segunda-feira, 22 de julho de 2013

A empresa e o apartamento de Joaquim Barbosa em Miami | Diário do Centro do Mundo

A empresa e o apartamento de Joaquim Barbosa em Miami | Diário do Centro do Mundo
Diario do Centro do Mundo 22 de julho de 2013
O presidente do STF se mete em mais um embaraço.
Empresa de araque em Miami
E mais uma vez Joaquim Barbosa aparece em meio a uma controvérsia.
Para sonegar imposto, ele abriu uma empresa nos Estados Unidos ao comprar uma casa em Miami calculada em 1 milhão de reais.
A empresa se chama Assas JB Corp, e os brasileiros souberam dela pela Folha de ontem.
A sonegação derivada da Assas JB é, a rigor, um problema americano. Com ela, JB transmite a seus herdeiros a casa sem os impostos habituais.
Vai ser interessante observar como as autoridades dos Estados Unidos – neste momento lutando fortemente para evitar mecanismos de sonegação – lidarão com a Assas JB.
No Brasil, você tem um duplo efeito colateral.
O primeiro é moral: tudo bem um presidente do STF recorrer a uma mentira – uma empresa não existente – na ânsia de burlar o Fisco?
O segundo é legal: o Estatuto do Servidor trata da questão de empresas privadas. Proíbe “participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”.
Você fica em dúvida, ao ler, se a exceção — no caso de acionista como JB — é para tudo ou apenas para o comércio. Na internet, a proibição tem sido lembrada, mas sem o complemento confuso.
O que é fato é que é mais um embaraço para Joaquim Barbosa e outra mancha para a reputação de um homem que posou como um Catão para os brasileiros no julgamento do Mensalão.
Em todo o mundo, nas questões tributárias, está sendo feita hoje uma distinção entre o que é “legal” e o que é “moral”.
Nos últimos 30 anos, grandes empresas em todo o mundo encontraram brechas para reduzir ao mínimo os impostos pagos. Recorreram a paraísos fiscais.
Empresas como Google, Microsoft e Apple, para ficar apenas em alguns exemplos, carregam contabilmente quase todo o seu faturamento bilionário para países em que a carga fiscal é quase nula.
É legal? Sim. É moral? Não.
O governo britânico está dando combate a esse tipo de coisa. Recentemente, o caso do Google foi analisado no Parlamento.
A deputada Margaret Hodge, presidente do Comitê de Contas Públicas, assinou um relatório cheio de informações.
“O Google vem tendo enormes lucros no Reino Unido. Mas, apesar do faturamento de 18 bilhões de dólares entre 2006 e 2011, pagou o equivalente a apenas 16 milhões de dólares em impostos para o governo do Reino Unido.”
Continuou a deputada:
“O Google descaradamente argumentou perante este comitê que seu regime fiscal no Reino Unido é defensável ​​e legal. Alegou que suas vendas de publicidade são realizadas na Irlanda, e não no Reino Unido.”
“Esse argumento é profundamente inconvincente e foi minado por informações de denunciantes, incluindo ex-funcionários do Google, que nos disseram que a equipe baseada no Reino Unido está envolvida nas vendas de publicidade. O pessoal na Irlanda simplesmente processa as contas.”
Ainda a deputada:
“Diminuiu também nossa confiança no HMRC [o equivalente à Receita Federal]. É extraordinário que o HMRC não  tenha questionado o Google sobre a incompatibilidade total entre suas receitas e seus impostos no Reino Unido.”
“O HMRC precisa ser muito mais eficaz no combate a estruturas corporativas artificiais criadas pelas multinacionais com nenhuma outra finalidade que não para evitar impostos.”
O governo inglês quer que o Google pague imposto direito
O governo inglês quer que o Google pague imposto direito
A empresa criada por Joaquim Barbosa enquadra-se exatamente aí: não tem nenhum outro propósito que não seja evitar impostos.
No caso de JB, o debate fiscal se soma ao dos privilégios desfrutados pelos magistrados – e de usos e costumes altamente questionáveis.
Recentemente, soube-se que ele usou verba pública para viajar de Brasília ao Rio para ver um jogo da seleção brasileira.
Viu no camarote de Luciano Huck, hoje chefe de seu filho na Globo. Existe aí um claro conflito de interesses.
A Globo, como o Google, tem práticas fiscais extremamente agressivas. Há uma pendência bilionária na Receita sobre uma trapaça fiscal da Globo em que a compra de direitos de transmissão da Copa de 2002 foi contabilmente tratada como um investimento no exterior.
Caso esta questão, ou qualquer outra da Globo, chegue ao Supremo, qual a isenção de JB para julgá-la?
