinho o que significa cada
escolha. Sem mimimis e discussões em forma de gritos.


economistas falando em mexer na Previdência Social, aumentando o tempo
que uma pessoa tem que ficar trabalhando para evitar que o país quebre. E
há os que defendem a ampliação da terceirização e uma reforma que
diminua direitos trabalhistas para reduzir custos. Outros defendem uma
reforma tributária, aliviando a taxação do consumo e aumentando, de
forma progressiva (quem ganha mais, paga mais), os impostos sobre renda
do trabalho e, principalmente, do capital. Movimentos sociais defendem
taxar grandes heranças e fortunas. Sem contar os que falam da
repatriação de bilhões de brasileiros que estão ilegalmente no exterior.

Cada
um de nós têm uma posição sobre como o Estado deveria agir no Brasil
frente aos recursos limitados – posição que precisa ser confrontada, de
forma tranquila no espaço público e no Congresso Nacional, para que
voltemos a construir um projeto de país.


O
problema é que tem sido bastante difícil travar um debate honesto e
racional nesses ambientes. Um debate em que ninguém te xingue ou dê as
costas quando não concorde, que não queira “ganhar'' no grito, que
apresente argumentos e dados comprovados e não obscuros e refutados pela
comunidade científica. No Congresso, a situação é ainda pior.
Acompanhei este ano votações por lá cuja qualidade do debate foi um show
de horrores de dar vergonha alheia.


Alguns temas parecem
áridos para uma parte da população que não está acostumada a eles. Mas
isso não significa que essa parcela deva continuar alijada da discussão.
Porque isso tem a ver diretamente com a sua qualidade de vida.

Então,
temos que nos esforçar para democratiza-la. Se as experiências de
orçamento participativo não tivessem sido atacadas de forma injusta,
talvez hoje estaríamos em um outro patamar para esse debate.

O
que você quer do Estado brasileiro – para além da premissa básica de
que ele não desvie, via corrupção, dinheiro dos seus cidadãos? Um Estado
mínimo ou Estado de bem-estar social?


E
o seu representante político no Congresso pensa como você ou você só
votou nele porque o anônimo no WhatsApp disse que era adversário do
grupo que você não curte?





O caso Cunha e Assembleia de Deus

O caso Cunha e Assembleia de Deus: a igreja lava mais branco. Por Joaquim de Carvalho





O caso Cunha e Assembleia de Deus: a igreja lava mais branco. Por Joaquim de Carvalho

Money-Laundering









O uso de igrejas como canal de lavagem de dinheiro não é propriamente
uma novidade. Mas, com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha, e o depósito de R$ 250 mil numa conta da Assembleia de Deus, a
lavagem de dinheiro alcançou uma igreja tradicional, fundada no Brasil
há mais de cem anos.


“É impossível auditar as doações dos fiéis. E isso é ideal para quem
precisa camuflar o aumento de sua renda, escapar da tributação e lavar
dinheiro do crime organizado”, diz o desembargador Fausto de Sanctis,
aquele da operação Satiagraha, um dos maiores especialistas brasileiros
estudos sobre lavagem de dinheiro.


O desembargador De Sanctis lançou este ano nos Estados Unidos uma obra sobre o tema: “Churches, Temples, and Financial Crimes”  – A Judicial Perspective of the Abuse of Faith (Igrejas, Templos e Crimes financeiros – Uma perspectiva judicial do abuso de fé).


A obra ainda não foi traduzida para o português, mas trata das
investigações policiais realizadas no Brasil, entre elas a da Universal
do Reino de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus e a Renascer em
Cristo, igrejas grandes, mas com menos de 40 anos de história.


O dono de uma grande incorporadora de Santana, Zona Norte de São
Paulo, contou-me que há alguns anos vendeu uma cobertura para o líder da
Igreja Deus É Amor e teve muito trabalho, não para receber, porque o
pastor pagou em dinheiro vivo, mas para passar a escritura no nome dele.


“Ele não queria de jeito nenhum. Passaram-se alguns anos até que eu
disse: pastor, não dá mais”, contou o empresário. Só assim a cobertura
saiu do nome da incorporadora e foi para o do pastor David Miranda,
falecido recentemente.


O poder das igrejas tem levado a disputas ferrenhas, no caso daquelas
que promovem algum tipo de processo eleitoral para escolher sua
direção.


Um pastor com direito a voto numa grande igreja evangélica me disse
que, quando havia eleição, evitava beber água no local de votação, com
medo de que algum adversário tivesse colocado sonífero.


Na igreja de Eduardo Cunha, este problema não existe mais. Manuel
Ferreira, líder nacional da Assembleia de Deus – Ministério Madureira,
mudou o estatuto há alguns anos e transformou a presidência num cargo
vitalício.


Assim, ele e os filhos — Abner, que comanda a igreja no Rio de
Janeiro, e Samuel Ferreira, o chefe em São Paulo –, só deixarão o posto
depois de mortos e serão sucedidos pelos filhos.


