quarta-feira, 31 de julho de 2019

Não houve eleição e não há presidente

Não houve eleição e não há presidente

O que vimos foi simplesmente um processo sem condição alguma de preencher critérios básicos de legitimidade. Ou seja, uma farsa

Vladimir Safatle

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Desde que a opinião pública brasileira descobriu a natureza das mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol ficou claro que não houve nada parecido a eleições minimamente legítimas no ano de 2018. O que vimos foi simplesmente um processo sem condição alguma de preencher critérios básicos de legitimidade. Ou seja, uma farsa, mesmo para os padrões elásticos da democracia liberal.
Como todos sabem, as mensagens demonstraram algo cuja descrição correta só pode ser uma rede de corrupção envolvendo membros do poder judiciário. Pois é corrupção do estado toda ação feita tendo em vista a distorção de procedimentos legais para benefício próprio. O sr. Moro e seus asseclas utilizaram dinheiro público como se fosse privado (no caso do pedido do sr. Dallagnol para uso de 38.000 reais da 13ª Vara para o pagamento de campanha publicitária), aproveitaram-se financeiramente da condição de servidores públicos com informações privilegiadas (ao, em meio a processo envolvendo alguns dos maiores agentes econômicos nacionais, serem pagos em palestras milionárias), tentaram tomar para si a gestão de 2,5 bilhões de reais da Petrobras por meio da criação de uma fundação privada: tudo em nome ao combate à corrupção.
Como se isto não bastasse, o sr. Moro foi flagrado “melhorando provas”, agindo juntamente com procuradores para fazer do julgamento de um dos mais importantes casos da política brasileira uma simples encenação. Pois todos, independente de quem sejam, têm o direito a um julgamento justo e imparcial. Mas isto não aconteceu no caso que estava sob sua jurisdição.
Seus apoiadores afirmam que era necessário “quebrar as regras” para conseguir enfim combater o pior de todos os males que assola esse país desde o momento que suas terras foram invadidas por portugueses, a saber, a corrupção. No entanto, ninguém precisa acreditar nessa história cínica. Na verdade, o sr. Moro quebrou todas as regras possíveis para benefício próprio, ou seja, para prender o candidato à Presidência que impedia seu próprio projeto pessoal de se tornar presidente em 2022. Ninguém que tem interesse pessoal em um processo pode ser o juiz do mesmo. Mas como ninguém parou o sr. Moro, ele pode ser agora catapultado para o centro da política brasileira pelas mãos de um político que ele, mais do que ninguém, elegeu ao tirar o primeiro colocado de circulação, ao alimentar o noticiário com notícias construídas tendo em vista o calendário eleitoral. Que ninguém se engane. Este senhor já está em campanha, sua mulher já está em campanha, seus apoiadores já estão em campanha.
Por outro lado, não precisou mais do que sete meses para o Governo que ele ajudou a eleger demonstrasse sua própria rede de corrupção. Casos de financiamento ilegal no partido deste que ocupa a Presidência, envolvimento de seu filho senador em desvios de verba de gabinete, envolvimento de sua família com milícias. A lista não é pequena.
Diante deste cenário, basta juntar os pontos para tirar as reais consequências. O que vimos no ano passado foi uma eleição fraudada, viciada, montada em todas as peças para ter o resultado que teve. Não há razão alguma para respeitá-la. Uma eleição real pede partidos livres, possibilidade de todos se candidatarem e não interferência de poderes extra-eleitorais nos processos em curso. Não há eleição real quando se escolhe quem pode e quem não pode concorrer.
O Brasil segue sem presidente. Quem está no poder sabe tanto disto que sequer finge governar para a maioria do povo brasileiro. O sr. Bolsonaro governa para os porões da caserna de onde saiu, além de governar para consolidar a mobilização dos 30% da população brasileira que seguirão lhe apoiando. Ele sabe que este é seu teto.
Seu ato sórdido de falar sobre um desaparecido político na cadeira de um barbeiro contando a história de seu pretenso justiçamento por membros da luta armada, quando todas as informações do estado mostram seu assassinato sob tortura não é “mais uma derrapada”. É um ato de governo pensado e encenado. É a sua real concepção de governo e que consiste em mudar paulatinamente o centro dos limites do intolerável. Os que dizem que “são só palavras” não entendem nada sobre o que palavras realmente são. Palavras são o que temos de mais real, pois sua circulação autoriza ações, violências, afetos e túmulos.

Dividir para crescer

No entanto, Bolsonaro sabe ainda algo mais. Algo que seus opositores não sabem ou parecem não querer saber: que enquanto não houver incorporação efetiva da maioria que não lhe apoia em um processo comum, os 30% que lhe apoiam serão mais do que suficiente para ele continuar no governo. Se há algo que deve nos preocupar não é exatamente o que faz o sr. Bolsonaro, mas o que nós não fazemos.
Há algumas semanas, o país viu a maior derrota da história da classe trabalhadora brasileira desde o início da ditadura militar. A reforma previdenciária aprovada em primeiro turno na Câmara não é mero ajuste, mas a mudança estrutural das relações trabalhistas no país. Apenas para ficar em um de seus pontos. Enquanto a idade mínima para homens aposentarem passou para 65 anos, estados como Maranhão, Piauí e Alagoas têm expectativa de vida masculina em torno de 67 anos. Nos bairros pobres da cidade de São Paulo, como Cidade Tiradentes, Jardim Ângela, Anhanguera, Grajaú, Iguatemi a expectativa de vida varia de 54 a 57 anos. Na verdade, 36 dos 96 distritos paulistanos têm expectativa de vida abaixo de 65 anos. Ou seja, essas pessoas simplesmente não irão se aposentar mais. Elas estão condenadas a parar de trabalhar apenas no momento em que se aprontarem para a morte.
Mas a reforma passou, em seu primeiro embate, com um silêncio tumular vindo da oposição. É em relação a isto que devemos estar realmente preocupados. No momento em que foi necessário um processo comum (já que todos serão, de alguma forma, afetados), não havia nada capaz de produzi-lo. Onde estávamos e o que realmente nos mobiliza neste momento? Todos deveriam fazer uma autocrítica honesta, não apenas partidos e sindicatos, mas todos, isto se não quisermos ser tragados por movimentos desta natureza mais uma vez. Enquanto a capacidade de produção de força comum estiver fora de nosso alcance, continuaremos a perder.
Isto pode parecer com mais um chamado em nome da “unidade”. Mas valeria a pena precisar melhor esse ponto. Por mais paradoxal que isto possa parecer, talvez precisemos agora de divisão para unir, e não de união. É claro que essa operação parece um contrassenso para os que acham que a política anda na mesma via dos sinais matemáticos. Mas, a despeito de seu estranhamento, ela faz todo sentido.
Há certas situações nas quais é necessário dividir para crescer. A oposição brasileira até agora sonhou com uma união em cima do nada. Ela não definiu as rupturas que quer tomar para si, o horizonte de suas novas lutas. Tentará ela ser, mais uma vez, o “good cop” do capitalismo brasileiro ou estará enfim disposta a vocalizar rupturas até agora não tentadas? Será ela o arauto do retorno a uma democracia que nunca existiu entre nós ou assumirá enfim o desafio de romper e criar o que até agora não existiu? Pregará ela o evangelho da “integração para todos” e do respeito a uma emancipação de indivíduos proprietários ou estará disposta a ser a força de desintegração que nos levará para fora do universo de propriedades? Essas divisões podem criar novas alianças. Por isto, elas podem nos fazer crescer.

terça-feira, 30 de julho de 2019

Pequeno manual de conduta e resistência ao controle do discurso e da libido

COMO RESISTIR AO FIREHOSING

Pequeno manual de conduta e resistência ao controle do discurso e da libido

 
 
por Marcos Donizetti de Almeida
novembro 30, 2018 
 
 https://diplomatique.org.br/pequeno-manual-de-conduta-e-resistencia-ao-controle-do-discurso-e-da-libido/
 
 
Imagem por Laura Erber

Ao perceber que o noticiário sobre o novo governo te faz espumar e compartilhar coisas o dia todo, pense em sair um pouco das redes sociais. Vá ver um filme, ler um livro, ouvir a música que você ama ou um disco novo. Consuma e produza arte, que é uma maneira e tanto de elaborar angústias e mobilizar forças, de forma crítica, inclusive
Vivemos uma crise política e social, uma crise que é também e principalmente dos afetos e das relações. Há um sofrer individualizado, vivido de maneira ímpar pelos sujeitos e presente em seus relatos de medo, frustração e ameaças constantes. E há um sofrer generalizado, marcado pelo enfraquecimento dos laços, pela desesperança e pelo ódio sempre presente, antes adormecido e hoje orgulhosamente sustentado e atuado. É um ódio performático, que se pretende manifesto em defesa de uma velha teia de privilégios e ao mesmo tempo contra um outro que foi eleito o bode expiatório da vez, a ser combatido e eliminado pois imaginariamente culpado pelos males da nação e inimigo de uma pátria que só existe como fantasia. Nos consultórios, no convívio pessoal e nas redes sociais são palpáveis a ansiedade, o cansaço, a sensação paralisante de impotência e a angústia, o desamparo.
A angústia, porém, pode ser combustível da ação, e cabe o questionamento a respeito do que pode ser feito para lidar com esse estado de coisas tentando permanecer minimamente saudável. O resultado desta inquietação minha é o que chamo de pequeno manual de conduta e resistência a essa estratégia de controle do discurso e da libido tão facilmente identificável nas ações de quem investe neste cenário de crise, insegurança e confronto generalizados. Não raro vemos declarações de pessoas próximas ao presidente eleito falando em “guerra cultural”, e não surpreende que a gestão da comunicação do novo governo, desde a campanha, tenha elementos de estratégia militar, de “guerra híbrida”, o assim chamado firehosing. A atuação se dá em duas frentes: num primeiro nível, declarações cada vez mais estapafúrdias e revoltantes, sem nenhum compromisso com fatos ou lógica, com frequentes idas e vindas, com avanços aparentes e desistências. O objetivo aí é o controle da pauta. É uma maneira de controlar não só a imprensa, e essa tem sido a estratégia de Trump desde o início de seu mandato, como também os temas das conversas nas ruas, bares e condomínios. O uso das postagens em massa impulsionadas no WhatsApp de maneira supostamente ilegal é o dado novo e até o momento um grande diferencial do firehosing à brasileira. Não sei por quanto tempo isso funcionará, mas é assim, controlando o discurso e confundindo a todos, que as medidas impopulares, essas sim calculadas e planejadas, do segundo nível serão postas em prática sem maior resistência. A declaração absurda toma de assalto as redes sociais enquanto uma emenda constitucional é votada, por exemplo. O projeto da “escola sem partido”, cuja votação pode acontecer a qualquer momento, e as mudanças no texto da Lei Antiterrorismo são estratégias de controle do discurso também, óbvio, mas talvez eles nem esperem tanto essas aprovações. Mantê-los em pauta é ótimo para garantir a atenção e a tensão da oposição e da imprensa.

