Pode ser blefe, e deve ser. O comando do Exército não assinou a nota.
Se tivesse assinado, o título desta coluna não teria ponto de
interrogação.
Afinal, dizer "não faça isso ou eu dou um golpe" já é uma ameaça de
golpe, assim como "me dê seu dinheiro ou eu te assalto" já é tentativa
de assalto. Se alguém, em qualquer das instituições que fiscalizam o
presidente, tiver sido intimidado pela ameaça, o golpe já aconteceu.
E é mau sinal que as instituições não se sintam confortáveis para
dizer "vai lá, Jair, tente a sorte, vamos ver se você consegue dar seu
golpe, veja o que vai acontecer com você".
Era o que diriam para qualquer presidente que não tivesse milhares de militares no governo. Se, por exemplo, Fernando Collor tivesse dito que pretendia armar a turma do artigo 142, teria sofrido impeachment na terça, sido preso na quinta e torturado na sexta para dizer que foi tudo um plano do Lula.
O que essas notas "não vai ter golpe, mas não derrubem o Jair" fazem é
garantir imunidade ao presidente da República. Se não pode ser cassado
pelo TSE, ele pode fraudar eleições. Se ele não pode sofrer impeachment,
pode cometer crimes de responsabilidade dia e noite, como vem
cometendo.
Se ele pode aparelhar a Polícia Federal impunemente,
então não haverá mesmo denúncias contra ele. Se ele pode ameaçar a
imprensa sem perder o mandato, não há nada que lhe impeça de continuar
exercendo pressão até que ela faça efeito.
Pense em todos os políticos corruptos que foram denunciados nos
últimos anos. Escolha aquele de quem você gosta menos, aquele contra
quem havia provas mais sólidas. Ele não teria sido denunciado se pudesse
jogar a carta do golpe.
Como vimos, o comando das Forças Armadas não assinou a carta. Mesmo assim, em uma República funcional, os militares desmentiriam Bolsonaro de forma clara, citando-o nominalmente,
para dizer que os tribunais decidirão sozinhos sobre a chapa, o
Congresso decidirá sozinho sobre o impeachment, e militar que virou
político que aprenda a brigar só com as armas da política.
Se não o fizerem, serão corresponsáveis pelos abusos que Bolsonaro
planeja cometer se puder intimidar as instituições com ameaças de golpe.
E, independentemente do que as Forças Armadas fizerem, é triste ver a
quantidade de militares que aceitam participar desse desastre de
governo. Ver um militar chefiando o Ministério da Saúde que manipula dados é triste.
Esses generais-políticos do governo querem ser poder moderador da
República? Não conseguiram moderar nem o Bolsonaro. Porque, de duas,
uma: ou fracassaram em moderá-lo ou, se isso aí já é uma versão
moderada, foram irresponsáveis quando apoiaram alguém tão extremo em
2018.
Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)
"Expressamente o Ministro/General Ramos informa aos cidadãos e ao
conjunto das instituições que têm as armas e que não hesitarão em
utilizá-las para perpetrar golpe de Estado, sempre e quando o seu
libérrimo uso do arbítrio, pantanoso terreno vizinho da arbitrariedade,
não considere que o 'outro lado está esticando a corda'", escreve o
colunista Roberto Bueno
Mal amanhecia o dia 12 de junho de 2020 quando ao redor das 8h
começava a circular tradicional revista de tiragem semanal brasileira
contendo entrevista com o General Luiz Eduardo Ramos, Ministro da
Secretaria de Governo. Nela o povo brasileiro foi informado de mais uma
ameaça contra o seu pacto constitucional, apenas mais uma ameaça
realizada por autoridades que têm o dever funcional não apenas de agir
nos seus estritos limites como proteger a soberania do povo brasileiro
que se concretiza no mundo através da expressão da vontade política por
seus representantes objetivada na legislação em todos os níveis.
À partida é importante ponderar que não devemos fazer referência aos
Generais que estão no Governo atualmente como se fossem a voz das Forças
Armadas. Ordinariamente é deste coletivo composto por diversos Generais
que têm sido realizadas sucessivas ameaças, atrás após a outra, apenas
com alternância semanal quanto aos atores que as realizam. São ameaças
gravíssimas de perpetração de golpe aberto contra a ordem constitucional
e às mais altas instituições do Estado, como o Supremo Tribunal Federal
(STF) onde, aliás, já foi alocada estranha figura, inexistente em toda a
sua história, a saber, a do General assistente da Presidência do STF.
Qualquer análise sobre o Brasil hoje precisa partir de uma realidade
posta: já vivemos sob um regime autoritário cujo poder é controlado
exclusivamente por militares.
