quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O juiz do TSE pode o que o juiz de futebol não pode?



O juiz do TSE pode o que o juiz de futebol não pode?

No Painel de hoje, a Folha faz uma curiosa interpretação do que, claro, define como a “tática que foi adotada pelo ex-presidente desde que ele entrou na mira da Lava Jato”, como se houvesse algum tipo de tática para quem é acusado num processo de perseguição política senão a de proclamar sua inocência e espernear contra o arbítrio.
A opção pelo confronto foi consciente e pragmática. Numa tentativa de dar sobrevida política ao partido que criou e ao próprio legado, Lula decidiu esgarçar todos os fios de sua relação com a Justiça, sacrificando as remotas chances que teria de deixar a cadeia cedo ou de contar com alguma boa vontade no Tribunal Superior Eleitoral.
O petista sabe que, colocando o TSE contra a parede enquanto arquiteta a própria substituição na corrida pelo Planalto —dentro da carceragem da Polícia Federal—, irrita os ministros e abre espaço para respostas extremadas e céleres.
Opção pelo confronto? Será que a redatora deste texto, ao ser, em sua visão, condenada injustamente como corrupta e “lavadora” de dinheiro consideraria a hipótese de “miar” diante de seus algozes para que, pelo menos, aceitassem que ela ” deixasse a cadeia(mais) cedo”, ficasse quietinha em casa, de tornozeleira e impedida sua profissão de escrever?
É preciso ser muito ingênuo para acreditar que tribunais que fecham os olhos às barbaridades praticadas por Sérgio Moro e pelo TRF-4 fossem deixar Lula livre, mesmo sem ser candidato, funcionando como referencial para o processo eleitoral que é, justamente, toda a razão de terem-no perseguido e encarcerado.
O mais grave, porém, é que diz, como se fosse natural, que esta “tática” tira a “boa vontade do tribunal” . “irrita os ministros” e “abre espaços para respostas extremadas e céleres”.
Uau! Quer dizer que se aceita que juízes de um tribunal superior, com todas as obrigações de guardiões dos direitos da cidadania, mudam suas decisões e seu entendimento da lei porque “ficaram irritados” com o cidadão que foi buscar sua prestação jurisdicional?
É simples entender o quão absurdo isso é.
Então o “juiz” de futebol, se uma torcida, como tantas vezes acontece, pega no seu pé – para dizer o menos – e o deixa irritado está autorizado a marcar impedimentos que não existem? Pênaltis que não aconteceram? Inverter as faltas para prejudicar o time desafeto?
Curioso que considerem que um sujeito que está preso há mais de quatro meses tenha de ser “calmo e paciente” e à turma da toga, no bem-bom, não se estranhe sair às pressas, num domingo, disparando telefonemas para ordenar que não se cumprisse um relaxamento de pena que, pelas regras, poderia ser anulado já na segunda ou terça-feira? Ou que no caso de seu registro, já mesmo antes de pedi-lo, o então presidente do TSE dissesse que a negativa seria “chapada” e a procuradora-geral nem sequer esperou a formalização, com a publicação do pedido, para já apresentar pedido de impugnação.
É um absurdo e uma vergonha que a imprensa e a comunidade jurídica do país tenha naturalizado e aplaudido este comportamento. O fim – excluir Lula das eleições, não só como candidato, mas como uma simples voz – passou a justificar todos os meios.
É pueril e idiota acharmos que suas excelências possam estar decidindo como estão, invariavelmente conta Lula, por convicção jurídica – todos sabem que o processo de Moro é uma mixórdia – ou porque estão “magoados” com a insubmissão do ex-presidente a uma injustiça.
O propósito é claro e asqueroso: dirigir o resultado das eleições, nada menos que isso.
É, invocando a lei e usando a força do Judiciário, fraudar a vontade popular. E contra isso não se pode tergiversar.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Por que esquecemos a maioria dos livros que lemos e filmes a que assistimos

Por que esquecemos a maioria dos livros que lemos e filmes a que assistimos

Segundo pesquisador, a forma que consumimos informação mudou o tipo de memória que damos valor


