O Estado deve garantir qualidade de vida ou é cada um por si?
Leonardo Sakamoto
Percorri durante um mês o São Francisco, da nascente à foz,
bem como regiões do Semiárido, para uma reportagem sobre o projeto de
transposição das águas do rio. Isso já faz 13 anos – o que mostra que
estou mais velho, mas não necessariamente mais sábio.
Particularmente,
sou contrário à forma como o projeto (que é tão velho quanto Dom Pedro
II) foi tocado, pois não irá capilarizar o acesso aos mais pobres ao
contrário do que o governo afirma. Mas esse não é o tema deste post.
Durante as entrevistas, um especialista me disse que todos querem o rio,
mas não eram todos que topavam, de forma democrática e transparente,
discutir a natureza da sua utilização. E que o correto seria fazer um
“orçamento'' do Velho Chico envolvendo a população, rica e pobre, que
dele se beneficia.
Considerando que a quantidade de água é finita,
quais deveriam ser as prioridades do rio? Abastecimento humano? Geração
de energia elétrica? Produção agropecuária? Indústria? Navegação?
Sabendo, é claro, que tomar decisões significa excluir opções, mais do
que agregar.
Como um orçamento doméstico. Que, convenhamos, a
maioria dos brasileiros conhece bem. Afinal, comer um bifão hoje pode
significa viver de ovo o resto da semana.
Todos concordamos que o
Estado deveria garantir as condições para possibilitar condições mínimas
de qualidade de vida da população. Daí aparece a divergência, do que
seria essas “condições mínimas''.
Pois pedimos mais educação, mais
saúde, mais segurança, mais transporte. Mas isso, claro, tem um custo. E
o Estado brasileiro, desde a redemocratização, gasta cada vez mais para
cobrir a crescente demanda da população.
Demanda que não vai
parar de crescer, pois aprendemos o que é cidadania e queremos parte do
bolo que, durante a ditadura, nos pediram para esperar porque ia crescer
para ser dividido.
Mesmo se um dia conseguirmos reduzir
significativamente a sangria da corrupção que envolve, historicamente,
todos os níveis administrativos, não haverá “água'' para fazer as
vontades de todo o mundo. O montante que será recuperado no âmbito da
Lava Jato e o que deveria ser na operação Zelotes (cujo rombo é maior,
mas ninguém se importa muito) não seriam suficientes para fazer frente a
todas essas demandas.
Há quem
defenda que o Estado não deveria ser tão responsável por educação,
saúde, segurança, transporte. Ou seja, ao invés de sustentar com
impostos a manutenção e ampliação de escolas públicas e do Sistema Único
de Saúde, por exemplo, destinaria o dinheiro para o bolso das famílias –
que usariam o que foi economizado para por os filhos na escola ou
comprar um plano de saúde.
Outros
defendem que o poder público deve atuar redistribuindo riqueza e,
através de impostos cobrados de forma mais pesada dos mais ricos do que
dos pobres, custear um Estado que cuide do bem estar da parte de sua
população que não poderia adquirir esses serviços de outra forma.
O
fato é que pedir mínima participação do Estado não casa,
necessariamente, com a garantia de serviços públicos de saúde, educação,
transporte, segurança pública de qualidade.
A Folha de S.Paulo publicou, neste domingo (16), uma boa matéria de Patrícia Campos Mello
sobre jovens da periferia que se engajaram nas manifestações contra o
governo, mas tinham uma visão diferente sobre o papel do Estado de parte
dos organizadores dos protestos.
Ou seja, em algum momento,
teremos que promover um debate amplo e público sobre o que queremos do
Estado brasileiro, explicando direitinho o que significa cada
escolha. Sem mimimis e discussões em forma de gritos.
Há
economistas falando em mexer na Previdência Social, aumentando o tempo
que uma pessoa tem que ficar trabalhando para evitar que o país quebre. E
há os que defendem a ampliação da terceirização e uma reforma que
diminua direitos trabalhistas para reduzir custos. Outros defendem uma
reforma tributária, aliviando a taxação do consumo e aumentando, de
forma progressiva (quem ganha mais, paga mais), os impostos sobre renda
do trabalho e, principalmente, do capital. Movimentos sociais defendem
taxar grandes heranças e fortunas. Sem contar os que falam da
repatriação de bilhões de brasileiros que estão ilegalmente no exterior.
Cada
um de nós têm uma posição sobre como o Estado deveria agir no Brasil
frente aos recursos limitados – posição que precisa ser confrontada, de
forma tranquila no espaço público e no Congresso Nacional, para que
voltemos a construir um projeto de país.
O
problema é que tem sido bastante difícil travar um debate honesto e
racional nesses ambientes. Um debate em que ninguém te xingue ou dê as
costas quando não concorde, que não queira “ganhar'' no grito, que
apresente argumentos e dados comprovados e não obscuros e refutados pela
comunidade científica. No Congresso, a situação é ainda pior.
Acompanhei este ano votações por lá cuja qualidade do debate foi um show
de horrores de dar vergonha alheia.
Alguns temas parecem
áridos para uma parte da população que não está acostumada a eles. Mas
isso não significa que essa parcela deva continuar alijada da discussão.
Porque isso tem a ver diretamente com a sua qualidade de vida.
Então,
temos que nos esforçar para democratiza-la. Se as experiências de
orçamento participativo não tivessem sido atacadas de forma injusta,
talvez hoje estaríamos em um outro patamar para esse debate.
O
que você quer do Estado brasileiro – para além da premissa básica de
que ele não desvie, via corrupção, dinheiro dos seus cidadãos? Um Estado
mínimo ou Estado de bem-estar social?