Neste revezamento de atores a atacar a integridade da Constituição
brasileira, desta feita, tocou ao Ministro/General Ramos realizá-las. Em
sua entrevista à revista semanal entendeu por bem forte bater o punho
na mesa e soltar o verbo desafiador ao ar afirmar ser “Ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe”,
aparentemente reforçando o princípio de fidelidade à Constituição ao
dizer que as Forças Armadas não irão quebrar o regime democrático e, até
mesmo, que “O próprio presidente nunca pregou o golpe”. Como?
A todas luzes o que o Ministro/General Ramos qualifica como
ultrajante e até mesmo ofensivo é que a sociedade entenda o português
claro (embora nem sempre escorreito) empregado pela Presidência da
República, pelos seus sequazes e muitos de seus Ministros, fardados
inclusive. Podemos depreender da fala do Ministro/General Ramos que os
cidadãos brasileiros não devem entender as palavras e as ideias segundo o
que elas realmente expressam, ou seja, que fechar o Supremo Tribunal
Federal (STF) com um cabo e um soldado não é uma ameaça direta e
violenta contra o Estado, o povo e a Constituição brasileira. E o que
dizer da fala do Ministro da Educação, A. Weintraub, durante a fatídica
reunião ministerial de 22 de abril de 2020 quando ameaçou diretamente os
Ministros do STF e a própria instituição? O que dizer de tantos
movimentos e declarações, incluída a Presidência, alto e bom som, que
coadunam com tais propósitos? E isto para fixar-nos apenas em um dos
tantos temas que reiteradamente são mencionados pelos acólitos do
Governo a povoar os ares da nação com ameaças diuturnas às instituições e
ao Estado brasileiro.
O Ministro/General Ramos avançou em suas declarações como se todas
estas ameaças já não tivessem sido realizadas pelas fileiras do Governo
Bolsonaro ao qual pertence, como se quem estivesse a “esticar a corda”
fossem os oposicionistas e 70% do povo brasileiro. É imprescindível
destacar que após realizar a profissão de fé das Forças Armadas de não
realizar o golpe de Estado (falava em seu nome?), o Ministro/General
Ramos matizou e condicionou a não ocorrência do golpe a um determinado
horizonte, a saber, que “o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica corda”.
Ao que parece o Ministro/General Ramos pretende liberar-se de assumir
o profundo desejo de perpetrar golpe de Estado mantido por alguns
setores em clara ofensa e violência contra o povo brasileiro que
expressou a sua vontade no pacto político nos termos da Constituição.
Expressamente o Ministro/General Ramos informa aos cidadãos e ao
conjunto das instituições que têm as armas e que não hesitarão em
utilizá-las para perpetrar golpe de Estado, sempre e quando o seu
libérrimo uso do arbítrio, pantanoso terreno vizinho da arbitrariedade,
não considere que o “outro lado está esticando a corda”. É com tal tipo de declarações que ele pretende cumprir a declarada valorosa finalidade de contribuir para “serenar os ânimos”
ou devemos entender que os ânimos serão considerados “serenados” sempre
e quando tenhamos o mundo submisso aos coturnos e uma vez mais
experimentemos a paz dos cemitérios?
A entrevista do Ministro/General Ramos deixa claro que o golpe pode
ser dado e que os militares o farão, ao que parece, sem tardança ou
reflexão sobre a devida subordinação e respeito ao povo brasileiro,
mantendo-se indiferentes a que as Forças Armadas detém os fuzis apenas
em confiança da soberania política popular e, por conseguinte, é
gravíssima violação de suas prerrogativas apontar baionetas contra o seu
povo. Depreende-se que estão prontas para uso quando o livre e
desimpedido juízo dos militares lhes indique que no jogo político “outro lado está esticando a corda”, evidenciando a mais completa expressão da incapacidade para participar do jogo político.
Mas, afinal, a qual “corda” o Ministro/General Ramos se refere?
Lamentavelmente temos muitas delas que todavia assombram a memória do
país, muitíssimas, e que nos testemunham os horrores da relação da farda
com as cordas, e aqui presto a minha sincera homenagem a Vladimir
Herzog, assassinado nas instalações do DOI-CODI, no Quartel-General do
II Exército, em São Paulo, local onde compareceu voluntariamente.
Apareceu enforcado e foi alegado suicídio, pendurado em grades que
obrigavam seus joelhos a flexionar. Teatro do absurdo. Nunca foi o povo
brasileiro mais do que vítima das cordas, mas nunca delas dispôs para
ameaçar o Estado brasileiro com algum golpe. Isto simplesmente nunca
esteve ao alcance do povo brasileiro, mas sim dos militares, que já
perpetraram diversos golpes contra o povo e, pior ainda, práticas que
transcenderam os limites da política.