Julie Beck
As lembranças de Pamela Paul quanto a leituras são menos sobre as palavras e mais sobre a experiência. "Quase sempre me recordo de onde estava, e do livro em si. Lembro do objeto", diz Paul, editora da revista The New York Times Book Review e pessoa que pode ser facilmente definida como alguém que lê um monte de livros. "Recordo a edição; recordo a capa; usualmente recordo onde comprei o livro, ou de quem o ganhei. O que não recordo —e isso é terrível— é tudo mais".
Paul me contou, por exemplo, ter terminado recentemente de ler a biografia de Benjamin Franklin por Walter Isaacson. "Enquanto lia o livro, aprendi não tudo que se conhece sobre Ben Franklin, mas boa parte disso, e estava ciente da cronologia geral da revolução americana", ela diz. "Agora, dois dias mais tarde, eu provavelmente não conseguiria resumir a cronologia da revolução americana".
Certamente há pessoas capazes de ler um livro ou assistir a um filme uma vez, e reter a história perfeitamente. Mas, para muita gente, a experiência de consumir cultura é como encher uma banheira, entrar na água e depois vê-la escoando pelo ralo. Pode restar uma pequena quantidade de água na banheira, mas o resto se vai.
"A memória em geral tem uma limitação muito intrínseca", diz Faria Sana, professora assistente de psicologia na Universidade de Athabasca, no Canadá. "É essencialmente um gargalo".
A "curva do esquecimento", o nome pelo qual o fenômeno é conhecido, é mais acentuada nas primeiras 24 horas depois que a pessoa recebe uma informação. Exatamente quanto a pessoa esquece, em termos percentuais, varia, mas a menos que ela revise o material, boa parte dele escorre pelo ralo depois do primeiro dia, e a perda aumenta nos dias subsequentes, o que deixa apenas uma fração do que a pessoa recebeu.

