sábado, 22 de agosto de 2015

O caso Cunha e Assembleia de Deus

O caso Cunha e Assembleia de Deus: a igreja lava mais branco. Por Joaquim de Carvalho





O caso Cunha e Assembleia de Deus: a igreja lava mais branco. Por Joaquim de Carvalho

Money-Laundering









O uso de igrejas como canal de lavagem de dinheiro não é propriamente
uma novidade. Mas, com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha, e o depósito de R$ 250 mil numa conta da Assembleia de Deus, a
lavagem de dinheiro alcançou uma igreja tradicional, fundada no Brasil
há mais de cem anos.


“É impossível auditar as doações dos fiéis. E isso é ideal para quem
precisa camuflar o aumento de sua renda, escapar da tributação e lavar
dinheiro do crime organizado”, diz o desembargador Fausto de Sanctis,
aquele da operação Satiagraha, um dos maiores especialistas brasileiros
estudos sobre lavagem de dinheiro.


O desembargador De Sanctis lançou este ano nos Estados Unidos uma obra sobre o tema: “Churches, Temples, and Financial Crimes”  – A Judicial Perspective of the Abuse of Faith (Igrejas, Templos e Crimes financeiros – Uma perspectiva judicial do abuso de fé).


A obra ainda não foi traduzida para o português, mas trata das
investigações policiais realizadas no Brasil, entre elas a da Universal
do Reino de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus e a Renascer em
Cristo, igrejas grandes, mas com menos de 40 anos de história.


O dono de uma grande incorporadora de Santana, Zona Norte de São
Paulo, contou-me que há alguns anos vendeu uma cobertura para o líder da
Igreja Deus É Amor e teve muito trabalho, não para receber, porque o
pastor pagou em dinheiro vivo, mas para passar a escritura no nome dele.


“Ele não queria de jeito nenhum. Passaram-se alguns anos até que eu
disse: pastor, não dá mais”, contou o empresário. Só assim a cobertura
saiu do nome da incorporadora e foi para o do pastor David Miranda,
falecido recentemente.


O poder das igrejas tem levado a disputas ferrenhas, no caso daquelas
que promovem algum tipo de processo eleitoral para escolher sua
direção.


Um pastor com direito a voto numa grande igreja evangélica me disse
que, quando havia eleição, evitava beber água no local de votação, com
medo de que algum adversário tivesse colocado sonífero.


Na igreja de Eduardo Cunha, este problema não existe mais. Manuel
Ferreira, líder nacional da Assembleia de Deus – Ministério Madureira,
mudou o estatuto há alguns anos e transformou a presidência num cargo
vitalício.


Assim, ele e os filhos — Abner, que comanda a igreja no Rio de
Janeiro, e Samuel Ferreira, o chefe em São Paulo –, só deixarão o posto
depois de mortos e serão sucedidos pelos filhos.


A vitaliciedade e hereditariedade não impedem que os Ferreira
participem ativamente da atividade democrática externa. Um missionário
da igreja, Samuel Aragão, gravou um vídeo em que diz que o apoio nas
eleições é em troca de cargos no governo e de outras vantagens.


Em 2012, na eleição para vereador, Samuel Ferreira dividiu São Paulo
em regiões e as entregou a candidatos de vários partidos, nem todos
evangélicos. Em 2014, a igreja fez campanha para alguns deputados
federais. No Rio de Janeiro, um deles era Eduardo Cunha.


Samuel Ferreira se apresenta com roupas de grifes e, em seus
deslocamentos pelo Brasil, utiliza avião particular, nada de voos
comerciais. Há 10 anos, Ferreira era o responsável pela igreja em
Campinas.


Ganhou poder, ao ser escolhido para governar a igreja no Estado, e
perdeu peso, com uma redução no estômago que eliminou metade dos seus
quase 150 quilos. Em Campinas, quem manda agora é o filho, nomeado
pastor, apesar de bastante jovem.


Com mais de cem anos de história, a Assembleia de Deus comandada pela
família Ferreira é uma dissidência da Assembleia de Deus original,
chamada Missão.


Nesta Assembleia de Deus, existe eleição, mas desde 1988 ninguém bate
o pastor José Wellington. Dois filhos de José Wellington estão na
política. A filha é deputada estadual em São Paulo e o filho, deputado
federal.


“O que as lideranças das igrejas querem é o poder, e nenhuma aliança
na Assembleia de Deus é feita de graça”, contou-me ex-deputado federal
eleito muitas vezes com o apoio das igrejas evangélicas.


A promiscuidade das igrejas com o poder não é exclusiva do universo
evangélico. Nessa história, se feito um exame de DNA, a paternidade será
encontrada na Igreja Católica – até porque é muito mais antiga –,
citada no livro do desembargador Fausto de Sanctis sobre lavagem de
dinheiro por causa do escândalo do banco do Vaticano.


O papa Francisco fez lá uma limpa recentemente. Mas essa limpeza vai
durar até quando?  Num ambiente religioso, a fé pode não mover
montanhas, mas é usada para comprar todo tipo de riquezas.


Serve também para vender o voto do eleitor, e agora, como indica o
depósito da propina na conta da Assembleia de Deus, negociar o poder de
lavar mais branco.

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