Precisamos ser absolutamente claros e ter os pés no chão e perguntar ao Ministro/General Ramos quem estica a corda
quando é o seu Governo que está a coadunar, passivamente, com a morte
de quase 40 mil brasileiro com curva em ascensão, ainda perseguindo
judicialmente governadores e todas as autoridades dispostas a realizar
importação urgentíssima de respiradores para evitar que o povo morra
sufocado. Senhores(as), atenção: até este dia 12 de junho de 2020 já são
40 mil mortos e nos aproximamos celeremente de um Vietnã sem o disparo
de um só tiro! É isto o que o Governo dos Generais têm a oferecer ao
povo brasileiro como opção de poder aos governos progressistas do
Partido dos Trabalhadores?
O Ministro/General Ramos apresentou sua inconformidade com que o
Presidente da República tenha sido alvo de gritos de massa popular em
recente em manifestação pública, classificando-o como nazista e
fascista, pois, segundo o raciocínio do Ministro/General Ramos, “OHitler exterminou 6 milhões de judeus. Fora as outras desgraças. Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito”.
Do que se trata, então, Ministro/General Ramos, é de fazer um cálculo
de perdas planejadas de vida? É que há um misterioso número na avaliação
do Ministro/General Ramos a partir do qual, e só então, começaríamos a
falar de genocídio? É que o Ministro/General Ramos está a sugerir,
implicitamente, que não há problemas com a verificação de 40, 50, 60, 70
mil mortos? Ao manifestar sua inconformidade com a comparação de seu
Presidente Bolsonaro com o nazismo de Hitler e seus milhões de vítimas, ipso facto,
o Ministro/General Ramos coloca-os sobre a mesa em comparação para
concluir que o primeiro matou muito mais e, portanto, ao seu Presidente
todavia é injusto reputá-lo nesta mesma condição. Não tem problema,
depreende-se. Será este o raciocínio do General.
Quem controla cargos e nomeações para estabilizar um Governo que
assiste passivamente ao aumento sem travas nem medidas efetivas para
conter o genocídio contra a população brasileira terá alguma
responsabilidade? A história cobrará, mas, por ora, precisamos
determinar quem é mesmo que está a esticar a corda aqui. O povo
brasileiro é o dono da corda e tem o direito de empregá-la onde, como e
contra quem quiser, e nenhuma divisa por estrelada que seja, tem
legitimidade nem corda espessa o suficiente para impor-se à soberania do
povo brasileiro. Quem é que está esticando a corda aqui? Quem? Quem
desvia o olhar da matança ou que é dela vítima?
"O 'outro lado', ninguém se engana, é toda e qualquer oposição ao
demente que ora nos governa, mas Ramos e a camarilha fardada instalada
nos cargos do governo federal miram sempre a esquerda", escreve o
jornalista Leandro Fortes
No mesmo dia em que o comandante das Forças Armadas dos Estados
Unidos, general Mark Milley, pediu desculpas por participar de uma
palhaçada ao lado do presidente Donald Trump, outro general, o
brasileiro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, inaugurou
um novo tipo de puxa-saquismo, a bajulação quatro estrelas: confessou
ter se infiltrado em uma manifestação contra Jair Bolsonaro, em
Brasília, na qual afirma ter detectado petistas disfarçados de verde e
amarelo.
Milley, maior autoridade militar dos EUA, arrependeu-se de caminhar
da Casa Branca até a Praça Lafayette, onde o Trump tirou uma foto com
uma Bíblia, em frente a uma igreja danificada por manifestantes, durante
atos antirracismo pela morte de George Floyd, asfixiado por um policial
branco, em Minneapolis. Na visão do general do império, a presença dele
passou a impressão que os militares americanos têm permissão
constitucional de se agregar à política comezinha dos governantes
locais.
Não têm, nem querem ter. Não no país deles. Deixam isso para os
serviçais das repúblicas de bananas, como o Brasil de hoje, onde o
general Ramos, ainda na ativa, concede uma entrevista informando que,
embora o Exército não queira participar de um golpe de Estado, é bom o
outro lado não esticar a corda.
O “outro lado”, ninguém se engana, é toda e qualquer oposição ao
demente que ora nos governa, mas Ramos e a camarilha fardada instalada
nos cargos do governo federal miram sempre a esquerda – ou os
“comunistas”, fantasmas que todas as gerações de milicos pós-1964
perseguem de forma tão estúpida quanto obsessiva. Não por outra razão, o
general colocou, segundo ele próprio, gorro e óculos escuros para se
infiltrar entre o inimigo.
Estamos falando de um homem feito, de 64 anos, militar da ativa, que,
ao invés de estar comandando uma tropa – missão para a qual o
contribuinte lhe paga salários, há mais de quatro décadas –, dá-se ao
desfrute, em plena pandemia de Covid-19, de ficar sassaricando em meio à
multidão.
Assim como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (o que é uma piada pronta), e o atual ministro da Saúde, o
inefável general Eduardo Pazuello, o secretário Luiz Eduardo Ramos é
resultado do esquecimento a que foram relegados os militares, depois da
redemocratização do País, em 1985.
