sábado, 22 de dezembro de 2012

"Onde está tudo aquilo agora? - Minha vida na política", de Fernando Gabeira

"Onde está tudo aquilo agora? - Minha vida na política", de Fernando Gabeira
"Onde está tudo aquilo agora? - Minha vida na política", de Fernando Gabeira
“Onde está tudo aquilo agora? – Minha vida na política”, de Fernando Gabeira

1.

Goste-se ou não do sujeito, é indiscutível que Fernando Gabeira é uma das pessoas mais biografáveis do Brasil. Pessoalmente, gosto do cara. Depois do Lula, Gabeira é a pessoa por quem eu mais fiz campanha na vida, e, se tanto um como o outro me irritam e me desesperam com grande frequência, são os dois marmanjos em quem, até agora, pelo menos, fiz minha aposta. Pois é, eu sei. Enfim.
E a primeira coisa que devo dizer sobre a autobiografia do Gabeira é que ela não foi feita pra mim: ela não foi escrita para os antigos admiradores. Não é um “As sessões de gravação perdidas de Gabeira”, é mais um “Gabeira: Greatest Hits”, uma “Apresentação a Gabeira”. Felizmente, não chega a ser um “Gabeira for Dummies”, de jeito nenhum: é um livro muito bom, em um estilo que não se joga o tempo todo na frente do interessantíssimo conteúdo. Mas não traz grandes revelações para quem acompanha a trajetória do cabra há mais tempo.
O sinal mais claro disso é que o livro é inacreditavelmente pequeno. Tem duzentas páginas, e, se você descontar as quinze páginas obrigatórias de “desde pequeno já era claro que eu seria…” e as cinco obrigatórias de “grandes são os desafios, mas grande também é a esperança” no final, já ficam só cento e oitenta. Isso para contar a vida de um cara que escrevia em um jornal do Brizola na época do golpe de 64, morou com o Paulo César Pereio (é sério), trabalhou no JB durante as grandes passeatas contra a ditadura, entrou para a luta armada, sequestrou o embaixador dos Estados Unidos, fez um manifesto (que não escreveu) contra a ditadura ser lido no Jornal Nacional, foi preso, foi torturado, conheceu Frei Tito na cadeia, conheceu Lúcio Flávio na Ilha Grande, foi solto por causa de outro sequestro, foi exilado, morou em Cuba (onde era amigo do Glauber Rocha), estava no Chile durante o golpe contra Allende, foi para a Berlim da época do muro, foi morar na Suécia, se converteu à causa ambiental e à defesa de estilos de vida alternativos (leiam esse livro para ver como ele foi fundo nesse negócio), voltou do exílio, foi à praia com a tanga da Leda Nagle, organizou o PV, disputou o governo do Estado do Rio pelo PT, foi estigmatizado com o slogan “quem senta, fuma e cheira, vota no Gabeira” (como ele sempre diz, se fosse verdade, tinha ganho), disputou a primeira eleição presidencial pós-64 (ia ser vice do Lula, acabou concorrendo como nanico), foi correspondente em Berlim logo depois da queda do muro, estava na Iugoslávia quando ela acabou, virou “aquele cara que defende a descriminalização da maconha” (como a Marta Suplicy durante um tempo foi “a maluca que defende que bicha se case”), trabalhou para eleger o Lula, rompeu com o Lula por causa dos transgênicos (foi antes dos escândalos de 2005), denunciou o governo por corrupção (acertadamente), derrubou o Severino (de quem muita gente se recusava a falar mal), foi capa da Veja, fez uma campanha histórica para prefeito do Rio em 2008 (perdeu por 50 mil votos, diferença menor até que a votação que o Rodrigo Maia teve em 2012), foi denunciado no escândalo de corrupção mais besta de todos os tempos (por dar uma passagem aérea do Congresso para sua filha, que é a maior surfista em ondas grandes do mundo), e concorreu de novo ao governo em 2010 (sem chance de vitória). Só de eu listar essas coisas todas já deve ter dado quase 180 páginas.
De qualquer maneira, ao recontar episódios conhecidos, Gabeira introduz novas nuances em algumas antigas narrativas; e o livro é, também, uma tentativa de responder à pergunta do título: afinal, adiantou alguma coisa essa luta toda? Se você acreditou nas causas que o Gabeira defendeu, a essa altura do campeonato, deve fazer o quê?

2.

