domingo, 27 de janeiro de 2013

Desenvolvimento social baseado na felicidade | Brasilianas.Org

Desenvolvimento social baseado na felicidade | Brasilianas.Org
O filósofo francês Serge Latouche foi um dos convidados internacionais do Festivalfilosofia, que ocorreu entre Modena, Carpi e Sassuolo entre os dias 14 a 16 de setembro e que teve como tema as Coisas (direção científica de Michelina Borsari). O programa incluía mais de 200 encontros e 50 lectio magistralis das quais participaram, dentre outros, Enzo Bianchi, Cacciari, Augé e Bauman.
Publicamos aqui uma parte da lectio que Latouche proferiu no dia 16 na Piazza Grande, em Modena. É assim que o estudioso volta às suas teses mais célebres como a do “decrescimento feliz”.

O texto foi publicado no jornal La Repubblica, 14-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Vivemos em uma sociedade do crescimento. Isto é, em uma sociedade dominada por uma economia que tende a se deixar absorver pelo crescimento como fim em si mesmo, objetivo primordial, senão único, da vida. Justamente por isso a sociedade do consumo é o resultado óbvio de um mundo baseado em uma tripla ausência de limites: na produção e, portanto, na extração dos recursos renováveis e não renováveis, na criação de necessidades – e, portanto, de produtos supérfluos e resíduos – e na emissão de lixo e poluição (do ar, da terra e da água).
O coração antropológico da sociedade do crescimento torna-se então a dependência dos seus membros ao consumo. O fenômeno é explicado de um lado com a própria lógica do sistema e, de outro, com um instrumento privilegiado da colonização no imaginário, a publicidade. E encontra uma explicação psicológica no jogo da necessidade e do desejo.
Para usar uma metáfora, tornamo-nos “toxicodependentes” do crescimento. Que tem muitas formas, já que a bulimia da compra – somos todos “turboconsumidores” – corresponde ao workaholism, a dependência do trabalho.
Um mecanismo que tende a produzir infelicidade porque se baseia na criação contínua de desejo. Mas o desejo, ao contrário das necessidades, não conhece a saciedade. Pois se dirige a um objeto perdido e inencontrável, dizem os psicanalistas. Sem poder encontrar o “significado perdido”, ele se fixa sobre o poder, a riqueza, o sexo ou o amor, todas coisas cuja sede não conhece limites. (…)
Até por isso é preciso imaginar um novo modelo. Econômico e existencial. Assim, a redefinição da felicidade como “abundância frugal em uma sociedade solidária” corresponde à força de ruptura do projeto do decrescimento. Ela pressupõe que se saia do círculo infernal da criação ilimitada de necessidades e produtos, e da crescente frustração que ele gera, e de modo complementar de temperar o egoísmo resultante de um individualismo de massa.
Sair da sociedade de consumo é, portanto, uma necessidade, mas o projeto iconoclasta de construir uma sociedade de “abundância frugal” só pode suscitar objeções e confrontar-se com formas de resistência, independentemente dos cursos e dos percursos do decrescimento. Acima de tudo, nos perguntarão, a própria expressão “abundância frugal” não é talvez um oxímoro pior do que aquele justamente denunciado do “desenvolvimento sustentável”?
Pode-se no máximo conceber e aceitar uma “prosperidade sem crescimento”, segundo a proposta do ex-conselheiro para o meio ambiente do governo trabalhista, Tim Jackson, mas uma abundância na frugalidade é realmente demais! Na verdade, enquanto permanecermos encerrados no imaginário do crescimento, só poderemos ver nisso uma insuportável provocação.
De outro lado, ao contrário, se sairmos de certas lógicas, pode ficar claro que a frugalidade é uma condição preliminar com relação a toda forma de abundância. A abundância consumista pretende gerar felicidade através da satisfação dos desejos de todos, mas isso depende de rendas distribuídas de modo desigual e, portanto, sempre insuficientes para permitir que a imensa maioria cubra as despesas básicas necessárias, principalmente quando o patrimônio natural foi dilapidado.
Indo ao oposto dessa lógica, a sociedade do decrescimento se propõe a gerar a felicidade da humanidade através da autolimitação para poder alcançar a “abundância frugal”.
Como toda sociedade humana, uma sociedade do decrescimento certamente deverá organizar a produção da sua vida, isto é, utilizar de modo razoável os recursos do seu ambiente e consumi-los através dos bens materiais e dos serviços. Mas fará isso um pouco como aquelas “sociedades da abundância” descrita pelos antropólogo Marshall Salhins, que ignoram a lógica viciosa da raridade das necessidades, do cálculo econômico. Esses fundamentos imaginários da instituição da economia devem ser postos em discussão.
Jean Baudrillard havia visto isso muito bem em seu tempo, quando disse que “uma das contradições do crescimento é que, ao mesmo tempo, ele produz bens e necessidades, mas não os produz no mesmo ritmo”. O resultado é o que ele chama de uma “pauperização psicológica”, um estado de insatisfação generalizada, que define, ele afirma, “a sociedade do crescimento como o contrário de uma sociedade da abundância”. A verdadeira pobreza está, de fato, na perda da autonomia e na dependência.
Um provérbio dos nativos norte-americanos explica bem o conceito: “Ser dependente significa ser pobre; ser independente significa aceitar não enriquecer”. Sejamos, portanto, pobres, ou mais exatamente miseráveis, nós que somos prisioneiros de tantas próteses. A frugalidade reencontrada permite precisamente que se reconstrua uma sociedade da abundância, com base no que Ivan Illich chamava de “subsistência moderna”. Ou seja, “o modo de viver em uma economia pós-industrial, dentro da qual as pessoas são capazes de reduzir a sua dependência do mercado e chegaram a isso protegendo – através de instrumentos políticos – uma infraestrutura em que as técnicas e os instrumentos servem, em primeiro lugar, pra criar valores de uso não quantificados e não quantificáveis por parte dos fabricantes de necessidades profissionais”.
O crescimento do bem-estar, portanto, é a via mestra do decrescimento, porque, sendo felizes, somos menos suscetíveis à propaganda e à compulsividade do desejo.
Muitas dessas opções implicam uma mudança da nossa atitude, também com relação à natureza. Ainda me lembro da minha primeira laranja, encontrada na minha meia no Natal, no fim da guerra. Também me lembro, alguns anos mais tarde, dos pimeiros cubos de gelo que um vizinho rico que tinha uma geladeira nos trazia nas noites de verão e que nós mordíamos com prazer como se fossem guloseimas. Uma falsa abundância comercial destruiu a nossa capacidade de nos maravilharmos diante dos dons da natureza (ou da engenhosidade humana que transforma esses dons). Reencontrar essa capacidade suscetível de desenvolver uma atitude de fidelidade e de reconhecimento com relação à mãe Terra, ou mesmo uma certa nostalgia é a condição de sucesso do projeto de construção de uma sociedade do decrescimento sereno, assim como a condição necessária para evitar o destino funesto de uma obsolescência programada da humanidade.

Britânicos choram: Thatcher entregou soberania energética aos franceses! « Viomundo – O que você não vê na mídia

Britânicos choram: Thatcher entregou soberania energética aos franceses! « Viomundo – O que você não vê na mídia

Britânicos choram: Thatcher entregou soberania energética aos franceses!

