A Lava Jato e a noite das facas longas,
por Luis Nassif
Deveriam
ter ficado, para sempre, as lições para não se brincar com a
democracia, para não se utilizar da tática de criação do “inimigo
interno”, de demonização da política, de destruição do passado em nome
de uma nova ordem fundada no ódio, porque nascida de um discurso de
ódio.
As prisões e execuções foram tocadas pelas temidas SS e pela Gestapo. Antes disso, as SSs eram forças radicais, que apelavam para a retórica sanguinária, sem ir às vias de fato, como o Endireita Brasil e outros movimentos da ultradireita, na sua conformação atual. E a Gestapo era uma corporação sob controle institucional, tal e qual a Polícia Federal de hoje, embora se preparando para a grande noite, sendo comandada por um Ministro da Justiça que apela às ruas para se manter, e, apelando, endossa discursos que propõem fechamento do Congresso e do Supremo.
Na “noite das facas longas”, aproveitou-se o momento para prender conservadores antinazistas, como o ex-chanceler Kurt von Schleicher e Gustav Ritter von Kahr. Conhecedor da história, Fernando Henrique Cardoso, que não é trouxa, tratou, logo, de elogiar Himmler, para garantir salvo conduto para os tempos que se avizinham.
Deveriam ter ficado, para sempre, as lições para não se brincar com a democracia, para não se utilizar da tática de criação do “inimigo interno”, de demonização da política, de destruição do passado em nome de uma nova ordem fundada no ódio, porque nascida de um discurso de ódio.
No pós-guerra, de nada adiantaram os alertas para a não repetição desse jogo. O álibi da guerra fria implantou o macarthismo nos Estados Unidos, a ditadura chilena, a tragédia argentina, o golpe de 64, todos fundados no discurso de ódio, no movimento de tirar a disputa política das eleições para os cárceres, enquanto do lado comunista havia expurgos culturais, massacres de opositores. Nas últimas décadas, imaginou-se que os valores civilizatórias se impriam definitivamente sobre a barbárie.
É um apelo dramático, em um momento em que Bolsonaro vai afastando, um por um, os quadros menos radicais, e em que a extrema direita do bolsonarismo investe contra a direita e, para se manter no cargo, seu Ministro da Justiça Sérgio Moro apela às ruas e a passeatas que propõem fechamento do Congresso e do Supremo.
Diz o bravo Estadão:
“A crítica pública será
necessária sempre que um presidente demonstrar descaso pelos preceitos
republicanos, por mais comezinhos que sejam, ainda que se alegue ser
este o preço a pagar para impedir o “mal maior” – seja o “petismo”, o
“comunismo” ou outro fantasma qualquer”.
Meu Deus!, porque não tiveram o bom senso de entender essa lógica
antes, de aguardar que o PT fosse afastado dentro de um processo normal,
de alternância democrática?Diz mais:
“Também não se pode silenciar diante
da tentativa sistemática de desmoralizar a política e o Congresso,
pilares da democracia representativa, com o indisfarçável intuito de
governar por decreto, dispensando-se a negociação democrática. É certo
que os políticos colaboraram para a deterioração da imagem de sua
atividade, depois que vários deles, muitos em posição de destaque,
entregaram-se à mais desbragada corrupção nos últimos anos. Mas nada
disso justifica a presunção de que basta estar do “lado certo” – isto é,
o do Executivo, suposto campeão da pureza de propósitos contra os
vilões corruptos – para que sua vontade seja convertida em lei”.
Foi a cobertura sistemática dos fogos de artifício da Lava Jato,
foram quinze anos de criminalização de qualquer bobagem do PT, até o
decreto virtuoso da participação dos conselhos, um extraordinário
reforço do poder civil contra arroubos totalitários, foi apresentado
como primeiro passo para a bolivarização, venezuelização, cubanização ou
fosse o que fosse.Foi a catarse, a criação do ambiente de medo do “comunismo”, o fato de tratar como ameaça à democracia qualquer medida de um governo institucionalmente desarmado até o limite da irresponsabilidade, que permitiu a ascensão dos SSs bolsonaristas.
“Isso resulta da percepção equivocada
de que a maioria do eleitorado queria uma liderança que livrasse o País
do “comunismo”, luta exótica em nome da qual parece valer tudo. Na
verdade, os eleitores manifestaram nas urnas um sonoro protesto contra a
politicagem que condenou muitos brasileiros à miséria”.
O alerta não chegará nem perto das multidões que foram às ruas
caçando comunistas e o MBL, que avançaram sobre uma correligionária
meramente por ter pintado os cabelos de vermelho, a multidão comandada
por um militar decrépito e sanguinário, que enlameou a imagem das Forças
Armadas no Haiti, e que mandava palavras de ordem contra os “canalhas”,
os “esquerdopatas”.Nessa tragédia brasileira, a Lava Jato foi a onda avassaladora, manobrada por um juiz ambicioso e um grupo de procuradores ingênuos, despreparados, imaturos, sem a menor noção sobre as responsabilidades institucionais do Ministério Público, deslumbrados com os poderes que foram revestidos por uma mídia igualmente descompromissada com valores democráticos e incapaz de prever o dia seguinte
Na grande noite que se aprofunda, restará o apelo solitário da procuradora Jerusa Viecelli, tentando despertar seus colegas para o desastre que se avizinhava, e revelado agora pelo The Intercept:
Pessoal, desculpem voltar ao assunto
(sou voto vencido), mas, somente esta semana, várias pessoas, inclusive
alguns colegas e servidores, me questionaram a ausência de manifestação
da FT [Força Tarefa] diante de alguns posicionamentos dos candidatos à
presidência.
Fato é que sempre nos posicionamos
diante de várias ameaças ao nosso trabalho e, nos últimos dias, temos
ficado silentes, mesmo com ameaças de candidatos à independência do
Ministério Público (nomeação de PGR fora da lista tríplice) e à
liberdade de imprensa.
Em outros tempos, por motivos outros,
mas igualmente relevantes e perigosos, divulgamos nota, convocamos
coletiva e ameaçamos renunciar (!).
Agora, jornalistas escrevem no
Twitter que a LAVA JATO é caso de desaparecido político, pois já
alcançou o que queria. Acho muito grave ficarmos em silêncio quando um
dos candidatos manifesta-se contra a nomeação do PGR da lista tríplice,
diante de questões ideológicas.
Mais grave ainda, assistirmos
passivamente, ameaças à liberdade de imprensa quando nós somos os
primeiros a afirmar a importância da imprensa para o sucesso da Lava
Jato.
Igualmente grave, candidatos
divulgarem nomes de futuros ministros que são alvos de investigações e
processos por corrupção. Nossa omissão também tem peso e influência.
Eu sinceramente não quero (e isso a
penas a história dirá) que a Lava Jato seja vista, no futuro, como
perseguição ao PT e, muito menos, como co-responsável pelos
acontecimentos eleitorais de 2018. . .
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