E não só dele, aliás. O novo integrante do Supremo, Luiz Roberto Barroso, trabalhava até recentemente para a organização que faz o lobby da Globo, a Abert.
A Justiça brasileira tem, para prejuízo do interesse público, relações de grande promiscuidade.
Com Huck: relações complexas
Não há muito tempo, empresas privadas e públicas patrocinaram um encontro de juízes federais em um resort na ilha de Comandatuba, sul da Bahia.
No encontro, os juízes ocuparam apartamentos de luxo e bangalôs cujas diárias variam entre 900 e 4 mil reais. Os participantes tinham direito a levar acompanhantes.
Os participantes podem julgar casos fiscais em que as empresas patrocinadoras da boca livre sejam réus. Isso configura um monumental conflito de interesses.
Na mesma linha, o jornal Lance revelou há algum tempo que a CBF pagou todas as despesas de um torneio de futebol entre juízes federais espalhados pelo país.
Não era a primeira vez que a CBF oferecia mimos a magistrados, notou o jornal. Ficaram tristemente famosos os vôos da alegria promovidos pela CBF nas Copas do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, e em 1998, na França.
Altos funcionários da Justiça, acompanhados de suas mulheres, ficaram em hotéis cinco estrelas pagos pela CBF.
Como lembrou o Lance, Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, foi condenado, em agosto de 2000, a seis anos de prisão por prestar informações falsas às autoridades.
Só que a sentença ficou tanto tempo parada no Superior Tribunal de Justiça que prescreveu, e Ricardo Teixeira se livrou da condenação.
Quem fiscaliza as práticas dos magistrados? A mídia deveria fazer isso. Mas quase não faz. Como fiscalizar os passos de alguém que foi classificado como o “menino pobre que mudou o Brasil”, como fez a Veja na época do Mensalão?
Há esparsos esforços de investigação da mídia. Um deles, no calor dos protestos de junho, veio do Estado de Minas.
Assinalou o jornal:
“Com salários na casa dos R$ 28 mil, os ministros do STF têm direito a cota de passagens que deve ser gasta em viagens oficiais, mas pode ser estendida a parentes, quando, diz uma resolução interna de 2010, a presença deles for indispensável. Os magistrados e também os representantes do MP têm ainda benefícios como auxílio-alimentação, licença remunerada para estudar no exterior e duas férias por ano de 30 dias cada – com direito a um terço a mais do salário por período.”
Continuou o jornal:
“Como se não bastassem tantas regalias, alguns ainda têm direito a certos “mimos”, como um “assessor de check-in”, funcionário especializado em agilizar os voos no aeroporto de Brasília de senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). De terno e gravata, ele providencia o cartão de embarque, o despacho das malas e ainda carrega as bagagens de mão. Tudo para evitar que essas autoridades tenham que enfrentar filas ou se misturar aos demais passageiros.”
“Um contraste não só com a rotina do trabalhador, mas também com a dos colegas da Suécia, onde os parlamentares não têm direito a assessores, secretária, carro oficial. Lá, o que lhes cabe é apenas um apartamento funcional de até 40 metros quadrados, com cozinha e lavanderia comunitárias.”
A mídia é leniente na fiscalização a magistrados. O que fazer então?
Claudio Abramo, coordenador da Transparência Brasil, entende que compete à sociedade mesma exercer a fiscalização. A sociedade tem que cobrar firmemente transparência nos gastos públicos, diz ele.
“Esse negócio de ter carro, motorista e regalias paralelas é tipicamente latino. E não é apenas para compensar os salários pagos no setor público. Quem ocupa esses cargos quer ser distinguido como ocupante de um cargo de nobreza, com símbolos exteriores de prestígio”, afirma Abramo.
No mundo, dois homens extraordinários estão dando um exemplo formidável na questão de privilégios.
Mujica e seu fusca são uma inspiração
Mujica e seu fusca são uma inspiração
Um deles é o Papa Francisco, que viajou de classe econômica de Buenos Aires para o conclave que o elegeu para o Vaticano.
O outro é Pepe Mujica, o presidente do Uruguai, que vive em seu sítio modesto e não no palácio presidencial, e dirige seu próprio Fusca.
Quem sabe os homens públicos brasileiros se inspirem em tais figuras?
Enquanto isso não ocorre, para lembrar a boa recomendação de Claudio Abramo, compete à sociedade cobrar transparência, transparência e ainda transparência

Blog do Mario: Gastão Wagner: A Saúde, o SUS e o programa “Mais Médicos”.

