segunda-feira, 1 de julho de 2019

A Lava Jato e a noite das facas longas


A Lava Jato e a noite das facas longas, 

por Luis Nassif

Deveriam ter ficado, para sempre, as lições para não se brincar com a democracia, para não se utilizar da tática de criação do “inimigo interno”, de demonização da política, de destruição do passado em nome de uma nova ordem fundada no ódio, porque nascida de um discurso de ódio.
Na noite de 30 de junho, mal Adolf Hitler tornou-se chanceler da Alemanha, seu grupo saiu às ruas para caçar não apenas opositores, mas aliados de primeira hora. Foram mortas 85 pessoas, milhares foram detidos, no episódio conhecido como “a noite das facas longas”. O alvo principal foram as lideranças do Sturmabteilung (SA), os “camisas pardas”, seus antigos aliados, uma espécie de MBL da época, que já contava com 3 milhões de seguidores. Seu líder, Ernest Rohm, foi preso sob acusação de ser homossexual e viciado. Já era antes, mas se tolerava. Depois, qualquer álibi valia para cortar cabeças.
As prisões e execuções foram tocadas pelas temidas SS e pela Gestapo. Antes disso, as SSs eram forças radicais, que apelavam para a retórica sanguinária, sem ir às vias de fato, como o Endireita Brasil e outros movimentos da ultradireita, na sua conformação atual. E a Gestapo era uma corporação sob controle institucional, tal e qual a Polícia Federal de hoje, embora se preparando para a grande noite, sendo comandada por um Ministro da Justiça que apela às ruas para se manter, e, apelando, endossa discursos que propõem fechamento do Congresso e do Supremo.
Na “noite das facas longas”, aproveitou-se o momento para prender conservadores antinazistas, como o ex-chanceler Kurt von Schleicher e Gustav Ritter von Kahr. Conhecedor da história, Fernando Henrique Cardoso, que não é trouxa, tratou, logo, de elogiar Himmler, para garantir salvo conduto para os tempos que se avizinham.
As forças que sustentaram a ascensão de Hitler, com o discurso de ódio, com a criminalização da política, não conseguiram mais segurar a radicalização, que levou à maior tragédia do século 20.
Deveriam ter ficado, para sempre, as lições para não se brincar com a democracia, para não se utilizar da tática de criação do “inimigo interno”, de demonização da política, de destruição do passado em nome de uma nova ordem fundada no ódio, porque nascida de um discurso de ódio.
No pós-guerra, de nada adiantaram os alertas para a não repetição desse jogo. O álibi da guerra fria implantou o macarthismo nos Estados Unidos, a ditadura chilena, a tragédia argentina, o golpe de 64, todos fundados no discurso de ódio, no movimento de tirar a disputa política das eleições para os cárceres, enquanto do lado comunista havia expurgos culturais, massacres de opositores. Nas últimas décadas, imaginou-se que os valores civilizatórias se impriam definitivamente sobre a barbárie.
No seu editorial de hoje, o Estadão empina velhas bandeiras liberais, tentando trazer a opinião pública de volta à racionalidade perdida.
É um apelo dramático, em um momento em que Bolsonaro vai afastando, um por um, os quadros menos radicais, e em que a extrema direita do bolsonarismo investe contra a direita e, para se manter no cargo, seu Ministro da Justiça Sérgio Moro apela às ruas e a passeatas que propõem fechamento do Congresso e do Supremo.
Diz o bravo Estadão:
A crítica pública será necessária sempre que um presidente demonstrar descaso pelos preceitos republicanos, por mais comezinhos que sejam, ainda que se alegue ser este o preço a pagar para impedir o “mal maior” – seja o “petismo”, o “comunismo” ou outro fantasma qualquer”.
Meu Deus!, porque não tiveram o bom senso de entender essa lógica antes, de aguardar que o PT fosse afastado dentro de um processo normal, de alternância democrática?
Diz mais:
“Também não se pode silenciar diante da tentativa sistemática de desmoralizar a política e o Congresso, pilares da democracia representativa, com o indisfarçável intuito de governar por decreto, dispensando-se a negociação democrática. É certo que os políticos colaboraram para a deterioração da imagem de sua atividade, depois que vários deles, muitos em posição de destaque, entregaram-se à mais desbragada corrupção nos últimos anos. Mas nada disso justifica a presunção de que basta estar do “lado certo” – isto é, o do Executivo, suposto campeão da pureza de propósitos contra os vilões corruptos – para que sua vontade seja convertida em lei”.
Foi a cobertura sistemática dos fogos de artifício da Lava Jato, foram quinze anos de criminalização de qualquer bobagem do PT, até o decreto virtuoso da participação dos conselhos, um extraordinário reforço do poder civil contra arroubos totalitários, foi apresentado como primeiro passo para a bolivarização, venezuelização, cubanização ou fosse o que fosse.
Foi a catarse, a criação do ambiente de medo do “comunismo”, o fato de tratar como ameaça à democracia qualquer medida de um governo institucionalmente desarmado até o limite da irresponsabilidade, que permitiu a ascensão dos SSs bolsonaristas.
Diz, agora, o editorial:
“Isso resulta da percepção equivocada de que a maioria do eleitorado queria uma liderança que livrasse o País do “comunismo”, luta exótica em nome da qual parece valer tudo. Na verdade, os eleitores manifestaram nas urnas um sonoro protesto contra a politicagem que condenou muitos brasileiros à miséria”.
O alerta não chegará nem perto das multidões que foram às ruas caçando comunistas e o MBL, que avançaram sobre uma correligionária meramente por ter pintado os cabelos de vermelho, a multidão comandada por um militar decrépito e sanguinário, que enlameou a imagem das Forças Armadas no Haiti, e que mandava palavras de ordem contra os “canalhas”, os “esquerdopatas”.
Nessa tragédia brasileira, a Lava Jato foi a onda avassaladora, manobrada por um juiz ambicioso e um grupo de procuradores ingênuos, despreparados, imaturos, sem a menor noção sobre as responsabilidades institucionais do Ministério Público, deslumbrados com os poderes que foram revestidos por uma mídia igualmente descompromissada com valores democráticos e incapaz de prever o dia seguinte
Na grande noite que se aprofunda, restará o apelo solitário da procuradora Jerusa Viecelli, tentando despertar seus colegas para o desastre que se avizinhava, e revelado agora pelo The Intercept:
Pessoal, desculpem voltar ao assunto (sou voto vencido), mas, somente esta semana, várias pessoas, inclusive alguns colegas e servidores, me questionaram a ausência de manifestação da FT [Força Tarefa] diante de alguns posicionamentos dos candidatos à presidência.
Fato é que sempre nos posicionamos diante de várias ameaças ao nosso trabalho e, nos últimos dias, temos ficado silentes, mesmo com ameaças de candidatos à independência do Ministério Público (nomeação de PGR fora da lista tríplice) e à liberdade de imprensa.
Em outros tempos, por motivos outros, mas igualmente relevantes e perigosos, divulgamos nota, convocamos coletiva e ameaçamos renunciar (!).
Agora, jornalistas escrevem no Twitter que a LAVA JATO é caso de desaparecido político, pois já alcançou o que queria. Acho muito grave ficarmos em silêncio quando um dos candidatos manifesta-se contra a nomeação do PGR da lista tríplice, diante de questões ideológicas.
Mais grave ainda, assistirmos passivamente, ameaças à liberdade de imprensa quando nós somos os primeiros a afirmar a importância da imprensa para o sucesso da Lava Jato.
Igualmente grave, candidatos divulgarem nomes de futuros ministros que são alvos de investigações e processos por corrupção. Nossa omissão também tem peso e influência.
Eu sinceramente não quero (e isso a penas a história dirá) que a Lava Jato seja vista, no futuro, como perseguição ao PT e, muito menos, como co-responsável pelos acontecimentos eleitorais de 2018. . .

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