Guerra civil invisível
Em oito anos, oito meses e 26 dias, a guerra do Iraque matou entre 104 mil e 113 mil civis, segundo números oficiais, publicados pela Folha de S. Paulo. No espaço de um único ano, 2010, o Brasil registrou, segundo o recém-divulgado Mapa da Violência, do Ministério da Justiça, 49 mil e 932 homicídios.
Uma operação aritmética elementar dá a dimensão da tragédia brasileira. O período que abrange a guerra do Iraque corresponde a 3 mil e 186 dias. Considerando-se a estimativa maior de 113 mil mortos no período, tem-se a média de 35,5 homicídios por dia. Números, frise-se, de uma guerra.
Peguem-se agora os números brasileiros no prazo de um único ano e faça-se a mesma operação. O resultado é aterrador: 136,8 homicídios por dia – mais de quatro vezes a média iraquiana.
Não há possivelmente nenhuma situação análoga no planeta, nem no Afeganistão, Sudão ou Somália, países que vivem conflitos internos e externos crônicos. Como é possível tal aberração num país como o Brasil, que não está oficialmente em guerra?
Não obstante a gravidade do quadro, ele não consta da agenda política nem do governo, nem dos partidos. É como se não existisse. Sabe-se que a maioria esmagadora das mortes é de jovens com menos de 30 anos, e decorre da ação do crime organizado, que tem no tráfico de drogas o seu epicentro.
Que outro problema pode se sobrepor a esse? Nele, estão embutidas todas as carências sociais brasileiras: educação, saúde, drogas, segurança etc. Esses temas, no entanto, quando abordados, não se articulam com essa consequência maior que deles decorre. São vistos como questões isoladas, tratadas burocraticamente. E, no entanto, são indissociáveis.
O combate às drogas no Brasil é fictício. Dá-se no varejo; finge-se que não existe o atacado. Sabe-se que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) constituem um poderoso cartel narcotraficante, que domina há anos o mercado brasileiro.
É uma organização criminosa, que vive dos resgates que obtém com o sequestro de cidadãos inocentes e com o tráfico de drogas. De quebra, mantêm na selva um campo de concentração, com mais de oito mil prisioneiros.
E não é de hoje. As Farc surgiram em 1964, como guerrilha política, de índole marxista-leninista. A partir dos anos 80, derivaram para ações criminosas e mantêm estreitas relações, já comprovadas pela Polícia Federal brasileira, com organizações como Comando Vermelho e PCC. Trocam drogas por armas.
Mesmo com esse status abominável, mundialmente reconhecido, mantêm relações amistosas com as forças políticas hegemônicas no país. Em 1990, ao criar o Foro de São Paulo, que teve como seu primeiro presidente Lula e presidente de honra Fidel Castro, o PT convidou as Farc a integrá-lo.
Reconheceu assim a legitimidade do papel político que exerce – e tem reiterado essa convicção. Jamais houve uma condenação formal da diplomacia brasileira às Farc. Ao contrário.
Marco Aurélio Garcia, que foi assessor especial de Lula para assuntos internacionais – uma espécie de chanceler informal -, se negou a considerar as Farc terroristas, não obstante sua prática de sequestro e assassinatos, inclusive, e sobretudo, de gente alheia à luta política na Colômbia. Já naquela época, as Farc praticavam sequestros e tráfico de drogas.
E há muitas outras evidências dessa estreita relação: o governo Lula deu refúgio político ao narcoguerrilheiro Olivério Medina, um dos cabeças das Farc, e requisitou sua mulher, Angela Slongo para trabalhar na Casa Civil da Presidência da República, então comandada pela hoje presidente Dilma Roussef.
Na campanha eleitoral do ano passado, José Serra acusou o governo da Bolívia de negligente com o tráfico de cocaína, para cuja melhor operacionalidade estava construindo uma rodovia na fronteira com o Brasil, financiada pelo BNDES. Nada menos. Governo e PT saíram em campo em defesa da Bolívia.
Os números não mentem. Trava-se uma guerra civil sem causa no Brasil, cujos efeitos não se esgotam na mortandade dos conflitos entre traficantes e polícia e entre as próprias quadrilhas.
Comprometem o patrimônio maior de qualquer país, que é sua juventude, destinatária do produto final do conflito: as drogas.
Ruy Fabiano é jornalista
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