publicado em 5 de novembro de 2012 às 2:43
por Luiz Carlos Azenha
As revistas literárias, quem diria, estão se transformando no espaço para as grandes reportagens que antes saiam nos jornais. Como o público delas é razoavelmente sofisticado, não engole qualquer lixo vendido a título de “jornalismo”. A mais recente edição da London Review of Books traz uma reportagem excepcional de James Meek, How we happened to sell off our electricity, “Como aconteceu da gente vender nossa eletricidade”, que é um raio xis do sistema elétrico do Reino Unido.
Resumo: o neoliberalismo de Margaret Thatcher entregou a soberania energética do Reino Unido logo… à França. O equivalente ao Brasil entregar à Argentina o poder de decidir sobre as questões mais importantes do futuro de sua matriz energética — ou vice-versa.
O texto mostra como os britânicos se desfizeram da estatal Central Electricity Generating Board (CEGB) apenas para vê-la substituída primeiro por investidores norte-americanos e em seguida pela estatal francesa EDF. Mostra como, na França, a multinacional EDF enfrenta uma campanha de ativistas que trabalham para evitar cortes de energia para quem não pode pagar a conta, agindo como se fossem Robin Hoods do século 21.
Trechos (observações entre colchetes do Viomundo, para facilitar o entendimento):
“O que aconteceu não é o que eles [os que promoveram a privatização] prometeram ou pretendiam quando colocaram a indústria estatal de eletricidade do Reino Unido à venda. Antes do fim deste ano, políticos, regulamentadores e corporações tomarão decisões que vão determinar a vida elétrica do país pelo próximo meio século.
Vão decidir como manter as luzes acesas e as rodas da indústria em movimento pelos próximos cinquenta anos sem afetar severamente o clima e sem nos empobrecer. Mas como resultado das ações tomadas uma geração atrás pelos conservadores de Margaret Thatcher — um partido cujo programa nacionalista prometia independência da Europa — agora as decisões não dependem apenas do Reino Unido.
Thatcher prometia menos envolvimento do Estado mas o futuro da oferta britânica de energia agora depende de companhias estatais francesas baseadas em Paris: Electricité de France, mais conhecida como EDF, e Areva, fabricante de usinas nucleares. A EDF e a Areva vão construir novos reatores nucleares no Reino Unido? Se sim, quanto isso vai custar ao público britânico e francês?”.
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“Em 1981, com inflação e desemprego acima dos 10%, o recentemente eleito governo conservador forçado a ceder diante de demandas dos mineiros, cortes de gastos públicos provocando protestos e a carreira de Thatcher como primeira ministra parecendo fadada a um fim ignominioso, um economista de 38 anos da Universidade de Birmingham chamado Stephen Littlechild trabalhava em formas de colocar em prática uma ideia esotérica que tinha sido muito discutido em círculos radicais dos Tory [o Partido Conservador inglês]: privatização. A privatização não era patente da Thatcher.
O economista espanhol Germà Bel liga a origem do termo à palavra alemã Reprivatisierung, primeiro usada em inglês em 1936 pelo correspondente em Berlim da revista Economist, que escrevia sobre a política econômica dos nazistas. Em 1943, em uma análise do programa econômico de Hitler no Quarterly Journal of Economics, a palavra “privatização” entrou na literatura acadêmica pela primeira vez. O autor, Sidney Merlin, escreveu que o Partido Nazista ‘facilitava a acumulação de fortunas privadas e de impérios industriais por seus mais importantes membros e colaboradores através de privatização e outras medidas, com isso intensificando a centralização das questões econômicas e de governo em um grupo cada vez mais diminuto, que poderia ser classificado de elite nacional socialista’.
Os caubóis livre-mercadistas que chegaram ao poder com Thatcher em 1979 talvez não soubessem do prelúdio nazista, mas com certeza sabiam das privatizações mais recentes, no Chile de Pinochet”.
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“A solução de Littlechild para o Reino Unido foi substituir o teto existente nos Estados Unidos para o lucro [das empresas elétricas privadas] por um teto para o preço da energia vendida ao consumidor. As companhias privatizadas só poderiam aumentar seus preços anualmente  pelo equivalente à inflação menos um fator X, que a agência reguladora definiria a cada cinco anos.
Os preços deveriam cair em termos reais todos os anos: parecia um bom negócio para o consumidor. Mas o que não parecia óbvio para a maioria das pessoas eram as imensas oportunidades para as empresas privadas de energia cortarem custos e não apenas demitindo trabalhadores”.
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“Mas, assim que os privatistas calcularam a capacidade de produção disponível e os custos de manter as diferentes usinas, criaram um sistema para definir o preço de atacado da energia tão complicado que só era entendido pelas pessoas que dirigiam as empresas, justamente aquelas cujo interesse era manter o preço o mais alto possível.
No anos 90, os custos do petróleo, do gás e do carvão cairam e o gerenciamento agressivo tornou as usinas mais baratas de tocar, especialmente com as demissões de trabalhadores. Ainda assim o preço da energia no atacado ficou o mesmo. Os grandes players privados encontraram formas de manipular o mercado para manter os preços altos. Eles eram capazes de desvirtuar o sistema declarando, por exemplo, que uma certa usina estava temporariamente indisponível para gerar eletricidade. O preço da energia, então, aumentava — e num passe de mágica a usina voltava ao sistema”.
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“É uma cruel conclusão da realidade de privatizar serviços essenciais: o que está sendo vendido não é a infraestrutura, mas cidadãos pagantes de contas; o que está sendo privatizado não é a eletricidade, mas a cobrança de impostos.
De fato, o governo francês [dono da EDF] está comprando o direito de taxar clientes britânicos através de suas contas de eletricidade; o direito de usar dinheiro e espaços britânicos para financiar uma demonstração mundial de uma tecnologia francesa ainda não testada [a que seria aplicada em futuras usinas nucleares, já que o sistema elétrico britânico precisa de mudanças urgentes]. E como os impostos escondidos na conta de eletricidade não levam em conta a capacidade de quem paga, quanto mais pobre você for, maior é sua contribuição ao programa”.
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“Ainda assim, as luzes não se apagaram. Pelo menos é o que um deputado disse a Dieter Helm [economista britânico especializado em serviços essenciais] alguns anos atrás, quando ele prestava depoimento no Parlamento. As pessoas haviam alertado que haveria blecautes no inverno anterior, mas não houve, disse o deputado. Com paixão incomum, Helm colocou as coisas em seu devido lugar. Se você define o problema como luzes que não se apagaram, afirmou, não entendeu nada sobre como funciona o novo mundo dos mercados de eletricidade. A situação ideal para as empresas privadas de eletricidade é que exista apenas energia suficiente para o consumo.
Podem cobrar quanto quiserem que as pessoas vão pagar. ‘As pessoas pensam que insegurança no fornecimento significa que as luzes vão ou não se apagar — mas esta nem é a questão’, ele disse. ‘A questão é o que acontece logo antes das luzes se apagarem’. Mais de vinte anos depois do lançamento do grande experimento com eletricidade, dá para ver que embora tenha sido um ato de privatização — na verdade, de taxação — foi mais significativamente um ato de alienação, criando uma barreira impenetrável de complexidade, segredos comerciais e distância geográfica entre as companhias e os clientes que elas servem.
É fácil trocar fornecedores [possível no Reino Unido]. Mas os consumidores-camponeses do Reino Unido agora trazem seus dízimos até os portões trancados dos grandes latifúndios elétricos e se perguntam: afinal, quem mora lá? Estão em casa ou em alguma outra propriedade, em outra parte do mundo? Não é de surpreender que Denis Cohen [líder sindical francês], um velho comunista, herdeiro dos Communards e dos sans-culottes, odeia o que a companhia que o paga [EDF] está fazendo fora da França. ‘Fiquei surpreso ao saber que sindicalistas britânicos não se opuseram a isso’, ele disse, referindo-se à privatização e ao controle estrangeiro do setor elétrico. ‘Nós, com nossa cultura, teríamos lutado até a morte para evitá-lo’”.

O festival de desinformação que segura o desenvolvimento

O festival de desinformação que segura o desenvolvimento

O festival de desinformação que segura o desenvolvimento

Autor: 
Coluna Econômica
Hoje em dia, provavelmente o maior custo que o país carrega é o chamado “custo mídia” – o festival de desinformação que tomou conta da cobertura dos grandes veículos.
Há um caminhão de questões para serem criticadas. O governo Dilma está longe do estado da arte da gestão; as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ainda enfrentam problemas de gerenciamento; não se avançou em nada na redução da burocracia pública; abandonaram-se as minirreformas que ajudavam a destravar a economia.
Cada tema desse dá espaço a campanhas críticas relevantes, necessárias para aprimorar os trabalhos, evitar o acomodamento e manter o governo com rédea curta,
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Mas há uma invencível dificuldade da mídia em produzir a crítica técnica.
Há muito reclama-se do custo Brasil, expresso especialmente nas tarifas públicas. Um dos grandes problemas surgidos nos anos 90 foi com a matriz elétrica. Tinha-se, até então, energia barata, fruto de décadas de investimento em hidrelétricas já amortizadas.
Com a privatização, matou-se essa vantagem competitiva. Criou-se um modelo de mercado que desorganizou a geração, praticamente quebrou a distribuição e, ao final, legou uma das tarifas de energia mais altas do planeta.
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Decidiu-se, então, reduzir as tarifas – mais para as empresas (que necessitam de competitividade), menos para os consumidores domésticos.
Trata-se de medida de largo alcance. Segundo as contas da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) significará uma economia anual de R$ 31,5 bilhões para o setor produtivo.
Permite não apenas tornar os produtos internos mais competitivos em relação aos importados, como melhor as decisões de investimento em muitos setores.
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Aliás, faz parte da estratégia adotada de baratear os novos investimentos, onde entra também a redução da taxa Selic, melhoria do câmbio, desonerações da folha etc.
Os efeitos são claramente quantificáveis.
  1. Imagine uma empresa que fature R$ 100 milhões/ano e lucre 20%, ou R$ 20 milhões. Logo, suas despesas totais são de R$ 80 milhões. Suponha que R$ 30 milhões sejam com folha salarial e R$ 10 milhões com custo de energia.
  2. Na hora de analisar o investimento, se for recurso próprio, o empresário irá comparar com o chamado custo de oportunidade – no caso, a aplicação remunerada pela Selic, a taxa básica de juros da economia, com plena liquidez e sem risco.
  3. Com a Selic a 12,5%, para que o investimento tenha o mesmo retorno, em 15 anos, ele terá que investir R$ 132,7 milhões na empresa.
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As medidas de redução de investimento impactam diretamente o investimento necessário
  1. Com a redução da Selic de 12,5% para 7,5%, sua capacidade de investimento aumenta para R$ 176,5 milhões. Ou seja, 33% de aumento.
  2. Com a redução da conta de energia em 27%, sua capacidade de investimento aumenta para R$ 150,6 milhões, uma alta de 14%.
  3. Com a desoneração da folha de pagamentos, a capacidade de investimento aumenta em 30%, para R$ 172,5 milhões.
  4. Somando-se tudo, a capacidade de investimento pode aumentar em 91%, indo para R$ 253,4 milhões.
Ora, não existe mágica na redução. Não existe almoço-grátis.