Presume-se que a memória sempre tenha funcionado assim. Mas Jared Horvath, pesquisador da Universidade de Melbourne, na Austrália, diz que a maneira pela qual as pessoas consomem informação e entretenimento hoje mudou o tipo de memória a que atribuímos valor —e a nova preferência não é pelo tipo que ajuda a reter a trama de um filme assistido seis meses atrás.
Na era da internet, a memória declarativa —a capacidade de acessar espontaneamente informações que a pessoa guarda na cabeça— se torna muito menos necessária. É boa para jogos de bar ou para recordar a lista de tarefas a fazer, mas, segundo Horvath, a chamada memória de reconhecimento se tornou em geral mais importante. "Desde que você saiba onde está a informação, e como acessá-la, não precisa da memória declarativa", ele diz.
Pesquisas mostraram que a internet serve como uma espécie de memória externa. "Quando as pessoas antecipam ter acesso futuro a uma informação, elas recordam menos os detalhes dessa informação", nas palavras de um estudo. Mas mesmo antes que a internet existisse, produtos de entretenimento serviam como memórias externas sobre eles mesmos. Ninguém precisa lembrar uma citação de um livro se puder consultá-lo. Quando surgiram os videotapes, tornou-se fácil voltar a assistir um filme ou programa de TV.
Não existe mais a sensação de que, se a pessoa não gravar uma dada informação em seu cérebro, ela se perderá.
Com os serviços de streaming e os artigos da Wikipédia, a internet rebaixou ainda mais o limiar da recordação, quanto à cultura que consumimos. Mas não é como se antes recordássemos mais ou melhor.
Platão foi um dos mais famosos ranzinzas da antiguidade, se o assunto era conservar memórias fora do cérebro. No diálogo que ele escreveu entre Sócrates e o aristocrata Fedro, Sócrates conta uma historia sobre o deus Thoth, o descobridor do "uso das letras".
O rei egípcio Tamo diz a Thoth: "Essa sua descoberta criará o esquecimento nas almas dos aprendizes, porque eles não usarão sua memória; confiarão nos caracteres escritos externos e não recordarão sozinhos". (É claro que as ideias de Platão só nos são acessíveis hoje porque ele as escreveu.)
"[No diálogo], Sócrates odeia a ideia de escrever porque acha que isso matará a memória", diz Horvath. "E ele está certo. Escrever com certeza matou a memória. Mas pense em todas as coisas incríveis que obtivemos com a escrita. Eu não trocaria a escrita por uma memória declarativa melhor, em hipótese alguma". Talvez a internet ofereça uma barganha semelhante: o usuário pode acessar e consumir toda a informação e entretenimento que desejar, mas não reterá a maior parte disso.
É verdade que as pessoas acumulam em seus cérebros muito mais do que são capazes de reter. No ano passado, Horvath e seus colegas da Universidade de Melbourne constataram que as pessoas que assistem a muitos episódios de séries de TV em rápida sequência esquecem o conteúdo dos episódios muito mais rápido do que as pessoas que assistem a um episódio por semana.
Pouco depois da conclusão de um episódio, o pessoal que assistia a múltiplos episódios em sequência registrava os melhores resultados em um teste de memória, mas passados 140 dias seus resultados eram inferiores aos dos espectadores que assistiam a um episódio por semana. Eles também reportaram curtir menos a série do que as pessoas que assistiam a um episódio por dia ou por semana.
As pessoas também estão consumindo palavras escritas em grande volume. Em 2009, o americano médio estava exposto a 100 mil palavras por dia, mesmo que não as "lesse" todas. É difícil imaginar que esse número tenha caído, nove anos mais tarde.
Em "Binge-Reading Disorder" [distúrbio da leitura compulsiva], um artigo para o jornal The Morning News, Nikkitha Bakshani analisa o significado dessa estatística. "Ler é uma palavra nuançada", ela afirma, "mas o tipo mais comum de leitura é provavelmente a leitura de consumo - lemos, especialmente na internet, para adquirir informação, uma informação que não tem chance de se tornar conhecimento a menos que seja retida".
