Clicar, em vez de viver, tornou-se norma | Carta Capital
Por Marsílea Gombata
Em meio ao burburinho da sala onde fica o quadro Mona Lisa, no Museu do Louvre, em Paris, o fotógrafo Fabio Seixo percebeu algo não exatamente errado, mas exagerado. Os visitantes se espremiam para disparar os flashs da máquina e ter a foto de uma das imagens mais intrigantes e conhecidas do mundo. A guerra para fotografar a musa enigmática imortalizada por Leonardo da Vinci revelava, ali, algo maior: a necessidade de se vivenciar, por meio da foto, a experiência do presente.
“É uma imagem tão icônica quanto aquela de Che Guevara (feita por Alberto Korda em 1960). Pensei: ‘Nossa, que loucura. Será que as pessoas não conhecem a Mona Lisa?’ Então tive um estalo e vi que elas, na verdade, viajam muito mais para marcar território e dizer que estiveram lá do que para curtir a viagem”, reflete.
A experiência em 2005 fez germinar uma semente batizada de Photoland. O projeto, que tem pretensão de virar livro depois de ter ganho exposições no Rio de Janeiro e espaço no festival Paraty em Foco, busca refletir de que modo o ato de fotografar se tornou mais importante do que a vivência e como, em uma espécie de compulsão, ganha fôlego no fértil terreno da tecnologia digital. “Quando você está na Torre Eiffel, se fotografa ali e posta essa imagem, está afirmando sua presença nesse lugar, dizendo que esteve lá”, fala o autor sobre o que considera uma experiência narcisista. “A câmera é um anteparo entre você e as coisas. Então, quando se fotografa, deixa-se de viver o presente para vivenciar a experiência de estar fotografando.”
Foi a possibilidade de mergulhar no universo da escrita com luz que lhe permitiu a reflexão sobre essa dinâmica. O fotógrafo nascido no Rio de Janeiro tem contato com o ofício desde a infância, quando frequentava a redação da extinta Iris Foto, revista histórica com auge nos anos 1970 e 1980, cuja editora era da família de sua tia. Ao concluir a faculdade de jornalismo, não teve dúvida sobre qual caminho seguir e foi trabalhar como fotógrafo de jornal diário. A experiência durou cinco anos. Em 2004, tornou-se autônomo.
Ao refletir sobre a experiência do mundo da fotografia digital atrelada ao narcisismo, existe a intenção de transformar o ato de fotografar em paisagem. A fotografia passa a fazer o papel da natureza, instaurando-se como realidade física. Seixo observa que a intenção de debater os fotógrafos amadores em ação como se fossem paisagem vem da própria imagem autobiográfica. Até que ponto o autor da foto faz parte da cena? “Nesse ato, acabamos perdendo a paisagem. É como se ela não tivesse importância e nós nos tornássemos a própria.”
Na fotografia da fotografia, os cartões-postais não são a Torre Eiffel, o Coliseu, o Empire State Building ou o Buckingham Palace. São, no lugar, quem ali esteve na busca por um arquivo fotográfico cada vez mais amplo. Os traços sobre a necessidade de ser visto são propositais na obra. “O projeto esbarra na questão da visibilidade. Não basta ser um bom médico, um bom professor ou um bom jornalista se você não estiver referendado pelos dispositivos de visibilidade, como mídia e redes sociais”, analisa. “Isso, paradoxalmente, denota o quanto estamos nos tornando uma fotografia de nós mesmos. Não sabemos mais quando estamos posando ou sendo natural. É como se estivéssemos o tempo todo representando um personagem.”
A ideia é refletida de forma parecida em projetos de outros artistas pelo mundo, como o Into The Light, do alemão Wolfram Hahn, que busca imortalizar o momento em que os indivíduos tiram fotos de si mesmos, ou o Too Much Photography, no qual o britânico Martin Parr retrata o frenesi de turistas em pontos conhecidos pelo mundo. Ambos são apreciados por Seixo.
Da observação na sala do Louvre até hoje, Seixo viajou a várias partes do mundo para realizar o projeto. Além da França, passou por Estados Unidos, México, Inglaterra, Itália, Peru, e, é claro, sua cidade natal. O próximo destino do Photoland é o Japão, país-chave do projeto cujo nome faz alusão à Disneyland.
“Hoje estamos todos virando meio japoneses, que têm uma semana de férias e viajam com a câmera fotografando tudo. É como se tivessem a experiência da viagem somente depois, vendo as fotos.”
Soma-se a isso a proporção alcançada graças às redes sociais, alimentadas pela necessidade de likes sobre comentários e fotografias postadas na internet. Uma febre ligada ao desejo de registrar tudo para todos que, ele confessa, cansa. “Quando você fotografa muito, o excesso de imagens gera um ruído e anula qualquer possibilidade de memória por causa da quantidade. Assim, quanto maior seu arquivo pessoal, menos sentido ele faz.”
Na busca pelo silêncio e pela distância dos ruídos, Seixo tenta formas de escapar desse ciclo, como correr e observar o raiar do dia. É o momento em que se permite desligar o celular e deixar o tempo passar, sem registro, horário ou compromisso. Além do trabalho com moda e publicidade, é professor de Fotografia e desenvolve outros trabalhos autorais, entre eles Marca-D’água, que mostra o impacto das chuvas de 2011 na região serrana do estado do Rio de Janeiro por meio das lonas utilizadas pelos moradores para cobrir as encostas e se proteger.
Segundo ele, o fato de a fotografia ser o maior hobby do mundo e estar, cada vez mais, facilitada pelo acesso à tecnologia enfraquece a ferramenta: “A fotografia, que sempre foi um instrumento de memória, passa a ser um dispositivo do esquecimento. Você fotografa não mais para guardar o momento, mas para poder esquecer. É como se cada vez que você apertasse o botão, aquela imagem fosse para um buraco negro”.
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