Cota de depreciação - 1

Uma das medidas utilizadas foi aproveitar o vencimento de concessões e acabar com a cota de amortização. Antes, o governo cobrava pela concessão, o concessionário pagava e incluía a amortização do investimento na tarifa. O consumidor acabava pagando pelo investimento. Decidiu-se mudar a sistemática, deixando de lado a modalidade de concessão onerosa pela concessão pela menor tarifa. Mais ainda.

Cota de depreciação – 2

Na hora de renovar concessões antigas, deu aos concessionários a possibilidade de renovar de forma não onerosa, desde que aceitasse a nova modalidade de pagamento – que levaria em conta as despesas operacionais da concessão. Para reduzir a conta, no caso das concessões que vencem até 2015, houve a proposta de ressarcir as empresas pelo tempo que faltava para vencer o contrato. Como discutir a legitimidade da proposta?

Cota de depreciação – 3

De repente, descobre-se que o mercado precificava as empresas levando em conta a renovação da concessão, a manutenção dos ganhos com a tal taxa de depreciação, mesmo ela não se constituindo em direito líquido e certo da companhia. Acionistas ganharam rios de dinheiro em cima da desinformação do mercado, contando com um faturamento futuro que não poderia se manter após o final da concessão.

Cotas de depreciação - 4

As cotações de uma companhia dependem do fluxo futuro de resultados. Em geral, o mercado projeta o fluxo passado para o futuro e, a partir daí, calcula o chamado preço justo da ação. Ora, no caso das concessões, ponto central de análise é o prazo dos contratos e de que maneira se dará sua renovação. Vendeu-se a ideia de que, mesmo com a renovação, o fluxo de resultados seria mantido. É evidente que houve um passa-moleque no mercado.

Cota de depreciação – 5

Em vez de investir contra os que manipularam os preços (escondendo informações relevantes), houve um enorme alarido de lobistas contra o que diziam ser “insegurança jurídica” dos contratos. Que mané insegurança? Tem-se periodicamente leilões de energia, com novos investidores entrando no mercado, apostando em novas fontes, sem um pingo de receio quanto à segurança jurídica. No entanto, espalhou-se a lenda da insegurança, com propósitos eminentemente políticos.

Almoço grátis

Não se ficou só nisso. Se desonera a conta de tributos, diz-se que o governo está dando presente tirando dinheiro dos impostos. Se há aporte do Tesouro, diz que o governo está oferecendo almoço com dinheiro do contribuinte. Mas é claro! Alguém acha que essa entidade chamada governo tem fontes próprias de receita? Há um tiroteio insano no ar que impede que as boas iniciativas sejam valorizadas e impede que os fracassos relevantes sejam apontados.

Mauro Santayana

Mauro Santayana

25/01/2013

OS QUE DEVEM MORRER


          (HD) -    A ciência prolonga a vida dos homens; a economia liberal recomenda que morram a tempo de salvar os orçamentos. O Ministro das Finanças do Japão, Taso Aro, deu um conselho aos idosos: tratem logo de morrer, a fim de resolver o problema da previdência social.
             Este é um dos paradoxos da vida moderna. Estamos vivendo mais, e, é claro, com menos saúde nos anos finais da existência. Mas, nem por isso, temos que ser levados à morte. Para resolver esse e outros desajustes da vida moderna, teríamos que partir para outra forma de sociedade, e substituir a razão do “êxito” e da riqueza pela ética da solidariedade.   
             Ocorre que nem era necessário que esse senhor Taso Aro – que, em outra ocasião, ofereceu o Japão como território seguro para os judeus ricos do mundo inteiro – expusesse essa apologia da morte. A civilização de nosso tempo, baseada no egoísmo, com a economia servidora dos lucros e dos ricos, e, sobretudo, dos banqueiros, é, em si mesma, suicida.
            É claro que, ao convidar os velhos japoneses a que morram, Aro não se refere aos milionários e multimilionários de seu país. Esses dispensam, no dispendioso custeio de sua longevidade, os recursos da Previdência Social e dos serviços oficiais de saúde de seu país. Todos eles têm a sua velhice assegurada pelos infindáveis rendimentos de seu patrimônio.
          Os que devem morrer são os outros, os que passaram a vida inteira trabalhando para o enriquecimento das grandes empresas japonesas e multinacionais. Na mentalidade dos poderosos e dos políticos ao seu serviço, os homens não passam de máquinas, que só devem ser mantidos enquanto produzem, de acordo com os manuais de desempenho ótimo. Aso, em outra ocasião, disse que os idosos são senis, e que devem, eles mesmos, de cuidar de sua saúde.
           Não podemos, no entanto, ver esse desatino apenas no comportamento do ministro japonês, nem em alguns de seus colegas, que têm espantado o mundo com declarações estapafúrdias. O nível intelectual e ético dos dirigentes do mundo moderno vem decaindo velozmente nas últimas décadas. Não há mistério nisso. Os verdadeiros donos do mundo sabem escolher seus serviçais e coloca-los no comando dos estados nacionais.
         São eles, que, mediante o Clube de Bielderbeg e outros centros internacionais desse mesmo poder, decidem como estabelecer suas feitorias em todos os continentes, promovendo a ascensão dos melhores vassalos, aos quais premiam, não só com o governo, mas, também, com as sobras de seu banquete, em que são servidos, além do caviar e do champanhe, o petróleo e os minérios, as concessões  ferroviárias e nos modernos e mais rendosos negócios, como os das telecomunicações.
           A civilização que conhecemos tem seus dias contados, se não escapar desses cem tiranos que se revezam no domínio do mundo.

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George Monbiot: Winston Churchill e os parasitas no topo da pirâmide « Viomundo – O que você não vê na mídia