Ou, nas palavras de Horvath, "é uma risadinha passageira, e você logo quer outra risadinha. Não estamos falando de aprender alguma coisa, e sim sobre uma experiência momentânea que leva a pessoa a sentir que aprendeu alguma coisa".
A lição do estudo sobre leitura compulsiva é a de que, se a pessoa deseja recordar aquilo que assistiu ou leu, precisa espaçar o processo. Eu costumava me irritar na escola quando o curso de inglês requeria leitura de apenas três capítulos de um livro por semana, mas havia um bom motivo para isso.
A memória ganha força se a pessoa é forçada a reclamá-la constantemente, diz Horvath. Se a pessoa lê um livro todo de uma vez - por exemplo no avião -, a história ficará armazenada em sua memória de trabalho o tempo todo. "Ela jamais será reacessada", ele diz.
Sana diz que é comum, quando lemos., que haja uma "sensação de fluência" falsa. A informação está fluindo para o cérebro, o leitor a está entendendo, e ela parece estar sendo armazenada em uma pasta que encontrará lugar na nossa biblioteca mental. "Mas na verdade ela não será fixada se o leitor não se esforçar, e não adotar certas estratégias que ajudam a lembrar".
Pode ser que as pessoas ajam assim quando estão estudando ou lendo algo para o trabalho, mas parece improvável que, em seus momentos de lazer, façam anotações sobre "Gilmore Girls" para teste posterior. "Você pode estar vendo e ouvindo, mas talvez não esteja percebendo e escutando", diz Sana. "E acho que é exatamente assim que agimos na maioria do tempo".
Ainda assim, nem todas as memórias que não são armazenadas devidamente se perdem. Algumas delas podem estar retidas na memória, inacessíveis, até que a pista correta as libere - talvez uma cena de episódio anterior exibida no começo de um novo episódio de "Gilmore Girls", ou uma conversa com um amigo sobre um livro que ambos tenham lido. A memória é "essencialmente associativa", diz Sana.
Isso pode explicar por que Paul e outros se recordam do contexto em que leram um livro sem se recordarem de seu conteúdo. Paul mantém um "livro de livros", apelidado de "Bob" [book of books], desde que estava no segundo grau - uma forma analógica de memória externa.
Ela adota no diário todos os livros que lê. "O Bob oferece acesso imediato aos lugares em que estive, psicológica e geograficamente, em cada dado momento de minha vida", ela explica em "My Life With Bob", livro que ela escreveu sobre seu livro de livros. "Cada anotação conjura uma lembrança que de outra forma poderia ter se perdido ou se tornado menos nítida, com o tempo".
Em artigo intitulado "A Maldição de Ler e Esquecer", para a revista New Yorker, Ian Crouch escreve que "ler tem muitas facetas, uma das quais pode ser bastante indescritível e naturalmente fugaz, uma mistura de pensamento, emoção e manipulação sensória que acontece no momento e desaparece. Que proporção da leitura, portanto, é só uma forma de narcisismo - um marcador de quem você era e em que estava pensando ao encontrar dado texto?"
Para mim, não parece narcisismo recordar as estações da vida com base na arte que as ocupou - a primavera dos romances de amor, o inverno das reportagens sobre crimes. Mas é verdade que, se você consome cultura na esperança de construir uma biblioteca mental à qual possa se referir a qualquer momento, é provável que se decepcione.
Livros, espetáculos, filmes e canções não são arquivos subidos para os nossos cérebros - são parte da tapeçaria da vida, entretecidos a tudo mais. De longe, pode ser difícil distinguir uma das meadas, mas ela estará lá.
"Seria bacana se nossas memórias fossem limpas - uma informação entra e em consequência a pessoa tem uma memória daquele fato", diz Horvath. "Mas na verdade, todas as memórias são todas as coisas juntas".
 