Blog do Mario: Gastão Wagner: A Saúde, o SUS e o programa “Mais Médicos”.

Gastão Wagner de Sousa Campos – professor titular de Saúde Coletiva da FCM/UNICAMP.
17 de julho de 2013.

O programa “Mais Médicos” apresentado pelo governo federal é uma tentativa de responder ao movimento social dos últimos meses. O projeto tem quatro propostas principais que objetivariam melhor a qualidade da política pública de saúde e do SUS.

Essa iniciativa levanta temas que merecessem apoio, mas, ao mesmo tempo, traz vários aspectos que não deverão ser apoiados por aqueles interessados no bem-estar dos brasileiros.

Merece nosso apoio o propósito de “contratar” 10 000 médicos para a rede de atenção básica (primária), particularmente, em postos localizados em regiões de grande vulnerabilidade social e sanitária, tanto em municípios pequenos ou médios quanto na periferia dos grandes centros. A extensão da atenção primária à saúde em geral, e da Estratégia de Saúde da Família, para mais de 90% dos brasileiros, nunca foi assumida como meta por nenhum governo federal ou estadual. Vários políticos haviam desistido da Saúde da Família, haviam se encantado com a substituição desse modelo pela demagogia das Unidades de Pronto Atendimento. Então, louvor ao propósito do governo federal de apoiar os municípios para provimento de médicos.



Entretanto, não merece nosso apoio a forma de “contrato” indicada pelo governo. Em realidade, é um contrato ilegal e as condições de recrutamento parecem inventadas para “espantar” os eventuais candidatos. Primeiro, porque se trata de um “contrato” provisório, três anos, prorrogáveis por mais três. O que significa que os médicos deverão deixar todas suas atividades – plantões, consultórios, etc. – para algo que terminará e o deixará com uma mão à frente e outra atrás. O governo federal dá um péssimo exemplo ao insistir em recrutar pessoal de maneira canhestra, a margem da lei, sem segurança ao profissional. As contratações precárias são um dos principais problemas do SUS hoje. Por que não propor uma carreira para os médicos da atenção básica? Uma carreira do SUS, com cofinanciamento da União, estados e municípios. Fazer concursos por estado da federação. Criar um interstício de cinco anos em que o médico estaria obrigado em permanecer no posto. Depois, antes de outro concurso, ele poderia escolher outra localidade ou outro posto. Como ocorre com juízes e promotores, há município sem juiz? A queixa das entidades médicas em relação ao modelo de contratação tem sentido e conduzirá o programa ao fracasso. Além do mais já é hora de criar-se uma política de pessoal decente para o SUS. Temos recursos e proposições factíveis que combinam a cobrança de responsabilidade sanitária, para médicos e outros profissionais, com autonomia profissional.

Merece ainda nosso apoio a preocupação com a formação dos médicos segundo métodos empregados em países com sistemas públicos de saúde, no caso, aumentando estágio na atenção primária ou básica. Merece também nosso elogio a decisão de recrutar uma parte dos médicos da atenção básica segundo normativas compulsórias ou estratégias de indução. Todos os países do mundo têm dificuldade para compor médicos para a atenção primária.

Entretanto, não tem cabimento racional estender-se o curso de medicina para oito anos! O necessário será realizar-se reforma do ensino médico, objetivando formar médicos com formação geral, em clínica e em saúde pública, com estágios práticos em todos os serviços do sistema, inclusive na atenção básica.


Ao invés de acrescentar-se mais dois anos ao já longo curso de graduação seria muito mais simples obrigar que todas as residências, de todas as especialidades, realizassem todo o primeiro ano em unidades básicas de saúde. Nesse caso, durante esse ano, as bolsas de residência seriam aumentadas segundo o piso inicial da carreira dos médicos da atenção básica. Óbvio que com supervisão de professores no local e à distância, por meio das Universidades responsáveis pelos cursos de residência. Para isto, bastaria que MEC e Ministério da Saúde apenas alterassem as normas da residência médica e teríamos esses dois objetivos atendidos: tanto o de melhorar a formação dos médicos, reforçando o caráter integral e humanista, afinal médico lida com gente e não com máquinas, quanto garantindo que entre sete e dez mil médicos, no primeiro ano de residência, estariam na atenção básica, de preferência nas localidades com alta vulnerabilidade. Vale lembrar que, em torno de 90% das bolsas de residentes, são de origem pública. União e estados da federação.

Merece ainda nosso apoio, a ampliação, em torno de dez mil novas vagas, para residência. Particularmente se forem priorizadas residências para médicos de saúde da família e comunidade (generalistas, especializados em atenção primária) e outros especialistas em falta no SUS: anestesistas, psiquiatras, oncologistas, pediatras, entre outros.