Deixados à própria sorte, sem que nenhuma intervenção do poder civil
fosse feita nas escolas de formação, a milicada estagnou-se na guerra
fria e no único papel que lhes foi dado, naquele teatro de outrora: o
papel subalterno de exército de ocupação, com a missão de caçar,
prender, torturar e assassinar patrícios de esquerda.
O resultado dessa vida perdida no anacronismo é essa tragédia
verde-oliva que se convulsiona, melancolicamente, no Palácio do
Planalto.
Como uma criança intolerante, Bolsonaro enxerga cadeirinhas como opressão e precisa destruí-las
Luiz Meyer
[RESUMO] Psicanalista argumenta, a partir de atos e falas de Jair Bolsonaro,
que a mente do presidente é governada por uma criança ressentida, à
semelhança de um filho que reage com violência ao ser colocado em uma cadeirinha de um carro.
Em oposição ao que é popularmente difundido, a psicanálise não explica tudo.
Atenta às brechas que podem emergir na fala do paciente em livre
associação, ela estabelece conexões que para ele são conscientemente
insuspeitas no interior dessa fala. Então, as alinhava propondo-lhe uma
percepção e uma compreensão alternativas à sua autorrepresentação e ao
sentido do seu relato.
A somatória desses encadeamentos habilita o analista a propor ao
paciente uma hipótese sobre a estrutura de sua organização psíquica sem,
entretanto, estabelecer relações de causa e efeito. A psicanálise é,
pois, uma atividade descritiva e não explicativa.
Esse procedimento, quando empregado fora do consultório, tende a ser
redutivo e/ou determinista, terminando mais por provar o acerto da
teoria que a compreensão do objeto. Freud,
entretanto, em um ensaio que se tornou seminal, arriscou-se, com êxito,
a uma incursão desse tipo. Refiro-me à sua análise das memórias do
presidente Daniel Paul Schreber (Schreber era membro do Judiciário, e o
posto de presidente relaciona-se à sua posição na corte de Justiça).
Freud jamais o conheceu pessoalmente. Mas, a partir do livro em
que essas memórias são narradas —material público, portanto—, no qual
ele descreve em minúcias suas experiencias delirantes e alucinatórias,
basicamente de cunho paranoide, Freud (1911) pôde tecer várias hipóteses
a respeito dos fatores que impulsionaram Schreber a organizar seu
psiquismo e sua visão de mundo, tal como os descreve na publicação.
As interpretações de Freud dão coerência a elementos aparentemente
díspares que ali são narrados. Freud não “explica” a psicopatologia de
Schreber (e, é claro, não faz nenhum juízo de valor); ele apenas
descreve a exigência de sua lógica interna e aponta os elementos que a
compõe. Jair Bolsonaro
até agora não escreveu suas memórias. Penso, entretanto, que o
rastreamento de suas falas e atos (e de seus filhos, com quem ele forma
uma entidade simbiótica) constitui um gênero de memorial que se presta a
um exercício semelhante. Ele não visa um diagnóstico, o que seria
antiético, mas é possível mostrar que seu discurso e seus atos possuem
uma coerência que lhes confere organicidade e apontam a existência de um
elemento organizador nuclear inerente a essa coerência.
Vou evocar de forma suscinta alguns exemplos já conhecidos de seu comportamento e de suas expressões. Deles fazem parte o protesto
rumoroso contra o soldo que recebia, os planos para explodir quartéis e
plantar bombas em lugares estratégicos do Rio de Janeiro, sua pregação por uma guerra civil que “mataria uns 30 mil” para “fazer o que o regime militar não fez”,
seu desprezo pelo voto e seu incentivo à sonegação, sua intenção de dar
um golpe e “fechar o Congresso” “no mesmo dia”, caso fosse eleito
presidente, seu elogio ao torturador e à tortura, seu desprezo pelo STF, que pode ser fechado apenas “com um soldado e um cabo”, seu saudosismo do AI-5, seu armamentismo compulsivo e sua obsessão em facilitar infrações e aliviar punições etc.
Há um eixo que percorre essa listagem, lhe dá coesão e coerência e
que tem sua melhor representação em duas de suas frases recentes: “cala a boca”, dirigindo-se a um jornalista e “quem manda sou eu”, dito ao corpo de seus ministros.
Para encerrar esse ementário, que evidentemente lembra um prontuário,
vou me deter de forma mais detalhada em uma iniciativa sua, de
aparência deslocada e mesmo algo bizarra. Ela é, entretanto, como se
verá, paradigmática e uma vez rebatida sobre tudo o que foi até aqui
enumerado vai lhe conferir transparência. Refiro-me ao seu empenho em anular a multa para os pais que não utilizarem a cadeirinha para transporte de crianças (atitude considerada infração gravíssima).