A vitaliciedade e hereditariedade não impedem que os Ferreira
participem ativamente da atividade democrática externa. Um missionário
da igreja, Samuel Aragão, gravou um vídeo em que diz que o apoio nas
eleições é em troca de cargos no governo e de outras vantagens.


Em 2012, na eleição para vereador, Samuel Ferreira dividiu São Paulo
em regiões e as entregou a candidatos de vários partidos, nem todos
evangélicos. Em 2014, a igreja fez campanha para alguns deputados
federais. No Rio de Janeiro, um deles era Eduardo Cunha.


Samuel Ferreira se apresenta com roupas de grifes e, em seus
deslocamentos pelo Brasil, utiliza avião particular, nada de voos
comerciais. Há 10 anos, Ferreira era o responsável pela igreja em
Campinas.


Ganhou poder, ao ser escolhido para governar a igreja no Estado, e
perdeu peso, com uma redução no estômago que eliminou metade dos seus
quase 150 quilos. Em Campinas, quem manda agora é o filho, nomeado
pastor, apesar de bastante jovem.


Com mais de cem anos de história, a Assembleia de Deus comandada pela
família Ferreira é uma dissidência da Assembleia de Deus original,
chamada Missão.


Nesta Assembleia de Deus, existe eleição, mas desde 1988 ninguém bate
o pastor José Wellington. Dois filhos de José Wellington estão na
política. A filha é deputada estadual em São Paulo e o filho, deputado
federal.


“O que as lideranças das igrejas querem é o poder, e nenhuma aliança
na Assembleia de Deus é feita de graça”, contou-me ex-deputado federal
eleito muitas vezes com o apoio das igrejas evangélicas.


A promiscuidade das igrejas com o poder não é exclusiva do universo
evangélico. Nessa história, se feito um exame de DNA, a paternidade será
encontrada na Igreja Católica – até porque é muito mais antiga –,
citada no livro do desembargador Fausto de Sanctis sobre lavagem de
dinheiro por causa do escândalo do banco do Vaticano.


O papa Francisco fez lá uma limpa recentemente. Mas essa limpeza vai
durar até quando?  Num ambiente religioso, a fé pode não mover
montanhas, mas é usada para comprar todo tipo de riquezas.


Serve também para vender o voto do eleitor, e agora, como indica o
depósito da propina na conta da Assembleia de Deus, negociar o poder de
lavar mais branco.

“'Jabuticabas' consolidaram subtributação do lucro no Brasil”

“'Jabuticabas' consolidaram subtributação do lucro no Brasil” — CartaCapital



“'Jabuticabas' consolidaram subtributação do lucro no Brasil”


