Para publisher alemão, acordo do Google com jornais pode gerar mais segurança
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NELSON DE SÁ
DE SÃO PAULO
Mathias Döpfner, presidente do grupo alemão Axel Springer, "publisher" do prestigioso "Die Welt" e do tabloide "Bild", é a maior referência na disputa dos jornais europeus com o Google, em torno dos direitos comerciais sobre conteúdo on-line. E não dá sinais de recuo, pelo contrário, apesar do aparente revés na semana passada. DE SÃO PAULO
Como queria Döpfner, a câmara baixa do parlamento alemão (Bundestag) aprovou uma nova legislação que determina que agregadores como Google News paguem aos jornais, se reproduzirem seu conteúdo. Mas a versão final do projeto, apresentada na última hora, permite a reprodução de "extratos de texto muito pequenos".
Alemanha autoriza Google a reproduzir 'extratos pequenos' de sites jornalísticos
A votação acabou sendo noticiada por agências nos EUA como vitória do Google, mas Döpfner não vê assim. Questionado por e-mail sobre a "derrota", respondeu que o texto aprovado não segue "completamente" sua proposta, "mas pode dar mais segurança para o futuro", ao estabelecer um princípio geral para o setor.
Analistas normalmente alinhados ao Google, como Mathew Ingram, do site paidContent, concordam. "O Google está tentando pintar como vitória, mas, se você olhar de perto, a lei não especifica em que consiste um 'extrato pequeno' e dá claramente aos jornais o direito de controlar o que um site ou serviço faz com seu conteúdo", disse Ingram.
Nesta semana, o Axel Springer divulgou que vai oferecer uma licença paga aos agregadores que usam seu conteúdo, Google inclusive, indicando que o próximo passo na disputa poderá ser na Justiça. De todo modo, a legislação ainda depende de aprovação na câmara alta alemã (Bundesrat), onde o apoio ao projeto é menor.
Na nota que soltou após a votação da última semana, saudando a suposta vitória, o Google acrescentava que "o melhor resultado para a Alemanha seria não ter legislação nenhuma", indicando que mantém a campanha contra o projeto. Ao mesmo tempo, acenou com um acordo, oferecendo apoio financeiro e à "inovação" dos jornais.
Acordos semelhantes foram fechados pelo Google com publicações de França e Bélgica, que, a exemplo da imprensa de outros europeus, como Suíça e Itália, haviam declarado apoio ao projeto alemão. No caso francês, os US$ 82 milhões desembolsados pelo Google foram vistos por analistas como "propina" _e sinal de fraqueza.
A seguir, a entrevista com Döpfner, 50, que iniciou sua carreira jornalística como crítico musical no "Frankfurter Allgemeine Zeitung", foi editor-chefe do "Die Welt" e dirige o Axel Springer desde 2002.
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Folha - O sr. vê a votação como uma derrota para os jornais, como descrita pela agência Bloomberg e outras? Ou pode ser considerada uma vitória? Mathias Döpfner - O projeto de lei não seguiu completamente a noção dos jornais, mas é um sinal extraordinário de respeito pelo desempenho da indústria [imprensa] que pode ajudar a dar mais segurança para o futuro.
O sr. questionou recentemente o slogan do Google, "Don't be evil" [não faça o mal], dizendo que a realidade é que a empresa visa somente assegurar seus "interesses ultracapitalistas".
O Google é uma empresa inovadora que merece admiração. Respeito profundamente seus fundadores e a equipe por seu espírito visionário e competência tecnológica. Temos boas relações de negócios com o Google em vários campos. Mesmo assim, não podemos ignorar que o Google está ultrapassando alguns limites de justiça que acreditamos serem insustentáveis, inclusive de uma perspectiva legal.
Duas questões principais vêm à mente. Primeiro, os publishers deveriam ser pagos com uma cota justa do valor criado pela audiência capturada pelos serviços de agregação do Google [Google News] sem que ela seja direcionada aos sites originais. O debate está centrado nesta parte do tráfego.
Segundo, o Google não pode favorecer seus próprios produtos acima dos produtos de todos os demais nos resultados da página de busca, quando esses produtos se tornam concorrentes diretos dos oferecidos por outras empresas. Resultados de busca deveriam ser neutros e não enviesados. A relevância deveria ser o único critério construído nos algoritmos das ferramentas de busca.
O sr. também compara o Google a um grupo que lida com produtos roubados e que propõe uma petição, à Anistia Internacional, em defesa do direito do cidadão de furtar. O sr. acredita que o Google manipula a agenda de liberdade da internet, ao redor do mundo, em seu próprio interesse?