George Monbiot: Winston Churchill e os parasitas no topo da pirâmide

publicado em 27 de janeiro de 2013 às 14:43

Um silêncio ensurdecedor
Porque precisamos de um imposto sobre as propriedades
por George Monbiot, publicado em seu blog e no diário britânico Guardian
Você pode aprender tanto sobre um país a partir de seus silêncios quanto de suas obsessões. As questões que os políticos não discutem são tão significativas e decisivas quanto as que eles discutem. Enquanto os cortes de orçamento do governo britânico empobrecem os vulneráveis e destroem os serviços públicos, é hora de falar sobre os caminhos não escolhidos, as oportunidades abandonadas: os impostos que poderiam ter evitado todos os apertos do parafuso.
A extensão do esquecimento é extraordinária. Considere, por exemplo, o imposto sobre os ganhos de capital. Antes da eleição, os Liberal Democratas prometeram aumentar o imposto de 18% para “a mesma taxa do imposto de renda” (em outras palavras, um imposto de até 50%), para garantir que os chefões do mercado financeiro não pagariam menos imposto que os faxineiros.
Fazia sentido, removendo o incentivo para que os chefões recebessem o salário em ações. Apesar da justificativa poderosa, o governo se negou a subir o imposto acima dos 28%. Os Liberal Democratas protestaram por um dia ou dois e desde então ficaram silenciosos. No debate sobre cortes na Previdência Social, esta oportunidade perdida não foi mencionada sequer uma vez.
Mas pelo menos o imposto subiu. Em dois anos e meio, o governo cortou o imposto das corporações três vezes. Vai cair de 28% em 2010 para 21% em 2014. George Osborne, o ministro das Finanças, vangloriou-se no mês passado que “é o menor imposto corporativo de todas as grandes economias ocidentais”: ele está conscientemente deflagrando uma competição destrutiva com outras nações, criando novas desculpas para diminuir ainda mais o imposto.
O quase silêncio do Partido Trabalhista nesta questão é fácil de explicar. Sob Tony Blair e Gordon Brown, que foram muitas vezes tão entusiastas do apaziguamento do poder corporativo quanto os Conservadores, o imposto foi reduzido de 33% para 28%. Antecendendo a vanglória de Osborne, em 1999 Brown alardeou que ele tinha adotado “o menor imposto corporativo de qualquer país industrializado no mundo, inclusive o Japão e os Estados Unidos”. Que legado para um governo trabalhista!
Quanto a um imposto Robin Hood sobre transações financeiras, depois de um alvoroço inicial agora é mais provável que você ouça no Parlamento o canto do pássaro do país das maravilhas que um debate sobre o imposto. De acordo com o Instituto de Pesquisa de Políticas Públicas, um imposto de apenas 0,01% sobre transações financeiras arrecadaria o equivalente a 80 bilhões de reais por ano, tornando muitos dos debates sobre os cortes devastadores no orçamento desnecessários.
O silêncio também cerca a noção de um imposto sobre a extrema riqueza. E dizer que a interessante ideia do professor Greg Philo — de transferir a dívida nacional para os que possuem o equivalente a 3 milhões de reais ou mais em bens — não despertou a chama da paixão no Parlamento não é exagero.
Mas o silêncio mais ensurdecedor é que o cerca a questão do imposto sobre propriedades. O apartamento mais caro naquele esconderijo preferido dos super-ricos, em One Hyde Park, custa o equivalente a 433 milhões de reais. O dono paga R$ 4.391 em impostos, ou 0,001% do valor.
No ano passado o diário britânico Independent revelou que o sultão de Brunei paga em impostos apenas R$ 102 por mês a mais que as pessoas mais pobres de seu bairro, para desfrutar de sua propriedade no Kensington Palace Gardens.
O imposto sobre as mansões — adotado por David Cameron em outubro — deveria ser apenas o começo do que os proprietários devem pagar. Isso porque o imposto mais simples, mais justo e mais difícil de sonegar é aquele que os principais partidos simplesmente não contemplam. É o imposto sobre o valor da terra.
O termo não é correto. Não é, na verdade, um imposto. É a devolução, para o público, dos benefícios que concedemos aos donos da terra. Quando ela valoriza, o governo e o povo dão um grande presente aos proprietários de imóveis.
Em 1909 um perigoso subversivo explicou a questão assim. “Estradas são construídas, ruas são construídas, os serviços melhoram, a luz elétrica torna a noite em dia, a água é trazida de reservatórios que ficam centenas de quilômetros nas montanhas — e tudo isso com o dono da terra sentado. Todas estas melhorias são cobertas pelo trabalho das pessoas e custam aos contribuintes. O monopolista da terra não contribui com estas melhorias e ainda assim o valor de sua terra aumenta. Ele não presta serviços à comunidade, ele não contribui em nada com o bem estar geral, ele não contribui em nada com o processo do qual sua riqueza é derivada… o incremento imerecido no valor da terra obtido pelo monopolista vem na exata proporção não do serviço, mas do desserviço prestado”.
Quem era o radical? Winston Churchill. Como Churchill, Adam Smith e muitos outros indicaram, aqueles que são proprietários de imóveis tiram riqueza de todos os outros, sem esforço ou empreendimento. Eles “cobram um imposto de todas as outras formas de riqueza e indústria”. Um imposto sobre a propriedade da terra seria para recuperar isso.
E traz outros benefícios. Acaba com a especulação imobiliária, que evita a construção de casas. Garante que os imóveis de maior valor — no centro das cidades — sejam ocupados primeiro, desencorajando a expansão das metrópoles. Previne bolhas imobiliárias especulativas, do tipo das que recentemente destruiram as economias da Irlanda, Espanha e outras nações, que tornam os aluguéis e as casas tão difíceis de bancar. Como não afeta e oferta de terra (já pararam de fabricá-la faz algum tempo), não provoca o aumento dos aluguéis. É fácil de calcular e difícil de sonegar: você não pode esconder seu terreno em Londres numa conta das ilhas Cayman. E provavelmente a cobrança deste imposto poderia cobrir todo o déficit de orçamento do governo britânico.
É notável, nesses tempos de desigualdade e dificuldade, que um imposto sobre a propriedade não esteja no coração do debate político. Talvez seja um sinal de quão poderosa a classe rentista tenha se tornado no Reino Unido. Se o silêncio em torno desta solução óbvia expõe os limites do Partido Trabalhista, também expõe a contradição no coração do Partido Conservador. Os conservadores alegam, nas palavras de David Cameron, que são “o partido da iniciativa privada”. Mas aqueles que se beneficiam de suas políticas são aqueles que já são ricos. É, na verdade, o partido dos rentistas.
O debate sobre trabalhadores, preguiçosos, batalhadores e aproveitadores deveria nos levar a esta questão. Os preguiçosos e aproveitadores que chupam o dinheiro de nosso bolso não são os que recebem dinheiro da Previdência Social, os quais em sua grande maioria são honestos, apesar de demonizados pelo Daily Mail e pelo Partido Conservador. Os parasitas estão no topo da pirâmide, não na base, e a cobrança de impostos deveria refletir isso.
Leia também:
Fernando Brito: Para entender a carga tributária no Brasil

Com Texto Livre

Com Texto Livre
 Janio de Freitas pede volta do Mobral para seus colegas
 Janio de Freitas
Os juros em alturas imorais eram acusados de impedir a retomada efetiva do crescimento e a capacidade da indústria de competir com a produção estrangeira. Os juros foram baixados. E as correntes que os culpavam entregaram-se a intensas e extensas críticas à sua redução. A energia cara era há muito acusada de obstruir o crescimento econômico e a capacidade de competição da indústria brasileira. Foi reduzida em 32%, um terço, para a produção industrial. E as correntes que a culpavam se entregam a criticá-la e desacreditá-la.
Esse jogo de incoerências proporciona noções importantes para os cidadãos, mas de percepção dificultada pela próprio jogo.
Está evidente na contradição das atitudes o quanto há de política no que é servido ao público a respeito de assuntos econômicos. Na maioria dos assuntos dessa área, o direcionamento é predominantemente determinado por política, e não pela objetividade econômica.
É assim por parte dos dois lados. Mas não de maneira equitativa. Os economistas mais identificados com o capital privado do que abertos a problemas sociais, ou a projeções do interesse nacional, fazem a ampla maioria dos ouvidos e seguidos pelos meios de comunicação.
É esse o desdobramento natural da identificação ideológica e política e das conveniências mútuas, entre empresas capitalistas e "técnicos" do capitalismo. Mas não necessariamente, como supõem certas interpretações ditas de esquerda, um desdobramento forçado aos jornalistas. Também entre os comentaristas e editores há, é provável que em maioria, identificação com os economistas do capital. E, em certos casos, com o capital mesmo. O que vai implicar tratamento político -de apoio ou de oposição- a decisões econômicas e respectivos autores.
Foi a essas críticas políticas que, a meu ver, Dilma Rousseff respondeu junto com a comunicação do corte maior no preço da energia. Nada a ver com o lançamento de campanha reeleitoral que lhe foi atribuído pelo presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, logo seguido pelos porta-vozes, assumidos ou não, do PSDB e dos remanescentes do neoliberalismo.
Do alto de sua aprovação pessoal e da aprovação ao seu governo, o que de menos Dilma Rousseff precisa é precipitar a disputa eleitoral. Essa necessidade não é dela, é dos oposicionistas -como se viu, há pouco, Fernando Henrique propondo o início imediato de um périplo eleitoreiro de Aécio Neves pelo país afora.
Dilma Rousseff fez a promoção de seu governo como Fernando Henrique fazia do seu, e todos os presidentes fizeram e fazem. A afirmação de que falou como candidata leva a uma pergunta: se não a favor do seu governo e da novidade que lança, nem há algo grave, como é que um/uma presidente deve falar?
A redução do preço da energia e a queda dos juros agravam o aturdimento da oposição representada pelo PSDB. Se nela não brota nem uma ideiazinha nova, para contrapor à queda de juros, desoneração da folha de pagamento, redução do IPI, ampliação do crédito para casa própria, só lhe resta dizer que isso não passa de um amontoado de medidas de um governo sem rumo. Mas não ver nesse amontoado, ainda que para criticar, uma coerência e um sentido de política a um só tempo industrial e social, aí já é problema para quem organiza o Enem.
Janio de Freitas
No fAlha

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

‘Brasil será exemplo de educação’, aposta Khan

‘Brasil será exemplo de educação’, aposta Khan

‘Brasil será exemplo de educação’, aposta Khan

  • 18 de janeiro de 2013|
Por Murilo Roncolato
Responsável pela Khan Academy, plataforma de videoaulas mais popular do mundo, veio ao Brasil e fechou parcerias


SÃO PAULO – O ex-analista de fundos de investimento e hoje um dos educadores mais populares do mundo, Salman Khan, visitou o Brasil nesta semana e se impressionou com a “energia”. Em menos de um dia, engatou conversas com a presidente Dilma Roussef, o ministro Aloízio Mercadante, da Educação, e fechou uma parceria de R$ 10 milhões com a fundação que leva o sobrenome do homem mais rico do Brasil, Jorge Paulo Lemann. A organização sem fins lucrativos já recebeu cerca de US$ 2 milhões do Google e US$ 1,5 milhões da fundação de Bill Gates.
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Dilma o convidou a produzir videosaula para ensino básico, focando em alfabetização, mas Khan declinou justificando que não teria como produzir o conteúdo de imediato, mas levaria algo em torno de sete anos. Mercadante comentou sobre os planos para o que chama de Universidade Livre, um repositório digital de aulas compartilhado entre as 59 instituições federais de ensino superior do País, e disse que as aulas da Khan Academy estarão acessíveis nos 600 mil tablets Android distribuídos pelo MEC a professores de ensino médio – como o app da Khan Academy só está disponível para iOS, o professor terá de acessar os sites do MEC ou da Khan para assistir às aulas, pelo navegador.
“A sensação é de que aqui vocês querem que as coisas aconteçam rapidamente”, disse Khan durante palestra, no Museu de Imagem e Som, em São Paulo. “Nos próximos cinco ou dez anos, tenho certeza, o Brasil será um exemplo de educação para o resto do mundo.”
Nascido nos Estados Unidos e descendente de indianos, Salman Khan teve uma formação tradicional, mas sempre se destacou por boas notas e por ter cursado disciplinas avançadas de matemática em universidades enquanto ainda estava no colégio. Tempos depois, concluiu duas graduações no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde vivia matando aula por acharem pouco estimulantes, e um MBA em Harvard.
Em 2004, enquanto residia em Boston, começou a dar aulas de matemática para uma prima de 12 anos que vivia em New Orleans. Mais parentes se interessaram e, em 2006, Salman teve a ideia de gravar vídeos das aulas e colocar tudo no Youtube. “Sempre achei que o Youtube era para gatos tocando piano e não para matemática séria”, disse, rindo. Ainda assim, o canal de Khan ganhou popularidade e chamou a atenção de apoiadores. Um dia soube que Bill Gates ficara cinco minutos falando sobre seu canal, muito frequentado pelas suas filhas, em uma palestra. Dias depois foi chamado para uma conversa com o criador da Microsoft. Hoje, Khan e Gates são amigos. “Eu fiz vídeos para a prima Nadia e não para as filhas do Bill Gates! (agora chamo ele de ‘Bill’).”
A Khan Academy cresceu. O projeto foi de quatro envolvidos no início aos atuais 40. Hoje, são mais de 3,8 mil videoaulas, 6 milhões de visualizações por mês vindas de mais de 200 países. Segundo Khan, a América Latina responde por 130 mil das visitas diárias.
Agora o objetivo é expandir o alcance da plataforma traduzindo suas aulas para mais idiomas. No Brasil, a Fundação Lemann já traduziu cerca de 400 vídeos e agora se comprometeu a chegar a mais de mil nos próximos meses.
“Já atingimos muita gente com um negócio pequeno. Em 2012, quando tínhamos apenas 24 pessoas trabalhando na Khan, chegamos a interagir com 43 milhões de pessoas.”