Na excelente entrevista recente a Geneton de Moraes, Gabeira já havia manifestado seu incômodo com o fato de que o sequestro do embaixador Charles Elbrick parece cancelar o resto de sua biografia. O capítulo sobre o sequestro em Onde está tudo aquilo agora? começa já lembrando que a história foi contada em detalhe em O que é isso, companheiro?. Só o esqueleto básico dos eventos é reproduzido em Onde está…. Como se viu na entrevista para Geneton, hoje em dia Gabeira é ainda mais crítico do sequestro do que era quando escreveu O que é isso…, mas não há muito dessa discussão aqui.
Em pelo menos um aspecto isso é um mérito: na autobiografia há menos de algo que sempre me pareceu irritante no filme com o Pedro Cardoso (que, sob outros aspectos, é bom): a ideia de que Gabeira foi uma espécie de guerrilheiro irônico, de que sempre teve uma noção pelo menos razoável de que havia algo de errado com a proposta da guerrilha brasileira. Isso não me soa convincente. Gabeira diz que os militantes não entendiam muito de marxismo, que sua motivação filosófica era mais Sartre do que Marx, e acredito que isso fosse verdade. Mas naquele socialismo voluntarista do Sartre ele devia acreditar com entusiasmo; afinal, por aquilo ele declarou guerra às forças armadas brasileiras, sequestrou o embaixador da maior força militar da história, foi para Cuba já como exilado fazer treinamento de guerrilha. É claro que ele devia ter dúvidas, e, talvez, por temperamento, as tivesse mais que os outros militantes, mas, se elas não perdiam de dez a zero para as esperanças, a entrada de Gabeira na guerrilha urbana permanece um mistério.
Acho bacana que Gabeira tenha criticado suas piores ideias, mas suspeito que haja projeção de suas autocríticas posteriores na construção de seu personagem guerrilheiro. Se isso o tiver ajudado a se livrar da esquerda ortodoxa, ótimo; mas, para quem lê seus livros, às vezes soa esquisito.

3.

