Janio de Freitas
Provas no hospício
É difícil prever a conduta do presidente da Câmara no futuro imediato, mas pode-se sondar hipóteses
É até engraçada, sem que deixe de ser o oposto disso, a expectativa generalizada sobre o que um acusado da extorsão de US$ 5 milhões causará
ao país: vai abalá-lo ainda mais com suas pautas-bombas, ou enfim vai
reprimir sua natureza? Incluirá na pauta da Câmara um pedido de
impeachment, ou vai investir contra o procurador-geral da República?
Se um país chega a esse ponto, com o ambiente político e econômico em
dependência tão patética, está muito enfermo. Fosse gente, seria
recolhido ao hospício. Como não é gente, faz suspeitar de que seja o
próprio hospício.
Logo, falemos de Eduardo Cunha. Para começar, duvidando de que alguém
possa prever com razoável segurança a conduta do presidente da Câmara no
futuro imediato. Apesar disso, pode-se sondar, em linhas gerais,
hipóteses que tenha à sua frente.
A primeira: agravar a linha provocativa que mantém na Câmara pode ser
negativo para sua situação judicial. Como resposta, é bastante provável
que o Judiciário e o Ministério Público se sintam no dever de acelerar a
tramitação do processo, para que seus ritmos habituais não sejam
acusados de dar oportunidade à conturbação política. Não é menos
provável que o apoio dos oposicionistas da linha Aécio incentive a
tendência natural de Eduardo Cunha para a pauta-bomba e bombas sem
pauta.
A hipótese de autocontenção valeria ao menos como originalidade
biográfica para Eduardo Cunha –ao custo de parte do apoio que recebe do
oposicionismo extremado, como o grupo aecista do PSDB, e peemedebistas
paus-mandados. A liderança de Eduardo Cunha perderia alguma coisa, e é
muito incerto que ele conceda essa perda.
Eduardo Cunha tem uma inteligência esperta. Até hoje, não foi capaz de
convencer da sua inocência nas irregularidades, graves todas, em que
figurou. Mas está na presidência da Câmara, não está arruinado. As
acusações que o Ministério Público agora lhe faz em 85 páginas (ou um
terço disso em espaço normal) são mesmo pesadas. Mostram, inclusive,
conhecimento de truques atribuídos ao acusado, como uso de igreja
evangélica para recebimento de suborno.
Mas, teoricamente, condenação depende de prova. É verdade que o Supremo
já teve prática diferente e, na Lava Jato, o juiz Sergio Moro já emitiu
condenação em cuja sentença admite falta de provas. É recomendável
esperar o confronto entre as acusações duras e as respostas experientes
de Eduardo Cunha.
A denúncia entregue ao Supremo suscita duas observações. Ficou claro que
Rodrigo Janot esperou a condenação de Nestor Cerveró e Fernando Soares
por Sergio Moro. Citar na acusação a Eduardo Cunha duas condenações
consumadas pelos mesmos fatos dá um reforço e tanto contra o deputado,
que fica como comparsa de criminosos condenados.
Nota-se ainda que Janot preserva linguagem apenas profissional, técnica.
Não a violenta com os insultos e impropérios usuais em seus
antecessores Antonio Fernando de Souza (hoje defensor de Eduardo Cunha) e
Roberto Gurgel, sem que sequer os alvos das ofensas estivessem
condenados.
De passagem, a denúncia usa de uma expressão perigosíssima para Eduardo
Cunha: "desvio de finalidade", aplicada como referência indireta aos
ameaçadores pedidos de informação, em nome da Câmara, que Eduardo Cunha
teria feito com assinatura da então deputada Solange Almeida.
Destinavam-se, disse o lobista delator, a pressionar ele e uma empresa
para quitarem o saldo de US$ 5 milhões do suborno. Tal uso da Câmara é
conduta que justifica processo interno de perda de mandato. Bem
entendido, em Câmaras com certa dignidade.
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