Além do controle do discurso e do diversionismo das pautas, há a atuação sobre a libido, o ânimo daqueles que são oposição. É um jogo de manipulação da indignação também. Acontece que a indignação é em algum grau catártica. Para nosso “aparelho psíquico”, a indignação antecipada com algo tem quase o mesmo efeito de vivenciar de fato esse algo ou de agir contra ele. Quando eu compartilho uma fala do presidente dizendo “olha o absurdo que ele está falando”, minha indignação implica direcionamento de energia para esse fato, um consumo de libido, e consigo até mesmo algum gozo, uma satisfação secreta e mesmo inconsciente, na captura também da indignação do meu grupo, garantida pelo algoritmo no caso das redes sociais. Há uma sensação de pertencimento mesmo nos afetos negativos vivenciados coletivamente. Grosso modo, dado que libido é um recurso finito que apenas muda de um ponto de referência a outro, o que “gastei” em meu gozo catártico indignado falta em outras atividades. É uma estratégia de controle dos corpos comum, clássica, potencializada pelas redes sociais. Um exemplo é a hipersexualização das relações e do ambiente, via mídia e publicidade, por exemplo, que resulta em sujeitos com menos libido investida nos encontros sexuais. O fato é que a estratégia é gerar indignação para controlar a pauta e também garantir a paralisação dos sujeitos, que ficam meio que petrificados, sem forças para resistir. O resultado é o sofrimento psíquico potencializado e amplificado, com mais depressão, desamparo e sentimentos de falta de sentido. De quebra, a indignação e o medo gerado na oposição alimentam parte da base apoiadora de Bolsonaro. Esses jovens fazendo fotos pretensamente ameaçadoras com armas na mão que vimos após a eleição estão implorando pelo medo que vai alimentar uma fantasia fálica muito primitiva de poder neles. Eles se alimentam da indignação e do assombro que esperam causar no outro, e não oferecer o que pedem é confrontá-los com um dado de realidade.
Mas vamos ao manual propriamente dito: ninguém está dizendo que não podemos mais demonstrar indignação e medo ou se revoltar com o absurdo. É necessário, porém, sermos “seletivos” com nossa indignação. Ao perceber que o noticiário sobre o novo governo te faz espumar e compartilhar coisas o dia todo, pense em sair um pouco das redes sociais. Vá ver um filme, ler um livro, ouvir a música que você ama ou um disco novo. Consuma e produza arte, que é uma maneira e tanto de elaborar angústias e mobilizar forças, de forma crítica, inclusive. A arte ajuda a seguir e a mostrar que a vida continua lá fora. Convide alguém, porque estar junto e compartilhar amor é uma forma de proteger os seus e de alimentar esperanças, conseguir força, redirecionar a libido. É hora de usar o potencial mobilizador e de comunicação das redes em nosso favor: criando e fortalecendo laços, contatos que sem elas não seriam possíveis, articulando movimentos, coletivos, grupos de apoio mútuo etc. Que nossa ação não fique restrita ao virtual. A melhor resposta a quem quer nos capturar tanto pelo medo quanto pela indignação é seguir vivendo, sem se esquecer da empatia para com os que estão sofrendo, mas investindo naquilo que podemos efetivamente fazer para ajudar; estudando, ouvindo e lendo muito para aprender formas de ajudar mais. É preciso observar os movimentos “macro” do regime, saber onde eles estão efetivamente investindo. Isso estará sempre nas entrelinhas das declarações e do que aparece no noticiário. Há medo e indignação, claro que há, mas, se nos deixamos capturar por essa dinâmica, fazemos o jogo deles. Então, enquanto investimos em formas de ajudar quem está precisando resistir, precisamos nos cuidar e não sucumbir à ansiedade e à confusão propositada dos discursos. Não podemos esquecer que é preciso mais do que nunca estar com as pessoas. Não é sem motivo que regimes totalitários em algum momento proíbam encontros e reuniões. O contato e a interação são revolucionários.

*Marcos Donizetti de Almeida é psicanalista. Twitter: @marcdonizetti.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Semeador no espaço, astronauta Marcos Pontes pode facilitar devastação na Terra


Semeador no espaço, astronauta Marcos Pontes pode facilitar devastação na Terra

Presidente e ministro cobraram explicações sobre dados de desmatamento do Inpe

Reinaldo José Lopes

Nunca achei justo que ridicularizassem Marcos Pontes, por enquanto o único astronauta brasileiro, por ter plantado feijões no espaço, repetindo a experiência que toda criança do país já fez com algodões em casa algum dia. A ideia, na verdade, até me soava inspiradora, de um jeito singelo, tal como a própria trajetória de Pontes.
A reação invertebrada do atual ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações aos chiliques de Bolsonaro sobre o desmatamento na Amazônia esmigalhou essas ilusões, feito um pedaço de lixo espacial caindo na cabeça de um transeunte incauto. O cenário se transformou numa versão amarga da parábola do semeador: o plantador de feijões espaciais capaz de engolir qualquer distorção dos fatos para que a floresta dê lugar a capim e soja na Terra.

Caso você tenha andado pelo espaço nos últimos dias, eis um resumo da ópera bufa a que me refiro. O presidente da República disse que os dados de satélite sobre o desmate amazônico, analisados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), seriam exagerados ou falsos, e que o pesquisador Ricardo Galvão, diretor do Inpe, poderia estar a “serviço de alguma ONG.”
“Com toda a devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido”, arrematou Bolsonaro.
É curioso que um egresso do oficialato do Exército aparentemente não entenda matemática básica —os dados do Inpe apontam uma perda de cerca de 20% da área original da mata, o que está muito longe de ser sumiço completo. (“Extinção” a gente usa para espécies, em geral, senhor presidente.) Mas o buraco é muito, muito mais embaixo.
Um dos problemas centrais do atual governo federal é simples: por incapacidade, conveniência ou uma mistura perversa dessas e de outras motivações, Bolsonaro e todos os seus principais apoiadores resolveram jogar o método científico na lata do lixo. Estão tratando a ciência como inimiga, pura e simplesmente.
Alarmismo de jornalista nerd? Pois considere o modus operandi do presidente nesta crise, que repete, quase à perfeição, o empregado em outras polêmicas (sobre drogas, sobre armas, sobre tudo).
Em vez de começar com a análise cuidadosa dos dados da realidade, como requer a ciência, o governo do PSL já vem com a conclusão pronta: eu acho, eu quero, portanto é verdade. Se os fatos me contradizem, pior para os fatos.
Pontes parecia ser uma exceção. No entanto, deu-se ao trabalho de escrever, em nota oficial, que “a contestação de dados, assim como a análise e discussão de hipóteses, são elementos normais e saudáveis do desenvolvimento da ciência”.
E são mesmo —quando o sujeito tira as contestações e as hipóteses de algum lugar real, e não dos recônditos da própria cachola. Foi o que Bolsonaro (“nosso presidente Bolsonaro”, como destacou, subserviente, o ministro) não fez, nem de longe, preferindo chutar, sem base nenhuma, que havia erro ou má-fé nos dados.
O marketing político do bolsonarismo costuma destacar a força da disciplina e da unidade que vem do ambiente militar. Ao bater continência a seu superior sem pestanejar, em vez de recordar a ele os fatos, Pontes esquece que nenhum exército sobrevive à negação da realidade. Não se invade a Rússia no inverno; não se brinca com as bases do ambiente que nos nutre a todos. Os mortos e feridos dessa guerra não serão os bolsonaristas de hoje, mas seus —e nossos— netos.
Reinaldo José Lopes

domingo, 28 de julho de 2019

Agência dos EUA desencoraja em 2016 uso de autenticação em dois fatores por SMS


Agência dos EUA desencoraja uso de autenticação em dois fatores por SMS

Por Redação | 27 de Julho de 2016 às 07h43
O método de verificar a autenticidade do usuário por meio de SMS, utilizado por serviços como Facebook, WhatsApp, Twitter e Google, pode estar com os dias contados. Em um novo documento, o governo dos Estados Unidos alerta sobre vulnerabilidades nesse método de autenticação em dois fatores. O documento é a versão mais recente do