Julie Beck é editora sênior da revista The Atlantic, onde cobre família e educação
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

Sobre Hélio Bicudo



Ao se equivocar no impeachment, Hélio Bicudo não soube preservar seu patrimônio histórico. Por José Eduardo Bicudo, filho do jurista


 

domingo, 12 de agosto de 2018

O “strip-tease” do arbítrio


O “strip-tease” do arbítrio


Na imprensa deste final de semana, assiste-se ao espetáculo obsceno da revelação de como as instituições judiciais se tornaram tão adeptas do Direito quanto aqueles “capangas lá do Mato Grosso” que ficaram tristemente famosos numa sessão do Supremo tribunal Federal.
Na Veja, o desembargador João Gebran Neto diz que agiu ilegalmente para “evitar um mal maior” – a soltura de Lula por algumas horas, até que o monólito da Justiça pudesse esmagá-lo outra vez – e atropelou a decisão do desembargador Rogério Favreto:
O desembargador Gebran Neto admitiu a amigos que ignorou a letra fria da lei ao dar decisão contrária à soltura de Lula, desconsiderando a competência do juiz de plantão. Gebran  alegou que era a única saída para evitar um erro ainda mais danoso: libertar o petista.
Gebran, está claro, o fez com as “costas quentes” que lhe deu o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores que, relata o chefe da Polícia Federal, Rogério Galloro,  ao Estadão, telefonou aos que tinham a obrigação de cumprir a ordem e, a revogou de “gogó” e, ele sim, sem jurisdição para isso.
O segundo momento tenso para a PF envolveu a ordem de soltar Lula dada pelo desembargador Rogerio Favreto e a contraordem de Moro e dos desembargadores Gebran Neto e Thompson Flores, do TRF-4.
Eu estava no Park Shopping, em Brasília, dei uma mordida no sanduíche, toca o telefone. Avisei para a minha mulher: ‘Acabou o passeio’.
 Em algum momento a PF pensou em soltar o ex-presidente?
Diante das divergências, decidimos fazer a nossa interpretação. Concluímos que iriamos cumprir a decisão do plantonista do TRF-4. Falei para o ministro Raul Jungmann (Segurança Pública): ‘Ministro, nos vamos soltar’. Em seguida, a (procuradora-geral da Republica   ) Raquel Dodge me ligou e disse que estava protocolando no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra a soltura. ‘E agora?’ Depois foi o (presidente do TRF-4) Thompson (Flores) quem nos ligou. ‘Eu estou determinando, não soltem’. O telefonema dele veio antes de expirar uma hora. Valeu o telefonema.
Num país minimamente sério, o Conselho Nacional de Justiça estariam abrindo procedimentos contra Gebran, Flores e o Ministério Público instaurando uma investigação contra o próprio diretor da PF.
Desde quando “vale o telefonema” diante de um mandado judicial? Desde quando, sem ser provocado, um juiz decide que outra decisão judicial representa “um mal maior”?
Imagino que os nossos grandes juristas do STF devam estar achando, a esta altura, como explicações e justificativas para isso, ou os confeitos que estejam preparando para enfeitar o coronelato de roça que praticam os algozes de Lula.
Na Justiça brasileira, porém, isso já não enoja ninguém.

Janio: Pentágono vem se apropriar de Alcântara


Janio: Pentágono vem se apropriar de Alcântara
Embraer eles já têm no papo!
publicado 12/08/2018
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Conversa Afiada reproduz da Fel-lha deste domingo, 12/VIII, artigo de Janio de Freitas:

Como outrora


A regressão se dá em mais vias do que vemos na política e em outras paisagens do dia a dia brasileiro. Uma das vias não observadas tem hoje um dia marcante, com a chegada do secretário de Defesa dos Estados Unidos ao Brasil, sua parada inicial na América do Sul. O general James Mattis vem acelerar o empenho americano de restabelecer os acordos "de cooperação militar" com países da região.
O Acordo Militar Brasil-Estados Unidos foi extinto pelo governo Geisel, em represália a atitudes do governo Jimmy Carter contra as práticas de violência da ditadura. Em parte, Geisel aproveitava a ocasião para encerrar uma presença de militares americanos que começava a ser perigosa para o regime. Os militares da "missão militar americana" estavam nas principais unidades do Exército, para uma assistência que nunca se limitou a questões técnicas.
Os assistentes do acordo tiveram papel importante, de fato, como doutrinadores políticos. Desde seus primeiros anos nos quartéis brasileiros, colaboraram para reverter o nacionalismo difundido entre os militares a partir da "batalha do petróleo", nos primeiros anos 1950, com a decorrente criação da Petrobras.
Na mesma trilha, sua encoberta doutrinação contribuiu para a formação, nas casernas, do movimento contra Getúlio e seu desenvolvimentismo. A abundância atual de documentos oficiais americanos reduz ao ridículo os que negavam a ação de americanos no preparo e na execução do golpe de 1964.
Por diferentes motivos, os acordos "de cooperação" se extinguiram na América Latina, passada a série de golpes. A degradação e depois o fim da União Soviética relaxaram a vigilância ativa dos Estados Unidos na região. Até verem, já atrasados, que a China se reinventou mais uma vez.
Com Lula, o governo Obama tanto propôs a reassociação como a encerrou em um curto-circuito inexplicado. Com Dilma, vigente ainda o mal-estar, o governo Obama foi desmascarado em escutas clandestinas das comunicações da presidente, espionagem cuja motivação também não foi esclarecida. Com Temer, as portas se abriram.
Os americanos querem o controle da base de lançamento de foguetes em Alcântara, Maranhão. As conversas a respeito, entre os dois governos, estão adiantadas. O mesmo a respeito de maior oferta do pré-sal a empresas privadas. Além disso, o governo Temer estuda a derrubada das restrições à venda, pela Petrobras, de parte das suas áreas no pré-sal.
A cessão da Embraer à entrada dominante da Boeing, empresa sob influência da Secretaria da Defesa, é outro item da reaproximação em andamento. E, com a vinda do general Mattis, iniciam-se os entendimentos para um plano de segurança regional, aproveitando a oportunidade implícita nos atuais governantes de Brasil, Argentina, Colômbia e Chile, países a receberem o secretário.
O Equador de Lenín Moreno, eleito pela esquerda e presidente de direita, já fez com o governo Trump o acordo formulado pelo Pentágono, para reativar a "cooperação militar" prevista no plano de segurança.
Contra que ameaças aos países procurados, isso os militares sul-americanos vão aprender nos cursos em bases americanas, como outrora era feito na "Escola das Américas" no Panamá, e na "assistência técnica" em seus próprios quartéis, também como outrora.

sábado, 4 de agosto de 2018

Heróis com o couro alheio

Heróis com o couro alheio


Não estamos a 62 dias de uma eleição democrática, estamos a 62 dias de uma imensa crise institucional.
Fossemos viver, dia 7 de outubro,  um alegre domingo onde, reunidos num parque, iríamos escolher o melhor entre nós para liderar o país na primavera, bem, estou de acordo que poderíamos estar discutindo personalidades, métodos partidários, renovação política e outras questões que têm seu mérito inegável.
Parece óbvio, porém, que não estamos.
Estamos a um passo de assistir um retrocesso como não se vê há 40 anos neste país e, talvez por este afastamento geracional não seja percebido em toda a sua dramaticidade.
Existem, porém, evidências de que estamos nesta iminência.
Como antes com os militares, um corporação – a judicial – assumiu a tutela do país.
À sua sombra, pretendem transformar a eleição presidencial em mera formalização de uma escolha de governantes que, de outra forma, jamais seriam os escolhidos pelo povo brasileiro. Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro são tão pouco representativos da vontade popular que só podem vencer pela fraude judicial que o processo eleitoral se tornou.
Mesmo nela, a toda hora – como se vê agora, na ameaça de “inovação” nas regras de registro de candidaturas – precisam de chicanas jurídicas para reeditar, quase 70 anos depois, o sr. Carlos Lacerda: “O Sr. Getúlio Vargas,  não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”
Não, senhores e senhoras, esta não é uma disputa florida e intelectual entre candidatos a presidente, é uma guerra contra o mergulho definitivo na barbárie social e política, no saque colonial e na fragmentação da unidade nacional.
Não se iludam de que haverá um governo conservador na economia, mas algo liberal na política e nas liberdades públicas: o modelo selvagem que desejam para o Brasil é incompatível com a democracia e estamos assistindo a isso, na prática. Com a “legitimação eleitoral” que, ao menos, falta até agora, aí é que veremos os arreganhos.
A liquidação do país é incompatível com a manutenção de um ambiente democrático.
Fiquem os que quiserem com seus purismos algo religiosos. Este humilde escriba, aqui, porém, não quer ser herói ou santo à custa do lombo do povo brasileiro. Não quer chegar ao final das eleições “limpinho e cheiroso” dizendo que “não tem nada com isso” e que “não votou no Aécio”.
A história é impiedosa com quem vacila nos momentos decisivos e temos aí, diante de nós, a figura deplorável de Marina Silva, prestando-se a iludir simplórios com seu ar sofrido, mas vivendo de servir ao que há de mais reacionário em nossa sociedade. Não faz muitos anos, gente de boa-fé pedia que se a poupasse de críticas, pois, afinal, ela estaria no “campo popular”. Bem vimos onde está…
Felizmente, parece que estamos assistindo a uma confluência, ainda que aos trancos e barrancos, das forças democráticas do país.
Lideranças com capacidade transformadora levam décadas para serem construídas, num processo de erros e acertos, de desvios e correções de rumo, só possível quando se tem uma ligação atávica com o povo brasileiro para servir de Norte, de bússola. Quando é só teoria ou suposta ideologia, o dito cujo acaba por ir-se embora servir aos senhores, como foi Fernando Henrique, o cortesão.
Temos uma – e que uma! Quem suportou e suporta o martírio de Curitiba, maior que o exílio de Vargas em São Borja, tem ombros para carregar o renascimento deste país.
Os outros, que ainda não se testaram em combate, são importantíssimos e merecem todo o respeito.
Mas numa guerra como esta em que estamos, desculpem-me, o comando não pode ser exercido em assembléia. Porque a batalha não pode ser perdida, a menos que queiramos lançar o Brasil e os brasileiros numa terra arrasada.