As duas melhores partes do livro são o exílio e a política brasileira dos anos oitenta. Nelas fica claro que Gabeira não é, antes de mais nada, o cara que sequestrou o embaixador: ele não era o principal sequestrador, e o sequestro não foi tão importante assim.
A coisa importante que Gabeira fez na vida foi chamar atenção, dentro da esquerda brasileira, para o que Ronald Inglehart chamou de valores pós-materiais: causas ligadas à qualidade de vida, como o meio ambiente, e causas ligadas à liberdade individual, como o feminismo e os direitos dos homossexuais. É uma discussão semelhante à da turma da “crítica da sociedade do trabalho”, o Habermas, o Gorz, esse pessoal. É em reação a essa proposta do Gabeira que até hoje boa parte da esquerda ainda pergunta, O que é isso, companheiro?
No exílio, o personagem Gabeira irônico soa bem mais plausível. Sua descrição da vida na Suécia socialdemocrata, onde, trabalhando como porteiro de hotel e jardineiro de cemitério, tinha uma vida digna e podia, inclusive, viajar para a praia durante o inverno, é ótima, porque oferece o pano de fundo para a revolução dos valores pós-materiais. Lendo o Inglehart, fica claro que seu raciocínio sobre a crescente importância dos valores pós-materiais evidentemente supunha que os problemas materiais básicos estivessem resolvidos; na Suécia em que Gabeira viveu, eles claramente estavam, tanto quanto é possível que estejam. Isso deveria ser mais enfatizado: leia os autores da “crise da sociedade do trabalho”, como Habermas e Gorz, sempre supondo que, no pano de fundo do que eles dizem, há um welfare state generoso (que eles, inclusive, constantemente criticam, às vezes com razão). Se você fizer isso, eles vão parecer menos idealistas e abstratos do que alguns comentaristas sugerem.
Gabeira sabia disso, como mostra sua oscilação posterior entre o PT e o PV, dois partidos que ele sempre imaginou atuando juntos, na chamada coligação “verde-vermelha”, o PT entrando como a socialdemocracia alemã entrou em aliança semelhante. Mas no livro A vida alternativa, ele chamava atenção para um problema inevitável para os ambientalistas brasileiros: no Brasil havia problemas de país riquíssimo (já havia, por exemplo, usinas nucleares) e problemas de país paupérrimo. Se você quiser ir lá dizer para os pobres brasileiros que justo na hora deles não vai ter mais crescimento econômico, não espere entusiasmo.
Além disso, o problema ecológico no Brasil envolve apostas muito mais altas do que na Europa. Quando os partidos verdes surgiram na Europa, o continente já era intensamente industrializado, e a vegetação estava reduzida a uma samambaia na casa de uma velhinha no interior da Suíça. Aqui ainda há imensas áreas não exploradas; os interesses econômicos serão muito mais fortes, o potencial de exploração econômica (no bom e no mau sentido) será muito maior, e a perda de qualidade de vida global caso optemos pelo desmatamento desenfreado também será muito maior. Ao mesmo tempo que o surgimento de um ambientalismo forte é mais difícil, os problemas são maiores.
É uma pena que Gabeira não tenha desenvolvido mais esse tema, porque aí podem estar muitas das respostas para as lutas dentro da esquerda que, inclusive, o levaram a romper com o PT. O PT é um partido socialdemocrata (a propósito, quantos aliados bons não teria mantido se tivesse reconhecido isso logo de cara?). Seu problema é a desigualdade. E só uma mula completa pode ignorar que os governos do PT enfrentaram esse problema com energia e com sucesso: a desigualdade brasileira caiu ao nível em que estava nos anos 60, quando inicia sua disparada. Mas o PT não deu aos problemas ambientais, por exemplo, a mesma ênfase que teria dado se o PV fosse um parceiro importante na aliança com que governou.
-- Cartum de Spacca mostrando o momento em que se discutia se o vice de Lula em 1989 seria Gabeira ou Houaiss (foi o Bisol) --
— Cartum de Spacca mostrando o momento em que se discutia se o vice de Lula em 1989 seria Gabeira ou Houaiss (foi o Bisol) –
E aqui há a grande lacuna do livro de Gabeira: a falta de uma história do PV. Como foi a tentativa de formação de um partido ambientalista no Brasil, um país com as características citadas acima? Quais foram os conflitos, como Gabeira se posicionou em cada um deles? Ninguém esperava que o PV conquistasse maioria no Congresso, mas, levando em conta as votações que, em certos momentos, conseguiram tanto Gabeira quanto Marina Silva, não poderíamos esperar que fosse um pouco maior? Não é só a dificuldade de formar partidos novos: nos anos oitenta, o PT era muito pequeno, e outros partidos de esquerda, como o PSB, também conquistaram bancadas razoáveis.
E vejam a situação do PV hoje. O Sirkis tem seus méritos, mas não tem a estatura nem do Gabeira nem de outros fundadores do PV, como o Minc, que se destacou no PT. O presidente do PV até outro dia (não sei se ainda é) era o Penna, e suspeito que, pelo Gabeira ter tido que conviver forçadamente com ele esses anos todos, Charles Elbrick já esteja vingado. A grande contribuição do Penna ao PV até hoje foi se recusar a dar espaço para Marina Silva continuar no partido depois de ter obtido 20% dos votos para presidente. Craque é craque.

4.

Os capítulos sobre o governo Lula também são bons. Gabeira denunciou a corrupção do governo petista com competência, e ele estava certo. Errou quem achou que as vitórias eleitorais e os bons resultados dos governos nos absolviam. Nas eleições, a população tinha que decidir se o PT era mais corrupto do que a oposição, e decidiu que não. Mas esse padrão de comparação é muito pouco exigente. Quando o Supremo teve que decidir, não em termos comparativos, mas em termos absolutos, se o PT tinha praticado corrupção, decidiu que sim. E, embora se possa criticar alguns aspectos do julgamento, acho que ninguém duvida que, quando o PT fez negócio com Marcos Valério, era o mesmo negócio que o Marcos Valério sempre fazia.
O problema é que uma análise equilibrada do governo Lula não pode ser feita apenas limpando a baba dos argumentos da Veja e discutindo só corrupção. Gabeira não é o PPS: faz oposição entusiasmada ao governo, mas reconhece as qualidades de Lula, reconhece as realizações do governo. Mas as referências a isso são passageiras, e, embora se possa argumentar que a função de Gabeira é chamar atenção para outros valores que não os da esquerda tradicional, devemos lembrar que a esquerda tradicional tinha uns bons valores: o bolchevismo era um lixo, mas combate à pobreza é uma boa ideia.
Gabeira morou na Suécia, onde viveu dignamente sendo porteiro de hotel e jardineiro de cemitério. Não havia nada para aprender ali? Se Gabeira diz que “eu não via o crescimento material como único valor, nem as melhorias materiais como causa única” (p. 165), às vezes dá a impressão de que o crescimento material não é nem valor, nem causa, nem primeira, nem última. Se o fracasso da aliança verde-vermelho gerou um PT sem discurso ambiental, Gabeira parece ter ficado sem discurso para o problema da pobreza. E isso torna sua análise do governo Lula meio desequilibrada, como aquelas análises sobre o governo FHC que dizem que, certo, acabou com a inflação, mas [seguem duzentas páginas falando mal sobre a privatização da Vale].
De forma que o capítulo sobre o governo Lula é um bem vindo “O que é isso, companheiro?” para a esquerda que ainda não aceita que os governos do PT praticaram corrupção, em especial em seu relacionamento com o congresso. Mas a apresentação dos fatos é mais factual do que analítica, e essa era uma hora em que uma boa análise, vinda de um quadro como o Gabeira, nos faria bem.