Muitos dos leitores já tiveram a oportunidade de observar o que
ocorre quando os pais tentam acomodar sua criança pequena à cadeirinha
do banco de trás. A dificuldade da operação é diretamente proporcional
às contorções da criança que protesta e se rebela face à limitação
imposta. Como ela não entende que a atitude dos pais visa protegê-la,
ela interpreta esse gesto como uma demonstração de autoritarismo e
hostilidade, um comportamento que visa aprisioná-la.
Compreende-se que sua reação, tendo os pais como alvo, seja violenta.
Cada vez que a porta do carro é aberta e ela é dirigida à cadeirinha
acende-se em sua mente um sinal amarelo alertando-a para o que considera
uma opressão iminente.
À medida que a criancinha vai crescendo e se desenvolvendo, seu
comportamento muda. Ela começa a ver sentido no comportamento dos pais,
que deixa de ser percebido meramente como coerção e passa a ser visto
como uma regra, integrada a outras, voltada para resguarda-la de perigos
frente aos quais ela se encontraria indefesa. Passa mesmo a sentar na
cadeirinha de moto próprio e a afivelar o cinto sozinha.
A abordagem continente e pedagógica de pais sintônicos entre si
produziu compreensão e crescimento. Mas nem sempre é o que ocorre: eles
podem agir de forma negligente, desarmônica e competitiva. Nesse caso
sequer perceberão —entretidos que estão em provar qual deles tem razão—
que a criança, sentindo-se livre, assumiu o volante e segue em
disparada.
Bolsonaro é a encarnação de um corpo adulto cuja mente é habitada e
governada pela criança ressentida. Tudo que se antepõe “a sua
ação-intenção” evoca a cadeirinha de contenção e provoca sua cólera, sua
prepotência, sua agressividade e o torna voluntarista.
Não estamos diante de um bufão histriônico que bate bumbo na praça de
uma pequena cidade do interior. O número que encena é a expressão da
criança intolerante, assombrada pela cadeirinha, que se apresenta como o
redentor que vai borrar todos limites e limitações, valendo-se de um
discurso raivoso, apalhaçado e de fácil compreensão que consegue
fascinar uma plateia desiludida e em penúria. É compreensível que passe a
acompanhá-lo, formando uma legião de batedores de bumbo.
No início deste texto escrevi que os atos e as falas de Bolsonaro
possuíam uma coerência conferida por um elemento organizador nuclear. Se
as minhas especulações forem verdadeiras, ele não tem saída.
Encurralado por uma mente que serve a criancinha com quem está
identificado, que não aceita nem suporta modalidade alguma de “cinto”,
ele precisa, para solucionar a ameaça que continuadamente o atormenta,
criar um mundo em que todas as cadeirinhas sejam destruídas. Dai a razão
deste escrito chamar-se "Por que haverá golpe".
Luiz Meyer, psicanalista, é autor de "Rumor na Escuta: Ensaios de Psicanálise" (Editora 34).
Diante do drama da pandemia,
nem os mais renitentes defensores do equilíbrio fiscal ainda sustentam
que o Estado não pode aprovar despesas sem fontes tributárias. Qualquer
pessoa de bom senso concorda que o Estado deve gastar o que for
necessário na saúde e na ajuda assistencial aos que estão sem emprego,
sem renda e sem alternativas.
Com a arrecadação em queda, o momento não permite o aumento dos
impostos, o que agravaria a dramática recessão que enfrentamos. As
despesas emergenciais irão inevitavelmente aumentar o déficit das contas públicas.
Só restam duas alternativas: a emissão de moeda ou o aumento da dívida.
A decisão de como financiar o déficit, substantivo e inevitável, tem
provocado controvérsia. Pode-se emitir moeda? Existe um limite para o
aumento da dívida?
Comecemos pela questão da emissão monetária.
No mundo contemporâneo, moeda e dívida pública não são tão diferentes
como se pretende. São ambas passivos do setor público. Tanto a moeda
como um título do Tesouro são dívidas do Estado.
No passado, a moeda metálica tinha um valor intrínseco. Depois,
passou a ser um certificado de dívida pública, que poderia ser
convertido numa mercadoria de valor intrínseco, o ouro. Hoje, é apenas
mais um certificado de dívida do Estado que não tem lastro metálico, é
puramente fiduciário. Quase toda moeda contemporânea, como também a
dívida pública, é apenas um registro contábil eletrônico.
Qual, então, a diferença entre moeda e dívida pública? A moeda não
paga juros e é o ativo líquido por definição, isto é, sempre aceito pelo
seu valor de face.
No passado, a dívida não monetária era relativamente ilíquida. O
preço de um título de dívida poderia sofrer grandes deságios, caso
houvesse pressa para vendê-lo, pois o mercado era desorganizado e pouco
líquido. A maioria dos compradores de dívida eram investidores que
pretendiam levar os títulos até o resgate.
