quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A nova figura jurídica: prisão “por merecimento”

A nova figura jurídica: prisão “por merecimento”

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Em condições normais de lucidez nacional, o artigo de Janio de Freitas, hoje, na Folha, seria compreensível a todos e soaria com a gravidade que merece. Afinal, manter pessoas presas por um crime que nem mesmo a polícia reconhece ter havido, porque assim o quis um Procurador da República e com isso concordou um juiz do Supremo, seria um escândalo inimaginável.
Mas o Brasil não é, desde que o Judiciário passou a ser um espetáculo representado diante da opinião pública, no palco dos jornais, revistas e televisões, um país lúcido. E, portanto, devo, com o perdão do mestre pela temeridade de explicá-lo, fazer esta introdução ao texto de Janio de Freitas.
Joesley Batista e seu capanga financeiro, Ricardo Saud, foram presos, dias depois de terem recebido de Janot uma completa imunidade penal, porque, entra as conversas de bêbados que mantinham e “autogravavam”, teriam admitido remunerar um dos auxiliares de Janot e levantado suspeitas cobre ministros do Supremo Tribunal Federal.
Só que a gravação de tais referências a juízes não existe, afirma a Polícia Federal. Ou porque não existem, mesmo, ou porque foram feitas “não existir” pelo potencial que porventura tivessem. Portanto, não existem, do ponto de vista legal.
Passamos, portanto, a discutir se Batista e companhia estão na cadeia por obstruirem um investigação sobre o que a PF diz que não existe. Estão em cana “por merecimento” (isso para não dizer de outra categoria de decisões administrativas, o “por conveniência”).
Chegamos ao ponto de que a cadeia substitui o assento sobre o qual o inesquecível Chacrinha perguntava à platéia: “vai para o trono ou não vai?”.
Como minhas relações com a JBS nunca foram além de, no tempo de vacas gordas, comprar um ou outra picanha Friboi para assar ao forno, posso achar que Joesley, Saud e outros tantos mereçam mesmo um xilindró. Mas isso não quer dizer que isso os possa prender, salvo se eu for um Abelardo Barbosa do Judiciário, com o martelo no lugar da buzina, agindo como quem está com tudo e, ao contrário do Velho guerreiro, ainda por cima está bem “prosa”

Em gozo da imunidade judicial, 
Joesley foi acusado de novo crime

Janio de Freitas, na Folha
Pródigo em originalidades embaraçosas para o alto Judiciário e o Ministério Público, Joesley Batista ainda não esgotou o seu estoque. Se bem que, no caso em questão, não se saiba que papel teve. Nem mesmo se teve, apesar de preso há perto de cinco meses por causa desse incerto papel. Prisões do tipo, é verdade, deixaram de ser anormais. Mas a de Joesley se inclui, como lhe é próprio, em um enredo original.
Em gozo da imunidade recebida de Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, pelas revelações da corrupção autenticada até pela voz comprometida de Michel Temer, Joesley foi acusado de um novo crime. Janot em pessoa divulgou o que definiu como “fato gravíssimo”: a descoberta de uma gravação em que o empresário trocava com um diretor de sua “holding” J&F, Ricardo Saud, citações a condutas ilícitas e imorais de ministros do Supremo Tribunal Federal. Inclusive a presidente Cármen Lúcia, que, indignada, providenciou um inquérito.
Era setembro do ano passado, e Joesley e Saud foram presos. O incumbido de investigar a tal gravação (não os ministros) foi o delegado Cleyber Lopes, há pouco em evidência pela inexplicada troca do encarregado, que passou a ser ele, de investigações do interesse de Michel Temer: os antecedentes de um decreto de 2017 em beneficio de uma operadora nas Docas de Santos, a Rodrimar. O Rocha Loures da mala com os R$ 500 mil temerários está nessa também.
Com dois a três meses de investigações e depoimentos, a Polícia Federal chegou à conclusão mais imprevista. A gravação citada pelo então procurador-geral, com a precisão de nomes dos interlocutores e de ministros, não existe. Nada e nenhum depoente indicou que houvesse existido.
Na altura em que Joesley e Saud foram acusados e presos, Rodrigo Janot estava assoberbado com as críticas, também no Supremo, à anistia plena que concedera em retribuição às delações e à gravação de Temer pelo empresário. As tentativas de justificar o “prêmio” tornaram mais gritante a concessão. No Judiciário não faltava quem estudasse a maneira de revertê-la.
O silêncio que desde dezembro encobre a conclusão da Polícia Federal é também de Janot. Não se conhece indício de irregularidade sua na origem do “fato gravíssimo”, nem o contrário. Sua informação de que prepara um livro, sobre seus anos como procurador-geral, é interessante, mas não suficiente. A opinião pública tem o direito de saber o que houve, o que era aquilo lhe foi servido como “fato gravíssimo”. E há duas pessoas presas -por que, se a gravação não existe?
O que era “gravíssimo” pode não ter sido. Mas agora é.

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