Entretanto, não tem cabimento a proposta de ampliarem-se dez mil vagas para graduação médica. O Brasil tem 1,8 médicos por mil habitantes; o Canadá, 1,7; a Inglaterra, 2,4; com mais dez mil médicos se formando ao ano, em menos de uma década, teríamos um número excessivo de médicos. Elemento danoso conforme demonstram caso dos EUA e de Cuba.

Entretanto, de fato, necessitamos de mais médicos, mais vagas nas Faculdades de Medicina, não entre dez a onze mil; mas algo entre três e quatro mil vagas. Nesse caso, o governo e o SUS deveriam apoiar a ampliação da rede de Faculdades Públicas, não há porque estimular a abertura de escolas privadas.


Resta-nos a intenção governamental de “importar” médicos estrangeiros no caso de brasileiros não preencherem a cota necessária. Caso se adotasse a proposta de realizar-se o primeiro ano de residência, em todas as especialidades, na atenção primária, seriam de sete a dez médicos a mais na rede básica! Bem, ainda tendo em vista o modelo de contratação já criticado, parece-nos que a inevitabilidade destas contratações é determinada muito mais pela falta de carreira e possibilidade de remanejamento e promoção ao longo dos anos, do que a outros fatores. Por outro lado, o subfinanciamento crônico do SUS e estímulos fiscais à medicina de mercado fizeram com que, para atender aos 25% de brasileiros com seguro privado, tenhamos 54% dos recursos financeiros gastos em saúde. Isto induziu uma distribuição de médicos distorcida, quase 55% da capacidade de atendimento médico é absorvida pelo setor privado.

Falta SUS, portanto.


O Brasil escolheu o “direito universal à saúde” quando elaboramos nossa Constituição. Trata-se de um princípio de natureza ética, moral, que se transformou em lei. Nossa Lei Maior responsabilizou o Estado e a sociedade pela transformação desse valor abstrato em realidade. Indicou ainda um modelo organizacional para dar concretude a essa aspiração: o SUS.

Falta enfrentar o entrave do subfinanciamento, calcula-se que seria necessário dobrar os gastos com o SUS. De 3,6% do PIB chegar-se a mais de 7%. Falta eliminar o incentivo fiscal e os repasses de orçamento público ao setor privado, cálculos indicam que seriam injetados mais de 20 bilhões de reais no SUS ao ano se isto acontecesse.


Falta realizarmos uma radical reforma do modelo de funcionamento da assistência à saúde em geral e da assistência médica em particular. O SUS é uma adaptação tupiniquim da tradição dos Sistemas Públicos e Universais de Saúde que surgiram na Europa a partir da segunda metade do século XX. Estes países inventaram a atenção primária com base em médicos e enfermeiros generalistas, encarregados do atendimento clínico e preventivo de toda a população e não somente dos pobres. Os hospitais e especialistas funcionam articulados, integrados, em rede com a atenção primária. Os serviços de urgência e de saúde coletiva são complementares.

Falta prosseguir na reforma administrativa e do modelo de gestão do SUS. O SUS está fragmentado, dividido, com políticas e programas diferentes conforme o governo, conforme seja da União, dos estados ou dos municípios. O SUS está dividido entre atenção primária, hospitais, ambulatórios, urgência, saúde mental, etc. O SUS está sendo estraçalhado entre serviços públicos, organizações sociais, fundações, entidades filantrópicas, uma Babel em que não há solução gerencial mágica. O SUS sofre com as mesmas mazelas do Estado brasileiro: ineficiência, privatização de interesses, clientelismo, burocratização. Precisamos, urgente, de uma reforma do modelo de gestão que diminua o poder discricionário do poder executivo e que assegure sustentabilidade e continuidade ao SUS.

Falta, vale insistir, uma ampla e generosa política de pessoal: repensar a formação, carreiras com responsabilidade, condições de trabalho adequadas, e educação permanente.