por André Barrocal



publicado
22/08/2015 13h52

Para economista do Ipea e do Pnud, experiência dos EUA serve de exemplo para recuo em lei tributária favorável aos ricos
Dados recém-divulgados pela Receita Federal mostraram como os ricos pagam pouco imposto
no Brasil. Uma das principais razões da boa vida é uma lei prestes a
completar vinte anos, a 9.249. Ela garante duas alegrias ao andar de
cima. Isenta de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) o dinheiro
recebido por donos e acionistas de empresas na forma de lucros e
dividendos. E permite às firmas inventar uma despesa, os juros sobre
capital próprio, para reduzir o lulcro sobre o qual pagam Imposto de
Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL)
Trata-se de verdadeiras “jabuticabas
tributárias”, raríssimas pelo mundo, segundo o economista Rodrigo Orair,
pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do
International Policy Centre for Inclusive Growth, uma parceria entre o
governo e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Em entrevista a CartaCapital, o economista explica a injustiça da tributação nacional,
defende o fim das “jabuticabas” e desmonta os argumentos de que o fim
da isenção seria bitributação. Para ele, o ajuste fiscal seria mais
saudável, caso o governo mexesse nas “jabuticabas”. Atacar somente uma delas, a isenção dos lucros e dividendos, poderia render até 50 bilhões de reais por ano.
Leia a entrevista:
CartaCapital: A isenção de IRPF sobre lucros e dividendos é algo tipicamente brasileiro ou outros países a concedem também?
Rodrigo Orair: Entre os 34 países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico],
que reúne economias desenvolvidas e algumas em desenvolvimento que
aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de
livre mercado, apenas três isentavam os dividendos até 2010. A
Eslováquia retomou a taxação em 2011, por meio de uma contribuição
social, e o México em 2014. Restou somente a Estônia. A Estônia é um
caso peculiar. Na virada da década de 1990, após o fim do domínio
soviético, implementou uma das reformas pró-mercado mais radicais do
mundo. O resultado é que se tornou uma das economias mais liberais e
desiguais da União Europeia, não considero que seja uma boa referência
para um país continental e tão mais carente e desigual como o Brasil.
Por isso, eu e o pesquisador Sergio Gobetti argumentamos em um recente
artigo publicado no Valor Econômico que a isenção de lucros e dividendos é uma jabuticaba tributária.
CC: Depois de 20 anos de isenção, podemos chegar a alguma conclusão sobre a existência desta “jabuticaba”? Qual?
Orair: Ela não é a única jabuticaba.
Existe também o juro sobre o capital próprio, criado pela mesma lei de
1995. É uma espécie de despesa fictícia que a empresa deduz do seu
imposto de renda e paga aos acionistas como um tipo de dividendo. Esse
valor deduzido, que seria tributado a 34%, passou a ser tributado a 15%.
Como era até 1995? Os lucros da pessoa jurídica pagavam 34%, somando
CSLL e IRPJ, e havia ainda uma alíquota de 15% sobre a distribuição de
lucros e dividendos às pessoas físicas. Juntos, a isenção de lucros e
dividendos e os juros sobre capital próprio reduziram substancialmente a
tributação do lucro. Esta era de 43,9% até meados da década de 1990,
somando o imposto pago por pessoas jurídicas e físicas, e agora
estimamos que a taxa esteja abaixo de 30%. Podemos concluir com certeza
que nossas jabuticabas consolidaram a subtributação dos lucros e
tornaram nosso sistema ainda mais regressivo, pois os grandes
beneficiários estão no topo. Outra coisa: o governo patrocinou essa lei
com o suposto intuito de atrair capitais e incentivar investimentos, mas
a literatura empírica carece de evidências conclusivas de que esses
benefícios aos detentores de capital ampliaram os investimentos no país. 
CC: O economista José Roberto Afonso
acredita que a isenção tributária dos lucros e dividendos está
encobrindo um processo de concentração de renda no País. Concorda?
Orair: Sem dúvida. A isenção é a
principal responsável pelo fato de os muito ricos pagarem pouco imposto
no Brasil e contribui para a concentração no topo da distribuição de
renda.
CC: Então deveríamos deveria retomar a cobrança de IRPF sobre os rendimentos hoje isentos pela lei 9.249?
Orair: Sim. Promover justiça tributária é
uma questão de cidadania. Um exemplo didático. Tomemos o estrato
intermediário dos declarantes do imposto de renda em 2013, cerca de 1,5
milhão de pessoas com rendimentos anuais entre R$ 162,7 mil e R$ 324,4
mil. Em média, um cidadão desse estrato paga ao fisco 11,5% do total da
sua renda. A situação é muito distinta no topo. Os muitos ricos, 71.440
pessoas de renda média de R$ 4,2 milhões, pagam apenas 6,1%. Se o
cidadão paga muito imposto no Brasil ele mais provavelmente pertence à
classe média do que aos muito ricos.
CC: Há quem diga que taxar lucros e
dividendos é bitributação, pois o dinheiro pré-distribuição destes
lucros e dividendos já foi taxado com IRPJ.
Orair: A prática mais comum nos sistemas
tributários modernos é tributar os lucros das corporações após sua
apuração contábil e tributar novamente os dividendos quando distribuídos
aos acionistas. Pessoa física e pessoa jurídica são sujeitos distintos
que não devem ser confundidos. Cada um é tributado uma vez. Esse é o
modo de tributação que se disseminou no mundo ao longo do século XX.