E
o seu representante político no Congresso pensa como você ou você só
votou nele porque o anônimo no WhatsApp disse que era adversário do
grupo que você não curte?
bem como regiões do Semiárido, para uma reportagem sobre o projeto de
transposição das águas do rio. Isso já faz 13 anos – o que mostra que
estou mais velho, mas não necessariamente mais sábio.
Particularmente,
sou contrário à forma como o projeto (que é tão velho quanto Dom Pedro
II) foi tocado, pois não irá capilarizar o acesso aos mais pobres ao
contrário do que o governo afirma. Mas esse não é o tema deste post.
Durante as entrevistas, um especialista me disse que todos querem o rio,
mas não eram todos que topavam, de forma democrática e transparente,
discutir a natureza da sua utilização. E que o correto seria fazer um
“orçamento'' do Velho Chico envolvendo a população, rica e pobre, que
dele se beneficia.
Considerando que a quantidade de água é finita,
quais deveriam ser as prioridades do rio? Abastecimento humano? Geração
de energia elétrica? Produção agropecuária? Indústria? Navegação?
Sabendo, é claro, que tomar decisões significa excluir opções, mais do
que agregar.
Como um orçamento doméstico. Que, convenhamos, a
maioria dos brasileiros conhece bem. Afinal, comer um bifão hoje pode
significa viver de ovo o resto da semana.
Todos concordamos que o
Estado deveria garantir as condições para possibilitar condições mínimas
de qualidade de vida da população. Daí aparece a divergência, do que
seria essas “condições mínimas''.
Pois pedimos mais educação, mais
saúde, mais segurança, mais transporte. Mas isso, claro, tem um custo. E
o Estado brasileiro, desde a redemocratização, gasta cada vez mais para
cobrir a crescente demanda da população.
Demanda que não vai
parar de crescer, pois aprendemos o que é cidadania e queremos parte do
bolo que, durante a ditadura, nos pediram para esperar porque ia crescer
para ser dividido.
Mesmo se um dia conseguirmos reduzir
significativamente a sangria da corrupção que envolve, historicamente,
todos os níveis administrativos, não haverá “água'' para fazer as
vontades de todo o mundo. O montante que será recuperado no âmbito da
Lava Jato e o que deveria ser na operação Zelotes (cujo rombo é maior,
mas ninguém se importa muito) não seriam suficientes para fazer frente a
todas essas demandas.
Há quem
defenda que o Estado não deveria ser tão responsável por educação,
saúde, segurança, transporte. Ou seja, ao invés de sustentar com
impostos a manutenção e ampliação de escolas públicas e do Sistema Único
de Saúde, por exemplo, destinaria o dinheiro para o bolso das famílias –
que usariam o que foi economizado para por os filhos na escola ou
comprar um plano de saúde.
Outros
defendem que o poder público deve atuar redistribuindo riqueza e,
através de impostos cobrados de forma mais pesada dos mais ricos do que
dos pobres, custear um Estado que cuide do bem estar da parte de sua
população que não poderia adquirir esses serviços de outra forma.
O
fato é que pedir mínima participação do Estado não casa,
necessariamente, com a garantia de serviços públicos de saúde, educação,
transporte, segurança pública de qualidade.
A Folha de S.Paulo publicou, neste domingo (16), uma boa matéria de Patrícia Campos Mello
sobre jovens da periferia que se engajaram nas manifestações contra o
governo, mas tinham uma visão diferente sobre o papel do Estado de parte
dos organizadores dos protestos.
Ou seja, em algum momento,
teremos que promover um debate amplo e público sobre o que queremos do
Estado brasileiro, explicando direitinho o que significa cada
escolha. Sem mimimis e discussões em forma de gritos.
Há
economistas falando em mexer na Previdência Social, aumentando o tempo
que uma pessoa tem que ficar trabalhando para evitar que o país quebre. E
há os que defendem a ampliação da terceirização e uma reforma que
diminua direitos trabalhistas para reduzir custos. Outros defendem uma
reforma tributária, aliviando a taxação do consumo e aumentando, de
forma progressiva (quem ganha mais, paga mais), os impostos sobre renda
do trabalho e, principalmente, do capital. Movimentos sociais defendem
taxar grandes heranças e fortunas. Sem contar os que falam da
repatriação de bilhões de brasileiros que estão ilegalmente no exterior.
Cada
um de nós têm uma posição sobre como o Estado deveria agir no Brasil
frente aos recursos limitados – posição que precisa ser confrontada, de
forma tranquila no espaço público e no Congresso Nacional, para que
voltemos a construir um projeto de país.
O
problema é que tem sido bastante difícil travar um debate honesto e
racional nesses ambientes. Um debate em que ninguém te xingue ou dê as
costas quando não concorde, que não queira “ganhar'' no grito, que
apresente argumentos e dados comprovados e não obscuros e refutados pela
comunidade científica. No Congresso, a situação é ainda pior.
Acompanhei este ano votações por lá cuja qualidade do debate foi um show
de horrores de dar vergonha alheia.
Alguns temas parecem
áridos para uma parte da população que não está acostumada a eles. Mas
isso não significa que essa parcela deva continuar alijada da discussão.
Porque isso tem a ver diretamente com a sua qualidade de vida.
Então,
temos que nos esforçar para democratiza-la. Se as experiências de
orçamento participativo não tivessem sido atacadas de forma injusta,
talvez hoje estaríamos em um outro patamar para esse debate.
O
que você quer do Estado brasileiro – para além da premissa básica de
que ele não desvie, via corrupção, dinheiro dos seus cidadãos? Um Estado
mínimo ou Estado de bem-estar social?
E
o seu representante político no Congresso pensa como você ou você só
votou nele porque o anônimo no WhatsApp disse que era adversário do
grupo que você não curte?
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