Hoje, com os mercados financeiros hiperdesenvolvidos, a dívida pública tem praticamente a mesma liquidez da moeda. Com as taxas de juros básicas,
que balizam os juros da dívida, próximas de zero ou até mesmo negativas
em grande parte do mundo, a distinção entre moeda e dívida torna-se
praticamente irrelevante. São ambas dívidas públicas de alta liquidez.
A moeda contemporânea, sem valor intrínseco, é apenas um certificado
de dívida, sem prazo de vencimento, ou seja, uma perpetuidade, que não
paga juros, mas essencialmente um certificado de dívida pública. A
principal diferença é institucional: a moeda é um passivo do Banco
Central, por isso não é computada como dívida pública. Esta é a razão da
polêmica em torno da monetização dos déficits públicos.
Quando o Estado gasta, necessária e inevitavelmente, aumenta o
seu passivo consolidado, mas se opta por financiar seus gastos com
emissão de moeda, ou seja, com aumento do passivo monetário do Banco
Central, não há aumento da dívida pública. Substantivamente, não há
qualquer diferença, o passivo consolidado do Estado irá aumentar, mas o
aumento não será expresso na dívida pública.
Com tanta discussão e confusão em torno do assunto, não tenho a
intenção de massacrar o leitor com mais uma exposição excessivamente
técnica. Peço apenas mais um pouco de paciência, para expor um ponto de
alta relevância e malcompreendido.
Tanto o Estado quando o sistema bancário
criam moeda. A moeda é um passivo do Estado, mas o sistema bancário tem
permissão para criar um passivo que, em última instância, é do Estado.
Os bancos que têm conta no Banco Central podem criar moeda e obrigá-lo a
sancionar essa expansão.
Para evitar que a taxa juros no mercado de reservas bancárias,
principal instrumento de política monetária, se desvie da taxa fixada, o
Banco Central é obrigado a sancionar a expansão da moeda. Ao dar
crédito os bancos emitem moeda.
Essa é a razão pela qual não são meros intermediários, que canalizam a
poupança para o investimento, mas agentes que criam poder aquisitivo.
Assim como o Banco Central, o sistema bancário cria poder aquisitivo.
Enquanto a moeda criada pelo sistema bancário financia primordialmente gastos privados, a moeda criada pelo Banco Central poderia financiar os gastos públicos,
mas não é o que ocorre. A proibição de que o Banco Central financie o
Tesouro obriga o Estado a emitir dívida sempre que gasta.
Trata-se de uma restrição legal, cuja justificativa é impedir a
“monetização” do déficit público. Ocorre que a dívida subscrita pelo
sistema financeiro obriga o Banco Central a emitir as mesmas reservas
que teria emitido para financiar diretamente o Tesouro.
O aumento de poder aquisitivo na economia é exatamente o mesmo. A
diferença é que a “emissão” de moeda será feita pela expansão do crédito
bancário, forçando os bancos a se refinanciar com o Banco Central.
Essa é a razão pela qual aproximadamente 40% da dívida pública é hoje
financiada pelo Banco Central por meio das chamadas “operações
compromissadas”, que nada mais são do que emissão de reservas, base
monetária, para o sistema bancário.
Em vez de o Tesouro ser forçado a emitir dívida, vendê-la para o
sistema bancário, que por sua vez vai se financiar no Banco Central, o
próprio Banco Central poderia financiar o Tesouro, com reservas
remuneradas à taxa básica, sem necessidade de emissão de dívida.
O sistema de reservas remuneradas já existe e é utilizado, entre
outros bancos centrais, pelo Fed americano. Se as “compromissadas”
fossem transformadas em depósitos remunerados no Banco Central, a dívida
pública se reduziria a 60% do que é hoje, ou seja, cairia de 75% para
45% do PIB.
Aqui está a chave de toda a celeuma em torno da emissão de moeda para
financiamento de gastos públicos, da chamada monetização do déficit.
Durante décadas, sobretudo sob a batuta de Milton Friedman e seus discípulos da Universidade de Chicago,
sustentou-se que os bancos centrais não poderiam emitir mais base
monetária do que o crescimento nominal da renda, sob pena de provocar
inflação.
Com as suas bases conceituais questionadas desde Knut Wicksell, há
mais de um século, a tese de que a emissão de moeda pelo Banco Central
provoca necessariamente inflação foi completamente desmoralizada pelo
experimento do Quantitative Easing. O QE, implementado pelos bancos
centrais dos países atingidos pela crise financeira de 2008, nada mais é
do que expansão de base monetária para que o Banco Central possa
socorrer o sistema financeiro.
Os bancos centrais chegaram a multiplicar seus passivos por mais de
dez vezes, isto é, expandiram a base monetária em mais de 1.000%, sem
que houvesse qualquer sinal de inflação. Ao contrário, todos os países
nos quais o QE foi implementado continuaram a beirar perigosamente a
deflação.
Recapitulemos. Moeda é emitida tanto pelo Banco Central como pelo
sistema bancário. A emissão de moeda pelo Banco Central, por
determinação legal, não pode financiar o Tesouro, mas é permitida para
expandir as reservas dos bancos, que então expandem a moeda e financiam o
Tesouro.