5.

A partir do sucesso de sua investida contra Severino, Gabeira recebeu novo fôlego eleitoral, e quase virou prefeito do Rio de Janeiro em 2008. A campanha foi muito singular. Parte importante dos votos de Gabeira foi de eleitores petistas (como eu; e na campanha conheci vários outros), mas um dos principais impulsos da campanha veio do apoio de Armínio Fraga, que fez o apoio do PSDB (fraco no Rio, como o PT) se transformar em apoio efetivo de grande parte do eleitorado tucano. Durante a campanha, Gabeira manteve uma posição moderada sobre o governo Lula. Em 2010, na campanha pelo governo, trouxe o DEM do César Maia para a aliança, e colocou-se mais claramente como candidato da oposição; se tivesse sido só oposição marinista, talvez mantivesse os votos petistas, mas houve um momento em que até se cogitou que virasse vice do Serra. Perdeu votos, inclusive o meu, e teve um desempenho decepcionante.
Não há dúvida de que a campanha de 2008 foi muito estimulante, e lembrou mesmo as grandes campanhas petistas dos anos oitenta (que também quase sempre perdiam, mas foram importantes). Mas aqui cabe se desvencilhar da maior besteira no livro: a ideia de que Gabeira se distanciou da política nos últimos anos porque se desiludiu com as possibilidades de mudar as coisas por dentro. Gabeira não saiu da política por desânimo: foi derrotado.
Nas duas últimas eleições que disputou, Gabeira forjou alianças bastante amplas (que incluíam o sensacional Zito e uma turma do DEM – o César Maia é o menor dos problemas – de que ele provavelmente não se orgulha), moderou seu discurso (por exemplo, com relação à descriminalização das drogas), mas não conseguiu vencer, em parte por azar (quase venceu em 2008) e em parte porque Sérgio Cabral soube se posicionar como aliado de Lula em um ambiente que, tal como na Suécia ou na Alemanha, mais ou menos se polarizou entre um bloco de esquerda e um bloco de direita. Se Gabeira tivesse ganho, hoje já teria tido que fazer acordos com os vereadores, teria que lidar com a ineficiência da máquina burocrática, teria que conviver com aliados corruptos, e suspeito que não estaria desiludido: pois acredito que seu governo teria boas realizações, que lhe dariam o sentimento de que, ao fim da guerra, valeu a pena.
Não estou criticando Gabeira por ter jogado o jogo e tentado ganhar. Na verdade, eu o apoiei com muito mais entusiasmo quando resolveu fazê-lo, porque acho que teria sido um ótimo prefeito. Também acho que as eleições de 2008 e 2010 fizeram de Gabeira um político muito melhor do que jamais foi. Sua tentativa de trazer o saneamento básico para o centro das lutas ambientais era uma boa ideia. Lendo Onde está tudo aquilo agora?, temos a impressão de um autor desperto, lúcido. Não venceu as últimas eleições, mas isso é parte da vida do político. Como a Maya pode explicar para o pai, você pode ser o surfista que for, mas, às vezes, a onda certa precisa passar pela sua frente, e às vezes não passa.

6.