Está presente em quase todos os países da OCDE e existia no Brasil até
1995. Por que passamos a ser diferentes? Argumentos jurídicos
tecnicistas muitas vezes obscurecem e despolitizam o debate. 
CC: Os rendimentos do tipo “lucros e
dividendos” estão bastante concentrados nos estratos mais ricos. A
retomada da taxação deveria ser generalizada ou localizada em alguma
faixa de renda? Por quê?
Orair: Defendo que seja reestabelecido o
modelo vigente até 1995, em que os lucros e dividendos eram tributados
exclusivamente na fonte à alíquota de 15%. Uma única distinção seria a
possibilidade de manter a isenção dos rendimentos de sócios e titulares
das micro e pequenas no regime Simples. Os dados da Receita Federal
indicam que a maior beneficiária da isenção é uma minúscula elite, de
cerca de 51.419 pessoas.
CC: Quanto seria possível arrecadar com o fim da isenção?
Orair: Estimamos um potencial de
arrecadação de R$ 50 bilhões no ano de 2015 com o reestabelecimento da
alíquota de 15% e uma projeção conservadora de crescimento no volume de
lucros e dividendos. Caso haja isenção para sócios ou titulares das
empresas enquadradas no Simples, o potencial de arrecadação seria de R$
40 bilhões em 2015. 
CC: Em tempos de ajuste fiscal, a
maior taxação da riqueza poderia ser um caminho mais saudável para o
equilíbrio das contas públicas? Por quê?
Orair: Sim. Podemos explorar mais os
impostos sobre renda e propriedade, com a vantagem de não afetar tanto a
já combalida economia como aconteceria com outras alternativas de
aumento de carga tributária. A renda de dividendos está concentrada no
topo da pirâmide e sua tributação não atingiria tanto os investimentos
das empresas, mas principalmente uma pequena fração da poupança das
famílias mais ricas. Refletir sobre nossas distorções é fundamental num
momento em que o ajuste fiscal exige escolhas e em que as políticas
distributivas por meio do gasto público mostram sinais de esgotamento.
Enfim, o debate está aberto: vamos continuar mantendo jabuticabas
tributárias? 
CC: Em um país com tradição de taxar pouco a renda e o patrimônio, não chega a surpreender a existência de tais jabuticabas.
Orair: Exato. Como manter uma das
sociedades mais desiguais do planeta? Isso requer estruturas e
instituições voltadas para perpetuação do statos quo. A estrutura tributária é uma delas. Os sistemas político e judiciário são outros. Recentemente, a senadora Gleisi Hoffmann [do PT do Paraná]
retirou de uma medida provisória a emenda que poderia acabar com os
juros sobre capital próprio, argumentando que não há ambiente político
para avançar em tais temas. Nosso Judiciário pode ser progressista em
certas pautas de direitos civis, mas não é em temas relacionados à
progressividade tributária. Aceitar alíquotas progressivas do IPTU foi
uma luta que durou anos e ainda sofre contestações jurídicas. Alguns
estados seguem batalhando para conseguir estabelecer alíquotas
progressivas do imposto sobre herança. Imagina como seria com um imposto sobre grande fortunas.
CC: Por que o Brasil historicamente
prefere taxar o consumo em vez da renda e do patrimônio? Isso revela o
que sobre a sociedade brasileira?
Orair: O Brasil é uma experiência
bastante curiosa. Por um lado, há um conservadorismo arraigado em
relação ao papel progressivo da tributação. Por outro, o País se propôs a
construir um Estado de bem-estar social que, com todos seus problemas,
desempenha papéis importantes na redistribuição de renda via benefícios
sociais e assistenciais e na oferta de serviços sociais básicos (saúde,
educação e assistência). Isto tem um custo. Como fechar a conta? Via
tributação sobre bens e serviços, que tem um caráter mais invisível, um
caminho de menor resistência. O grande problema é que aqueles que mais
pagam impostos sobre bens e serviços são justamente os mais pobres, que
precisam consumir quase toda sua renda para suprir as necessidades mais
básicas. Grande parte da ação redistributiva do Estado brasileiro acaba
se resumindo a enxugar gelo. O Estado retira com uma mão dos mais pobres
aquilo que devolverá com a outra. 
CC: O resto do mundo, segue o sentido
oposto, não? Inclusive os EUA, uma espécie de matriz sentimental
daquelas vozes contrárias a mudanças no nosso sistema?
Orair: Sim. Na maior parte do mundo
desenvolvido há um reconhecimento geral sobre a importância de um
sistema progressivo. Os EUA são um excelente exemplo. A administração
Bush cortou impostos nos anos 2001-2003 e isso vigorou até 2012. As
alíquotas máximas de imposto de renda foram reduzidas para 35% nos
ganhos de capital, 15% nos dividendos e 35% nas heranças. Todas
alíquotas maiores que as vigentes hoje no Brasil. Em 2013, o quadro
mudou. As reduções de alíquotas foram renovadas para a maioria da
população e houve inclusive ampliação das deduções nos níveis mais
baixos de renda. Mas as alíquotas sobre os mais ricos, com rendimentos
tributáveis superiores a US$ 400 mil por ano, foram revistas e retomaram
os níveis pré-Bush. A alíquota máxima do imposto sobre a renda voltou a
39,6%, a de dividendos e ganhos de capital para 20% e o imposto sobre
herança para 40%. A experiência americana pode servir de exemplo para o
Brasil. Não somente de progressividade dos impostos sobre a renda e
propriedade, mas também pela coragem em voltar atrás nas mudanças na
legislação que não se mostraram exitosas e por procurar não penalizar
tanto os mais pobres durante o esforço de ajuste fiscal.

