Livro tenta provar que existe a possibilidade de conciliar muito trabalho com pouco stress - notícias - Estadão PME – Pequenas e Médias Empresas
Entre as pilhas e pilhas de livros que pretendem ajudar profissionais de todas as áreas, executivos em estado de desespero e empreendedores sem rumo, um chama a atenção pelo título pra lá de desafiador: Muito trabalho, pouco stress (Editora Évora - R$ 39,90). 'Como assim?' 'Ah tá?' 'Claro, claro..' Desconfio que essas são apenas algumas das observações que o consumidor mais atento na livraria faz a si próprio quando pega o livro nas mãos.
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É esse o esforço de André Caldeira, autor da obra em questão. Caldeira é ex-dentista, ex-professor de inglês, ex-publicitário e tem mais de 20 anos de carreira executiva. E decidiu provar que existe sim equação - e luz no fim do túnel - para quem vive como executivo. Empreendedor ou não.
"Acredito, sim, que é possível conciliar muito trabalho com pouco stress. Isso passa por autoconhecimento, por reconhecimento dos nossos limites pessoais, pela responsabilidade de nossas escolhas, pela forma como lidamos com as pressões do dia a dia e pela importante conclusão de que nossa resposta reside em cada um de nós, pois o cenário à nossa volta só tende a piorar", afirmou o autor.
Caldeira concedeu uma entrevista ao Estadão PME em que comenta, inclusive, sobre nossa atual dependência de dispositivos móveis. "Chamo esses dispositivos móveis de coleitas eletrônicas, tal a nossa dependência. E esse vício começa a dar sinais de como está impregnado em nossa cultura moderna." Confira agora os principais trechos da entrevista.
Estadão PME - Fale um pouco sobre suas motivações para escrever esse livro. O que o levou a entender que é possível conciliar muito trabalho com pouco stress?
André Caldeira - Quando era gestor de tecnologia educacional em uma grande empresa de educação, em 2009, fazia muitas palestras para donos de escolas de educação básica e faculdades sobre a penetração crescente da tecnologia no processo de aprendizagem dos alunos. Mas percebia que minha mensagem não ecoava como eu queria, pois a grande maioria do público era imigrante digital e não tinha a compreensão adequada deste mundo novo da tecnologia.
Foi ali que tive a ideia de criar um blog para falar, nas palestras, sobre conteúdo sendo produzido por usuários na web 2.0, sobre a minha experiência como blogueiro e o devido paralelo com o universo dos alunos. Para não escrever sobre educação e tecnologia, o que poderia denotar “jabá” ou algum tipo de mensagem forçada, resolvi escrever sobre um tema que acredito e procuro praticar: a tentativa de equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. Alia nascia o blog Muito Trabalho, Pouco Stress.
Estreei em outubro de 2009 e a reação foi muito, muito maior do que eu esperava: profissionais de todo o Brasil começaram a reagir aos textos, com grande identificação aos desafios (de todos) de administração do tempo, produtividade, alimentação, exercícios físicos, tempo com a família, tempo para si mesmo, vício em tecnologia, entre tantos outros.
Com isso tudo, percebi que havia espaço para um livro sobre o tema, e tive a ideia de criar um personagem para contar a história de um workaholic: assim nasceu Joe Labor.
Por fim, acredito, sim, que é possível conciliar muito trabalho com pouco stress. Isso passa por autoconhecimento, por reconhecimento dos nossos limites pessoais, pela responsabilidade de nossas escolhas, pela forma como lidamos com as pressões do dia-a-dia (o que os americanos chamam de coping), e pela importante conclusão de que a resposta reside em cada um de nós, pois o cenário à nossa volta só tende a piorar (segmentos cada vez mais competitivos, fusões e aquisições, mercado de capitais exigente, que torna os índices de eficiência públicos e estabelece novos benchmarks para as empresas, uso exacerbado de tecnologias móveis, funis de empregos, avaliações para progressão de carreira etc.).
Estadão PME - Você acredita que existe um momento que o executivo ou empreendedor tem de dar um basta e mudar radicalmente a sua rotina? Você acha isso possível e até recomendável?
André Caldeira - Acho que este basta deve acontecer nos casos limítrofes, onde a opção é mudar ou mudar, pois caso a mudança não ocorra, os perigos reais à saúde são iminentes. E que perigos são esses? No lado físico, infartos, derrames, desenvolvimento de diabetes, doenças respiratórias e outros quadros sérios causados pelo stress como gatilho, seja pela predisposição à doença ou pela baixa de imunidade. No lado psicológico, ansiedade, angústia e depressão. No meio de tudo, os eventuais hábitos de uso de remédios – para controlar a ansiedade, para dormir, para ter mais energia. E tudo isso agravado por excessos de álcool e de comida, pela ausência de exercícios físicos, pela falta de sono.
Em quadros como este o “basta” é mais do que uma recomendação, é uma necessidade de sobrevivência.
Mas a grande maioria dos profissionais lida com o stress de forma irresponsável, como se fosse um machucado crônico que incomoda, mas que não há o que fazer. Discordo deste tipo de atitude. Temos que atuar na correção e na prevenção, trazendo a mesma disciplina aplicada na carreira (e que muitas vezes é causa de stress) para a vida pessoal, criando momentos quase que obrigatórios de cuidado pessoal (tempo com a família, desligamento do trabalho, exercícios físicos, silêncio interior, mudança de canal cerebral etc.). É o que chamo de “EuCorp”: somos tão gestores de nós mesmos como de nossas carreiras. Por que devotamos todo nosso tempo e atenção para a carreira e deixamos nossas “EuCorps” tão abandonadas e em 2o plano? Qual a sustentabilidade deste tipo de atitude a médio/longo prazo? Que tipo de satisfação e contentamento de vida estamos construindo se só focarmos no dinheiro e na carreira? Usar todo o tempo para trabalhar e ganhar dinheiro é como viver para respirar: não vivemos sem ar, mas não podemos viver para respirar. Portanto, não se pode viver somente para trabalhar e ganhar dinheiro. A vida está passando, e rápido. Qual o propósito de cada um?
