Sobre “Privataria Tucana”
Confesso que eu já havia chegado à página 56 do livro Privataria Tucana e me perguntava: cadê a novidade?
Segui fazendo a mesma pergunta por várias páginas seguintes mas, ao final, cheguei a outra conclusão. Entre tiros fora do alvo, disparos de bala de festim e muito palavrório dispensável, o livro tem o que dizer.
O livro não prova nada por A + B contra José Serra. Faz um passeio documentado pelo círculo em volta de alguns personagens de seu círculo. Também refaz, com mais detalhes e muitos documentos que não se conhecia, a montagem dos grupos que venceram as privatizações.
De tanto ler a crítica de que o governo Lula adora distribuir recursos baratos do BNDES para empresas amigas, você pode concluir que, como tantos outros costumes de nossa vida pública, esse costume que hoje se condena foi patenteado no governo FHC.
O tesoureiro tucano Ricardo Sérgio é desossado em vários documentos. A filha e o genro de Serra também.
Você não precisa acreditar em tudo o que lê, mas pode pensar.
O jornalista Mauro Santayanna, que foi assessor de Tancredo Neves, acha que o livro reabre o debate para rever as privatizações.
Amaury Ribeiro Junior, o autor, sistematiza, explica, avalia. Seus documentos mostram a montagem e desmontagem de sociedade destinadas a tirar dinheiro do país e depois mandá-lo de volta.
Amaury tem aquele estilo de dizer mais do que pode provar, mas convém não desprezar seu retrospecto. Um dos envolvidos já foi derrotado ao tentar processá-lo na Justiça.
Numa das primeiras conversas que tive sobre o livro, um ex-ministro lamentava que nossa vida pública tenha sido transformada numa guerra de lama e dizia que Privataria Tucana fazia parte disso.
O cenário era muito apropriado. Estávamos num simpático restaurante nos Jardins, em São Paulo. Algumas mesas ao lado, jantava um dos acusados nas investigações no Ministério do Turismo.
Antes de conversar com o ex-ministro, pude ouvi-lo falar sobre seu caso. Ele jurava que não tem responsabilidade nenhuma sobre qualquer irregularidade.
Dias antes de começar a ler Privataria Tucana, um twitter do PSDB exigia investigação sobre o ministro Fernando Pimentel. Pode não ser errado, mas é engraçado no momento.
Logo depois que terminei, um senador tucano queria que um executivo da Caixa Econômica viesse a ser chamado para prestar depoimento sobre outro caso.
A questão é mesmo de lama. Em São Paulo, o PT quer investigar a prefeitura de Gilberto Kassab sobre o Controlar.
Quem não quer levar a sério aquilo que Amaury Ribeiro escreveu acha possível levar a sério tudo o que se diz sobre os ministros do governo do PT? Por quê? Têm mais documentos? Foram mais a fundo?
“O maior inimigo da moralidade não é a imoralidade, mas a parcialidade,” escreve o professor Vladimir Safatle.
Amaury faz – em alguns casos, com notável superioridade, pois tem apoio em documentos – o mesmo que outros jornalistas do ramo também fazem. Insinua, afirma, adjetiva, sugere.
Lamentavelmente, a discussão sobre corrupção no Brasil transformou-se naquilo que não poderia ser – arma política. Todos denunciam, em público. Todos se aproveitam, em privado. Não há princípios, mas conveniências.
E é por isso que nada acontece e dificilmente alguma coisa acontecerá, me diz o ex-ministro antes de nosso jantar terminar. A manutenção de um sistema que gera tantos benefícios interessa a muitas pessoas.
E é por isso que todos os partidos ficaram em silêncio, até agora, diante das descobertas feitas na CPMI do Banestado. Por um pacto de cavalheiros da triste figura, ficou combinado que os segredos apurados não viriam a público. Foi nesta CPMI que Amaury encontrou a principal matéria-prima de seu livro.
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