A resposta possível dos tucanos

Ação de Gilmar é resposta possível dos tucanos ao fim da “esperança Cunha”TIJOLAÇO | 



Ação de Gilmar é resposta possível dos tucanos ao fim da “esperança Cunha”




No mínimo inusual e insólito o ato de Gilmar Mendes, na sua função de
Ministro do TSE, de enviar as contas da campanha da chapa Dilma-Temer à
Procuradoria Geral da República.


Qualquer operador do Direito sabe que o fluxo normal seria o inverso:
o juiz ponderar provas trazidas pelo MP ou por autores de reclamação
judicial, não o de tomar a iniciativa.


Diriam os advogados, citando Cícero: “da mihi factum, dabo tibi jus
(dê-me o fato, e eu darei o direito), para simbolizar o princípio da
inércia do juiz – não a inércia da preguiça, obvio, mas a da iniciativa
jurídica.


Mas, então, admitindo que assistam razões morais de defesa da lisura
do processo eleitoral – sim, incumbência do juiz – quais são os fatos
apontados por Mendes?


As doações de empresas envolvidas na Lava-Jato, certo?


Não seria, portanto, o correto e equilibrado determinar as condições
em que operaram-se todas as doações feitas por estas empresas às
candidaturas de todos que as receberam?


Aécio Neves (PSDB, DEM PTB e SD, entre outros), Marina Silva (PSB, PPS) e até o Pastor Everaldo e Levy Fidélix?


E não apenas às campanhas presidenciais, mas às de todos os
candidatos, em todos os níveis, que as suportam e estimulam e, está nos
números, os tucanos chegaram a recolher mais que o próprio PT?