O Brasil precisa do SUS.

domingo, 21 de julho de 2013

O bombardeio sustentado das manchetes econômicas - Viomundo - O que você não vê na mídia

O bombardeio sustentado das manchetes econômicas - Viomundo - O que você não vê na mídia

O bombardeio sustentado das manchetes econômicas

publicado em 20 de julho de 2013 às 22:24

O PIB cresce 4% ao ano
Por Francisco Lopes, no Valor Econômico, via Vermelho, que publicou em 18.07.2013
O título deste texto não é uma piada, nem uma projeção, nem mesmo a expressão de um desejo. É apenas a constatação de um fato: os últimos números publicados para o Índice de Atividade do Banco Central, o IBC-BR, que pode ser considerado uma aproximação em base mensal para o PIB trimestral do IBGE, indicam claramente que no segundo trimestre de 2013 a economia brasileira estava crescendo ao ritmo de 4% ao ano.
Mas espere um momento! Não foram esses números que repercutiram de forma tão negativa na imprensa, sugerindo até que estamos novamente a caminho da recessão?
Basta olhar os títulos de algumas das matérias publicadas: Indicador do BC mostra país na rota da recessão; Economia tem maior retração desde 2008; Cada vez mais difícil decolar; Bancos oficiais já prevêem crescimento abaixo de 2%; IBC-BR reforça sinais da lenta perda de gás da economia em 2013; Pibinho de inverno.
Na realidade, a única coisa que fica clara aqui é que a mídia especializada e a grande maioria dos analistas da economia parecem sofrer atualmente de um pessimismo obsessivo. De fato a leitura que foi feita dos números do BC configura um caso clássico do que a psicologia cognitiva denomina de viés de confirmação (confirmation bias), que ocorre quando as pessoas só são sensibilizadas por informações que pareçam confirmar suas crenças ou hipóteses, ignorando qualquer evidência em sentido contrário.
Todo esse pessimismo foi produzido apenas pela observação de que a variação percentual de maio sobre abril do IBC-BR com ajuste sazonal foi de menos 1,4%. Acontece, porém, que essa série de variação mensal tem muito ruído. É no mínimo temerário extrair qualquer sinal de direção de movimento com base na observação de um único mês. Além disso, quando usamos dados mensais a introdução do ajustamento sazonal não aumenta muito o poder informativo de uma observação isolada.

No dado mensal o padrão de sazonalidade pode variar muito ao longo do tempo em resposta a uma serie de fatores, como feriados, greves, paralisações ou mudanças institucionais. Sabemos que não existe técnica perfeita de ajuste sazonal, mas com dados mensais as dificuldades ficam ainda maiores.
Se quisermos ter uma ideia precisa do que está acontecendo com uma economia, o caminho mais seguro é trabalhar com variações em doze meses. Mesmo assim uma observação mensal isolada tem que ser vista com cautela. Por exemplo, a variação em doze meses do IBC-BR até maio de 2013 (portanto sobre maio de 2012) foi de 2,28%, mostrando sem dúvida uma desaceleração importante em relação à variação em doze meses de 7,3% até abril.
Note-se, porém, que esse excepcional resultado de abril foi simplesmente ignorado tanto pela imprensa como pela maioria dos analistas de economia. Por outro lado, a variação em doze meses de maio significou aceleração em relação às variações de 1,16% até março e de 0,44% até fevereiro. Que direção de movimento estaria sendo sinalizada aqui?
Existe amplo consenso de que a forma mais segura para se analisar o movimento do PIB é usar dados trimestrais. Não é por outra razão que contas nacionais em toda parte são sempre elaboradas em base trimestral, como acontece também com o nosso IBGE.
O que então pode ser concluído quando os dados do IBC-BR são transformados por média para uma base trimestral? Se compararmos o trimestre composto pelos meses de março a maio de 2013 com o mesmo período de 2012 obtemos uma variação de 3,74%. Podemos notar também que ao longo do ano essa variação em doze meses calculada para grupos sucessivos de três meses só aumentou: 1,55% até janeiro. 1,71% até fevereiro, 2,86% até março, 3,5% até abril e 3,74% até maio.
Para calcular a variação em doze meses do segundo trimestre de 2013 precisaremos ter também uma estimativa para o IBC-BR de junho. Para ser bem conservador, vamos admitir que o número de junho fique 2,5% abaixo do número de maio, repetindo um comportamento observado em 2012. Isto significa um número de junho 5,6% abaixo do de abril.

Nesse caso a variação em doze meses para o PIB do segundo trimestre será de 3,95%. Ou seja, parece grande a probabilidade de que a taxa de crescimento em quatro trimestres do PIB do segundo trimestre fique muito próxima de 4%.
Se isso for também confirmado pelo IBGE (e é difícil imaginar porque não seria), poderemos estar falando de uma variação trimestral na serie com ajuste sazonal do PIB superior a 1%, talvez até próxima de 1,5%. Vai ser bem mais difícil sustentar o pessimismo quando esses números forem publicados em agosto.
Ainda assim, é importante insistir de imediato numa leitura mais precisa dos dados da economia. Afinal ninguém pode razoavelmente desejar que o pessimismo de hoje venha a afetar negativamente decisões empresariais de produzir e investir, comprometendo nosso crescimento futuro.
Francisco Lafaiete Lopes – PhD por Harvard, sócio da consultoria Macrométrica e ex-presidente do Banco Central (BC).