Digital Authentication Guideline

, produzido pelo Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA. Nele, o órgão dá o alerta de que as mensagens SMS podem ser interceptadas ou redirecionadas, o que as tornam vulneráveis a ações criminosas. A autenticação de dois fatores é um método amplamente utilizado por serviços cuja segurança é confiável, sendo usado até mesmo por instituições bancárias. Funciona da seguinte maneira: para confirmar um cadastro, o usuário precisa inserir um código secreto enviado pelo serviço para o número de telefone celular informado no cadastro. O código é recebido por meio de uma mensagem de texto, e hackers podem encontrar maneiras de enganar esse sistema.
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Enquanto alguns invasores usam malwares para infectar os smartphones e redirecionar secretamente as mensagens SMS contendo o código de ativação para outro aparelho (que pode “roubar” o cadastro do usuário tendo posse do código de segurança), outros escolhem praticar outro tipo de crime: passando-se por suas vítimas, o invasor pode pedir para a operadora reenviar as mensagens SMS para outro número. Sendo assim, o órgão norte-americano declarou que esses números de celular conectados a serviços baseados em software, incluindo VoIP, podem ser vulneráveis e deixar em risco a segurança das mensagens SMS do usuário.
No lugar da autenticação em dois fatores via SMS, a agência federal recomenda que as empresas de tecnologia encontrem alternativas mais seguras para o usuário, o que pode incluir enviar os tais códigos por meio de um aplicativo mobile com sistemas próprios de segurança. O Google, por exemplo, já trabalha com um app desse tipo chamado Autenticador, que permite ao usuário escapar das redes telefônicas e gerar um código de segurança diretamente no smartphone a partir do aplicativo.
A partir de agora, nos resta aguardar o posicionamento do mercado com relação a essa proposta do governo dos Estados Unidos, mas a expectativa é que as companhias que utilizam esse método de autenticação optem por alternativas como reconhecimento de impressões digitais, envio de tokens via hardware, entre outros métodos que já vêm sendo desenvolvidos por empresas de cibersegurança.
Fonte: PC World

sábado, 27 de julho de 2019

Tudo dominado: Globo, Record e SBT formam a rede de proteção de Moro e Bolsonaro


Tudo dominado: Globo, Record e SBT formam a rede de proteção de Moro e Bolsonaro

"Globo, Record e SBT deixaram o jornalismo de lado para formar uma rede nacional com noticiário único, pautado somente por seus interesses comerciais e políticos, assim como fizeram durante a última campanha presidencial", avalia o jornalista Ricardo Kotscho, do Jornalistas pela Democracia
Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho e para os Jornalistas pela Democracia
Sábado, 27 de julho de 2019.

O sujeito liga para um Disque-Denúncia qualquer e avisa que um carro está sendo roubado na esquina da casa dele.
Em vez de mandar uma patrulha atrás do ladrão, a polícia resolve investigar o autor da denúncia.
É isso que está acontecendo no Brasil bolsonariano, com essa história rocambolesca dos hackers fajutos de Araraquara, para esconder o que já foi apurado e denunciado pelo The Intercept e outros veículos sobre o modus-operandi do ex-juiz Sergio Moro e seus procuradores amestrados.
Mas essa blindagem só é possível porque as três grandes redes de TV do país formaram uma rede de proteção, que esconde o mais importante _ o conteúdo tóxico dos diálogos de Moro com os procuradores da Lava Jato _ para noticiar à exaustão o modus-operandi dos hackers tabajaras.
Globo, Record e SBT deixaram o jornalismo de lado para formar uma rede nacional com noticiário único, pautado somente por seus interesses comerciais e políticos, assim como fizeram durante a última campanha presidencial.
(Conheça e apoie o projeto Jornalistas pela Democracia)
Varia apenas a forma de manipular as notícias, com as características de cada emissora, mas o resultado é o mesmo.
Record e SBT são mais escrachados. Fazem questão de assumir o papel de porta-vozes do governo e se vangloriam disso.
Já a Globo, como de costume, é mais sofisticada, mais sinuosa, dá um ar de seriedade olímpica aos Bonners do JN, e não perde a chance de publicar editoriais sobre a sua “isenção e imparcialidade”, como se todo mundo fosse idiota.
Daqui a 50 anos, quem sabe, se ainda existir, a Globo vai pedir desculpas ao país, como fez por ter apoiado o golpe de 1964 e a ditadura militar, e escondido a campanha das Diretas Já, em 1964, pela redemocratização do país.
Até lá, muitos de nós já terão morrido e os mais jovens nem se lembrarão do que eles fizeram em 2019, para avacalhar e colocar em risco a jovem democracia brasileira, ameaçada pela ditadura da Lava Jato, de braços dados com o boçalnarismo em marcha.
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A grande farsa só será desmascarada, se nas próximas revelações da Vaza Jato aparecerem os diálogos de Moro e os dallagnois com seus chefes e jornalistas, em que eram acertadas de comum acordo as pautas e as edições.
É esse o grande medo dos empresários da mídia e dos seus profissionais, que para garantir seus empregos foram assessores de imprensa da República de Curitiba, não repórteres.
Sem se importar com nada disso, Silvio Santos acha graça da grande pantomina e até se sente horado por sua rede ser chamada de SBT – Sistema Bolsonariano de Televisão.
A Record do bispo Edir Macedo e sua igreja, apoiadores de primeira hora, só quer saber das verbas oficiais de publicidade do governo, que ajudou a eleger, para investir em novos templos e fiéis, a serviço do seu próprio projeto de poder.
Posso estar enganado, e geralmente estou, mas diante de tanta hipocrisia, omissão e mentira, acho que até os Bonners já estão um pouco incomodados com a desfaçatez do noticiário que são obrigados a ler todas as noites.
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Por mais que se disseminem as redes sociais, a maior parte do eleitorado, que não lê jornais nem tem acesso fácil à internet, ainda se informa pelo Jornal Nacional e suas contrafações mambembes da Record e SBT.
É a desinformação que garante ainda o apoio de um terço da população ao mito Bolsonaro e ao herói Moro, os protagonistas da grande tragédia bufa.
Tenho certeza que milhões de pessoas pelo Brasil afora já não conseguem entender como a polícia está investigando o denunciante do carro roubado e nada informa sobre o ladrão _ no caso, os muitos criminosos que, em nome do combate à corrupção, destruíram empresas e empregos, e faturaram alto com a fama de heróis.
Com a grande mídia (e suas raras exceções), o Judiciário e o Legislativo irmanados na defesa do governo e da Lava Jato, e a oposição batendo cabeça, sem achar o rumo, está tudo dominado.
Por isso, eles têm um grande objetivo em comum: não deixar Lula sair da cadeia tão cedo.
Esse é o grande pavor dos que deram o golpe de 2016 e levaram o país para o fundo do buraco, primeiro com Temer, e agora com o inacreditável capitão Bolsonaro.
Para garantir esse domínio absoluto, danem-se as leis, o Estado de Direito e a Constituição. Vale tudo.
E vida que segue.

“Não vai dar em nada”

Dallagnol soube antes do resultado de investigação sobre suas palestras: “Não vai dar em nada”


26/07/2019 -  Do Intercept Brasil , via Viomundo

Da Redação

As palestras do procurador-chefe da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba estão sob escrutínio.
Na edição da semana passada, o repórter André Barrocal revelou em CartaCapital que a Unimed foi uma das melhores clientes de Deltan Dallagnol e sugeriu que isso poderia ter ligação com o fato de a Lava Jato nunca ter investigado a fundo os convênios médicos, diferentemente do que fez com as empreiteiras.
Pelo mesmo motivo, o setor financeiro teria sido poupado.
A reportagem de hoje do Intercept Brasil vai ao encontro do que Barrocal sugeriu:

‘O RISCO TÁ BEM PAGO RS’
Deltan foi estrela de encontro com bancos e investidores organizado pela XP ‘com compromisso de confidencialidade’
por Andrew Fishman e Leandro Demori, no Intercept
O procurador Deltan Dallagnol foi o destaque de um evento secreto com representantes dos bancos e investidores mais influentes do Brasil e do exterior.
O encontro foi organizado pela XP Investimentos em junho de 2018.
A representante da XP que contactou o coordenador da força-tarefa da Lava Jato prometeu que o bate-papo seria “privado, com compromisso de confidencialidade”, e destacou que já havia feito um evento parecido com o ministro do Supremo Luiz Fux: “não saiu nenhuma nota na imprensa”, garantiu.
Dallagnol aceitou e pediu que a XP conversasse com a agência que organiza os eventos pagos do procurador, a Star Palestras, que acabou coordenando a contratação.
O Intercept já revelou, com base nos chats secretos da Lava Jato, que Deltan Dallagnol disse ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em 2018.
Entre as empresas que pagaram pela presença do procurador, está uma investigada pela própria Lava Jato.
No caso da XP, não está claro se a ida do procurador foi remunerada.
Dallagnol e seus colegas discutiram, no Telegram, o potencial risco para suas imagens ao se sentarem com banqueiros, mas acabaram decidindo que valia a pena.
“Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”, escreveu Dallagnol em um chat privado com seu colega na força-tarefa, o procurador Roberson Pozzobon, em fevereiro de 2018.
Pozzobon pediu um tempo: “Mas de fato é nessa questao dos bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois”.
Reuniões secretas com banqueiros já provocaram polêmicas com vários políticos e funcionários públicos em outros países.
Nos EUA, por exemplo, a recusa de Hillary Clinton em publicar transcrições de seus discursos remunerados para bancos de investimento de Wall Street — e o timing de doações feitas a sua fundação filantrópica — se tornou uma linha de ataque forte e recorrente contra sua campanha fracassada pela presidência em 2016.
Eventualmente, algumas das transcrições foram vazadas e publicadas pelo WikiLeaks.
A prática de palestras remuneradas é vedada por entidades como o Departamento de Justiça dos EUA e o Tribunal Penal Internacional.
Os detalhes sobre o evento com Dallagnol, realizado no dia 13 de junho de 2018 no escritório da XP, em São Paulo, são relatados em conversas privadas que fazem parte do pacote de mensagens que começamos a revelar no último dia 9 de junho.
O material reúne conversas mantidas pelos procuradores da Lava Jato em vários grupos do aplicativo Telegram desde 2014.
O Intercept, junto com a Folha de S.Paulo, revelou este mês um plano de Dallagnol para lucrar com palestras junto com Roberson Pozzobon, contando com a ajuda de suas esposas.
“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, falou Dallagnol em um chat com sua esposa.
O convite da XP Investimentos chegou a Dallagnol via Débora Santos, que se apresenta como “consultora/ analista de política e Judiciário” da empresa.
No começo da conversa, ela diz que é esposa de Eduardo Pelella, que era o chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo Janot quando Procurador-Geral da República.
Antes de trabalhar na XP, Santos era assessora particular do Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.
“Queria te convidar para um bate papo com investidores brasileiros e estrangeiros aqui em SP”, escreveu Santos.
Dallagnol explicou que já tinha um evento agendado com a XP e pediu para Santos entrar em contato com sua secretária, mas mostrou mais interesse após a consultora explicar a natureza do evento.
“Seria um público mais seleto. CEOs e tesoureiros dos grandes bancos brasileiros e internacionais”, ela detalhou.
“Me passa uma lista de quem são?”, pediu Dallagnol.
17 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 18:04:57 – JP Morgan Morgan Stanley Barclays Nomura Goldman Sachs Merrill Lynch Cresit Suisse Deutsche Bank Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered State Street Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland Itaú Bradesco Verde Santander
Santos – 18:06:17 – Esses seriam os convidados. Nem todos comparecem.
Santos – 18:06:36 – Você deve estar agendado para o Expert, uma conferência grande que realizamos em setembro.
Santos – 18:07:42 – Esse bate-papo é privado, com compromisso de confidencialidade, onde o convidado fica à vontade para fazer análises e emitir pareceres sobre os temas em um ambiente mais controlado.
Santos – 18:08:17 – Semana passada recebemos o presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu nenhuma nota na imprensa.
Santos – 18:09:25 – Nem sobre a presença dele na XP.
Santos – 18:09:43 – Assim, já aconteceu com vários personagens importantes do cenário nacional, como você.
XP e Dallagnol não confirmaram os participantes do evento para o Intercept, mas na lista de convidados havia bancos que já foram investigados pela Lava Jato.
Depois da explicação do evento, os dois discutiram a logística e a data:
17 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:06:04 – Mas me esclarece melhor: Vcs têm encontros regulares sem data definida? Ou querem fazer um encontro específico com alguma pauta? O ideal seria eu participar de um encontro que já exista…
18 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 10:33:53 – Fazemos econtros regulares com atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre temas da atualidade. Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e Eleições, por isso estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos negociando data com os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.
Santos – 10:34:49 – Além de integrantes do Judiciário, estivemos nas últimas semanas com algumas lideranças políticas e cientistas políticos.
Santos – 10:35:33 – A reunião com vc se coloca nesse contexto do ciclo de debates sobre eleições, lava jato e conjuntura política em 2018.
Santos – 11:24:14 – A principal diferença entre a conferencia que vc fará em setembro e dessa reunião privada é o tipo de público. Na conferencia ampliada, é um público heteregeneo que compreende o cenário mais amplo, sem aprofundamentos, meio que o que já está nos jornais. O público dessas reuniões privadas é mais qualificado, se aprofunda em conceitos de debates.
O ministro Fux não respondeu ao Intercept. Já os ministros Barroso e Moraes negaram ter participado em eventos do tipo.
Quatro dias depois, Dallagnol perguntou sobre um possível cachê.
22 de maio de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 23:08:33 – Débora, a ida dos Ministros é remunerada como palestra?
Dallagnol – 23:09:01 – Os encontros são convocados então tendo em vista um convidado específico, certo?
Débora Santos – 23:42:49 – Sim, fazem parte de um projeto que vem sendo desenvolvido ao longo do ano, mas são convocadas rodadas para cada convidado
Santos – 23:44:40 – Temos como hábito respeitar a privacidade dos nossos convidados
Dallagnol – 23:55:23 – Opa entendo perfeitamente.
Dallagnol – 23:55:44 – Debora vou pedir para a SUPRIMIDO que me ajuda com essas palestras para falar com Vc.
23 de maio de 2018 – Chat privado
Débora Santos – 00:01:15 – Tudo bem.
Àquela altura, o procurador já sabia muito bem seu valor no mercado de palestras.
Em várias conversas anteriores, Dallagnol discutiu a remuneração de outras figuras públicas – ele queria estabelecer seu próprio preço.
Em um documento intitulado “Projeto palestras.docx”, criado em dezembro de 2015 e editado pela última vez em fevereiro de 2016, Dallagnol anotou três conversas relevantes:
Sobre as palestras pagas:
– SUPRIMIDO do Markets Group: Com certeza, Dr Dallagnol. Na verdade, quase todas as autoridades cobram para dar palestra. O Joaquim Barbosa, por exemplo, cobra 70 mil reais por palestra. O FHC, 360 mil. Se eles cobram, é porque tem quem pague. Pedro Malan, Mailson da Nobrega… Por ai vai. Empresas como a minha não pagam palestrantes, pois organizar conferências é a nossa atividade-fim. Mas sei que investment banks costumam trazer palestrantes de peso para falar para investidores e costumam pagar por isso.
– SUPRIMIDO da Star: FHC cobraria cento e poucos mil; Joaquim Barbosa, 99 mil. Ricardo Amorim, 34.600. Uma iniciante que está com ela, 6 mil.
– Orlando: colega do MP que participou do CDC viajou fazendo muitas palestras, cobrando por isso.
A XP se recusou a confirmar a existência do evento secreto ou de pagamentos a Dallagnol por sua participação.
A Star Palestras, que agencia os eventos do procurador, respondeu que os dados sobre clientes são privados e “por isso não fornecemos informações”.
Ainda afirmou que “se conduz em sua atividade segundo a lei e a ética”.
Mas é certo que o evento secreto aconteceu. Com a aprovação da XP, Dallagnol levou um integrante da Transparência Internacional.
A organização, que se descreve como “dedicada à luta contra a corrupção”, juntou-se aos procuradores da força-tarefa para criar as “Novas Medidas contra a Corrupção”, e confirmou que Guilherme Donega, consultor do Programa de Integridade em Mercados Emergentes, esteve presente e falou sobre a iniciativa.
Perguntado sobre o conflito ético de reuniões privadas de procuradores – possivelmente remuneradas – com bancos, a Transparência Internacional respondeu que “devem ser evitadas atividades de qualquer tipo – mesmo as privadas – que possam comprometer a integridade, equidade e imparcialidade necessárias à função que exercem”.
“Em caso de dúvida, recomenda-se que esta seja levada a um órgão competente para um parecer prévio”, acrescentou a entidade, que informou ainda que Donega não foi remunerado por sua participação.
Um ano antes do encontro secreto com grandes investidores, Dallagnol já tinha dado uma palestra numa conferência da XP Investimentos.
Ele recebeu R$ 33.250. O evento aconteceu quando as palestras do procurador já eram foco de muito escrutínio da imprensa e do próprio Ministério Público.
A preocupação, à época, era tanta que um assessor sugeriu que seria uma boa ideia barrar a imprensa dos eventos em São Paulo e no Rio:
15 de junho de 2017 – Chat privado
Assessor 1 – 00:21:06 – na verdade, não sei se é uma boa ideia a imprensa cobrir estas palestras em SP ou no Rio. acho que vale a pena qdo é em cidades cuja imprensa não costuma ter acesso a vcs. mas em SP e Rio o risco de uma cobertura mais “crítica” é maior.
Assessor 1 – 00:21:24 – não achei ruim, mas não foi tão positivo assim.
Deltan Dallagnol – 00:21:25 – pois é, a ideia era não ter
Dallagnol – 00:21:32 – acho que eles se infiltraram
Dallagnol – 00:21:49 – alguém até perguntou: como conseguiram credenciais?
Dallagnol – 00:21:59 – na XP, na próxima semana, deve ter o mesmo problema
Assessor 1 – 00:22:12 – uai… Assessor 2 disse que a imprensa ia cobrir, entendi que tinha sido combinado com a assessoria do evento.
Assessor 1 – 00:24:19 – a assessoria deles pode barrar, se quiser. mas eles capitalizam os eventos com vc, então é difícil. um congresso como o de hj não teria espaço na Folha, no Globo e no Valor se vc não tivesse participado.
