Atualizado às 10h30 de 21.12
Quando a Justiça age em causa própria
"Quando o Sargento Garcia estava chegando perto, o Zorro deu um jeito de escapar" (frase premonitória da ministra Eliana Calmon, quando o CNJ começou a investigar os malfeitos no Tribunal de Justiça em São Paulo).
Na mesma terça-feira, mais um dia triste para a Justiça brasileira, em que o ministro Marco Aurélio Mello esvaziou os poderes da corregedoria do CNJ comandada por Eliana Calmon (ver texto abaixo), na surdina do apagar das luzes, o seu colega Ricardo Lewandowski, nomeado no governo Lula, completou o trabalho de liminares a serviço da impunidade dos magistrados.
E o que é mais grave: um dos beneficiários da liminar por ele concedida suspendendo a investigação em 22 tribunais estaduais, incluindo o de São Paulo, onde foi desembargador antes de ir para o STF, é o próprio Ricardo Lewandowski, como denunciou a repórter Mônica Bergamo, na edição de hoje da "Folha".
No último dia 8, o jornal revelou que 17 desembargadores podem ter recebido ilegalmente R$ 17 milhões, pagos de uma só vez, referentes a auxílio moradia a que teriam direito.
O ministro Lewandowski mandou sua assessoria dizer que não se considerou impedido de julgar o caso, apesar de ter recebido pagamentos que despertaram as suspeitas da corregedoria, porque não é o relator do processo e não examinou o mérito. Com isso, ele imagina que o problema está resolvido e não se fala mais no assunto.
O resultado imediato da "operação liminares" de Mello-Lewandowski após a última sessão do ano do STF, foi a suspensão de investigações do CNJ sobre o patrimônio de cerca de 70 pessoas, entre juízes e servidores, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
"No caso de São Paulo, a equipe do conselho havia começado a cruzar dados da folha de pagamento do tribunal com as declarações de renda dos juízes. O trabalho foi paralisado ontem", informa o jornal.
Hoje, às 8h56, o leitor Johnny Ross enviou um comentário que resume o sentimento geral sobre a ofensiva de ministros do STF para tirar o poder da corregedora Eliana Calmon, que este ano começou a levantar os véus da Justiça brasuileira. Escreve o leitor:
"O Judiciário que, em tese, deveria ser o grande guardião das instituições democráticas conquistadas, acaba se comportando como o mais obscuro dos três poderes da República. Impossível citar aqui as barbaridades que acontecem no TJ-SP, onde existe um verdadeiro balcão de negócios para comercialização de sentenças e despachos".
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O ministro Marco Aurélio Mello, sempre ele, nomeado no governo Fernando Collor de Mello, esperou terminar a última sessão do ano do Supremo Tribunal Federal (STF), para voltar às manchetes dos jornais.
Ao conceder liminar em ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra medidas da corregedora Eliana Calmon destinadas a combater a impunidade no Judiciário, Mello esvaziou os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar e punir juízes acusados de praticar irregularidades diversas.
Na peleja entre quem combate a impunidade e quem defende o corporativismo, está perdendo, mais uma vez, a Justiça _ e a confiança dos brasileiros em suas instituições, que vinha sendo resgatada por figuras públicas como Eliana Calmon.
Com 40 páginas, o voto de Marco Aurélio Mello, que estava pronto desde o dia 5 de setembro, deu um alívio aos magistrados fora da lei investigados pelo CNJ, que Eliana Calmon chamou de "bandidos de toga nos tribunais", ao reforçar o poder das corregedorias dos tribunais regionais, conhecidos por sua morosidade e corporativismo.
O ministro condenou a "caça às bruxas" e defendeu o "autogoverno dos tribunais", convencido da "urgência da medida".
Mello sempre foi contrário à criação do CNJ, instituição implantada em 2005 para permitir o controle externo do Judiciário, ou seja, para que a sociedade e a própria Justiça tenham condições de se defender dos maus juízes.
Desde que entrou no STJ, no começo dos anos 1990, o primo de Fernando Collor de Mello sempre correu em faixa própria, como uma espécie de líder sindical das corporações jurídicas, concedendo liminares polêmicas para libertar presos do andar de cima. Em 73% dos casos, foi voto vencido nas ações de inconstitucionalidade analisadas pelo STF.
Com a sua liminar, que só será submetida à análise do plenário quando o STF voltar do recesso em fevereiro, Mello provocou, por exemplo, a suspensão de investigações do CNJ na folha de pagamentos dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, flagrados com vencimentos acima do teto constitucional graças ao acúmulo de vantagens indevidas.
Quando a gente pensa que as coisas podem melhorar em nosso país, se tivéssemos mais pessoas com a coragem de Eliana Calmon, a realidade nos joga outra vez nas trevas do atraso do corporativismo, bem na época da renovação de esperanças no Ano Novo.
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