A origem da crise do direito de defesa e a farsa judicial: perigos da pós democracia

A origem da crise do direito de defesa e a farsa judicial: perigos da pós democracia



Assim como com Dilma, também com Lula, a acusação está, de mãos dadas com a Justiça, forçando a barra para dizer que ‘juridicamente’ uma coisa é outra coisa, e que há, pois, crime onde nem crime se tem.
Engana-se quem pensa que o tubo de ensaio para tanto se deu com o impeachment. Ainda que também tenha se dado com o impeachment, a origem dessa ‘guerra hibrida’ começou lá atrás com o Mensalão: já naquela ocasião o Judiciário se apropriou bizarramente da figura jurídica da ‘Teoria do Domínio do Fato’, quando o próprio criador da teoria, o jurista alemão Klaus Roxin, expressamente, veio a público criticar o seu deturpamento, para fins de condenação.
No impeachment de 2016 mero e ‘contábil’ atraso na reposição a bancos públicos, acerca de meros adiantamento de custos, com programas sociais que, inclusive, já eram geridos pelos próprios bancos públicos se alçou a condição de crime condenável.  Repasses decorrentes de arrecadação com inscrições de concursos públicos e outras despesas, do próprio Poder Judiciário, se transformou em grave crime orçamentário. Enfim, criou-se a grave, mesmo que inexistente, figura do Crime de responsabilidade “fiscal”.
Na prática, se depôs um Presidente eleito, por esse ter cometido o ‘gravíssimo’ crime(?) de atrasar meros repasses constitucionais. Sim, pois é disso que se trata no fim das contas.
Supostamente, do ponto de vista jurídico, a Presidência teria violado a lei de responsabilidade fiscal. Puro arremedo exegético. Na prática, simples pretexto jurídico. Abobrinha técnica. Juridiquês puro: Aberratio libeliii.
Ignorou-se até mesmo o fato de que a suposta lei violada, que nunca foi lei orçamentária -como aliás minimamente se exige para dizer o menos - não prevê crime algum, muito menos de responsabilidade.
Já está claro que, também nessa segunda oportunidade, juridicamente se conseguiu passar por um crivo jurídico, e nas instancias e tribunais próprios, também a ideia do cometimento de um crime.
Como se vê, não foi preciso, em nenhuma dessas duas ocasiões, a mais remota substância, foi o bastante a mera forma; não importou o conteúdo. Bastou passar, formalmente, pelo crivo ‘´popular’ da opinião pública judicializada e pela opinião publicada que a sentença de culpa se formou. O invólucro estava ali, pronto; já bastava: já se tinha a ‘substância’ necessária
O factóide jurídico do Mensalão, especificamente com José Dirceu, mediante a aplicação da Teoria do Domínio do Fato foi a mosca azul do Judiciário: prejudicou Dirceu, prejudicou Dilma, e, como já se infere, também, já prejudicou Lula.
Inaugurou-se, infelizmente, a era em que a acusação, formal e juridicamente, tem mais peso que a própria defesa e divergir é quase um ato revolucionário.
Veja-se, que também contra Lula, se tenta -e até agora com certo êxito - passar a ideia, jurídica, do cometimento de um crime, donde não se sabe, até agora, qual crime houve, pois não há extrato, recibo, lista, planilha, gravações, vídeos – que curiosamente, contra muitos outros sobejam -, mas apenas, delações desprovidas de provas acessórias. Já se vão vários exemplos inocentados: Vaccari, Berzoini, Gleise, Mercadante. Nessas condições, se inexistentes as provas, nem conduta, muito menos tipo penal há, a ponto de valer uma condenação.
As provas, ao contrário do que ocorre com vários dos petistas, como já restou fartamente documentado, até mesmo pelas mídias tradicionais, mesmo quando são robustas e substanciais, não se prestam a uma coercitiva, muito menos condenação: no mais das vezes, inquéritos são encerrados, extintos, quando muito oferece-se denuncia, sem qualquer trâmite relevante em seguida: basta que sejam alinhados ao poder econômico dominante: esses são apenas incomodados, e só, escolhendo hora e dia pra depor, no silêncio da alcova sepulcral da investigação criminal natimorta.
Curiosamente, à despeito das condenações, fruto de nítido lawfare derivado das hybrid wars, há um hiato hermenêutico grave entre a compreensão dos fatos até apurados e divulgados e o que se decidiu. Com efeito, desde as primeiras bancas da faculdade de direito, que se aprende que “não é dono que não registra”. Assim, obviamente, só é dono quem é legítimo proprietário. Ou seja, apenas aquele que registrou no cartório essa sua propriedade; teve, portanto, o encargo de levar a registro o ato de aquisição, nos cartórios de registro de imóveis.
Contra Lula, juridicamente, portanto, da mesma forma, criaram a também bizarra e inexistente figura da ‘propriedade de fato’, à despeito da centenária definição jurídica acerca da propriedade, que necessária e intrinsecamente, não pode ser apenas e tão somente uma mera propriedade de fato’, ela, precisa ser, de fato, e de direito. Portanto, falar em “propriedade de fato’ é outra bizarra e juridicamente inexistente figura: uma rematada contradição em termos.
 E mesmo que se trabalhe com a idéia de ocultação de patrimônio, não há nenhum outro elemento que conduza a essa ocultação: nem mesmo os mencionados atos “de ofício” são precisados: o próprio juiz os chama de indeterminados.
Fica ainda pior quando misturam isso à suposta lavagem de dinheiro fruto de posse. Se não há o próprio bem para ser “lavado”, “branqueado”, como sustentar que houve esse crime, inclusive? Lavar algo inexistente, oculto, que não se tem? Isso é o que se chama de materialmente impossível.
E para tornar ainda mais aviltante a acusação, o dono efetivo, qual seja, a construtora, que logicamente possui o registro da propriedade no cartório de imóveis, conferiu a referida propriedade em garantia de operações financeiras próprias, junto a terceiros (com a Caixa Econômica Federal). E, mais recentemente, um processo judicial em Brasília determinou a penhora do tal apartamento 164-A do Edifício Solaris, para pagar dívidas da empreiteira, que, de fato, consta no RGI como proprietária do referido imóvel.
