George Monbiot: Winston Churchill e os parasitas no topo da pirâmide
publicado em 27 de janeiro de 2013 às 14:43
Um silêncio ensurdecedor
Porque precisamos de um imposto sobre as propriedades
por George Monbiot, publicado em seu blog e no diário britânico Guardian
Você pode aprender tanto sobre um país a partir de seus silêncios quanto de suas obsessões. As questões que os políticos não discutem são tão significativas e decisivas quanto as que eles discutem. Enquanto os cortes de orçamento do governo britânico empobrecem os vulneráveis e destroem os serviços públicos, é hora de falar sobre os caminhos não escolhidos, as oportunidades abandonadas: os impostos que poderiam ter evitado todos os apertos do parafuso.
A extensão do esquecimento é extraordinária. Considere, por exemplo, o imposto sobre os ganhos de capital. Antes da eleição, os Liberal Democratas prometeram aumentar o imposto de 18% para “a mesma taxa do imposto de renda” (em outras palavras, um imposto de até 50%), para garantir que os chefões do mercado financeiro não pagariam menos imposto que os faxineiros.
Fazia sentido, removendo o incentivo para que os chefões recebessem o salário em ações. Apesar da justificativa poderosa, o governo se negou a subir o imposto acima dos 28%. Os Liberal Democratas protestaram por um dia ou dois e desde então ficaram silenciosos. No debate sobre cortes na Previdência Social, esta oportunidade perdida não foi mencionada sequer uma vez.
Mas pelo menos o imposto subiu. Em dois anos e meio, o governo cortou o imposto das corporações três vezes. Vai cair de 28% em 2010 para 21% em 2014. George Osborne, o ministro das Finanças, vangloriou-se no mês passado que “é o menor imposto corporativo de todas as grandes economias ocidentais”: ele está conscientemente deflagrando uma competição destrutiva com outras nações, criando novas desculpas para diminuir ainda mais o imposto.
O quase silêncio do Partido Trabalhista nesta questão é fácil de explicar. Sob Tony Blair e Gordon Brown, que foram muitas vezes tão entusiastas do apaziguamento do poder corporativo quanto os Conservadores, o imposto foi reduzido de 33% para 28%. Antecendendo a vanglória de Osborne, em 1999 Brown alardeou que ele tinha adotado “o menor imposto corporativo de qualquer país industrializado no mundo, inclusive o Japão e os Estados Unidos”. Que legado para um governo trabalhista!
Quanto a um imposto Robin Hood sobre transações financeiras, depois de um alvoroço inicial agora é mais provável que você ouça no Parlamento o canto do pássaro do país das maravilhas que um debate sobre o imposto. De acordo com o Instituto de Pesquisa de Políticas Públicas, um imposto de apenas 0,01% sobre transações financeiras arrecadaria o equivalente a 80 bilhões de reais por ano, tornando muitos dos debates sobre os cortes devastadores no orçamento desnecessários.
O silêncio também cerca a noção de um imposto sobre a extrema riqueza. E dizer que a interessante ideia do professor Greg Philo — de transferir a dívida nacional para os que possuem o equivalente a 3 milhões de reais ou mais em bens — não despertou a chama da paixão no Parlamento não é exagero.
Mas o silêncio mais ensurdecedor é que o cerca a questão do imposto sobre propriedades. O apartamento mais caro naquele esconderijo preferido dos super-ricos, em One Hyde Park, custa o equivalente a 433 milhões de reais. O dono paga R$ 4.391 em impostos, ou 0,001% do valor.
No ano passado o diário britânico Independent revelou que o sultão de Brunei paga em impostos apenas R$ 102 por mês a mais que as pessoas mais pobres de seu bairro, para desfrutar de sua propriedade no Kensington Palace Gardens.
O imposto sobre as mansões — adotado por David Cameron em outubro — deveria ser apenas o começo do que os proprietários devem pagar. Isso porque o imposto mais simples, mais justo e mais difícil de sonegar é aquele que os principais partidos simplesmente não contemplam. É o imposto sobre o valor da terra.
O termo não é correto. Não é, na verdade, um imposto. É a devolução, para o público, dos benefícios que concedemos aos donos da terra. Quando ela valoriza, o governo e o povo dão um grande presente aos proprietários de imóveis.
Em 1909 um perigoso subversivo explicou a questão assim. “Estradas são construídas, ruas são construídas, os serviços melhoram, a luz elétrica torna a noite em dia, a água é trazida de reservatórios que ficam centenas de quilômetros nas montanhas — e tudo isso com o dono da terra sentado. Todas estas melhorias são cobertas pelo trabalho das pessoas e custam aos contribuintes. O monopolista da terra não contribui com estas melhorias e ainda assim o valor de sua terra aumenta. Ele não presta serviços à comunidade, ele não contribui em nada com o bem estar geral, ele não contribui em nada com o processo do qual sua riqueza é derivada… o incremento imerecido no valor da terra obtido pelo monopolista vem na exata proporção não do serviço, mas do desserviço prestado”.
Quem era o radical? Winston Churchill. Como Churchill, Adam Smith e muitos outros indicaram, aqueles que são proprietários de imóveis tiram riqueza de todos os outros, sem esforço ou empreendimento. Eles “cobram um imposto de todas as outras formas de riqueza e indústria”. Um imposto sobre a propriedade da terra seria para recuperar isso.
E traz outros benefícios. Acaba com a especulação imobiliária, que evita a construção de casas. Garante que os imóveis de maior valor — no centro das cidades — sejam ocupados primeiro, desencorajando a expansão das metrópoles. Previne bolhas imobiliárias especulativas, do tipo das que recentemente destruiram as economias da Irlanda, Espanha e outras nações, que tornam os aluguéis e as casas tão difíceis de bancar. Como não afeta e oferta de terra (já pararam de fabricá-la faz algum tempo), não provoca o aumento dos aluguéis. É fácil de calcular e difícil de sonegar: você não pode esconder seu terreno em Londres numa conta das ilhas Cayman. E provavelmente a cobrança deste imposto poderia cobrir todo o déficit de orçamento do governo britânico.
É notável, nesses tempos de desigualdade e dificuldade, que um imposto sobre a propriedade não esteja no coração do debate político. Talvez seja um sinal de quão poderosa a classe rentista tenha se tornado no Reino Unido. Se o silêncio em torno desta solução óbvia expõe os limites do Partido Trabalhista, também expõe a contradição no coração do Partido Conservador. Os conservadores alegam, nas palavras de David Cameron, que são “o partido da iniciativa privada”. Mas aqueles que se beneficiam de suas políticas são aqueles que já são ricos. É, na verdade, o partido dos rentistas.
O debate sobre trabalhadores, preguiçosos, batalhadores e aproveitadores deveria nos levar a esta questão. Os preguiçosos e aproveitadores que chupam o dinheiro de nosso bolso não são os que recebem dinheiro da Previdência Social, os quais em sua grande maioria são honestos, apesar de demonizados pelo Daily Mail e pelo Partido Conservador. Os parasitas estão no topo da pirâmide, não na base, e a cobrança de impostos deveria refletir isso.
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