Dias depois, a corregedoria do Ministério Público abriu uma investigação após a imprensa descobrir que uma agência estava pedindo até R$ 40 mil por palestras do procurador. Ele afirmou que recebeu R$ 219 mil por eventos no ano anterior.
A Associação Nacional de Procuradores da República soltou uma nota em defesa de Dallagnol.
O que não se sabia, até agora, e que os chats da Vaza Jato revelam, é que o próprio Dallagnol editou e aprovou a nota em apoio a si mesmo antes da publicação.
O procurador debateu o texto em conversas privadas com a procuradora e diretora cultural da ANPR, Lívia Tinoco.
Além de mandar a nota para aprovação de Deltan, Tinoco repassou informações de bastidores para o procurador, antecipando o resultado da investigação contra ele: “não vai dar em nada”.
23 de junho de 2017 – Chat privado
Lívia Tinoco – 15:56:21 – Deltan
Tinoco – 15:56:43 – Ja recebeu a nota da ANPR sobre a questão das palestras remuneradas ?
Tinoco – 15:56:51 – Aprova aí pra gente soltar
Tinoco – 15:57:40 – Peço sigilo a vc, mas a ANPR conversou com Hindemburgo que concorda não haver qualquer problema com as palestras remuneradas
Deltan Dallagnol – 15:57:51 – NÃO VI
Tinoco – 15:57:56 – Com certeza a coisa vai bater na corregedoria do MPF
Dallagnol – 15:57:58 – ótimo, boa notícia
Dallagnol – 15:58:05 – CNMP mandou pra corregedoria
Tinoco – 15:58:05 – E não vai dar em nada
Tinoco – 15:58:09 – Ele vai arquivar
Tinoco – 15:58:19 – Por favor, não comente isso
Dallagnol – 15:58:26 – claro, obrigado
Tinoco – 15:58:27 – Só para te tranquilizar
Dallagnol – 15:58:32 – obrigado Livia
Tinoco – 15:58:33 – Vou mandar a nota agora
Tinoco – 15:58:36 – Espere aí.
Tinoco estava certa: a investigação sobre a comercialização das palestras de Dallagnol foi arquivada menos de dois meses depois.
A ANPR e a corregedoria não comentaram esta reportagem.
À época, Dallagnol passou várias horas conversando com seus assessores de comunicação para tentar conter os danos públicos à sua reputação causados pelas palestras.
Ele queria criar uma estratégia para responder aos jornalistas, mas parecia não entender exatamente os riscos da decisão.
Os assessores conseguiram convencê-lo a não responder aos críticos nas redes.
O procurador queria postar uma mensagem em que deixava claro que fazia “o que quiser com o dinheiro das minhas palestras”.
Indignado com o que chamou de “acusações absurdas”, Dallagnol desafiava os políticos críticos a ele a mostrar que doavam “para a sociedade seu dinheiro”, como ele afirmava fazer, em vez de “drenar recursos públicos”.
Terminou: “Então, podemos começar a conversar”.
20 de junho de 2017 – Chat DD-Assessor2-Assessor1
Deltan Dallagnol – 12:33:07 – Mas por que a polêmica sobre isso é ruim?
Dallagnol – 12:33:26 – Vai reforçar coisa boa
Assessor 1 – 12:34:20 – não vai, esse é que é o problema. o que chama a atenção é o negativo, não o positivo.
Assessor 1 – 12:34:56 – Lula não pode dar palestra, procurador que ganha super salário pode…
Assessor 1 – 12:35:32 – procurador fatura e ainda tenta posar de bom moço…
Em nenhum momento nos chats Dallagnol cogitou parar de receber para palestrar.
Apesar das críticas, da investigação na corregedoria, das matérias jornalísticas e do risco à sua reputação relatado pela assessoria, Dallagnol e seus colegas continuavam empolgados com a perspectiva de novas palestras remuneradas.
Em fevereiro de 2018, – depois da palestra pública na XP e antes do encontro secreto com os bancos – o procurador relatou a Roberson Pozzobon um novo convite da XP e pareceu se importar pouco com as considerações éticas e as consequências para sua imagem.
8 de fevereiro de 2018 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 15:51:25 – Robito, recebemos o seguinte convite: A XP Investimentos quer você de novo este ano mas quer fazer uma painel com você, Dr. Carlos Fernando, Diogoe Robinho. Querem os 4. Alguém da XP irá fazer perguntas. Não é show??? Vocês fariam isso, certo? Eu fiquei super animada, acho que vai ser o melhor painel EVER! Temos que ver uma data entre 20 e 22 de setembro. Me fala o que vc acha, por favor? Pra Vc ofereceram 25.000. Tem risco de imagem, mas CF e eu achamos que dá pra irmos, apesar do risco.
Roberson Pozzobon – 16:28:37 – Castor também achou que nao há risco, Delta?
Dallagnol – 16:58:41 – castor respondeu: “vou ficar rico”
Dallagnol – 16:58:54 – Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs.
Dallagnol – 16:59:16 – Cara, olho o quanto apanho publicamente. Uma a mais não vai fazer diferença rs.
Dallagnol – 16:59:21 – (pra mim)
Dallagnol – 16:59:30 – Não sendo nada errado…
Dallagnol – 17:02:41 – Ah, CF acha que tem mais risco no caso de Vc e Júlio, que estão sentando com os bancos
Dallagnol – 17:02:58 – Podemos conversar sobre isso depois, se quiser, mas gostaria de dar resposta, se possível, até amanhã
Pozzobon – 17:37:15 – kkkkkkk
Pozzobon – 17:37:34 – Beleza!
Pozzobon – 17:37:48 – Vamos conversar sim
Pozzobon – 17:39:09 – Não vejo diferença, pois o procedimento é da FT
Pozzobon – 17:40:03 – Mas de fato é nessa questao dos bancos que a coisa é mais sensível mesmo. Vamos conversar com calma depois
Pozzobon e Dallagnol aceitaram o convite e participaram do evento ao lado dos colegas Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos.
A força-tarefa da Lava Jato não comentou o conteúdo da reportagem e enviou sua resposta padrão: “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes”, que “pautam sua conduta pela lei e pela ética”.
Ironicamente, palestras remuneradas constituíram uma peça central no argumento da força-tarefa, sob o comando de Dallagnol, para a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na sua decisão autorizando a quebra, o então juiz Sergio Moro escreveu que os valores altos — mesmo sem indício de crime — eram suficientes para criar “dúvidas” e justificar a investigação: “Não se pode concluir pela ilicitude dessas transferências, mas é forçoso reconhecer que tratam-se de valores vultosos para doações e palestras, o que, no contexto do esquema criminoso da Petrobras, gera dúvidas sobre a generosidade das aludidas empresas e autoriza pelo menos o aprofundamento das investigações.”
As palestras de Lula também geraram bastante atenção da imprensa.
O código de ética do Ministério Público brasileiro é mais ameno do que o de muitos de seus pares estrangeiros.
O Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional, por exemplo, veda a seus membros “aceitar remuneração de qualquer fonte externa para qualquer publicação, palestra externa ou outro ato que esteja relacionado aos propósitos, atividades ou interesses da Corte, como taxa de palestras, honorário ou outro abono”.
O Departamento de Justiça dos EUA também proíbe este tipo de atuação por parte de seus procuradores e outros funcionários:
“Geralmente, um funcionário não pode ser [financeiramente] recompensado por falas ou textos que se relacionem com seus deveres oficiais. Um assunto se relaciona com as funções oficiais de um funcionário se uma parte significativa trata de um tema que foi atribuído ao empregado atualmente designado ou no último ano; qualquer política, programa ou operação em curso ou anunciada do Departamento…”
O Departamento de Justiça também estipula que “um funcionário é proibido de participar de qualquer assunto em que tenha interesse financeiro”.
Na sua primeira palestra para a XP sobre “ética e Lava Jato”, Dallagnol brincou abertamente sobre o fato de possuir ações da Petrobras e do BTG Pactual na Bolsa.
Essas regulações internacionais existem não apenas para diminuir o risco de corrupção nas entidades, mas — de igual importância — para evitar a possibilidade de percepção de corrupção. “A percepção pública da ética dos funcionários públicos é extremamente importante”, explica um livro didático sobre corrupção global endossado pela ONU e pela Transparência Internacional. “Se o público acreditar, mesmo que erroneamente, que os funcionários públicos são antiéticos, as instituições democráticas sofrerão com a erosão da confiança pública.”
A ombudsman do Banco Central da Europa pediu no ano passado que os líderes da instituição parassem de participar de encontros fechados com grandes bancos privados.
Ela argumentou que a nova medida “inegavelmente ajudaria a reforçar a confiança do público no BCE”.
Ao criar regras rígidas, as instituições evitam situações em que seus funcionários possam ser tentados a flexibilizar normas éticas, mesmo que violações flagrantes não ocorram.
Além disso, tentam impedir que a população enxergue funcionários públicos como pessoas de valores “flexíveis”, a depender do pagamento.
Em alguns casos, Dallagnol e sua equipe claramente se mostraram cientes de potenciais armadilhas éticas em trabalhos remunerados por terceiros e tentaram evitar aceitar dinheiro de entidades que estavam sob investigação da Lava Jato.
26 de março de 2019 – Chat Incendiários ROJ
Deltan Dallagnol – 01:10:37 – Caros, imagino que não esteja no radar pq nca ouvi falar, mas melhor garantir. O Banco Pan está no radar pra algo? Eles entraram em contato com a Fernanda da Star pedindo palestra pra semana de compliance deles
Dallagnol – 01:11:30 – Se não estiver, vou fazer, como fizemos tb na XP… agora se estiver no radar, não
Júlio Noronha – 05:29:04 – Não está no radar. Mande ver
Mas o conceito de “influência” pode ser mais difuso.
Em novembro de 2017, um assessor de comunicação de Dallagnol avisou que havia chegado “um pedido da Federação Nacional dos Combustíveis para fazer uma entrevista”, mas acrescentou que a publicação era pequena: “Não tem repercussão, seria mais para “ganhar ? ? pontos com o pessoal do setor, se interessar.”
Dallagnol respondeu: “to na dúvida se vale a pena falar algo”, e continuou: “É que fiz palestra pra eles. Eles mandaram uma lista enorme de perguntas. Pedi pra mandarem 3 ou 4 que respondo rs”. A entrevista, aparentemente, não aconteceu.
Após a palestra secreta na XP Investimentos, seu contato com a empresa, Débora Santos, enviou uma série de perguntas em off para Dallagnol, aproveitando o relacionamento estreitado no encontro.
“Olá, Deltan. Uma ajuda. Em off total, como vc avalia a decisão do Supremo de proibir as conduções coercitivas?”, perguntou Santos em 14 de junho de 2018. Deltan respondeu, cauteloso: “postei no tt de madrugada até… atacando pilares da LJ… como Fachin colocou, esse papo de garantias individuais é um discurso pra proteger oligarquias. Coisa de capitalismo de compadrio”.
Em fevereiro de 2019, a contratante fez uma outra pergunta no Telegram: “Oi Deltan. Tudo bom. Em off, quais as impressões de vcs sobre o novo juiz da LJ? Pode embarreirar os trabalhos? Vcs já se conheciam?” A XP parecia querer cobrar a conta, buscando acesso privilegiado junto ao procurador. Dallagnol, desta vez, não respondeu.
No mesmo documento em que anotara, anos atrás, os valores de palestras cobrados por figurões da República, Dallagnol mapeou os “próximos passos” de sua carreira de palestrante e escreveu uma nota para si mesmo.
Ele registrou: “Acho que onde eu posso agregar hoje é treinamento em setor de compliance e eventualmente ética empresarial, mas precisaria estudar mais ética… complicado.” O estudo não teria feito mal.