É bem mais simples que isso. O Google, assim como muitos outros serviços, simplesmente copia dos sites dos publishers em um modelo "opt-out" [os sites entram automaticamente e têm opção de sair, retirar seu conteúdo], impondo assim a obrigação de recusa aos publishers. Na realidade empresarial, isso leva à ausência de acordos de licenciamento.
O justo seria o contrário: Qualquer empresa que quisesse usar o conteúdo deveria buscar consentimento prévio. Modelos "opt-in" [os sites só entram se optarem antes] levariam a acordos de licenciamento. Estou convencido de que só tais modelos podem ajudar a refinanciar o bom jornalismo.
Qual efeito o projeto de lei de copyright teria na mídia alemã? E também em outros países europeus, como Suíça e Itália, onde os publishers acompanham e apoiam o debate alemão de perto?
A mídia alemã poderia agir contra agregadores ilegítimos com muito mais facilidade. Isso irá ao encontro de uma demanda central dos poucos agregadores que querem pagar por conteúdo hoje. Eles esperam que os publishers avancem contra as ovelhas negras no mercado.
Isso vai levar a mais inovação, melhor conteúdo e sites jornalísticos prósperos, porque vai tornar mais atrativo investir em jornalismo. Essa lei representa a medida mais suave e mais orientada para o livre mercado que os legisladores podem tomar para assegurar um campo de jogo para a criatividade na arena digital.
O sr. esteve em São Paulo em agosto passado. Como vê a ação similar tomada pelos publishers brasileiros, retirando seu conteúdo do Google News? O sr. vê isso como um movimento global dos jornais, como descrito pelo "New York Times"?
Retirar-se de um mercado só pode ser um último recurso. Agregadores e publishers deveriam trabalhar juntos e desenvolver mercados digitais em acordo. Publishers ao redor do mundo todo são benevolentes. As ferramentas de busca e os agregadores deveriam aceitar a sua vontade de colaborar.
Um influente blogueiro americano, Andrew Sullivan, adotou "paywall" [muro de pagamento] similar ao modelo "metered" [poroso] que alguns jornais usam. Isso mostra que a mudança de paradigma, como o sr. chamou uma vez, já está indo além da mídia tradicional?
Eu certamente espero que sim. O "Die Welt" lançou um modelo poroso em seu site em dezembro. O "Bild" seguirá com um modelo "premium" neste verão [meados do ano]. Existem argumentos sensatos de que esta é uma boa decisão não só para o jornalismo, mas para o negócio.
Ao anunciar sua decisão, o blogueiro lembrou um dito sobre a internet, "se você não está pagando pelo produto, você é o produto que está sendo vendido". O sr. diria que esse é também o caso para os "paywalls" de jornais e, por outro lado, para os anúncios do Google?
Eu concordo com o comentário do blogueiro. A liberdade de imprensa tem um preço. A maior liberdade é alcançada quando os leitores pagam seus jornais e sites diretamente. Qualquer intermediário reduz a liberdade.
Ao longo da última década, o Axel Springer se tornou um dos grupos de mídia mais saudáveis mundialmente, visto como exemplo, entre outros, pela "Economist". Que papel seus experimentos com mídia digital têm nessa virada?
Alguns de nossos sites, notadamente o Bild.de, estão indo muito bem devido à publicidade, mas a principal razão para o nosso sucesso na internet se deve aos investimentos em classificados digitais e portais de marketing. No entanto, construir e sustentar eco-sistemas lucrativos para o jornalismo continua sendo alta prioridade. Não desistimos da nossa visão de que o jornalismo precisa se tornar um negócio lucrativo na internet.
O próximo passo será em publicidade, talvez com preços mais altos para anunciar em sites com "paywall"? Ou talvez com novos modelos de negócios para conteúdo associado a marcas, como o sr. já mencionou antes?
Estou convencido de que a publicidade em conteúdo pago terá um preço maior. Isso é verdade para o mundo impresso e também será para o conteúdo digital. Quando você decide pagar por algo, o compromisso com a marca é muito mais forte e isso a torna de mais valor para os anunciantes.
Ao se questionar sobre o próximo passo no mundo digital, a noção mais importante é curiosidade. Ainda não sabemos o molho secreto em relação aos modelos pagos, mas iniciamos uma jornada para descobrir. Acreditamos na arte e na beleza do aperfeiçoamento experimental, com incremento. Eu sei que não sei: esse é o pré-requisito mais importante para desenvolver modelos de negócio de conteúdo na internet. Ele mantém os seus olhos abertos.
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