Fraude no Fisco: Só Globopar escapou de testemunhar na Justiça - Viomundo - O que você não vê na mídia

Fraude no Fisco: Só Globopar escapou de testemunhar na Justiça - Viomundo - O que você não vê na mídia
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Dos quinze processos a que Cristina Maris Meinick Ribeiro responde ou respondeu na Justiça Federal do Rio de Janeiro, os donos, sócios ou funcionários de empresas que ela teria beneficiado — ou que foram citadas nos processos — acabaram incluídos como réus ou testemunhas em todos, com uma única exceção: a Globopar, empresa controladora das Organizações Globo, nem foi chamada para testemunhar na ação em que foi citada pelo significativo valor de R$ 600 milhões.
Agora, sete anos depois da autuação da Receita, com o vazamento da existência do processo a Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) abriu apuração criminal preliminar para investigar suspeitas de sonegação.

Cristina Ribeiro era agente administrativa da Receita Federal. Em 23 de janeiro de 2013, o juiz Fabrício Antonio Soares condenou-a a 4 anos e 11 meses no processo no qual ela foi acusada de, através de fraude eletrônica no sistema da Receita, ajudar as empresas Mundial S/A Produtos de Consumo, Forjas Brasileiras S/A e P&P Porciúncula, além de dar sumiço num processo relativo à Globopar.
Como notou o juiz, o processo da Globopar envolvia uma cobrança superior a 600 milhões de reais – 183 milhões de imposto devido, 157 milhões de juros e 274 milhões de multa. Foi resultado do Processo Administrativo Fiscal de número 18471.000858/2006-97, sob responsabilidade do auditor Alberto Sodré Zile. Como ele constatou crime contra a ordem tributária, pelo menos em tese, abriu a Representação Fiscal para Fins Penais sob o número 18471.001126/2006-14.
Fisicamente, os dois estavam anexados.
A existência da cobrança foi primeiro revelada pelo blogueiro Miguel do Rosário, n’O Cafezinho. Posteriormente, Miguel atuou em parceria com tuiteiros e blogueiros, especialmente com O Tijolaço, de Fernando Brito. Especulou-se sobre o sumiço do processo, até a revelação de que Cristina tinha sido condenada pela retirada da papelada relativa à Globo de uma repartição da Receita no Rio.
Rodrigo Vianna, do Escrevinhador, testou a hipótese de que o sumiço teria relação com um acordo entre Globo e o governo Lula, fechado entre o primeiro e o segundo turnos das eleições de 2006.
Fernando Brito, d’O Tijolaço, apresentou uma cronologia importante, reproduzida parcialmente abaixo:
1– A Globo é autuada em 16 de outubro de 2006 por sonegação de impostos devidos pela compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002. Total da autuação: R$ 615 milhões.
2 — No dia 7 de novembro, José Américo Buentes, advogado da Globo, passa recibo de que recebeu cópia da autuação.
3 – No dia 29 deste mesmo mês, a Globo apresentou uma alentada defesa, de 53 páginas, pedindo a nulidade da autuação.
4 — No dia 21/12/06, a defesa da Globo foi rejeitada pelos auditores.
5 — No dia 29/12/2006, o processo é remetido da Delegacia de Julgamento I, onde havia sido examinado, para o setor de Sistematização da Informação, de onde são expedidas as notificações. Uma sexta-feira, anote.
6 — Sábado, 30; Domingo, 31; Segunda, 1° de janeiro, feriado. Dia 2, primeiro dia útil depois da remessa do processo ao setor, a servidora Cristina Maris Meirick Ribeiro, que estava de férias, vai à repartição, pega o processo, enfia numa sacola e o leva embora.
A Globo nega qualquer relação com o sumiço do processo. Em nota, disse que só ficou sabendo da condenação de Cristina pelo “extravio” em 9 de julho deste ano. Acrescentou: “ A Globo Comunicação e Participações não é parte no processo, não conhece a funcionária e não sabe qual foi sua motivação”.
A empresa havia informado, em nota anterior, que não tem qualquer dívida com a Receita relativa ao fato que motivou a acusação de sonegação, a compra dos direitos de TV da Copa do Mundo de 2002. Para a Receita, a Globo usou indevidamente uma empresa de nome Empire no refúgio fiscal das ilhas Virgens britânicas. Investiu nela e, um ano depois, se desfez da empresa. Com o capital, pagou pelos direitos de TV sem recolher os impostos devidos ao Fisco, aplicáveis na compra dos direitos de eventos internacionais.
“A pessoa jurídica realizou operações simuladas, ocultando as circunstâncias materiais do fato gerador de imposto de renda na fonte”, escreveu um funcionário da Receita no processo.
“Todos os procedimentos de aquisição de direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002 pela TV Globo deram-se de acordo com as legislações aplicáveis, segundo nosso entendimento. Houve entendimento diferente por parte do Fisco. Este entendimento é passível de discussão, como permite a lei, mas a empresa acabou optando pelo pagamento”, disse a Globo em nota.
No processo que levou à condenação de Cristina Ribeiro, a Globopar não foi ouvida nem como testemunha. O mesmo não valeu para outras empresas em tese beneficiadas por Cristina.
Como revelou o Viomundo, o dono e dois funcionários da empresa Forjas Brasileiras — incluída na mesma ação em que a Globopar é citada — foram condenados.
Localizamos outros 14 processos que envolvem o nome de Cristina na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
A maioria é por fraude em créditos de compensação tributária. Também há um processo no qual Cristina é acusada de emitir novos CPFs para pessoas com nome sujo na praça. No caso das empresas, há desde multinacionais até loja de material de construção.
Em todos os casos, funcionários, diretores e até presidentes das companhias são réus no processo, exceto no caso da Globopar.
Por sinal, é o único em que foi registrado o furto do processo, já que a maioria das ações é por inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal. O da Globopar é o processo com o maior valor registrado.
Cristina nega tudo e argumenta que a senha dela teria sido usada por outra pessoa.
[Ajude o Viomundo a continuar investigando o caso. Faça uma assinatura]