Vantagem do online
Salman Khan, aos 36 anos, vê o cenário ideal para que a educação mude sua estrutura originada a 200 anos. Acredita que a internet é o lugar para solucionar o mais grave problema das salas de aulas, a falta de interação entre aluno e professor. “Dar aula de história é complicado porque há inúmeras versões. O que é ótimo na internet é que as pessoas assistem ao vídeo e discutem. Uma apostila tradicional, alguém escreve os textos, outro de formação parecida revisa e aquilo chega para todos os alunos de um país.”
Ele sabe que não é o único no mundo a tentar educar usando recursos online. “Talvez eu seja o 500º.” Khan justifica seu sucesso pelo formato escolhido: simples, em tom de conversa e não subestimando a inteligência de quem assiste. “Eu ainda faço vídeos como se fossem para os meus primos.” Além de projetos de particulares, como os nacionais Calcule Mais, O Kuadro e QMagico, universidades e governos passaram a aderir ao ambiente conectado. A prefeitura do Rio de Janeiro desenvolveu a Educopedia, a Universidade de São Paulo conta com mais de 800 videoaulas, a Fundação Getúlio Vargas criou um portal voltado para o ensino médio, e gigantes internacionais lançaram sites conjuntos, como o Edx (MIT, Harvard, Berkeley) e o Cousera (Duke, Princeton, Columbia, Stanford, etc).
“Harvard e MIT agora estão compartilhando o conhecimento que eles produzem lá dentro. O que é ótimo, mas só isso não basta e eles estão percebendo isso.” Khan é crítico do sistema de aulas das grandes universidades, baseado em palestras de 60 a 90 minutos em salas de 300 alunos. “As pessoas ficam lá tomando notas e não há interação, isso está mudando”, afirma.
“Passamos 12 anos sentados e anotando coisas, aí chegamos no mercado e os chefes exigem: ‘seja inovador, seja criativo’. Como é possível?”
Múltiplas fontes
A nova sala de aula proposta por Khan seria um espaço usado basicamente para interação, resolução de problemas, tirar dúvidas e discussões sobre questões mais avançadas do mesmo tema, já que os alunos aprenderam a essência básica da disciplina em casa no computador.
“É um tragédia que alunos mais novos com mais conhecimento não possam avançar de estágio se quiserem”, diz Khan, que foi impedido de pular a disciplina de Álgebra 2 pela direção do colégio em que estudava. “O importante é o professor saber e dizer que não é a única fonte de conhecimento que aquele estudante tem.”
O diploma continuaria existindo, mas não da maneira como é hoje, “um pedaço de papel provando ao mundo que agora  a pessoa sabe o que sabe”, como escreveu em seu livro Um mundo, uma escola – A educação reinventada (Intrísenca, 2013, R$ 29,90). Para ele, as instituições cobrariam uma taxa de US$ 300 para avaliar qualquer pessoa que queira ter uma certificação, independente da sua formação – que poderia ter sido feita na Khan Academy, por exemplo.
Assim, pessoas de baixa renda ou residentes em regiões desprovidas de instituições de ensino superior de prestígio teriam a mesma chance de se “comprovarem” capacitados sobre alguma área curricular.
Conectado e em frente
O maior problema para a expansão de plataformas como a de Khan é a universalização do acesso a computadores (ou aparelhos móveis) com conexão. O americano reconhece, mas se mostra otimista. “É uma vergonha que não se resolva coisas básicas como essas amanhã já. Mas a internet está crescendo muito. Em pouco mais de cinco anos a questão do acesso vai se resolver”, aposta.
Seria então a Khan Academy parte da educação do futuro? “Não cabe a mim dizer”, escreve Khan. “A única coisa que não podemos nos permitir é deixar as coisas como estão. O custo da inércia é inescrupuloso e alto, e é contado não em dólares, nem em euros ou rupias, mas nos destinos das pessoas.”