E estas doações, que o Ministro considera suspeitas não se deram ao
abrigo de uma legislação – que o ínclito Eduardo Cunha tenta “enfiar” na
Constituição – que só não é considerada inválida porque o próprio
Mendes aboletou-se há mais de um ano sobre o julgamento que assim a
proclamava, vedando doações empresariais?


A desculpa, dada pelo ministro em entrevista ao Estadão de
que “os partidos que dispõem de acesso à máquina governamental vão ter
acesso a lista de nomes, aos CPFs e vão poder produzir doações”,
distribuindo-as por “100 mil nomes” é de uma indigência mental toda
prova.


Bastaria que alguns dos “100 mil laranjas” não declarassem ao Fisco, como é obrigatório, a doação para que o “laranjal” ruísse.


A sustentação moral do pedido feito por Gilmar Mendes, reabrindo “ad eternum” a apreciação de contas eleitorais é nenhuma.


É política em seu estado mais impuro: caído o “anjo vingador” do
impeachment, Eduardo Cunha, salta Gilmar Mendes ao combate para que o
desgaste persista e termine por valer mais o voto das togas que o do
povo.


Que é, afinal, nestes tempos, o remake do que o poder
econômico fez no século passado com a instituição militar para
substituir-se à escolha da população na constituição de governos.

Chineses saltam muro digital

Chineses saltam muro digital - 22/08/2015 - New York Times - Folha de S.Paulo



Chineses saltam muro digital

No outono boreal de 2011, eu conversava com um amigo sobre o Tibete.
"Sabia que os tibetanos estão ateando fogo a si mesmos?", perguntou ele.





Eu havia vivido de 2005 a 2008 em Lhasa, a capital tibetana, mas nunca
ouvira falar de atos de autoimolação. Meu amigo me contou detalhes
horríveis e depois acrescentou: "Todo mundo para lá da muralha sabe
disso. Um escritor que se preocupa com a China, mas que não passa por
cima da muralha, sofre de uma deficiência moral. Você não deveria deixar
uma muralha decidir o que você sabe".





Quando o meu amigo disse "para lá da muralha", estava se referindo à
famosa Grande Muralha Digital da China, um projeto criado pelo governo
por volta de 1998 para rastrear e bloquear conteúdos da internet.





Passados 17 anos, esse firewall se tornou uma frustrante peculiaridade cotidiana que divide o mundo chinês em dois.





Um desses mundos defende a livre informação e o intercâmbio de ideias,
enquanto o outro é pela censura e pelo monitoramento. Essa muralha
digital transforma a China numa prisão informativa, onde a ignorância
favorece ideologias de ódio. Se o firewall existir indefinidamente, a
China acabará voltando a ser o que já foi: um Estado isolado, bitolado,
beligerante e mal visto.





Naquele dia de 2011, meu amigo me ajudou a instalar um software de rede
privada virtual -algo que chamamos de "escada", pois permite ao usuário
saltar a muralha. Com minha "escada" instalada, pude navegar na internet
sem restrições.





Muitos chineses sabem mais sobre a história antiga do país do que sobre
fatos das últimas décadas. Eu, antes de acessar a web livre, era parte
dessa massa de ignorantes. Debruçar-me sobre a muralha pela primeira vez
abriu uma janela para outro mundo.





Encontrei muita coisa perturbadora. Um dos primeiros materiais que
procurei foram os relatos e fotos chocantes das autoimolações dos
tibetanos. Aí busquei informações sobre a história recente da China: a
Campanha Anti-Direitista de 1957-1959, em que centenas de milhares de
intelectuais foram perseguidos, a Grande Fome de 1958-1962, a Revolução
Cultural de 1966-1976 e os assassinatos da Tiananmen, em junho de 1989.





Muitos chineses sabem que não estão livres on-line, mas aceitam isso. Os
jogos e as redes sociais mantêm todos ocupados. Pouca gente sabe do que
sente falta.





Minha primeira rede privada virtual, ou VPN, foi fechada pelas
autoridades três meses depois. Mas, em 2011 e 2012, ainda era fácil
encontrar uma nova "escada". Eu podia pedir ajuda no Weibo, e as pessoas
me enviavam diretamente soluções de software antifirewall. Se eu me
complicasse muito, amigos me ajudavam a instalar o novo software. Em
2014, eu já havia criado seis "escadas" diferentes.





Pelas minhas contas, dos 30 sites mais visitados do mundo, 16 são
inacessíveis na China, incluindo Facebook e Google. Em alguns casos,
como o do Google, as empresas de internet não estão dispostas a cooperar
com o programa governamental de vigilância. Muitos serviços da web são
bloqueados, ao que parece, sem nenhuma razão exceto serem estrangeiros.





Quase todos os sites bloqueados têm homólogos chineses. Em vez de
Google, há o Baidu. Se não temos Twitter, podemos usar o Weibo. Há
plataformas nacionais para compartilhar fotos e vídeos pessoais. O
governo espera fomentar uma sociedade digital que não se preocupe com
política ou atualidades. Tem sido muito bem-sucedido, mas o firewall e
seus arquitetos ainda enfurecem boa parte da população on-line.





