sexta-feira, 4 de março de 2011

Blog do Sakamoto

Blog do Sakamoto: "Eu quero o meu tablet. O resto é detalhe
04/03/2011 - 3:49 8 Comentários »

Washington – Ouvi gente dizendo que vai varar a noite na fila para comprar o iPad 2 no dia 11 de março, lançamento do tablet aqui nos Estados Unidos. Mesmo que não estivesse frio pra diabo, ainda assim preferiria conjurar o capeta em noite de lua nova no cemitério vestido apenas de um tapa-sexo (afinal de contas, é carnaval) a ter que gastar minhas sagradas horas de sono para obter um gadget antes de outras pessoas. E olha que sou um viciado em tecnologia… No meu tempo, havia gente que acampava na fila para ser o primeiro a entrar em um show de rock – o que também é uma esquisitice. Mas vá lá, é rock.

Para viabilizar o sonho de consumo de milhões (e os milhões gastos para criar esse sonho de consumo), alguém vai ter que trabalhar bastante. Nas empresas que produzem as mercadorias para os gigantes da informática e das telecomunicações na China, por exemplo. Esse país teve avanços na sua legislação trabalhista e mesmo em sua capacidade de inspecionar locais de trabalho, mas a superexploração ainda corre solta. Lá e no Sudeste Asiático, que recebe os pedidos de fornecimento de peças e fazem tudo a um baixíssimo custo de mão-de-obra. É o chamado pacotão da competitividade.

No ano passado, a empresa Foxconn, que fabrica produtos na China para a Apple, teve – pelo menos – oito casos de suicídio de empregados. Um jovem de 21 anos se jogou de um prédio da empresa em Shenzen, um dos pólos tecnológicos do país, por exemplo. Teriam sido pelo menos mais dois, mas duas tentativas fracassaram. A Foxconn também produz o PlayStation, Wii e o Xbox, sem contar as marcas de celulares.

No começo deste ano, o “Public Eye Awards” (algo como o “Prêmio Vigilante Público”) expôs seis empresas que, segundo os organizadores, são os casos mais escandalosos de crimes contra o ser humano e o planeta. Entre as finalistas, estava a Foxconn que produz equipamentos de alto tecnologia pagando salários miseráveis.

Conforme noticiou a mídia na época em que os suicídios chamaram a atenção, o que fez a empresa? Para enfrentar o problema, convocou monges budistas para realizar cerimônias a fim de mandar os maus espíritos para longe. Além, é claro, de atendimento telefônico para receber os trabalhadores depressivos ou potencialmente suicidas.

Como já disse antes quando toquei neste assunto pela primeira vez, o ato de tirar a própria vida é muito complexo para ser tratado em um post – nem sei se isso serve de explicação para alguma coisa. Também não estou dizendo que evitar comprar de uma empresa vai ajudar a diminuir o número de trabalhadores que se matam. E não é uma questão de culpa (ah, a religião, a religião…) Sou consumidor de produtos dessa marca e, quando fiquei sabendo da notícia, escrevi sobre o assunto e mandei uma carta para a sede da empresa. Talvez não adiante de nada, contudo de fossemos algumas milhares, talvez adiantaria. Mas a responsabilidade principal não é do consumidor – não há nada sobre isso nos manuais de eletrônicos que compramos, nem nas propagandas…

Mas se tivesse que apostar, diria que os suicídios nessas grandes empresas não vão parar por causa da presença de monges uma vez que a velocidade da produção só deve aumentar.

Enquanto isso, é garantir que vai ter aparelho para todo mundo na fila que está beleza, poucos vão reclamar. Afinal de contas, o resto é detalhe.

– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"

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