Estadão PME - A rotina do empreendedor, principalmente o iniciante, tende a ser ainda mais difícil do que a do executivo de uma multinacional. Há conselhos que você poderia dar a esse público específico?
André Caldeira - Existe uma curva de stress que vai crescendo à medida que o profissional galga novas posições na hierarquia corporativa: estagiário ou trainee, assistente, analista, coordenador, supervisor, gerente... e assim por diante. Mas o stress atinge seu pico na posição de gerente ou diretor, e tende a diminuir um pouco nas posições de maior senioridade, de gestão e presidência, por conta de certas questões-chave estarem sob controle: remuneração, poder e status como as mais relevantes.
No caso dos empreendedores, o stress tem ligação direta com a responsabilidade, com o risco e com a pressão de que muito do sucesso do negócio está nos ombros de quem lidera o projeto ou a ideia. A pressão é constante: tornar o negócio viável, provar que a ideia tem espaço e potencial de crescimento, recursos para fazer isso acontecer, histamina e iniciativa para não sucumbir e convencer equipe, mercado, clientes e eventuais investidores. Tudo isso significa graus de exigência extremamente altos, que se não dosados com um mínimo de equilíbrio com a vida pessoal, com hábitos construtivos, pode ameaçar diretamente o desenvolvimento do negócio do empreendedor. De novo, a questão da disciplina: exercícios físicos regulares, meditação ou algum tipo de momento de espiritualidade, cuidados com alimentação, sono e álcool, tempo de qualidade com a família e amigos. O empreendedor precisa lembrar, mais do que qualquer outro profissional, que a sustentabilidade dele mesmo significa chances maiores de seu negócio dar certo e prosperar. Por isso, o mesmo cuidado com o fluxo de caixa ou o lançamento de um produto deve estar presente na vida pessoal. O ciclo pode ser vicioso, ou virtuoso.
Estadão PME - Em que medida os dispositivos móveis - smartphones e tablets - hoje em dia contribuem para as pessoas não se desligarem nunca do trabalho. E como se livrar deles quando se está com a família?
André Caldeira - Chamo estes dispositivos de coleiras eletrônicas, tal a nossa dependência. Se deixarmos, estamos 100% do tempo ligados e disponíveis, incluindo noites e finais de semana. E mais do que isso: por serem extremamente viciantes, criam um mecanismo de necessidade constante de sabermos se alguma nova mensagem entrou em nossa caixa de entrada, se alguém nos mandou uma mensagem instantânea, como se fôssemos perder algo de relevância vital se deixássemos de ter acesso por algumas horas.
E esse vício começa a dar sinais de como está impregnado em nossa cultura moderna: os profissionais americanos criaram recentemente um jogo chamado de Phone Stacking. Nele, por exemplo, um grupo de amigos sai depois do escritório para um happy-hour. Todos colocam seus celulares no centro da mesa, em uma pilha. O primeiro que não resistir à tentação de pegar seu celular para checar mensagens, fazer ou atender a uma ligação paga a conta de todos os demais. Que tipo de comportamento, que senão o vício, pode explicar o fato de alguém não aguentar e pagar a conta de todos os demais em um caso como esse?
Já existem, hoje em dia, síndromes sérias relacionadas o vicio em smartphones. Uma delas é similar à síndrome do membro fantasma, sentida por pessoas que tiveram um membro amputado do corpo, e que relatam dores intensas nestas partes que não existem mais. Outro fenômeno são os inúmeros relatos de pessoas e profissionais que sentem o telefone vibrando no bolso ou na bolsa, mesmo quando ele não está ali. Outra é a angústia de perder o telefone celular. Junto com a carteira e a chave de casa, o celular assumiu tal importância que as pessoas sentem crises de ansiedade/abstinência se perdem seu celular, ou se a bateria acaba e não há como recarregar no momento. Isso sem esquecer que o Blackberry foi apelidado de Crackberry, tal o seu poder viciante.
A compulsão faz parte da natureza humana. Se vivemos para trabalhar, se colocamos os assuntos do trabalho acima de tudo, e por meio de smarthones e tablets podemos acessar o escritório de qualquer lugar, a qualquer hora, temos o cenário perfeito para a criação de um vício.
De novo, é preciso criar consciência. Precisamos, de fato, estar com o celular ligado a qualquer hora? Temos que checar a caixa de entrada de e-mails do trabalho antes de dormir? Por que fazer isso em um sábado de tarde? Salvo os períodos críticos de um projeto especial, temos que combater vigorosamente este hábito, não somente por nós mesmos, mas pelo tipo de cultura que se cria nas organizações: se eu respondo a uma mensagem no sábado de tarde, é muito provável que meu colega dê sequência ao assunto no sábado de noite ou no domingo, e assim por diante.
O que pode ser feito?
Desligar o celular corporativo ao sair do escritório, se possível.
Não abrir a caixa de mensagens fora do horário de expediente.
Não ter o celular nas mãos ou por perto quando estiver com a família ou os amigos.
Escolher criar o que chamo de presença real nos compromissos pessoais e familiares, nos quais devemos prestar 100% de atenção nas pessoas, curtir os momentos de lazer e desligar do trabalho. Isso nos trará grandes benefícios emocionais, e muito mais produtividade quando retornarmos ao trabalho depois.
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