Todos os processos estão acessíveis no site da Justiça Federal do Rio de Janeiro.
São os seguintes:
1 – 0006497-41.2012.4.02.5101
07ª Vara Federal do Rio de Janeiro
AÇÃO CIVIL PÚBLICA/IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Histórico: Cristina é acusada de adulterar o sistema e trocar o CPF de 12 pessoas que estavam com problemas no Serasa e ficaram com o crédito reabilitado. Entre as pessoas, há uma recepcionista terceirizada que trabalhava com ela na Receita.
2 – 0011843-12.2008.4.02.5101    
20ª Vara Federal do Rio de Janeiro
AÇÃO CIVIL PÚBLICA/IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Histórico: Desdobramento do processo acima. Também são réus dois homens que trocaram o número do CPF e abriram empresas fraudulentas com o CPF novo.
3 – 0013029-31.2012.4.02.5101     
02ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Cor e Sabor Distribuidora de Alimentos
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios para a empresa, que usou para compensação fiscal. É uma empresa que fornece quentinhas para o Governo do Rio.
4 – 0027491-90.2012.4.02.5101     
08ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: TORRE DE PARIS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios para a empresa, que usou para compensação fiscal. Entre os réus está um advogado tributarista.
5 – 0802017-60.2007.4.02.5101   
01ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL/PECULATO
Não há maiores informações sobre este processo
6 – 0803728-66.2008.4.02.5101     
02ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Megadata Computações Ltda
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios para a empresa, que usou para compensação fiscal. Cristina alterou os dados de uma mulher deficiente física que pediu isenção de IPI para um pedido de habilitação de crédito e usou para criar os créditos para a empresa. A Megadata é uma empresa do grupo Ibope e realiza todo o processamento do seguro obrigatório (DPVAT) do país. Um dos réus é Homero Frederico Icaza Figner, presidente da Megadata. Ele é sócio de Carlos Augusto Montenegro.
7 – 0803937-35.2008.4.02.5101     
04ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Banas Calçados e Componentes Ltda
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios para a empresa, que usou para compensação fiscal. A Banas é da cidade de Canindé, no Ceará.
8 – 0806856-31.2007.4.02.5101     
03ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresas beneficiadas: Mundial S/A Produtos de Consumo, Forjas Brasileiras S/A, P&P Porciúncula e Globopar.
Histórico: Caso da Globo já revelado anteriormente.
9 – 0809204-22.2007.4.02.5101  
08ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa Beneficiada: Prevcor Ipanema S/A
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios para a empresa, que usou para compensação fiscal. A Prevcor é uma rede de clínicas de cardiologia no Rio de Janeiro. Eles usaram títulos da Eletrobras que estavam prescritos e com a ajuda de Cristina conseguiram habilitar o crédito de mais de R$ 600 mil.
10 – 0814243-63.2008.4.02.5101     
07ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL/ESTELIONATO
Histórico: Não há dados disponíveis com detalhes da ação. O réu é o advogado tributarista Walmir Antonio Barroso, que possui um grande escritório no Rio de Janeiro.
11- 0814324-46.2007.4.02.5101   
04ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Vicari Indústria e Comércio de Madeira
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação tributária. Este tipo de procedimento exige que a empresa apresente os documentos à Receita para o andamento do processo. No entanto, a empresa foi habilitada a compensar mais de R$ 4 milhões sem entregar nenhum papel. A Vicari é uma empresa de São Paulo que fabrica embalagens e pallets de madeira.
12 – 0814710-76.2007.4.02.5101     
01ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Bem Nutritiva Comércio de Alimentos Ltda
Histórico: Cristina é acusada de criar créditos tributários fictícios para a empresa, que usou para compensação fiscal. A Bem Nutritiva é uma empresa de merenda que fornece para a rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Um dos réus era sócio do Canecão.
13 – 00814711-61.2007.4.02.5101     
05ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: KRONES DO BRASIL LTDA
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação tributária. Ocorre que foi habilitado o crédito de uma empresa do Rio Grande do Sul para uma empresa de São Paulo em uma agência da Receita do Rio de Janeiro. Além disso, os créditos tributários de mais de R$ 8 milhões foram cedidos por uma pequena fábrica de sapatos de Sapiranga (RS), a Musa Calçados, para uma multinacional alemã, gigante no setor de embalagens para bebidas, a Krone. A legislação não autoriza este tipo de cessão. O presidente da empresa alemã, da empresa de calçados e Cristina são réus no processo.
14- 0814756-65.2007.4.02.5101     
07ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: AGRÍCOLA FERRARI LTDA
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação tributária. A Agrícola Ferrari é uma empresa de Passo Fundo (RS) produtora de milho de pipoca, entre outros produtos. Nesta ação, o Ministério Público federal informa que eles identificaram mais de 70 empresas que se beneficiaram do esquema fraudulento.
15 – 0817045-34.2008.4.02.5101     
02ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
AÇÃO PENAL
Empresa beneficiada: Profarma Distribuidora de Produtos Farmacêuticos
Histórico: Cristina é acusada de criar processo falso de habilitação de crédito tributário reconhecido por decisão judicial para compensação tributária. A Profarma teria adquirido créditos tributários da empresa Artur Lange S/A, uma pequena indústria de cosméticos que fica em Turucu (RS). O dono da empresa, Manoel Birmarcker, presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Drogas e Medicamentos, foi absolvido. A Justiça entendeu que a culpa era dos consultores que ele contratou  – e de Cristina.
PS do Viomundo: *TC é experiente repórter investigativo que por enquanto prefere não se identificar.