Todo mundo odeia a mensagem de erro "404 Not Found". Quando ela aparece,
muitos amaldiçoam o pai da Grande Muralha Digital, Fang Binxing, o
ex-diretor da Universidade dos Correios e Telecomunicações de Pequim.





A palavra "muralha" agora está sendo usada de forma criativa. Se a sua
conta de internet é cancelada, ela foi "murada". Se você é preso, tem
sua liberdade cerceada, as suas mensagens excluídas, também são casos em
que você foi "murado".





Atualmente, estão colados por todo o país cartazes com o slogan "Por que
a China é forte? Só por causa do partido". A palavra chinesa para
"forte" (qiang) é homônima da palavra que designa "muro", o que inspira
pessoas subversivas a lerem o slogan como "Por que a China é murada? Só
por causa do partido".





A tecnologia de firewall do governo se torna cada vez mais sofisticada, e
as fissuras na muralha digital estão menores. Quase todos os dias, um
novo provedor de VPN é fechado, ficando cada vez mais difícil encontrar
uma opção confiável em longo prazo.





Esse é um aspecto do fato de haver cada vez menos espaço para a
dissidência. Nos últimos 18 meses, 12 amigos meus foram presos,
incluindo acadêmicos, advogados e jornalistas. A internet era o
principal canal de comunicação deles.





No fim das contas, esta é uma guerra entre a tecnologia de vigilância e a
tecnologia da internet. Mas é difícil imaginar que um governo que se
opõe à criatividade possa sempre levar vantagem.






Murong Xuecun é autor, entre outros, do romance "Deixe-me em Paz".

O crime perfeito

O crime perfeito — CartaCapital



O crime perfeito


por Vladimir Safatle



publicado
19/08/2015 03h57

A pauta do liberalismo brasileiro não será aplicada pelos liberais, mas por uma esquerda em autoeliminação


O Brasil não é para amadores, já dizia Tom Jobim. De fato, enquanto vários outros países
latino-americanos tiveram longos períodos de conflitos violentos no
interior de suas elites, com rupturas muitas vezes traumáticas, o Brasil
conseguiu apresentar continuidades impressionantes. Sua elite tem o dom
do acordo e da autopreservação. Ela sabe como criar situações nas quais
toda tentativa de entrar em confronto contra seus interesses sai
perdendo.
Mas há de se reconhecer que existem
momentos nos quais a inteligência animal de nossa elite supera toda
expectativa, demonstrando laivos de genialidade mefistofélica. Um desses
momentos é exatamente o presente. Se eu fosse afeito à teoria da
conspiração, diria que estaríamos vendo atualmente o crime perfeito.
No fim da eleição de 2014, o Brasil demonstrou-se radicalmente clivado.
Era óbvio que tal clivagem não passaria, pois o nível de
descontentamento e expectativa era muito alto para todos voltarem aos
negócios de sempre. Em uma situação como essa, a primeira coisa a fazer é
fortalecer a mobilização de seu próprio grupo. Você governa primeiro
para quem te elegeu, ou seja, levando em conta as expectativas de quem
te elegeu, pois são essas pessoas que te defenderão em contextos de
tensão.
Mas eis que algum grande estrategista
palaciano sugeriu uma manobra radical. O governo deveria esvaziar o
discurso da direita, ao realizar o que Lula fez várias vezes, a saber,
aplicar ações propostas pelo próprio adversário, colhendo nomes na seara
do adversário para construir seu ministério. Assim, Dilma daria um
sinal para os opositores e para a elite rentista do País. Algo como:
“Fiquem tranquilos, pois não haverá conflitos de interesses com o
governo”. A ala de esquerda
da população que votou no governo viria por gravidade. Afinal, não
haveria nenhuma outra opção para eles, gente que pode gritar, espernear,
mas no final vota no governo e ainda faz campanha mobilizada pelo medo
de a direita voltar.
Infelizmente, desta
vez, o truque não funcionou. Ele foi aplicado de maneira muito farsesca
para funcionar. Cansados de confiar em um governo que não temeu abraçar
a nata do liberalismo econômico nacional, a ala de esquerda da
população virou as costas e se desmobilizou. A ala conservadora sentiu o
campo aberto e colocou seu sistema de pressão na rua. Pela primeira vez
na história tal pressão não teve contrapressão. O desejo de impea
chment cresceu, alimentado pela tentativa desesperada do presidente da Câmara de escapar da Operação Lava Jato.
Mesmo com o governo nas cordas, ficou
claro, contudo, que a oposição não tinha unidade, que certamente
entraria em fagocitose se assumisse o poder. O estilo brutalizado de Cunha
era incapaz de aglutinar. Até que o golpe de mestre apareceu.
Aterrorizado pela possibilidade de perder o poder, o governo foi
procurado pelo presidente do Senado para um acordo em prol da
“governabilidade”, agora defendida abertamente pela Fiesp, pela Globo e
pelo sr. Trabuco, o verdadeiro chefe do ministro da Economia.
Na pauta, um conjunto de propostas para
explodir de alegria qualquer liberal defensor dos interesses da elite
rentista. O que seria visto, em situação normal, como proposições
inaceitáveis por colocar em questão a natureza pública de certos
serviços e direitos trabalhistas aparece agora como uma agenda positiva e
responsável para tirar o Brasil da crise política.
Assim, tudo o que a direita sonhou será aplicado pelo
governo dito esquerdista. É ele que pagará todo o preço, alcançando,
enfim, o grau zero de apoio popular. Mas como o espantalho Cunha
continuará amedrontando, tudo o que vier do agora esteio da
responsabilidade da República, Renan Calheiros, será visto como um mal menor.
Assim, o crime perfeito se completa. Toda a pauta mais
radical do liberalismo brasileiro será aplicada sem que os liberais
tenham de arcar com o peso de aplicar tal política. Ela será aplicada
não pelos liberais de plantão, mas por uma esquerda em vias de
autoeliminação. Há de se admirar a astúcia da elite brasileira na defesa
de seus interesses. Realmente, um trabalho de profissionais.

