quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Não é golpe, mas parece

Não é golpe, mas parece - 23/09/2015 - Marcelo Coelho - Colunistas - Folha de S.Paulo



Não é golpe, mas parece

O impeachment, leio em toda parte, é um instrumento legítimo,
democrático e previsto na Constituição. Certo que pode ser traumático e
excepcional, mas...


Mas, dizem todos, dane-se. Vamos em frente.

"Traumático" tornou-se apenas um adjetivo vazio, que se emprega sem
pensar. Estamos vivendo o verdadeiro oba-oba do impeachment, sem nenhuma
preocupação com o que pode acontecer no dia seguinte.





Pouquíssima coisa sustenta Dilma Rousseff na Presidência, mas um fator a
ser levado em conta são as possíveis reações a seu afastamento. Ainda
que minoritária, não é feita de gatos-pingados a parcela da sociedade
pronta a classificar como golpe a derrubada de Dilma.





Conflitos em torno desse tema, de uma radicalidade já visível e que só
se compara à vivida em 1964 e no suicídio de Getúlio, não estão
afastados do horizonte. Pode-se pensar que o impeachment seria a solução
da atual crise política e econômica; há motivos para acreditar, também,
que venha a agravar ainda mais o quadro.





Suponha-se, entretanto, que não. Que os petistas e seus simpatizantes
simplesmente se conformem com o que aconteceu, não tendo mais moral para
protestar.





Os próximos anos continuarão sendo de cortes e desemprego. Quem vier a
assumir o poder terá de pagar o preço de todo o desgaste atualmente
concentrado em Dilma.





Se tudo correr como preveem os otimistas do impeachment, a crise estará
mais ou menos debelada, num clima de maior consenso do que o possível
hoje em dia, aí por 2017 ou 2018.





Talvez a essa altura o PT esteja completamente esfacelado pelos
julgamentos da Lava Jato; mas também é possível que a impopularidade
geral, que agora concentra, se disperse em direção aos novos personagens
no poder .





O quanto de Vaccari, Edinho e outros personagens será lembrado daqui a
três anos? Não sabemos –e não dá para descartar a possibilidade de um
retorno de Lula, como o Grande Injustiçado do processo.





São apenas hipóteses, talvez improváveis. O que me preocupa é que a
maioria dos defensores do impeachment nem mesmo se dispõe a pensar nisso
–cabendo a alguns poucos oposicionistas, como Geraldo Alckmin, o
difícil papel de encarnar a prudência nessa situação.





O impeachment, ora essa, é democrático. Sim, é um ritual previsto na Constituição. Mas vamos com calma.





Em tese, qualquer presidente impopular, se deixar de ter os votos necessários no Congresso, pode ser afastado do cargo.





De modo que, quanto mais automático se faz o uso dessa arma, mais o
mandato de um presidente, qualquer que seja, se torna refém da maioria
dos congressistas.





É como se, em última análise, nenhum presidente pudesse mais governar
com minoria no Legislativo. O equilíbrio entre os poderes se desfaz.





O preço, em termos de democracia, não é pequeno. Um impeachment
significa colocar no poder alguém que não foi eleito expressamente para
esse cargo. Certo, entra o vice. Mas sabemos que quem elegeu o
presidente mal e mal cogitou o segundo nome da chapa. Você se lembra de
quem é o vice do Alckmin?





Acredito que o impeachment precisa de fato ser tomado como aquilo que é:
algo extremamente raro, excepcional, e que pressuponha, como o nome
indica, a avaliação de que o presidente está absolutamente impedido de
exercer o cargo.





Tudo é questão de grau. Mas seria necessário que a pessoa do presidente,
sua capacitação psicológica e ética para o cargo, estivesse
indubitavelmente sob o foco exclusivo das preocupações.





O foco, hoje em dia, me parece muito mais ser o PT e Lula do que Dilma
Rousseff. Que ela se beneficiou indiretamente do esquema na Petrobras,
acho bastante claro. Mas é curioso que o boneco de Lula esteja vestido
de presidiário, e o de Dilma não.





Trata-se de uma disputa política, claro, mas na qual a figura de Dilma
funciona como o mesmo "poste", agora para a oposição, que foi para o
lulismo nestes últimos anos.





Quanto mais forçado for o argumento contra ela –o das pedaladas fiscais
me parece pouco eloquente–, mais a imagem de golpe se intensifica. Ainda
mais quando são os derrotados em 2014 que fazem a festa: como não ver a
clássica figura do tapetão, do "terceiro turno", nessa febre?





Cada um pode achar, naturalmente, o que quiser. Mas a política não é
jogo de um lance só. Quando não se preveem os desdobramentos futuros de
uma iniciativa, a irresponsabilidade toma conta.



 "Não posso aceitar o pressuposto de que abafei crimes. A leviandade da imprensa e o golpismo sem armas da oposição estão criando um clima de fascismo e terror insuportável. Não para mim, que tenho até instrumentos psicológicos para resistir. Quem pode não suportar é o país" (FHC, em entrevista em "O Globo" no dia 23 de maio de 2001).

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