domingo, 16 de agosto de 2015

Fora das instituições, o mundo fica muito pior

Fora das instituições, o mundo fica muito pior - 16/08/2015 - Poder - Folha de S.Paulo



Fora das instituições, o mundo fica muito pior

CONRADO HÜBNER MENDES 




Protestos foram motor de mudanças marcantes na história política, para o
bem e para o mal. Com muito custo tornaram-se uma liberdade
constitucional. Por certo, uma das mais incômodas liberdades, pois
mantêm autoridades sob estresse, desestabilizam consensos, escancaram
dissensos e produzem a energia vital sem a qual a democracia não se
critica nem se reinventa.




Seus limites, por essa mesma razão, estão em permanente renegociação.
Numa sociedade formada por experiências oligárquicas e autoritárias como
a nossa, é uma liberdade distribuída desigualmente, uma verdade
extraoficial que políticos evitam reconhecer. De Dilma a Alckmin, de
Aécio a Lula, de Cunha a Renan, dentro das atribuições que têm ou
tiveram, pouco foi feito para transformar essa realidade.




O protesto de hoje é seguro, pois tem o privilégio de não contar com a
antipatia policial. Não haverá, salvo imprevisto, bala de borracha, gás
lacrimogêneo ou detenção para averiguação, velhas rotinas da cultura
policial (como em tantas cidades do país nos últimos anos). Rotinas
ilegais toleradas por crônica indiferença governamental e social.




As condições privilegiadas, por si sós, não tornam o protesto menos
legítimo. Entretanto, ter e praticar um direito não isenta ninguém de
responsabilidade. Quem protesta (ou não protesta) tem contas a prestar
ao menos com sua consciência.




Ainda que, do ponto de vista jurídico, não precisemos explicar por que
exercemos um dado direito numa dada conjuntura, cidadãos têm o ônus de
justificar suas escolhas cívicas. Poderão ser interpelados moralmente
por sua ação ou omissão. Democracias funcionam melhor quando se
compreende a sutil relação entre liberdade e responsabilidade.




Os grupos que prometem ir hoje às ruas têm propostas razoavelmente
diversas para um Brasil em crise. Compartilham, porém, um objetivo: a
saída imediata da presidente da República, seja pelo impeachment, pela
renúncia, ou, na versão mais extravagante, pela convocação de novas
eleições. Aos que se consideram politicamente sensatos e que ainda se
dão o benefício da dúvida, é sobre isso que devemos conversar -crises,
instituições e ritos constitucionais.




Crises, conforme a sabedoria convencional, têm uma ambiguidade
fundamental: insinuam-se, ao mesmo tempo, como ameaça e oportunidade;
podem deteriorar relações sociais e desacreditar instituições em bom
funcionamento, mas oferecem uma chance para mexer em estruturas
profundas que os tempos de normalidade não conseguem.




Agravar a crise é estratégico para os que almejam assumir o poder por
vias extra-institucionais. Mas equacioná-la pode dar continuidade ao
fato institucional mais promissor da democracia brasileira em muitos
anos: o combate à corrupção pela ação independente e coordenada de
instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder
Judiciário.




Instituições servem para amortecer conflitos e facilitar decisões. O
respeito a elas não é fetiche, mas uma apólice de seguro político que
permite a convivência não violenta entre adversários. Fora delas, o
mundo fica muito pior. Defender a saída de Dilma neste momento, com
raiva e convicção, mas sem evidências jurídicas, é, no mínimo, queimar a
largada. Propor novas eleições, então, é pura tentação de poder à
margem da legalidade.




O compromisso com a ética do protesto supõe alguns deveres, entre eles o
de informar-se sobre fatos, normas e interesses, com clareza do alvo,
dos riscos e das consequências dos seus atos. Tão importante quanto se
perguntar quem eventualmente perde com o aprofundamento da crise, é
saber quem ganha. Quem não se faz seriamente essa pergunta pode acordar e
descobrir que dormiu com o inimigo.





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