Os protestos de domingo e a estratégia da Globo

Os protestos de domingo e a estratégia da Globo — CartaCapital



Os protestos de domingo e a estratégia da Globo


por Intervozes



publicado
17/08/2015 12h48,


última modificação
17/08/2015 13h19

A cobertura das manifestações pelos veículos do grupo reafirma a opção
da emissora pela chamada governabilidade. Para a Globo, manter um
governo petista em frangalhos pode ser um bom negócio


Por Gustavo Gindre*
Muita gente
estranhou o recente comportamento da Globo, depois de uma conversa de
dirigentes da empresa com senadores petistas. O grupo passou a moderar
sua cobertura do governo Dilma e, em editorial do jornal impresso
O Globo,
chegou a pedir que as forças políticas atuem em prol da
governabilidade. Da surpresa surgiram diversas explicações
estapafúrdias. De um lado, petistas achando que a Globo teria se rendido
à força dos governos do PT. De outro lado, nas passeatas deste domingo
16, houve quem dissesse que a Globo era comunista.
Na verdade, não
deveria haver surpresa alguma. A Globo faz o que sempre fez. Atua a
favor de seus próprios interesses, quase como se fosse um partido
político. Traça uma estratégia, analisa a conjuntura e faz alianças de
curto, médio e longo prazo. E a cobertura da emissora dos protestos
deste final de semana não nega este raciocínio.
No segundo mandato de Dilma, quando percebeu que a Operação Lava Jato
teria potencial para derrubar o governo, a Globo chegou a flertar com a
hipótese de impeachment. Com isso, seus noticiários recrudesceram a
cobertura e a ordem, aos seus obedientes jornalistas, era criticar o
governo de todos os modos possíveis. Mas a Globo se assustou, tanto com o
crescimento de Eduardo Cunha quanto com o festival de posições reacionárias ensandecidas que foi às ruas contra o governo.
No caso de Cunha,
preocupa tanto sua ligação com o pentecostalismo (do qual a Globo nunca
foi muito próxima) quanto o fato de ele parecer ter agenda própria,
descolada do establishment da política nacional – além de fazer política
com o fígado.
A última experiência
da Globo em apoiar alguém com um perfil semelhante (Collor) acabou não
sendo boa para os interesses dos Marinho. Collor se virou contra a
emissora, que o criara como “caçador de marajás”, tentou articular a
construção de um império próprio nas comunicações e acabou apeado do
poder com ajuda fundamental da própria Globo. Outra iniciativa deste
tipo só será tentada se não houver alternativas, o que não é o caso.
Foi, então, que a
Globo concluiu que manter um governo petista em frangalhos pode ser um
bom negócio. Frágil, lutando para sobreviver, o governo Dilma pode
aceitar uma agenda imposta de fora para dentro, que acentue a virada
liberal iniciada com a chegada de Levy ao governo. Ficariam na conta do
governo Dilma as políticas impopulares dessa virada liberal, o que de
resto teria a vantagem de liquidar as chances de um novo governo petista
em 2018.
Plano B
Ao mesmo tempo
que aposta na governabilidade, a Globo sabe que mais denúncias da Lava
Jato podem acabar inviabilizando de vez o governo Dilma. Aí é necessário
construir um plano B. A alternativa seria um governo Temer,
absolutamente submisso aos interesses do grande capital, defendidos pela
Globo. Mas, para que Temer possa governar com tranquilidade, é preciso
neutralizar Eduardo Cunha. Para isso, foi escalado o presidente do
Senado, Renan Calheiros. A Globo conta, também, que a Operação Lava Jato
acabe, enfim, alcançando também o presidente da Câmara.
Contribui ainda para
a análise da Globo a percepção de que os tucanos não conseguiram
galvanizar a crise do governo Dilma e acabaram a reboque da
extrema-direita, que tomou as ruas. Definitivamente, o PSDB foi uma
decepção para os interesses defendidos pela Globo.
O que impressiona mesmo é que o restante dos grandes grupos de mídia (exceto a Record) não consiga ter uma agenda própria e, nos momentos críticos, abaixe a cabeça e siga o rumo definido pelos Marinho. No fundo, eles reconhecem seu caráter ancilar e o predomínio avassalador da Globo.
História
Para entender o
comportamento da Globo, é preciso analisar um pouco de nossa história
recente. Até a década de 70, a imprensa brasileira era criada a partir
de interesses da vida partidária. Havia o jornal getulista, o periódico
lacerdista, etc. Mas o surgimento da TV Globo muda esse cenário.
Já no início
dos anos 70, setores dentro da ditadura começaram a se preocupar com o
crescimento da Globo e com o fato de que ela viesse a construir uma
agenda própria, não necessariamente dependente dos militares. Esses
setores acabaram derrotados por aliados da Globo, como o então Ministro
da Justiça, Armando Falcão, e a Globo teve carta branca para crescer,
com todo o apoio, inclusive financeiro, do Estado brasileiro.
A Globo ainda chegou
a retribuir o apoio da ditadura no caso Proconsult e na cobertura das
Diretas Já, mas pagou caro, sendo hostilizada nas ruas. Desde então, o
grupo percebeu a utilidade de ter uma agenda própria. Foi assim, por
exemplo, que a Globo apoiou a Nova República e recebeu em troca o
Ministério das Comunicações, dado ao homem de confiança, Antônio Carlos
Magalhães (o único ministro civil escolhido por Tancredo que ficou até o
final do governo Sarney, demonstrando a força dos Marinho).
Mas, veio, então, a
opção Collor, que se revelou um desastre. Collor usou laranjas para
comprar a TV Manchete, construir a OM (hoje uma pálida sombra chamada
CNT) e a TV Jovem Pan, e ajudou Edir Macedo a montar a Record.
Obviamente a Globo percebeu a movimentação de Collor e PC Farias e
entrou de vez na canoa da oposição, definindo o jogo a favor do
impeachment.
Sob a direção dos
filhos de Roberto Marinho, mais pragmáticos que o pai, a Globo percebeu a
vantagem de não tentar movimentos bruscos, aceitar alguns fatos da
política e procurar tirar vantagem deles. Foi assim que “aceitou” a
vitória de Lula em 2002, mas tratou de garantir que seus interesses não
seriam afetados. A ida de Luiz Inácio ao
Jornal Nacional, logo após a vitória, sinalizou que o novo mandatário havia entendido o recado.
Em 2006, no auge do
"mensalão", a Globo novamente demonstrou como atua na política. Bateu
bastante no governo. Não ao ponto de criar uma crise institucional ou de
inviabilizar a reeleição de Lula. Mas, o suficiente para que o
presidente nomeasse um ex-empregado da Globo como Ministro das
Comunicações (Hélio Costa), acatando todas as demandas da empresa e
garantindo um decreto presidencial para a transição à TV digital que
liquidou qualquer expectativa democratizante. A Globo trocou
inteligentemente a reeleição de Lula pela manutenção de seu absoluto
predomínio na TV aberta (ainda a galinha dos ovos de ouro).
E assim chegamos às
eleições de 2014. Em 2012 (R$ 2,9 bilhões), 2013 (R$ 2,6 bilhões) e 2014
(R$ 2,3 bilhões), mesmo com a crise econômica, a Globo teve
sucessivamente o maior lucro líquido de uma empresa de capital fechado
no Brasil. Ficou para trás o período do início dos anos 2000, onde a
empresa dos Marinho quase quebrou. A Globo hoje é uma potência econômica
sem paralelo nas comunicações brasileiras. Nunca houve um grupo de
mídia com tanto poder político e econômico.
Seu único desafio é o cenário de convergência, que atrai ainda mais grupos estrangeiros e aumenta a influência da internet.
Mas, na política,
não há com que se preocupar, especialmente com um governo fraco. Foi por
isso que, ao contrário do que pensavam alguns petistas, a Globo não
usou o
Jornal Nacional da véspera do domingo do
segundo turno para tentar uma bala de prata contra Dilma. Por que a
Globo se arriscaria a tanto? O que ela teria a perder com Dilma no
poder? A resposta vem sendo dada agora, com a atual crise: nada!
O que vivemos hoje é a
consequência da opção dos sucessivos governos do PT em compor com os
interesses dos grandes grupos de mídia e não alterar a estrutura do
sistema midiático brasileiro; em não enfrentar a agenda da regulação das comunicações; em aceitar tacitamente a mentira de que um novo marco regulatório seria uma forma de censura.
Agora, acuado pelas
crises econômica e política, não há muita esperança de que este governo
venha a adotar qualquer iniciativa para quebrar a nefasta influência que
a Globo exerce sobre a política nacional. Ao contrário, o governo é
cada vez mais refém dos interesses dos Marinho e busca apenas a sua
sobrevivência até 2018.
Aos militantes em
prol da democratização da comunicação, cabe a tarefa de manter viva essa
luta e seguir acreditando que um dia acertaremos e 
será cumprida essa tarefa imprescindível para a efetiva construção de nossa democracia. Apesar da Globo.
* Gustavo Gindre é jornalista e integrante do Intervozes.