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

AARON SWARTZ: A Internet é incontrolável. - redecastorphoto

redecastorphoto
5/1/2013, The Real News Network - Entrevista de Paul Jay com Brian Guthrie e Roy Singham
Vídeoentrevista traduzida pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido na Vila Vudu: Walter Benjamin nasceu em Berlin, dia 15/7/1892; e suicidou-se em Portbou (fronteira Espanha-França) dia 27/9/1940. Walter Benjamin TAMBÉM preferiu o suicídio, a deixar-se julgar pelo aparelho judicial dos nazistas.
PAUL JAY, Editor Sênior de The Real News Network: Aaron Swartz foi brilhante desenvolvedor de softwares. Recentemente, trabalhou para a empresa Thoughtworks – desenvolvedora global de softwares. Mas, antes disso, já era mundialmente conhecido como o desenvolvedor de Reddit, o inventor do RSS e um dos que conceberam e projetaram a organização Creative Commons. Na 6a-feira passada, Aaron suicidou-se em New York. 
Em junho desse ano (2012), Aaron Swartz foi acusado de ter usado o acesso que obteve do Massachusets Institute of Technology, MIT, para logar-se ao sistema JSTOR – um banco de dados de artigos acadêmicos, de onde teria baixado grande quantidade de artigos científicos com o intuito de distribuí-los. Temia-se que fosse condenado a mais de 30 anos de prisão.
Hoje, para falar conosco sobre Aaron, o homem, e o significado desse caso, temos, para começar, Roy Singham. Roy é fundador e presidente da empresa Thoughtworks Inc., a última para a qual Aaron trabalhou. E Brian Guthrie. Brian trabalhava com Aaron na mesma empresa; também é desenvolvedor de softwares e ativista pela liberdade da Internet. Obrigado a ambos, por aceitar nosso convite.
Brian Guthrie: Obrigado a você.
Jay: Roy, por favor. Para começarmos, fale rapidamente sobre o caso, sobre o que realmente se viu na acusação. Quero dizer: a pergunta que, suponho, todos nós nos fazemos hoje é: por que o Procurador atacou Aaron com tanta fúria? Nenhum documento foi distribuído. Se Aaron baixou os documentos pensando em torná-los públicos, jamais os distribuiu. Não houve nenhum crime. Apesar disso, o Procurador atacou-o furiosamente... 
Roy Singham: É... Não se sabe, mesmo... A família de Aaron distribuiu uma declaração [1], me parece, muito firme, na qual falam de excesso da Procuradoria e, infelizmente, nesse caso, também da cumplicidade do MIT, que permitiu que as coisas tomassem o rumo que tomaram. Fato é que, se Aaron baixou aqueles documentos, tinha pleno direito de baixá-los. Ele tinha acesso autorizado a eles; os documentos estavam num servidor... Mas nenhuma pessoa recebeu documento algum, porque Aaron não distribuiu documento algum. Quer dizer: se fosse crime, teria sido crime sem vítima... De fato, eles inventaram o “crime” de ter intenção de distribuir... do qual não há qualquer indício ou prova.
Deve-se lembrar também que são artigos acadêmicos. Não se trata de segredos empresariais, nem de segredo de estado. São artigos acessíveis a qualquer pessoa que tenha a necessária credencial que Aaron tinha e muitos têm, em todo o mundo. E naqueles documentos condensam-se séculos de saberes da humanidade, de conhecimento humano. A ideia de que haveria algum proveito de natureza econômica a extrair da distribuição daqueles documentos é falsa. Se tivesse havido algum crime, seria impossível provar qualquer motivação econômica. E ninguém nem nenhuma instituição foi lesada. A empresa JSTOR, que é a organização da qual os documentos foram baixados, mostrou grande surpresa com o rumo que a história tomou, porque, disseram, era coisa fácil de resolver, que ninguém fora prejudicado, que não acreditavam que chegasse a haver um ‘caso’ policial e julgamento...
E de repente, lá está o governo dos EUA, na pessoa do Procurador Federal no Estado de Massachussets, que se põe a perseguir alguém, mesmo sem dano algum, mesmo sem vítima. Enquanto os que poderiam sentir-se como “vítimas”, se tivessem perdido alguma coisa, mas nada perderam, pedem que o Procurador Federal cancele as acusações. Que é estranho, é.
Jay: Parece que, então, o objetivo tem de ser o de mandar um recado claro a todos que tenham esse tipo de talento de alta especialização, pode-se dizer, que Aaron tinha: fiquem bem longe de documentos que pertençam a seja quem for, proprietário privado ou proprietário estatal... E ponto final. Parece que não há dúvida de que Aaron foi usado para mandar o recado à comunidade da qual ele fazia parte.
Singham: É, mas... A verdade é que cada pessoa tem opinião diferente sobre o que houve. Glen Greenwald, no artigo, que achei brilhante, que escreveu para o The Guardian, [2] considera várias teorias potenciais sobre por que a Procuradoria cometeu tais excessos. Você sabe... Teria sido para criar um caso exemplar? Teria sido porque Aaron tinha inimigos poderosos nos EUA?
Como você provavelmente sabe, Aaron ajudou muito na luta para derrotar a legislação antipirataria. Ele também meteu-se com o governo, ao mostrar que as coisas [incompr.] que já produziram para os tribunais têm de ser lives. Baixou tudo aquilo, e expôs o ridículo do que estão tentando fazer. Claro que ele já chamara a atenção do FBI e do governo. Sabemos que já estava no alvo deles.
Mas o que aquele Procurador Federal fez, porém, em Boston, além das questões políticas que haja, são o que mais chama a atenção de todos, hoje. Houve vingancismo, aquele Procurador e seu gabinete rebaixaram a justiça federal. Afinal, é um Procurador Federal, juiz federal da Procuradoria Federal do Estado de Massachusetts, Carmin Ortiz. Ele já estava, há mais de dois anos, tentando meter o Aaron, praticamente um menino, um lindo rapaz, na cadeia. 
Quais, portanto, seriam os motivos pessoais, além do caso político, de, no mínimo, no caso de Aaron, dois Procuradores federais? Foi o perguntamos em nossa declaração, hoje [incompr.], distribuída à imprensa. Aqui, fala como indivíduo. Mas na declaração a ideia era que... Não é possível que haja Procuradores de justiça, nos EUA, que usem os poderes que têm para acuar gente inocente, que se sirvam do sistema judicial para chantagear inocentes e obrigá-los a se declararem culpados. Ser condenado, num processo desses, implica custas de milhões de dólares, o sujeito, a família, ficam arruinados, 35 anos de cadeia... Tudo isso assusta qualquer pessoa. 
E há muitas questões a serem ventiladas publicamente, na nossa opinião, sem dúvida alguma na minha opinião e na opinião de Brian, que trabalhava todos os dias ao lado de Aaron. Se se deixar sem discutir publicamente o que aconteceu, perderemos a geração atual e, possivelmente, mais uma geração de Aarons, duas gerações das melhores cabeças que o planeta produziu até agora. O que está em jogo é isso! Tenho ideias pessoais, sobre o que há, nesse caso, de motivação política, sim. Mas penso, em primeiro lugar, que a família de Aaron gostará de nos ouvir dizer isso. Por que, em todo o governo dos EUA, ninguém sequer tentou interromper a ação daquele Procurador Federal?  Por quê? Como é possível que isso tenha acontecido nos EUA? [incompr.]
Jay: Brian, você trabalhava ao lado de Aaron. Fale um pouco sobre o homem. Para começar, o que o motivou, em primeiro lugar, o que você acredita que o tenha motivado para baixar todos aqueles documentos? Tanto quanto sei, ele jamais negou que tivesse baixado os documentos. Mas a ação era parte de uma visão mais ampla, sobre o mundo. Que visão era essa?
GUTHRIE: Aaron é mais conhecido pela contribuição técnica, mas ele tinha, mesmo, alma de filósofo e de ativista. Era excepcionalmente culto, lia muito. Desde muito cedo e sempre, em sua vida, procurava aproximar-se de gente que admirava, procurava pessoas que admirava, perguntava o que fazer, como podia ajudar. E usou aquele talento técnico para melhorar coisas em toda a Internet. Se há coisa que todos dizem de Aaron é como ele se movimentava, como aparecia, sem mais nem menos, com ideias para ajudar, querendo trabalhar junto, oferecendo apoio à página internet de um, de outro. Era, sim, prodigiosamente inteligente e sinceramente desejava usar a inteligência que sabia que tinha e suas habilitades, e sua energia, para o bem do mundo.
Escrevia também muito, e muito bem. Pensava longamente no que escrever. Pode-se ver muito do tipo de homem que era, nos seus escritos online. Em pessoa, frente à frente, era meio calado, quase tímido, passava facilmente despercebido. Nunca chegava como o incrível ativista que foi. Mas, de fato, se se acompanhava o que ele dizia online, se se lê o arquivo online de seus escritos, do que pensava, das suas opiniões, então, sim, se vê a riqueza do conhecimento que ele tinha, tudo pesquisado, tudo organizado, as questões discutidas e expostas com enorme clareza.
Jay: Você deve ter discutido esse caso, especificamente, com ele. Como você explica a ação de ter baixado aqueles arquivos e o que ele esperava?
Singham: Aaron tinha uma abordagem muito disciplinada do modo como trabalhava e como trabalhar para maior proveito geral, do mundo, especificamente na luta em torno da questão dos direitos de autor, o copyright. Estava à procura de bancos de dados nos quais se arquivassem documentos que realmente contivessem algo de interesse social, de bem público, que devesse ser aberto, fosse pelo conteúdo, fosse por ser produzido com dinheiro de impostos que todos pagam, documentos que devessem ser propriedade aberta do povo dos EUA.
Por exemplo, o banco de dados PACER é banco de dados de documentos que foram usados em julgamentos públicos. Foi um dos bancos de dados públicos que ele ajudou a abrir para toda a internet. Nessa operação, todos descobriram que PACER estava cobrando pelo acesso àqueles documento públicos! São documentos de domínio público. São pagos e produzidos pelo povo dos EUA. Nada justifica que quem queira lê-los tenha de pagar pelo acesso.
Aaron fazia esse tipo de trabalho. Estava trabalhando para fazer-ver a desconexão absoluta que há entre as leis que temos sobre informação e o modo como as pessoas comuns têm (ou não têm!) acesso àquela informação. Estava fazendo isso. Estava trabalhando para abrir bancos de dados de documentos que já teriam de estar abertos há muito tempo, de fato, para todo mundo.