No final, a expansão da moeda é a mesma, mas há uma correspondente
expansão da dívida, e é o sistema bancário que decide a taxa exigida
para financiar a dívida. Esqueçamos que o sistema bancário lucra, e
muito, nessa desnecessária intermediação, e vejamos como esse arranjo
institucional serve ao propósito de restringir os gastos do Estado.
Como a expansão da dívida pública foi transformada no principal
indicador de desequilíbrio fiscal, a proibição de que o Banco Central
financie diretamente o Tesouro, ao obrigar a emissão de dívida, reforça o
coro dos alarmistas: a relação dívida/PIB vai superar o limite mágico, a
dívida será impagável e a economia caminhará para o abismo.
Falso, tanto do ponto de vista lógico como empírico, mas serve para elevar as taxas cobradas pelo sistema financeiro
para financiar a dívida e pode vir, efetivamente, a causar problemas,
porque, como veremos à frente, as expectativas, ainda que equivocadas,
contam.
Ao impedir que o Banco Central financie o Tesouro, sem passar pela
intermediação do sistema financeiro e sem emissão de dívida pública, o
arranjo institucional vigente reproduz uma restrição histórica.
Enquanto prevaleceu o padrão-ouro, o Estado não podia emitir moeda
sem lastro metálico; já a emissão de moeda pelo sistema bancário não
tinha qualquer restrição. Com a moeda fiduciária, foi necessário criar
restrições institucionais para forçar o Estado a emitir dívida. Faz
sentido, poder-se-ia argumentar.
É uma forma de pressão para que o Estado não gaste de maneira
irresponsável e demagógica. O financiamento do gasto do Estado
diretamente pelo Banco Central, embora mais prático e menos oneroso do
que pela via indireta da emissão de dívida, é politicamente perigoso,
pois pode dar a impressão de que o gasto público não tem custo, de que é
possível fazer mágica.
A cautela em relação à tentação populista de expandir gastos
demagógicos é compreensível. Sobretudo quando as elites abdicaram da
vida pública, respaldadas num “laissez faire” primário, retiraram-se
para tratar de seus interesses privados, e a política ficou relegada ao
baixo clero.
A cautela, contudo, desaparece quando se trata de emitir moeda para
que o Banco Central salve o sistema financeiro. A moeda, emitida de
forma irrestrita pelo sistema bancário durante um período de euforia,
contrai-se de forma brusca quando as expectativas se revertem e o
otimismo desaparece.
Foi o que ocorreu nos países avançados que estavam no epicentro da crise de 2008.
Os bancos centrais foram então chamados a exercer o seu papel
institucional de emprestador de última instância: emitir moeda. Emitir
moeda, na expressão de Mario Draghi, então presidente do Banco Central
Europeu, “whatever it takes”, custe o que custar, para salvar o sistema
financeiro.
Se o dinheiro usado para salvar o sistema financeiro tivesse que
percorrer o mesmo caminho exigido para todos os demais gastos públicos, o
Tesouro teria que aumentar impostos ou aumentar a dívida pública. Salta
aos olhos que a resistência política seria enorme.
Por isso, aceita-se que o Banco Central emita moeda, tomando-se o
cuidado de dar a essa emissão extraordinária um nome absurdo para
intimidar os leigos. O Quantitative Easing é emissão, pura e simples, de
moeda para comprar os ativos que o sistema financeiro não tem mais como
carregar, sem realizar prejuízos insuportáveis.
Para se ter ideia da magnitude da emissão monetária do QE, basta
lembrar que, com a crise de 2008, o Fed aumentou a base monetária
americana de 3% para 30% do PIB. Agora, com a crise da Covid-19, o Fed
voltou a aumentar a base monetária para 50% do PIB. Desde 2008 até hoje,
o Fed expandiu o seu passivo em mais de 45% do PIB.
Como o aumento do passivo público foi feito pelo Fed, não aparece na
estatística de dívida, não aumenta a relação dívida/PIB, mas é dívida
pública, exatamente como seria se o Tesouro tivesse sido obrigado a
emitir títulos para salvar o sistema financeiro.
Vamos ver se entendemos. Quando o gasto público é para salvar o
sistema financeiro, o Banco Central é autorizado a emitir e creditar os
recursos diretamente nos bancos, sem aumento da dívida pública, para que
não haja questionamento da sociedade.
Quando o gasto público tem qualquer outra finalidade, pouco
importa se uma assistência emergencial diante de uma catástrofe como a
atual, ou se em investimentos na saúde, no saneamento, na educação, na
segurança e no meio ambiente, é imperativo que não se emita moeda, mas
sim dívida. Assim, a pressão dos arautos da responsabilidade fiscal pode
ser exercida em toda a sua plenitude.