Conexão Curitiba: uma hipótese muito provável



Conexão Curitiba: uma hipótese muito provável

Agora, todas as peças parecem se encaixar. Como a descoberta do pré-sal, em meio a uma guinada estratégica à direita, nos EUA, colocou o Brasil no centro da “guerra híbrida” e criou as condições para o atual cenário de horrores
É comum falar de “teoria da conspiração”, toda vez que alguém revela ou denuncia práticas ou articulações políticas “irregulares”, ocultas do grande público, e que só são conhecidas pelos insiders, ou pelas pessoas mais bem informadas. E quase sempre que se usa esta expressão, é com o objetivo de desqualificar a denúncia que foi feita, ou a própria pessoa que tornou público o que era para ficar escondido, na sombra ou no esquecimento da história. Mas de fato, em termos mais rigorosos, não existe nenhuma “teoria da conspiração”. O que existem são “teorias do poder”, e “conspiração” é apenas uma das práticas mais comuns e necessárias de quem participa da luta política diária pelo próprio poder. Esta distinção conceitual é muito importante para quem se proponha analisar a conjuntura política nacional ou internacional, sem receio de ser acusada de “conspiracionista”. E é um ponto de partida fundamental para a pesquisa que estamos nos propondo fazer sobre qual tenha sido o verdadeiro papel do governo norte-americano no golpe de Estado de 2015/2016, e na eleição do “capitão Bolsonaro”, em 2018. Neste caso, não há como não seguir a trilha da chamada “conspiração”, que culminou com a ruptura institucional e a mudança do governo brasileiro. E nossa hipótese preliminar é que a história desta conspiração começou na primeira década do século XXI, durante o “mandarinato” do vice-presidente americano, Dick Cheney, apesar de que ela tenha adquirido uma outra direção e velocidade a partir da posse de Donald Trump, e da formulação da sua nova “estratégia de segurança nacional”, em dezembro de 2017.
No início houve surpresa, mas hoje todos já entenderam que essa nova estratégia abandonou os antigos parâmetros ideológicos e morais da política externa dos Estados Unidos, de defesa da democracia, dos direitos humanos e do desenvolvimento econômico, e assumiu de forma explícita o projeto de construção de um império militar global, com a fragmentação e multiplicação dos conflitos, e a utilização de várias formas de intervenção externa, nos países que se transformam em alvos dos norte-americanos. Seja através da manipulação inconsciente dos eleitores e da vontade política dessas sociedades; seja através de novas formas “constitucionais” de golpes de Estado; seja através sanções econômicas cada vez mais extensas e letais, capazes de paralisar e destruir a economia nacional dos países atingidos; seja, finalmente, através das chamadas “guerras híbridas” que visam destruir a vontade política do adversário, utilizando-se da informação mais do que da força, das sanções mais do que dos bombardeios, e da desmoralização intelectual dos opositores mais do que da tortura.
Desse ponto de vista, é interessante acompanhar e evolução dessas propostas nos próprios documentos norte-americanos, nos quais são definidos os objetivos estratégicos do país e as suas principais formas de ação. Assim, por exemplo, no Manual de Treinamento das Forças Especiais Americanas Preparadas para Guerras Não-Convencionais, publicado pelo Pentágono em 2010, já está dito explicitamente que “o objetivo dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças internas de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos”. Com o reconhecimento de que “em um futuro não muito distante, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregulares”1. Uma orientação que foi explicitada, de maneira ainda mais clara, no documento no qual se define, pela primeira vez, a nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA do governo de Donald Trump, em dezembro de 2017. Ali se pode ler, com todas as letras, que o “combate à corrupção” deve ter lugar central na desestabilização dos governos dos países que sejam “competidores” ou “inimigos” dos Estados Unidos2. Uma proposta que foi detalhada no novo documento sobre a Estratégia de Defesa Nacional dos EUA, publicado em 2018, em que se pode ler que “uma nova modalidade de conflito não armado tem tido presença cada vez mais intensa no cenário internacional, com o uso de práticas econômicas predatórias, rebeliões sociais, cyber-ataques, fake news, métodos anticorrupção3”.
É importante destacar que nenhum desses documentos deixa a menor dúvida de que todas estas novas formas de “guerra não convencional” devem ser utilizadas – prioritariamente – contra os Estados e as empresas que desafiem ou ameacem os objetivos estratégicos dos EUA.
Agora bem, neste ponto da nossa pesquisa, cabe formular a pergunta fundamental: quando foi – na história recente – que o Brasil entrou no radar dessas novas normas de segurança e defesa dos EUA? E aqui não há dúvida de que cabem muitos fatos e decisões que foram tomadas pelo Brasil, sobretudo depois de 2003, como foi o caso da sua política externa soberana, da sua liderança autônoma do processo de integração sul-americano, ou mesmo, da participação no bloco econômico do BRICS, liderado pela China. Mas não há a menor dúvida de que a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, em 2006, foi o momento decisivo em que o Brasil mudou de posição na agenda geopolítica dos Estados Unidos. Basta ler o Blueprint for a Secure Energy Future, publicado em 2011, pelo governo de Barack Obama, para ver que naquele momento o Brasil já ocupava posição de destaque em 3 das 7 prioridades estratégicas da política energética norte-americana: (i) como uma fonte de experiência para a produção de biocombustíveis; (ii) como um parceiro fundamental para a exploração e produção de petróleo em águas profundas; (iii) como um território estratégico para a prospecção do Atlântico Sul4.
A partir daí, não é difícil rastrear e conectar alguns acontecimentos, sobretudo a partir do momento em que o governo brasileiro promulgou – em 2003 – sua nova política de proteção dos produtores nacionais de equipamentos, com relação aos antigos fornecedores estrangeiros da Petrobras, como era o caso, por exemplo, da empresa norte-americana Halliburton, a maior empresa mundial em serviços em campos de petróleo, e uma das principais fornecedoras internacionais das sondas e plataformas marítimas, e que havia sido dirigida, até o anos 2000, pelo mesmo Dick Cheney que viria a ser o vice-presidente mais poderoso da história dos Estados Unidos, entre 2001 e 2009. A Odebrecht, a OAS e outras grandes empresas brasileiras entram nessa história, a partir de 2003, exatamente no lugar dessas grandes fornecedoras internacionais que perderam seu lugar no mercado brasileiro. Cabendo lembrar aqui que a complexa negociação entre a Halliburton e a Petrobrás5, em torno à compra e entrega das plataformas P43 e P48, envolvendo 2,5 bilhões de dólares6, começou na gestão de Dick Cheney e se estendeu até 2003/4, com a participação do Gerente de Serviços da Petrobrás na época, Pedro José Barusco, que se transformaria depois no primeiro delator conhecido da Operação Lava-Jato7.
Nesse ponto, aliás, seria sempre muito bom lembrar a famosa tese de Fernand Braudel, o maior historiador econômico do século XX, de que “o capitalismo é o antimercado”, ou seja, um sistema econômico que acumula riqueza através da conquista e preservação de monopólios, utilizando-se de todo e qualquer meio que esteja ao seu alcance. Ou ainda, traduzindo em miúdos o argumento de Braudel: o capitalismo não é uma organização ética nem religiosa, e não tem nenhum compromisso com qualquer tipo de moral privada ou pública que não seja a da multiplicação dos lucros e a da expansão contínua dos seus mercados. E isto é que se pode observar, mais do que em qualquer outro lugar, no mundo selvagem da indústria mundial do petróleo, desde o início de sua exploração comercial do petróleo, desde a descoberta do seu primeiro poço pelo “coronel” E. L. Drake, na Pensilvânia, em 1859.
Agora bem, voltando ao eixo central da nossa pesquisa e do nosso argumento, é bom lembrar que este mesmo Dick Cheney que vinha do mundo do petróleo, e teve papel decisivo como vice-presidente de George W. Bush, foi quem concebeu e iniciou a chamada “guerra ao terrorismo”, conseguindo o consentimento do Congresso norte-americano para iniciar novas guerras, mesmo sem aprovação prévia do parlamento; e o que é mais importante, para nossos efeitos, conseguiu aprovar o direito de acesso a todas as operações financeiras do sistema bancário mundial, praticamente sem restrições, incluindo o velho segredo bancário suíço, e o sistema e pagamento europeus, o SWIFT.
Por isso, aliás, não é absurdo pensar que tenha sido por esse caminho que o Departamento de Justiça norte-americano tenha tido acesso às informações financeiras que depois foram repassadas às autoridades locais dos países que os Estados Unidos se propuseram a desestabilizar com campanhas seletivas “contra a corrupção”. No caso brasileiro, pelo menos, foi depois desses acontecimentos que ocorreu o assalto e o furto de informações geológicas sigilosas e estratégicas da Petrobras, no ano de 2008, exatamente dois anos depois da descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal brasileiro, no mesmo ano em que os EUA reativaram sua IV Frota Naval de monitoramento do Atlântico Sul. E foi no ano seguinte, em 2009, que começou o intercâmbio entre o Departamento de Justiça dos EUA e integrantes do Judiciário, do MP e da PF brasileira para tratar de temas ligados à lavagem de dinheiro e “combate à corrupção”, num encontro que resultou na iniciativa de cooperação denominada Bridge Project, da qual participou o então juiz Sérgio Moro.
Mais à frente, em 2010, a Chevron negociou sigilosamente, com um dos candidatos à eleição presidencial brasileira, mudanças no marco regulatório do pré-sal, numa “conspiração” que veio à tona com os vazamentos da Wikileaks, e que acabou se transformando num projeto apresentado e aprovado pelo Senado brasileiro. E três anos depois, em 2013, soube-se que a presidência da República, ministros de Estado e dirigentes da Petrobras vinham sendo alvo, havia muito tempo, de grampo e espionagem, como revelaram as denúncias de Edward Snowden. No mesmo ano em que a embaixadora dos EUA que acompanhou o golpe de Estado do Paraguai contra o presidente Fernando Lugo foi deslocada para a embaixada do Brasil. E foi exatamente depois desta mudança diplomática, no ano de 2014, que começou a Operação Lava Jato, que tomou a instigante decisão de investigar as propinas pagas aos diretores da Petrobrás, exatamente a partir de 2003, deixando fora portanto os antigos fornecedores internacionais, no momento exato em que concluíam as negociações da empresa com a Halliburton, em torno da entrega das plataformas P 43 e P48.
Se todos estes dados estiverem corretamente conectados, e nossa hipótese for verossímil, não é de estranhar que depois de cinco anos do início desta “Operação Lava-Jato”, os vazamentos divulgados pelo site The Intercept Brasil, dando notícias da parcialidade dos procuradores, e do principal juiz envolvido nessa operação, tenham provocado uma reação repentina e extemporânea dos principais acusados desta história que se homiziaram, praticamente, nos Estados Unidos. Provavelmente, em busca das instruções e informações que lhe permitissem sair das cordas, e voltar a fazer com seus novos acusadores o que sempre fizeram no passado, utilizando-se de informações repassadas para destruir seus adversários políticos. Entretanto, o pânico do ex-juiz e seu despreparo para enfrentar a nova situação fizeram-no comportar-se de forma atabalhoada, pedindo licença ministerial e viajando uma segunda vez para os Estados Unidos, e com isto tornou público o seu lugar na cadeia de comando de uma operação que tudo indica que possa ter sido a única operação de intervenção internacional bem-sucedida – até agora – da dupla John Bolton e Mike Pompeu, os dois “homens-bomba” que comandam a política externa do governo de Donald Trump. Uma operação tutelada pelos norte-americanos e avalizada pelos militares brasileiros.
Por isso, se nossa hipótese estiver correta, não há a menor possibilidade de que as pessoas envolvidas neste escândalo sejam denunciadas e julgadas com imparcialidade, porque todos os envolvidos sempre tiveram pleno conhecimento e sempre aprovaram as práticas ilegais do ex-juiz e de seu “procurador-assistente”, práticas que foram decisivas para a instalação do capitão Bolsonaro na Presidência da República. O único que lhes incomoda neste momento é o fato de que sua “conspiração” tenha se tornado pública, e que todos tenham entendido quem é o verdadeiro poder que está por trás dos chamados “Beatos de Curitiba”.
1 U.S. Department of the Army. U.S.Army Special Forces Unconventional Warfare Training Manual. Headquarters, Washington D.C., 2010. Disponível em: https://publicintelligence.net/u-s-army-special-forces-unconventional-warfare-training-manual-november-2010. Acessado em 22/07/2019.
2 U.S. Department of Defense. National Security Strategy, Washington D.C., 2017. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-2017-0905.pdf. Acessado em 22/07/2019.
3 U.S. Department of Defense. National Defense Strategy, Washington D.C., 2018. Disponível em: https://dod.defense.gov/Portals/1/Documents/pubs/2018-National-Defense-Strategy-Summary.pdf Acessado em 22/07/2019.
4 U.S. Department of Energy. Blueprint for a Secure Energy Future, Washington D.C., 2011. Disponível em: https://obamawhitehouse.archives.gov/issues/blueprint-secure-energy-future. Acessado em 22/07/019.
5 “Petrobrás fecha negócio bilionário com Halliburton, www.dci.com.br, 20/04/04.
6 “Os laços Petrobrás Halliburton”, 25/02/2004, www.istoedinheiro.com.br.
7 “Veja na íntegra a delação premiada de Pedro Barusco”, https://poliitca.estadao.com.br, 05/02/2015