Singham: E há aí muitas e muitas nuances muito mais importantes do que o público sabe. Por exemplo: os acadêmicos que escrevem para periódicos especializados não são pagos para escrever ou publicar. Praticamente em todos os casos, as pesquisas e estudos cujos resultados são publicados são financiadas por instituições do Estado. Muitos daqueles artigos tiveram algum dia algum direito autoral, em muitos casos, já expirados. E coisas assim... De fato, o mesmo JSTOR distribuiu milhões de artigos de seu banco de dados, semana passada, porque....
Guthrie: Distribuíram 20% do que tinham arquivado.
Singham: 20%. Uma das coisas que Aaron disse em sua fala, acho, de 2011 foi “vocês sabem... Aqui está arquivado o conhecimento humano dos últimos 200 anos. Eu, como estudante de um país rico, numa universidade rica, tenho acesso livre a tudo isso, mas... e se uma estudante na Índia quiser ler o que eu leio gratuitamente, ela não pode. Porque não tem a senha que a universidade em que eu estudo me dá e me dá pleno acesso a tudo isso; mas não dá nenhum acesso a ela, à cultura literária e ao conhecimento científico da humanidade. Eu, ando um pouco e chego a uma biblioteca e posso ler o que quiser. Mas um jovem estudante pobre, por exemplo, no Brasil, não pode ler o que eu leio de graça, aqui.” Era algo que o ofendia profundamente, sinceramente, no plano moral. E ele via, muito claramente, o quanto essa discriminação prejudicaria também a sociedade norte-americana.
Guthrie: [incompr.] JSTOR [sigla de The Scholarly Journal Archive] é uma organização que tem uma missão [3], deve trabalhar pelo bem público, e com certeza baseia-se em um conjunto de boas intenções. Não tenho dúvidas de que, hoje, a JSTOR, como instituição, está muito mais feliz com o modo como conduziram o assunto, do que outras instituições envolvidas.
Mas Aaron sabia que professores e alunos das grandes universidades norte-americanas que têm acesso ao banco de dados de JSTOR também já partilhavam o acesso àquele conhecimento. JSTOR começou a cobrar de outras universidades pelo acesso aos seus bancos de dados. Muitos professores e alunos continuaram a partilhar senhas, ou distribuíam textos pelas suas próprias redes. Muitos acadêmicos já são uma comunidade de partilha de conhecimentos. São os que visam a distribuir conhecimento pelo mundo. Muitos não são obcecadamente preocupados com o sigilo de suas pesquisas. Querem que o maior número de pessoas saiba do que estão fazendo, leiam suas pesquisas.
Aaron sabia, contudo, que, mesmo assim, muita gente que vive em locais sem qualquer acesso às universidades, ou onde nem as universidades possam pagar as taxas de inscrição que JSTOR cobra têm também direito de acesso àquele conhecimento. Queria mudar isso. Queria mudar mesmo, em grandes números...
Jay: E então, Roy? Por que esse Procurador – e, como você disse, não pode ser só um Procurador. Mais gente, no Departamento de Justiça tinha de ter conhecimento do que estava sendo feito. Por que decidiram sair à caça de Aaron? Porque se puseram a persegui-lo tão ferozmente? Por que vocês acham que essa perseguição é tão ameaçadora, tão grave?
Singham: Por que... é claro... É claro que nós não temos muita chance. O pior de todos os Procuradores do Gabinete de Ortiz é Heymann, é o mais vingativo. Trabalha para Ortiz, é o chefe de gabinete do Procurador. Esses dois, Ortiz e Heymann, na minha opinião, são 100% culpados pela perseguição infatigável, sem tréguas. E por tudo que aconteceu. E outros, todos sabem, outros também discutiram o caso, Holder e outros. É absolutamente impossível acreditar que não soubessem, que não tivessem discutido o caso.
E se se analisa o momento em que as acusações foram formalizadas contra Aaron, foi exatamente no mesmo momento em que acusaram Assange e Manning. Havia no ar aquela paranoia, no Departamento de Estado, no Serviço de Segurança Nacional... [incompr.] Há ativa, hoje, uma geração inteira de hackers e, pensaram eles, temos de acabar com isso. Se não metermos essa gente na cadeia, a segurança nacional estará ameaçada.... O “clima”, naquele momento era de... temos de acabar com eles. Muita gente sentiu, não aconteceu só com Aaron. Houve outros, Jeremy Hammond, os Anonymous, muita gente que está trabalhando muito pela liberdade na Internet. Muitos deles estão sendo caçados globalmente. Quero dizer é que... Pode-se dizer que é uma coisa social, histórica. 
Ontem à noite, discutimos internamente, na nossa empresa. Há o pessoal que acha que “Por que, como empresa, temos de nos meter nisso? Por que chamar atenção para nós? Parece que queremos que o Procurador se ponha a nos investigar... Queremos que ele nos cace também?!” Discutimos os termos da nossa declaração pública. E, sim, estamos exigindo que o MIT peça desculpas à família de Aaron. Não se pode admitir que, sem mais nem menos, mudem toda a política da instituição... por causa de um Procurador Federal? 
Tudo isso é muito importante. O acesso à internet para todos não é importante, para nós, pessoalmente, e também para nossa empresa? Claro que é! Se você visitar a página de Aaron, há alguém lá, de 14 anos que escreveu que Aaron é seu “herói’. Se essa geração, onde pode haver centenas, milhares de Aarons, começa, desde já, a ser “ensinada” que os que trabalham para garantir mais liberdade para todos podem ser presos, destruídos, arrasados, que alguns, mais desesperados ou mais frágeis, não suportarão a pressão ou a dificuldade da luta... Não se pode admitir que aconteça, porque, se acontecer, a internet humanista do futuro, a internet revolucionária, terá sido assassinada no ovo. 
Fomos forçados a uma posição de mais ativismo, para combater a supressão da desobediência e da resistência civil. Infelizmente, alguns de nós, nós... Mas, nos dois últimos dias, algumas das melhores cabeças, das cabeças mais criativas, já trouxeram algumas das respostas mais inteligentes de toda a comunidade, contra, contra esses horrendos atos de autoritarismo.
Jay: Parte da questão é que... Os EUA têm superioridade militar sobre todo o mundo, têm superioridade financeira sobre todo o mundo? Será que têm? Porque, no que tenha a ver com tecnologia de computadores... parecem tão assustados nesse front. Talvez suspeitem que não têm qualquer superioridade intelectual? Talvez saibam que não têm? Por isso se sentem vulneráveis, assustadiços? Por isso atacam tão furiosamente? Porque se sintam expostos?
Guthrie: Há uma narrativa segundo a qual fazem o que fazem porque a tecnologia é novidade e eles têm medo do hacker-bandido que entra em qualquer sistema e faz o que bem entenda com os dados... É narrativa fantasiosa, nada disso é v erdade. Quero dizer... O que compreendemos da tecnologia está ainda no começo. Mas acho que Aaron acabou capturado por essa narrativa que os Procuradores da Justiça Federal podem manipular a favor deles mesmos. Se conseguirem pintar Aaron como bandido perigoso, como mais um de uma vasta conspiração de hackers-bandidos. E Aaron...  
Jay: Antes da entrevista, fora do ar, você disse uma coisa importante: que Aaron não invadiu sistema algum. Ele tinha a senha de acesso, dele, legalmente dele. O que Aaron fez foi como ir a uma livraria com a carteirinha de entrada, entrar normalmente e fotocopiar livros de domínio público. Para distribuir as cópias, se quisesse. Foi isso?  
Singham: Não é bem isso, porque Aaron nunca imprimiu nada. Não houve nenhuma cópia. Ele baixou os arquivos para o seu computador. Não há crime algum.
Guthrie: É. A comparação correta é com alguém que entra legalmente numa biblioteca e passa os olhos, muito rapidamente, por muitos livros. O que impacta o sistema, é que ele baixou muitos artigos, muito rapidamente. Mas não fez coisa alguma que alguém, seja quem for, possa descrever como hackear alguém ou a propriedade de alguém. Aaron não entrou em nenhum sistema, não alterou nenhuma senha. Não fez coisa alguma que a página que ele acessou não autorizasse a fazer. Nem, sequer, alterou a URL, o que é óbvio...  
Singham: É óbvio...
Guthrie: É absolutamente óbvio que não alterou nem a URL – que é algo que tem sido usado como pretexto para acusar pessoas de estarem hackeando páginas. Se você alterar a URL de um vídeo do YouTube, alguém poderá alegar que, em circunstâncias que façam pensar nisso, você estaria hackeando o vídeo. Aaron não fez nem isso. Nem faria. Aaron não era esse tipo de gente.
Jay: Você está dizendo que, se um aluno comum, sem histórico nem interesse no ativismo de Internet e sem ter os dotes e a habilitação excepcional de Aaron, tivesse feito o que ele fez, nada teria acontecido e, com certeza, não teríamos Procurador algum em surto persecutório. O Gabinete do Procurador Federal do estado de Massachusetts pôs-se a caçar Aaron porque se tratava dele, Aaron Swartz. E porque tem medo do que gente como ele é capaz de fazer. É isso?
Singham: Acho, é minha opinião pessoal, que há um movimento calculado, no governo dos EUA, para tornar inoperante a próxima geração de “gente de computador”. Aliás, a desobediência civil que esse pessoal pratica não é diferente da que o Dr. [Martin Luther] King, da que Gandhi pregavam. O argumento de que Gandhi desrespeitou a lei no imposto do sal, ou, então, que o Dr. King violou leis ao “desrespeitar” as leis racistaas... São pequenas transgressões, sem importância alguma, de leis injustas... 
Aaron gostava de riscos. Acreditava que, acho que... Não sei se ele teria antevisto alguma resposta tão absurda... Não sei se alguém poderia prever a reação alucinada desse Procurador, mas... Aaron compreendia muito bem que as leis que há hoje, não dão conta, de modo algum, das mudanças tecnológicas. Que são leis aprovadas há 30, 40 anos, que já nada significam nessa área nova em que vivemos hoje. Entendia também muito bem que aquelas leis estão sendo usadas por um pequeno grupo de empresas gigantescas para privatizar e converter em dinheiro todo o capital intelectual que é legado humano, de toda a humanidade. 
