quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A tentação golpista

A tentação golpista - Carta Maior



A tentação golpista

O que o sr. Fernando Henrique Cardoso propõe é o golpe de
Estado, a violação da ordem jurídico-política, movido apenas pela
ambição de poder.


Fabio de Sá e Silva (*)







O sr. Fernando Henrique Cardoso
demonstra ser uma pessoa extremamente impaciente. Decorridos apenas
alguns meses do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, clama por
renúncia e novas eleições presidenciais. Mau perdedor, não tem
maturidade política para aguardar o período constitucional de quatro
anos para, novamente, submeter suas ideias e programas à população
brasileira, a única juíza do bom ou mau desempenho de seus mandatários.
Deseja, ilegalmente, o terceiro turno.

Recorre, em sua
declaração destemperada e superficial, a duas linhas de argumentação. A
primeira, baseada vaga e frouxamente em considerações sobre corrupção, é
desinformada e juvenil.

Trata o andamento das investigações no
âmbito da operação lava jato como sinal de corrosão do poder político,
quando na verdade este fato sinaliza para maturidade da democracia
brasileira, que agora caminha sem a proteção seletiva de arquivadores
gerais e de polícias políticas.

O segundo fio de raciocínio,
mais grave, porque eivado de inconstitucionalidade e autocontradição,
aponta para suposto “sentimento popular de que o governo, embora legal, é
ilegítimo”. E se dedica a especular sobre as condições nas quais seja
possível ao governo “a aceitação de seu direito de mandar, de conduzir”

Para
isso, o sr. Fernando Henrique Cardoso propõe violar a vontade popular
expressa democraticamente nas urnas em novembro último, destruir o
Estado de Direito duramente reconstruído após 22 anos de ditadura e
rasgar a Constituição. Parece óbvio que o sr. Cardoso desconhece a
lógica e seu princípio básico, o da não-contradição.

Não se
trata aqui, entretanto, de uma questão acadêmico-filosófica. Trata-se de
uma questão antes de tudo ética, jurídica e política. O que o sr.
Fernando Henrique Cardoso propõe é o golpe de Estado, a violação da
ordem jurídico-política, movido apenas pela ambição de poder.

Constitui
uma trágica ironia o fato de o autor recorrer em suas declarações aos
espectros da degradação nacional, da desagregação social e da anomia.
Que melhor sintoma dessas ameaças que sua conclamação irresponsável e
inconstitucional à ruptura da ordem democrática vigente?

O sr.
Fernando Henrique Cardoso abunda nas contradições. Segundo ele, a menos
que haja “gesto de grandeza” da presidenta, como renúncia, "assistiremos
à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de
lavajato”.

Perante uma crise institucional por ele inventada e
uma alternativa autoritária que só existe em sua fantasia, o sr.
Fernando Henrique Cardoso propõe uma solução "brilhante": a criação, na
prática, de uma crise institucional, e a adoção, com entusiasmo, de uma
solução autoritária e antidemocrática.

O sr. Fernando Henrique
Cardoso, além de óbvias dificuldades com a lógica e com a ética, tem
parcos conhecimentos de filosofia política. Parece pensar que o termo
"contrato social" designa uma realidade histórica e que, portanto, seria
possível negociá-lo, como em uma reunião de acionistas ou condôminos.
Se lesse os clássicos, entenderia que o conceito designa algo que se
postula como hipótese filosófica, com vocação explicativa, nunca como um
fato concreto.

Na verdade, "contrato social" é aquele que foi
firmado pelo povo brasileiro, nas últimas eleições, com a presidente
Dilma Rousseff, com o novo Congresso Nacional, e com as diversas
autoridades nos níveis estadual e municipal. Não há, numa democracia,
outro "contrato social" que não aquele consagrado nas urnas. A
alternativa é o golpismo e a baderna, sob o nome anódino de
"mobilização".

As declarações do sr. Fernando Henrique Cardoso
prestam um grande desserviço ao Brasil. Fazem pouco caso de nossa
democracia, de nosso Congresso e da maturidade política de nosso povo.
Tentam, sem dúvida inutilmente, erodir a credibilidade de nosso país no
exterior. Pregam, por fim, a ruptura do Estado de Direito e o
divisionismo, agora que as maiores lideranças do país buscam, dentro do
respeito à legalidade, a união para o enfrentamento das dificuldades
comuns.
*
O texto acima é uma adaptação livre, mas com
relativamente poucas modificações, de artigo de mesmo título, de autoria
do então Senador Teotônio Villela Filho (PSDB–AL).

O original
foi escrito em resposta a artigo em que Tarso Genro (PT–RS) pedia a
renúncia de FHC, em 1999. Tarso alegava que o governo de FHC perdeu a
“respeitabilidade e a governabilidade” com a desvalorização do real. A
moeda forte, disse Tarso, foi o pilar da reeleição de FHC.

Tivesse
feito referências às denúncias de compra de votos para a aprovação da
emenda da reeleição e teríamos um quadro muito parecido com o atual, no
qual FHC vê a “perda de condições de governar”.

Na ocasião, como
reportou a Folha, FHC respondeu “com ironia à proposta de renúncia de
Tarso Genro”: “O presidente já esperava que Tarso Genro tivesse se
convertido à democracia”, disse FHC, por seu porta-voz.

Lula, vale lembrar, divergiu de Tarso.

“Eu
não acho que o problema do Brasil será resolvido com a antecipação do
processo eleitoral. O problema poderia ter sido resolvido em 4 de
outubro. Não foi. A população fez uma opção, certa ou errada, foi uma
opção da maioria do povo”, declarou Lula, na época.

(**) PhD em direito, política e sociedade (Northeastern University, EUA)

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