Examinemos então custos e riscos do aumento da dívida pública que
tanto assustam os analistas. Quando a dívida é externa, denominada em
moeda estrangeira, o país precisa transferir recursos reais para o
exterior, equivalentes ao “serviço” da dívida, isto é, ao pagamento de
juros e de amortizações.
A transferência de recursos para o exterior diminui a renda
disponível e exige que o país reduza o consumo e o investimento. O
esforço de geração de um excedente a ser transferido para o exterior é
penoso e pode ser, econômica e politicamente, inviável.
O “problema da transferência” aparece na literatura econômica, a partir de crítica feita por John M. Keynes às reparações de guerra, exigidas da Alemanha pelo Acordo de Versalhes.
Quando a dívida é interna e denominada em moeda nacional, como é o
caso da dívida brasileira hoje, o problema não existe. O serviço da
dívida interna denominada na moeda nacional não exige transferência de
recursos para o exterior.
O Estado deve para os seus próprios cidadãos. É uma dívida de brasileiros com brasileiros, ou de “Zé com Zé”,
para usar um velho jargão do mercado financeiro. O Estado pode sempre
refinanciar a dívida e emitir, se necessário, para cobrir o seu serviço.
Não existem, então, custos nem limites para a dívida interna?
Sim, existem, mas os custos são de caráter distributivos e, embora não
haja nenhum limite técnico, a relação entre a dívida e a renda nacional
não pode seguir uma trajetória explosiva. Para entender o motivo,
raciocinemos por absurdo.
Imagine que o Estado seja de fato, como pretende o liberalismo primário dos fiscalistas,
a encarnação do mal, que gaste exclusivamente com transferências para a
sua clientela e que financie essa farra com a emissão de dívida. No
limite, só os que recebem do Estado terão renda, logo, só eles poderão
ser os detentores da dívida. A partir de certo ponto, ficará claro que
estão numa corrente da felicidade, recebendo de quem são credores, sem
ter o que comprar com o que recebem, pois nada mais se produz na
economia.
Para evitar o absurdo de uma relação dívida/PIB que tenda para o
infinito, ou, o que é o mesmo, de uma relação PIB/dívida que tenda para
zero, basta garantir que o crescimento a longo prazo da renda seja
superior ao crescimento da dívida. Para isso, antes de mais nada, é
preciso que a renda cresça.
O crescimento exige investimento produtivo, e o investimento
produtivo é diferente do investimento financeiro. É a combinação da
falta de investimentos públicos —em saúde, saneamento, educação,
segurança e infraestrutura— com o excesso de liquidez no mercado
financeiro que leva à estagnação com inflação dos preços de ativos.
Ao responder a esta crise da Covid-19 com mais QE, sem investimentos
públicos e privados produtivos, arriscamos agravar a dissociação entre
preços de ativos financeiros e a economia real.
Esta crise não é apenas um problema clássico de insuficiência de
demanda. O fechamento da economia, ainda que venha a ser abrandado,
reduz tanto a demanda quanto a oferta. Se a pandemia não for rapidamente superada, a capacidade de produção poderá ser seriamente afetada.
Muitas empresas dos setores mais atingidos, como turismo, hotéis, restaurantes, aviação comercial,
entre outros, não irão conseguir sobreviver. Grande parte da capacidade
instalada irá se perder. A recuperação exigirá coordenação estatal e
grandes investimentos para repor a capacidade de oferta.
Com a oferta reduzida, o déficit provocado pelas transferências
assistenciais e pelos investimentos, indispensáveis para viabilizar a
volta do crescimento, poderá, efetivamente, vir a pressionar as contas
externas. A desvalorização do real,
que hoje é puramente especulativa, provocada pelo equivocado receio de
que o aumento do déficit público gere inflação, pode vir a desancorar as
expectativas.
Estamos diante de uma crise inusitada, que pode se transformar numa
catástrofe econômica e social. Para se ter chance de superá-la, é
preciso compreender que o Estado pode, e deve, investir de forma
produtiva.
Isso não é o mesmo que defender um Estado inchado, refém de
interesses clientelistas. A moeda é endógena, acompanha o ritmo e os
humores da economia, e é emitida tanto pelo Banco Central como pelo
sistema financeiro. O aumento do crédito, seja ele público ou privado,
sem contrapartida de investimento real, produz bolhas especulativas, mas
não leva ao crescimento.
No mundo da moeda fiduciária e do QE, a política monetária e a
política fiscal são indissociáveis. Devem ser coordenadas, idealmente
por um único órgão técnico independente, que tenha superado um arcabouço
macroeconômico anacrônico, mas ainda predominante.
Infelizmente, velhas ideias e interesses constituídos podem resistir tanto à razão quanto à beira do precipício.
André Lara Resende, economista e doutor pelo MIT, foi diretor do Banco Central, presidente do BNDES e um dos formuladores do Plano Real.