Por isso, até a revista The Economist, que não é afamada pelas posições progressistas, chamou-o ontem de “o homem dos comuns” [orig. commons man], [4] e não no [incompr.] sentido de ele defender, ou ser um dos grandes defensores do conceito dos bens “commons” e a completa erosão...
Mas Aaron, nesse sentido, estava atacando diretamente os interesses econômicos dos que estão tentando privatizar o conhecimento humano.
Mas ele também sabia que havia uma relação entre aqueles interesses e o Estado, razão pela qual quase tudo em que estava trabalhando era ativismo em torno de leis. Porque ele então começou a entender que o contexto mais amplo era, sim, um contexto político. Por mais apaixonado que fosse por Creative Commons, também era apaixonado pela próxima geração de combatentes.
Jay: Brian, fale um pouco sobre as outras áreas em que Aaron trabalhava. Você me disse, antes da entrevista, que essa era parte pequena do ativismo de Aaron.
Guthrie: É. Nós conhecemos Aaron como técnico, mas a tecnologia para ele era uma ferramenta. Algo que ele queria usar para realmente mudar o mundo. O trabalho que estávamos fazendo com ele na Thoughtworks envolvia construir um software usando as mesmas ferramentas e técnicas que o pessoal do Vale do Sílício está usando para fazer as pessoas postarem mais no Facebook, aplicando o mesmo nível de detalhes analíticos para encorajar as pessoas a trabalhar certo, fazer o bem no mundo e aproximar as vozes num coletivo de gente que tenta mudar as coisas.
E assim, para esse objetivo, estão trabalhando num software que Aaron queria fazer e fez – já está disponível, gratuito. Basta baixar, você mesmo. É distribuído sob licença de fonte aberta. Aaron planejava usar esse programa para chegar às ferramentas mais avançadas para ativismo social na internet em todo o mundo, para gente que não teria acesso às ferramentas, se não pagasse.
Singham: É. [incompr.] O pessoal pensa nele como uma espécie de ‘herói global do ocidente’. Aaron era profundamente internacionalista. É que... [incompr.] nesse aspecto, em especial,  ele percebeu que o conhecimento sobre campanhas, militância, sobre organização, hoje, é fenômeno restrito a países ricos; que até entre os progressistas, há o risco de que as agendas não sejam montadas pelas próprias pessoas, que alguém as monta ‘pelas pessoas’. Aaron era democrata empenhado, dedicado. O que alguém faz, se vive numa aldeia perdida no Burundi e quer espalhar a minha campanha, não importa o que seja, a favor ou contra seja lá o que for, e o sujeito não quer que a agenda dele seja ‘traduzida’ por alguém em Washington, nem em New York, o sujeito quer falar, ele mesmo, e ser ouvido por aquelas pessoas que ouvem os tais celulares, e computadores moderníssimos.... 
Aaron era pensador incrivelmente avançado sobre a natureza do poder político, como democratizar o acesso, como a internet tem de ser usada para esvaziar o poder da acumulação de riqueza e poder. Foi dos últimos, infelizmente, nesse sentido... dos grandes humanistas, que lutaram contra o poder concentrado em poucas mãos e os estados totalitários.
JAY: Brian, gente como Aaron atualmente faz fortuna rápida. Mas ele parecia não se interssar por dinheiro... se entendi bem.
Guthrie: É – e diga-se a favor dele. Acho que Aaron poderia ter sido o que quisesse e fazer absotamente o que quisesse. O dinheiro caiu sobre ele, sem que ele o procurasse. E, diga-se, outra vez a favor dele, que ele continuou a seguir suas pistas e oportunidades, onde conseguisse encontrar alguma, sempre procurando fazer o maior bem possível à maior quantidade possível de pessoas. Nunca pensou em ganhar dinheiro. Ajudou a criar a empresa Reddit.com, e depois que foi vendida ao grupo Condé Nast, separou-se completamente e usava o dinheiro como usava o oxigênio que respirava, não para acumular oxigênio dentro dele, mas para andar o quanto precisasse, para melhorar o mundo.
Singham: Verdade é que ele não ganhou tanto dinheiro como se disse. Não foi tanto quanto as pessoas pensam.  
Guthrie: É.  
Singham: Aaron era um dos proprietários. Havia outros. E ele gastou nas “operações”, no caso PACER, para viver e morar. Nunca viveu como rico. Há muita coisa errada, no que se disse dele. 
Pessoalmente, como técnico, estou preocupado com gente que acredita nos retratos que se pintam por aí de Steve Jobs, como ícone. O mundo precisa de ícones como Aaron Swartz, não como Steve Jobs. De fato, na nossa indústria, somos pessoas de sorte, porque conseguimos viver do que gostamos de fazer. Mas... usamos para quê, o que nós sabemos fazer? Nesse sentido, pensando com meus botões, acho que Aaron foi o mais importante personagem modelo da nossa geração, com certeza nos EUA... É muito difícil, para mim...
Você e eu tivemos muita, muita sorte, porque vivemos tanto tempo com ele, nos últimos seis, oito meses. E passei dois dias chorando sem parar. Você também. E só hoje, no terceiro dia, estamos começando a conseguir começar a reconstruir o legado de Aaron, como, tenho certeza, ele queria que fizéssemos.
O que mais me perturba é gente que tenta inserir Aaron em cenários sempre estreitos, estreitos demais. É o hacker, ou é o cara da Internet. Conheço gente, conheço muita gente... Você e eu conhecemos muita, muita gente. Você conheceu algum sujeito melhor que ele? Mais atento, mais carinhoso? Eu ainda não consigo acreditar. Ainda choro. 
Conversamos uma vez, recentemente, sobre como se podia mudar o modo como os americanos veem os muçulmanos. Aaron, um jovem, belo e bom judeu. Entrou na sala onde havia vários, você sabe, ativistas muçulmanos, e disse que todos temos de fazer alguma coisa para mudar o modo como os norte-americanos veem os muçulmanos. Chegou até a lousa e disse “escutem, temos de combater, fazer uma guerra contra os mercadores do ódio”. [incompr.] Tinha ido até lá dizer isso. Ficaram lá, uma, duas horas.
Guthrie: É.
Singham: Ele fazia essas coisas. A amplitude das questões sobre as quais pensava era quase inacreditável. Nesse sentido, era quase um radical. Leu Chomsky com 15 anos. Falava de tudo sobre o que as pessoas não querem falar. Era homem profundamente insatisfeito. Numa de suas falas sobre a campanha SOPA, quando falou sobre isso pela primeira vez, disse “olha, não estou interessado em lei de direitos de autor; direitos de autor não me interessam, nem a favor nem contra. Quero mexer no acesso a assistência médica, quero mexer nessa crise financeira, quero entender por que não temos o Congresso “na cola” das empresas que negociam com o Pentágono. Quero dizer... Ele pensava assim.  
Jay: Roy, muitos dos que nos assistem perguntarão por que Aaron não quis lutar esse combate contra o Procurador. Já se sabe que ele sofria de depressão. Não é verdade que, porque sabia que seria preso, preferiu outra solução. Acho que, como sempre acontece, a depressão tomou conta da capacidade de decidir...  
Guthrie: Uma das conversas que circularam foi a questão do dinheiro, que o dinheiro não seria problema. Você entra num processo desses, mesmo que seja completamente inocente, numa corte federal, passa um dia lá dentro sendo julgado e, à tarde, você está condenado a passar o resto de sua vida na cadeia ou deve 1,5 milhão de dólares. Não há como imaginar o que é isso [conversas cruzadas].
Singham: Esse dinheiro ele não tinha.
Guthrie: É. Não tinha. E, para pagar, ele teria de pedir a alguém... Isso....
Singham: Nós estávamos tentando ajudá-lo a levantar o dinheiro. Eu disse a ele várias vezes, Aaron, a comunidade sairá em sua defesa. Mas ele era tão reservado, tão discreto. Um cenário desses, para ele, era inconcebível. Acho também que... Tive de enfrentar a depressão, conhecidos meus tiveram depressão, há os que têm depressão. Tenho pensado muito sobre isso. Sei que depressão é coisa complexa. Ele sabia e falava abertamente. Pouca gente, da importância dele, falaria tão aberta e sinceramente sobre essa coisa. 
Sinto também que... Aaron era muito amado. Posso dizer com segurança que era muito amado. O sócio dele, a família dele, são grandes pessoas. O que me ocorre é que... ele sabia que era amado. Mas é difícil, não importa o que digam os amigos, até os que mais nos amem, para alguém que vivia sinceramente preocupado com o futuro mais profundo, mais grave, da humanidade, ter, de repente, de se preocupar consigo mesmo, com arranjar dinheiro, advogados, sob o risco de ser preso. Não sei. Nem a família, nem na empresa falamos sobre isso. Mas todos o amamos muito [incompr].
Claro que sempre que se enfrenta uma tragédia como essa, todos se perguntam – fizemos tudo que poderíamos ter feito? Poderíamos ter feito mais? Estamos todos em luto, um processo de luto. Andamos, de fato, em torno do problema, porque nada muda alguns fatos? Como explicar e como reagir à fúria daquele Procurador? O que algum dia explicará a reação do MIT? O que algum dia explicará o terror de um homem jovem, ante uma sentença de 35 anos de prisão? 
É uma tragédia pessoal, para Aaron, para nós que o amávamos. É tudo horrível demais e exigimos explicações. Em todos os casos, ainda maior tragédia será, se tudo isso intimidar uma geração inteira de jovens combatentes. E os EUA criamos o estado mais totalitário do mundo, muito mais totalitário que 1984.
Jay: Obrigado pela entrevista.
ADAM SWARTZ: A Internet é incontrolável. Mas se esquecermos disso, se deixarmos que Hollywood reescreva a história e invente que a grande empresa Google fez o serviço todo, se deixarmos que nos convençam de que não fizemos diferença alguma, se passarmos a ver as coisas como responsabilidade de outros, que eles fizeram tudo, que nosso papel é ir para casa, fazer pipocas e ver Transformers... Aí, talvez, da próxima vez, eles talvez nos derrotem. Não podemos deixar que aconteça.
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Notas de tradução:
[1] Em português, 15/1/2013, redecastophoto em: Aaron Swartz (1986-2013), ativista, combatente da liberdade, “hacker”
[2] 12/1/2013, The Guardian, Glenn Greenwald em: The inspiring heroism of Aaron Swartz (em inglês).
[3]  JSTOR  é um sistema online de arquivamento de periódicos acadêmicos sediado nos Estados Unidos, fundado em 1995, que reúne bibliotecas de todo mundo. Leia também sobre JSTOR-USP.
[4] 13/1/3013, The Economist  em: Remembering Aaron Swartz - Commons man