Portaria sobre deportação viola Constituição, diz Defensoria Pública da União



Portaria sobre deportação viola Constituição, diz Defensoria Pública da União

Segundo instituição, a expressão 'pessoa perigosa' usada no documento de Moro remete às 'lembranças autoritárias' do direito migratório brasileiro


Fábio Pupo
Brasília
A Defensoria Pública da União (DPU) elaborou uma nota técnica em que afirma que a portaria publicada nesta semana pelo ministro Sergio Moro (da Justiça e Segurança Pública) sobre a deportação de "pessoa perigosa" viola a Constituição e legislações sobre o direito migratório.
A análise, feita por coordenadores da DPU, afirma que a portaria 666/2019 fere diversos dispositivos da Constituição, da Lei de Migração (13.445/2017) e da Lei do Refúgio (9.474/1997). Segundo o texto, ficam prejudicados em especial a garantia do devido processo legal no âmbito migratório, o contraditório e a ampla defesa.
A portaria de Moro foi publicada no Diário Oficial da União na sexta-feira (26). O texto estabelece um rito sumário de deportação de estrangeiros considerados "perigosos" ou que tenham praticado ato "contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal".

A norma também trata de casos de impedimento de ingresso ao Brasil e de repatriação.
Segundo a portaria do Ministério da Justiça, que recebeu o número 666, ficam sujeitos ao rito sumário estrangeiros suspeitos de terrorismo, de integrar grupo criminoso organizado ou organização criminosa armada, e suspeitos de terem traficado drogas, pessoas ou armas de fogo.
A norma também se aplica a suspeitos de pornografia ou exploração sexual infantojuvenil e torcedores com histórico de violência em estádios.
Os técnicos da DPU criticam o uso da expressão "pessoa perigosa" por considerar que ela abre um rol amplo de hipóteses. Na visão deles, o trecho "remete às piores lembranças autoritárias do direito migratório brasileiro e ao já revogado Estatuto do Estrangeiro", da década de 1980.
O documento chama atenção para o fato de a portaria criar um novo mecanismo no direito migratório chamado de "deportação sumária". Os técnicos afirmam que o instituto não existe no ordenamento brasileiro e permitirá, com base em portaria ministerial, que qualquer imigrante esteja sob risco de ser deportado a qualquer momento "sob alegações genéricas de periculosidade, por meio de um processo administrativo materialmente inexistente, sem a adequada possibilidade de defesa e produção de prova e sem qualquer vinculação com a regularidade, ou não, de sua situação migratória no país".
Outro alerta é sobre o enquadramento pelo texto de pessoas que são apenas consideradas suspeitas. Para os técnicos, isso fere o devido processo legal e o princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade previsto na Constituição. Além disso, o documento afirma que a Lei de Migração é taxativa ao falar apenas de atos praticados (e não de casos sob suspeita).
A análise também conclui que o prazo de 48 horas para a defesa é curto e resultado da adoção de um entendimento sobre migrações não mais acolhido no Brasil principalmente após a edição da Lei da Migração.
"Conforme toda a literatura jurídica brasileira e sob qualquer compreensão, por mais draconiana que seja, da extensão das garantias processuais, a defesa abrange não apenas a elaboração de uma petição, mas a produção de provas, análise de documentos, perícias, oitivas e, como parece óbvio, o necessário depoimento da parte sob ameaça de sanção", diz o documento, afirmando que as garantias estão na Constituição e na lei do processo administrativo.
"O problema que se detecta é o conteúdo extremamente nocivo da portaria sob comento, que viola os padrões mínimos de devido processo legal segundo a legislação brasileira e os parâmetros internacionais de direitos humanos e traz um grave retrocesso frente ao trabalho construído pelo Estado brasileiro, ao longo de anos, para a consolidação dos direitos de não-nacionais em seu território", afirma o texto da DPU.
A DPU também entende que a portaria viola a Constituição por determinar a restrição da publicidade sobre as decisões de deportação ou impedimento de entrada que pudessem vir a ser tomadas.
De acordo com a análise, isso pode prejudicar a defesa do indivíduo afetado pela medida. "Como exercer qualquer defesa, se não há acesso àquilo que é passível desse exercício?", afirmam os técnicos da DPU. "O sigilo deve ser exclusivamente externo ao sujeito do processo", completam.
Os técnicos lembram ainda que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 14 que assegura ao defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados em procedimento investigatório que digam respeito ao exercício do direito de defesa.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

E agora, Brasil?



Boaventura: E agora, Brasil?

A frágil democracia brasileira está desvanecida, mas podemos salvá-la. É hora de trocar o fatalismo pela indignação ativa. Deter avanço da ultradireita exigirá reinventar a participação popular e apostar nas fissuras republicanas do sistema