Nem o mais ferrenho inimigo do ex presidente consegue explicar tamanhas incongruências e impropriedades. É possível, alguém que não é dono de um bem, poder dá-lo em garantia a terceiros, sem qualquer anuência do suposto dono? Trata-se mesmo, com todo o respeito, de um escrachado engodo jurídico. Não há outro nome.
Tais conclusões não são fruto de empatias ou simpatias mas sim análise isenta e criteriosa dos fatos. Será exatamente igual, se, por exemplo, a acusação contra Eduardo Cunha também contenha tais vícios.
Simplesmente, não é crível, muito menos razoável, que mesmo diante de circunstancias tão díspares, ainda se tente vender a ideia de que se está diante de uma propriedade ‘de fato’.
Convenhamos, isso é validar absurdos e nonsense jurídicos apenas pela suposição teórica de um alegado ato que se supõe ser criminoso, todavia sem qualquer lastro jurídico a tanto: cumpre-se apenas um rito, e isso já basta, já é o suficiente.
Assim, tem-se também, por exemplo, a não menos impressionante, porém igualmente fajuta teoria da existência de um “laranja”: não é preciso recorrer aos manuais penais para entender que para haver um laranja, é necessário implícita e imprescindivelmente de um terceiro que se presta a ser o laranja: não dá para conceber, afirmar existir um “laranja” nesse caso, entretanto, nesse caso , essa pessoa seria a própria pessoa dona do imóvel presenteado.
Ou seja, o próprio agente corruptor é também o “laranja”, e, é esse mesmo imóvel “dado como presente”, que funciona como prova de lavagem, sendo inexistente o produto lavado, branqueado?
Em resumo, é de se, vergonhosamente, reconhecer que não há como admitir ter havido acréscimo patrimonial e ainda assim se defender a existência do crime de lavagem. Simplesmente não existe como “branquear” um bem, um capital, sem qualquer ato jurídico para tanto. Da mesma forma, se não há ato algum para dissimular e legalizar essa oferta do imóvel “doado”, como então, validar a existência de crime de ocultação e lavagem ao mesmo tempo? Vê-se, que juridicamente as acusações não param em pé.
Nem com a maior das boas vontades, consegue-se responder, como é que depois da lavagem do bem ocultado, não há o fruto do crime, na medida em que o imóvel presenteado e, pois, lavado, continua em nome do ofertante da propina?
Trata-se assim de uma assunção completamente desprovida dos mais básicos elementos, que, portanto, não comprovam a tese a que se destinavam.
Em último lugar, ignorar, igualmente, a inexistência de ato de ofício para caracterizar corrupção, aliás, como quaisquer outros conceitos jurídicos, já não seria recomendado, muito menos aceitável, o que se dirá quando quem os ignora são justamente os juízes??
Essa insana acusação, totalmente capenga, como se viu acima, está tendo reverberação jurídica como plausível, única e simplesmente, pelo fato de estar atingindo alguém que se almeja macular, alijando-o do próprio processo eleitoral, ou, no mínimo, para tentar aniquilá-lo, abalar sua credibilidade, sua imagem, enfim, manchar totalmente o nome desse desafeto, definitivamente.
Infelizmente, o tubo de ensaio desse lawfare comprovou, lá atrás, a sua validade e serventia: o êxito de sua fórmula. Vendeu-se uma Teoria Jurídica para ser explorada, em sua mera forma e assim cumprir com o requisito formal e alcançar a consequência jurídica almejada, mesmo sem a demonstração da menor existência de substancia, como seria de rigor.
Precedente, perigosamente, aceitável. Decerto, não seria aceito não fossem as consequências, justamente aquelas “almejadas” pela opinião publicada, contra determinados e indesejados indivíduos. Ocorre que abre uma brecha perigosíssima para todo e qualquer processo judicial, enfraquecendo sobremaneira o exercício do direito de defesa e o próprio direito de defesa, como instituto consagrado explicitamente na Constituição Federal.
A Teoria do Domínio do Fato foi usada, portanto, para se condenar sem provas, baseando-se apenas na condição de superioridade hierárquica do acusado. Juridicamente, cumpriu-se o necessário, ainda que isolado, porém suficiente, rito.
E, enfim, eis que criada a bizarra e preocupante figura da ‘culpa’ de opinião, uma espécie de culpa presumida, a despeito da inexistência de provas, do delito, dos atos incriminatórios, da mera existência de delações vazias.
Desde então, sofrem com ela Dirceu, Dilma, e ultimamente Lula. Contra eles foram e são criados factoides jurídicos, facilmente vendáveis midiaticamente, criando uma histeria coletiva punitivista, justamente, por serem apenas fundados em pseudo-substratos jurídicos, todavia aptos e fáceis de passar no teste das aparências, nesse teatro judicial televisivo e jornalístico de péssima categoria, na encenação de um julgamento que não se mostra imparcial, donde juiz já há muito virou assistente de acusação, age com estratégia e promove chicana jurídica regimental, escolhendo foro em total violação ao princípio do juiz natural. Até Stuart Angel, nos anos de chumbo, provou desse ‘mis-en-scene’ jurídico. Julgamento à revelia para uma pessoa assassinada é, pois, o cumulo do absurdo, da falta de decência e da manifesta indignidade.
Todavia, estamos nos deparando com uma fase perigosa do Direito, donde, mesmo que em tese ainda no Estado Democrático, estamos vivendo num limbo donde se aproveita apenas a forma, pouco importando o conteúdo, fato esse negativamente reforçado pelo maior peso e  maior importância da acusação sobre a defesa, contribuindo para o fenecimento do direito de defesa.
Bertolt Brecht já nos advertiu em sua obra ‘Intertexto’: chegará uma hora que não haverá mais ninguém a recorrer, já que ninguém está se importando com essa vergonhosa e perigosa inversão das bases do Estado de Direito.
Afinal, aos amigos tudo. Aos inimigos, os rigores da lei, mesmo que seja uma lei, à margem da própria lei, feita sob encomenda: Dreyfuss, Sacco, Vanzetti, Mujica e Mandela que o digam.