Simbiose diabólica
Bolsonaro aposta na aliança das bancadas da bala e de Deus
As bancadas policiais e religiosas crescem significativamente no Brasil. Há modalidades de abuso de poder político sem freio institucional.
Não é bom politizar a segurança pública. A revista piauí mostra que o número de parlamentares vinculados às polícias e às forças armadas (28) mais que dobrou em 2018.
Levantamento publicado pelo UOL indica que 336 policiais militares de São Paulo se afastaram da corporação (sem prejuízo dos salários, evidentemente) para disputar as eleições municipais de 2020 —um aumento da 62% em relação a 2016.
Juízes e membros do Ministério Público estão impedidos de ter atividade partidária. O prazo parece exagerado, mas, para evitar o uso político dos cargos, o ministro Dias Toffoli sugere o estabelecimento adicional de um intervalo de inelegibilidade de oito anos, a contar da demissão ou da aposentadoria do candidato.
Não se justifica a ausência de barreira legal rígida para policiais civis e militares. Assim como juízes e promotores, deveriam ser impedidos de se candidatarem enquanto estiverem na ativa. É o mínimo.
O policial anda armado, suspeita, vigia, investiga, intimida, prende, faz e recebe favores, reprime manifestações públicas: a perspectiva de angariar votos conspira contra o profissionalismo e a eficiência que se espera da função policial, transforma quartéis e delegacias em territórios de proselitismo e demagogia, favorece e amplia o poder marginal das milícias.
A questão religiosa é mais complexa. O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou recentemente o posicionamento do ministro Edson Fachin, favorável à perda do mandato por abuso de poder religioso.
A Constituição garante liberdade religiosa e mais de 30% da população brasileira se declara evangélica. É natural, portanto, que essa representação tenha reflexo nas casas legislativas. Mas é necessário controlar, por antecipação, o poder da ascendência religiosa no processo político.
O Estado é laico e deve zelar para que as religiões não imponham suas crenças, estúpidas ou não.
Igrejas são criadas como padarias. Vigora no país um sistema de imunidade tributária que favorece o enriquecimento ilícito de pastores, a lavagem de dinheiro e o charlatanismo.
As igrejas podem criar braços partidários e planejar a ascensão politica e partidária dos seus pregadores? O voto pode ser objeto de barganha espiritual? Os templos podem se transformar em currais eleitorais, ainda que sorrateiramente?
A Lei Complementar 64/1990, editada durante o governo Collor, tem o propósito de evitar abusos de poder econômico e de poder político nas disputas eleitorais.
Os acréscimos da Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) estabelecem paradigmas vinculados ao princípio da honestidade do homem público. Além de condenados pelos mais variados crimes e atos de improbidade administrativa, ficam de fora das eleições os cassados e os que tiverem as contas rejeitadas. Não é suficiente.
A movimentação desimpedida de religiosos e policiais cria desigualdades no processo eleitoral.
O crescimento descontrolado das bancadas da bala e de Deus parece inexorável diante do vazio jurídico em vigor. O governo Bolsonaro aposta na simbiose diabólica destas duas forças para instituir mecanismos de intolerância moral e de tolerância ao abuso policial.
Se nada for feito, estaremos irremediavelmente condenados à corrupção das liberdades constitucionais e à falta de inteligência.
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