Por Boaventura de Sousa Santos
As palavras que mais ocorrem são estupefação e perplexidade. O governo brasileiro caiu no abismo do absurdo, na banalização total do insulto e da agressão, no atropelo primário às regras mínimas de convivência democrática, para já não falar das leis e da Constituição, na destilação do ódio e da negatividade como única arma política. Todos os dias somos bombardeados com notícias e comentários que parecem vir de uma cloaca ideológica que acumulou ranço e decomposição durante anos ou séculos e agora exala o mais nauseabundo e pestilento fedor como se fosse o perfume da novidade e da inocência. Tudo isto causa estupefacção em quem se recusa a ver normalidade na normalização do absurdo. A perplexidade decorre de outra verificação, não menos surpreendente: a aparente apatia da sociedade civil, dos partidos democráticos, dos movimentos sociais, enfim, de todos os que se sentem agredidos por tamanho desconchavo. Dá mesmo a impressão que a insistência e o desmando da insolência têm o efeito de um gás paralisante. É como se a nossa casa estivesse a ser roubada e nos escondêssemos num canto com medo de que o ladrão, se nos visse, se sentisse provocado e, além dos nossos bens, nos levasse também a vida.
Como um país é mais que um conjunto de cidadãos estupefatos e perplexos, e como em política a fatalidade não existe, há que passar da estupefação e da perplexidade à indignação ativa e à resposta organizada e consistente em nome de uma alternativa realisticamente possível. Para isso, há que dar resposta a duas perguntas principais. Como foi tudo isto possível? Com que forças políticas e de que modo se pode organizar uma resposta democrática que ponha travão a esta vertigem e retome o caminho democratizante do passado recente sem cometer os erros em que este incorreu?
Como aconteceu? A reflexão a este respeito deverá sempre tomar em conta os fatores internos e geoestratégicos. As razões que levaram à ditadura entre 1964 e 1985 não foram superadas com o regresso à democracia. O pacto com os ditadores não permitiu julgar o terrorismo de Estado por eles praticado, exigiu a continuidade (e até o aprofundamento) do modelo capitalista neoliberal, não resolveu a questão da concentração de terra e antes a agravou, permitiu às elites patrimonialistas que passassem a servir-se da democracia como antes se tinham servido da ditadura. A Constituição de 1988 contém uma profunda vocação democratizante que nunca foi levada a sério pelas elites. A continuidade ocorreu igualmente no campo dos alinhamentos geoestratégicos. É conhecida a intervenção dos EUA no golpe de 1964 e a tutela imperial não abrandou com a transição democrática. Apenas mudou de discurso e de tática. Organizações internacionais ditas da sociedade civil, formação de “jovens líderes”, “promoção” de um sistema judicial conservador e igrejas evangélicas foram os veículos privilegiados para travar a politização das desigualdades sociais provocados pelo neoliberalismo. Neste domínio, o longo papado de João Paulo II (1978-2005) teve um papel decisivo. Liquidou o potencial emancipatório da teologia de libertação e permitiu que o vazio fosse ocupado nas periferias pobres pela teologia da prosperidade, hoje dominante. A receita neoliberal foi aplicada no subcontinente com particular dureza nos anos de 1990. Suscitou movimentos de resistência que na década de 2000 permitiram a chegada ao poder de governo de partidos de esquerda, no caso do Brasil sempre em coligação com partidos de direita. Este fato coincidiu (não por coincidência) com a desatenção momentânea do império, atolado no pântano do Iraque a partir de 2003.
As lições a tirar deste período são as seguintes. A esquerda inebriou-se com o poder de governo e confundiu-o com o poder social e econômico que nunca teve. O Fórum Social Mundial, de que fui um dos animadores desde a primeira hora, criou a ilusão de uma forte mobilização política de base. Tinham razão os que cedo alertaram para o fato de o predomínio das ONGs no FSM estar a contribuir para a despolitização dos movimentos. A esquerda partidária abandonou as periferias e acolheu-se ao conforto dos palácios de governo. Entretanto, no Brasil profundo o trabalho ideológico conservador seguia o seu caminho pronto a ser aproveitado pela extrema-direita. Bolsonaro não é um criador; é uma criação. A paralisia da sociedade política progressista e organizada vem de longe. Se só agora é visível é porque só agora se sofrem as suas piores consequências. Deram-se as melhores condições operacionais e remuneratórias ao sistema judicial e ao sistema de investigação criminal, mas acreditou-se que eram um órgão politicamente neutro do Estado. Da operação militar-midiática de 1964 à operação judicial-midiática de 2014 vai uma longa distância e diferença. Mas têm dois pontos em comum. Primeiro, a demonização da política é a arma política privilegiada da extrema direita para assaltar o poder. Segundo, as forças políticas de direita servem-se da democracia quando esta lhes serve. Sempre que a opção é entre democracia ou exclusão ou entre liberdade política ou liberdade econômica, optam pela exclusão e pela liberdade econômica.
A resposta democrática. Não se podem improvisar soluções de curto prazo para problemas estruturais. A história do Brasil é uma história de exclusão social causada por uma articulação tóxica entre capitalismo, colonialismo e patriarcado, ou mais precisamente, hetero-patriarcado. As conquistas de inclusão têm sido obtidas com muita luta social, quase nunca se consolidam e têm estado sujeitas a retrocessos violentos, como ocorre hoje. A vitória da extrema direita não foi uma simples derrota eleitoral das esquerdas. Foi o culminar de um processo golpista com fachada institucional em que, no plano eleitoral, as esquerdas até provaram uma resiliência notável nas condições de democracia à beira do abismo em que lutaram. O que houve foi uma vasta destruição da institucionalidade democrática e uma retomada do capitalismo selvagem e do colonialismo por via da sempre velha e sempre renovada recolonização imperial e evangelização conservadora. A sensação de ter de começar tudo de novo é frustrante, mas não pode ser paralisante. Por outro lado, é preciso atuar de imediato para salvar o que resta da democracia brasileira. O que de mais grave está a ocorrer não é apenas o fato de o monopólio da violência legítima por parte do Estado estar a ser usado antidemocraticamente (e, portanto, ilegitimamente), como bem revela a Operação Lava-Jato. É também o fato de o Estado estar a perder a olhos vistos esse monopólio com o incremento de atores armados não estatais, tanto na cidade como no campo.
O médio e o curto prazo não têm necessariamente de colidir, se se tiver uma visão estratégica do momento e das forças com que se pode contar. É urgente revolucionar a democracia e democratizar a revolução, pois de outro modo o capitalismo e o colonialismo farão do que resta da democracia uma farsa cruel. Para esta tarefa, as diferentes forças de esquerda têm de abandonar sectarismos e unir-se na defesa da democracia. Têm, por outro lado, de evitar a todo custo articulações com a direita, mesmo que isso custe a conquista do poder. Conquistar o poder para governar com a direita é, nas condições atuais, praticar suicídio político. A curto prazo vejo três iniciativas realistas. Os movimentos sociais têm de reinventar o FSM, desta vez, sem tutelas de ONGs e com a atenção centrada nas exclusões mais radicais vigentes no país. Nesse sentido, o movimento indígena, o movimento negro e o movimento de mulheres e LGBTI são, em toda a sua pluralidade interna, os mais credíveis candidatos para tomar a iniciativa. O sistema judicial foi sujeito a um desgaste extraordinário pela manipulação grosseira a que foi sujeito ao serviço do imperialismo por Moro & CIA. Mas é um sistema internamente diversificado, e persistem nele grupos significativos de magistrados que entendem que a sua missão institucional e democrática consiste em respeitar o processo e falar exclusivamente nos autos. A violação grosseira desta missão denunciada pela Vaza-Jato está a obrigar as organizações profissionais a demarcar-se dos aprendizes de feiticeiro. A recente declaração pública da Associação de Juízes para a Democracia de que o ex-presidente Lula da Silva é um preso político é um sinal auspicioso do início do caminho da recredibilização do sistema judicial.
A terceira iniciativa deve ocorrer no sistema político partidário. As eleições municipais de 2020 são a oportunidade para começar a travar a extrema direita e dar exemplos concretos de como as forças de esquerda se podem unir para defender a democracia. Três cidades importantes podem ser a plataforma para a resistência: Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. No Rio de Janeiro, Marcelo Freixo do PSOL é o candidato indiscutível para agregar as forças de esquerda. Para as outras duas cidades, são incontornáveis dois quadros importantes do PT: Fernando Haddad em São Paulo e Tarso Genro em Porto Alegre. Trata-se de dois políticos que saíram fortalecidos da crise, o primeiro pelo modo extraordinário como enfrentou Bolsonaro e nas condições em que o fez, o segundo por ter sido um dos melhores ministros da história da democracia brasileira e pela integridade que revelou durante todas as crises por que passou o PT enquanto foi titular do governo. Os democratas brasileiros devem transmitir a estes políticos o sentimento de que a hora deles voltou a soar, agora para começar tudo de novo e ao nível local.


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domingo, 21 de julho de 2019

Por que só agora Toffoli apertou a tecla pause?


Por que só agora Toffoli apertou a tecla pause?

Ministro diz que paralisar investigações Brasil afora foi 'em defesa de todos'

Fábio Fabrini

A decisão de Dias Toffoli de paralisar investigações Brasil afora ficou com a cara daquelas iniciativas movidas pelo casuísmo, recorrente nos andares mais altos do Judiciário.
Foi há um ano e três meses que o Supremo definiu serem tema de repercussão geral as sucessivas queixas sobre a forma como os órgãos de controle dividiam dados com o Ministério Público em casos penais.
Era 13 de abril e o Brasil estava em chamas com a prisão de Lula, seis dias antes. Eleições pautadas por escândalos de corrupção se iniciariam.
Toffoli era relator de um processo que envolvia a Receita e, assim como os colegas, entendeu que seria pertinente decidir num julgamento só, no futuro, o destino daquele e de todos os outros com a mesma controvérsia: pode o Fisco, ou o Coaf, escarafunchar a vida financeira de um cidadão e enviar os detalhes à Procuradoria sem aval da Justiça?
Diz a legislação que, reconhecida a repercussão de um caso, o relator suspenderá os demais sobre a mesma questão, ainda pendentes.
Mas, naquela ocasião, Toffoli deixou investigações correrem. Para ele, a lei faz transparecer "forte recomendação", mas não "uma obrigação" de sustar processos de imediato.
Lava Jato, Zelotes, Greenfield e outras operações contra corruptos trabalharam livremente, com as práticas de sempre, de lá para cá.
Estranha que o ministro só tenha apertado a tecla pause esta semana, quando lhe chegou às mãos um pedido da linhagem presidencial.
Ao se justificar, disse que a decisão não é para Flávio Bolsonaro, foi "em defesa de todos". Mas por que, afinal, não a deu antes? Já existia o risco às garantias constitucionais que agora abraça. A ordem só se tornou conveniente e oportuna a partir de uma provocação do 01?
Não são ainda mensuráveis os impactos jurídicos da determinação. Os políticos, contudo, são previsíveis.
Bolsonaristas que inflaram Toffolecos, a protestar contra o ministro, devem recolher as bombinhas de ar. A esquerda, que fez dos abusos do MP uma pauta obsessiva, o apoiará.
 
 
Fábio Fabrini
Repórter em Brasília, atua há 15 anos na investigação de casos de corrupção e malversação de recursos públicos.