O mérito de Fernando Gabeira na renovação da esquerda brasileira nos anos oitenta e noventa (quando, inclusive, ele votou pela privatização das teles) foi imenso. Gabeira é um grande jogador da esfera pública, e sabe como chamar atenção para os problemas: escreve muito bem, fala bem na TV, sabe discutir com intelectuais e com a cultura pop, tem uma presença na internet muito melhor do que qualquer político brasileiro. Por mais que isso incomode Gabeira, sua participação no sequestro de Elbrick (e sua prisão, e sua tortura, e seu exílio) tornam muito difícil para os radicais de esquerda questionarem suas credenciais políticas; mas ele é suficientemente distante da esquerda tradicional para que a direita de vez em quando tenha que engoli-lo como aliado, para alegria da pequena franja do liberalismo brasileiro que leva a sério as liberdades individuais fora da economia (e da franja menor ainda que leva a sério problemas ambientais; isto é, a Miriam Leitão). Longe de ser o profeta desarmado que alguns retratos fazem dele, Gabeira é um hábil estrategista, que sabe jogar política.
Pois bem, onde está tudo aquilo agora? Em parte, aquilo tudo aconteceu, está na história. Gabeira reconhece que os ganhos na luta contra a pobreza e a desigualdade são grandes. Eles certamente honram os que morreram lutando por isso nos anos 60, ainda que o remédio que defendiam enquanto lutavam, o socialismo, fosse a resposta errada. O PT cumpriu, até agora, seu papel de partido socialdemocrata. As lutas pela liberdade de orientação sexual têm obtido vitórias importantíssimas.
O fato mesmo de o PSDB ter tantos ex-esquerdistas em seu comando (um dos autores do Plano Real, Pérsio Arida, foi preso e torturado como militante secundarista; imaginem se um Fleury ou um Bolsonaro da vida o tivesse matado; pensem sempre no Bolsonaro como o cara que teria abortado o Plano Real) provavelmente dificulta o crescimento de uma direita raivosa no Brasil. É verdade que Serra foi malafaísta quando isso interessou, mas parte de seu fracasso em sê-lo foi a evidente falta de vocação para o papel (alguém lembra do Índio da Costa tentando ser o guardião da família? Era pior ainda). No geral, a contribuição da geração de Gabeira (e dele mesmo, individualmente) ao Brasil foi bastante positiva.
É claro que ainda há problemas sérios a serem enfrentados (mas grande é a esperança, etc.). Ficando só naqueles aos quais o Gabeira já se dedicou, ainda não temos alianças políticas consistentes para combater nem a corrupção, nem a degradação do meio-ambiente. Eu não sei como formar essa aliança. Mas talvez valha a pena comparar a aliança que eu gostaria que o Gabeira tivesse formado com a que ele tentou formar nos últimos anos.
Minha esperança para o Gabeira nos últimos tempos era que ele fosse um polo de atração para a esquerda moderada alienada pelo PT, seja pela corrupção (como o Ruy Fausto), seja pelas besteiras que dissemos sobre economia nos anos noventa (como os socialdemocratas restantes no PSDB), seja porque, enfim, seja lá porque o PPS rompeu. Seria uma espécie de arrumação na confusão ideológica que restou no espectro político brasileiro pelo fato do PSDB ter feito o presidente em um governo de centro-direita (essa é a única confusão ideológica no Brasil; o resto é presidencialismo de coalizão). Para isso acontecer, o Gabeira precisava ter ganhado as eleições que disputou. Não deu.
Uma vez que não deu, o PV (tanto com Gabeira como quanto com Marina) tem tentado driblar o PT pela direita. Digo isso sem qualquer intenção de ofender ou criticar, faz parte do jogo, e pode ser ótimo: quando ficou claro que Marina seria uma candidata moderada (e, portanto, eleitoralmente viável), o governo Lula efetivamente melhorou muito o combate ao desmatamento na Amazônia. Mas não está claro que essa estratégia seja muito promissora. Afinal de contas, Gabeira e Marina perderam suas eleições. E o quanto essa aliança, digamos, azul-verde, teria conseguido fazer avançar o combate à corrupção e a defesa do meio-ambiente? É difícil saber.
Gabeira já vez muito na vida, e eu não vou me meter a dizer o que ele deve fazer agora. Se ele preferir voltar a ser jornalista, ou quiser produzir documentários, eu vou ler os artigos e assistir os documentários. Mas a ideia de que a única solução possível para os dilemas que sua trajetória coloca seja sair da política formal é falsa. Precisamos exatamente de quem se proponha a levar essas causas adiante enfrentando a famosa “longa marcha pelas instituições”. Para quem se interessar por fazê-lo, entretanto, sempre será necessário estratégia e paciência, mas também inspiração. E isso suspeito que Gabeira continuará oferecendo por muito tempo.
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::: Fernando Gabeira :::
::: Companhia das Letras, 2012, 200 páginas :::
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