Kate Epstein: Netflix, quando o entretenimento nos entorpece - Viomundo - O que você não vê na mídia

Kate Epstein: Netflix, quando o entretenimento nos entorpece - Viomundo - O que você não vê na mídia
Netflix e Espionagem
O Admirável Mundo Novo do Banco de Dados
Por Kate Epstein, no Counterpunch
Os vazamentos de [Richard] Snowden e o debate que se seguiu sobre nosso governo [dos Estados Unidos], banco de dados e privacidade levou a mais alusões a [George] Orwell do que eu já havia escutado em minha (admitidamente pós-1984) vida. É difícil não comparar a vigilância constante do século XXI nos Estados Unidos à onipresença do Grande Irmão na visionária novela de 1949. Isso para não mencionar o pensamento duplo que envolve a nossa guerra sem fim, com um inimigo que vive mudando de lugar, para manter a pátria segura (guerra é paz), nossa população carcerária que está explodindo, um aumento de 790% desde 1908 (liberdade é escravidão), e a brutal repressão atual, por parte do governo, a quem fala a verdade e à educação pública (ignorância é força).
Mas o grande Banco de Dados tem um outro lado, que Aldous Huxley previu muito bem em sua distopia de 1932, “Admirável Mundo Novo”. Nessa versão do futuro, o desejo do consumidor, e não o policiamento das ideias, mantém os cidadãos do Estado Mundial na linha, no ano definido não por D.C. mas por A.F., ou “After Ford”(depois de Henry Ford). Chicletes de hormônio sexual, a droga soma para induzir o êxtase (“um centímetro cúbico cura dez sentimentos melancólicos”) e sexo recreativo são incentivados, como também participar das populares “feelies”, que combinam visão, cheiro e tato para criar a última experiência de entretenimento.
De diversas maneiras nós estamos vivendo uma combinação bizarra do monitoramento total de “1984” com a administração das sensações de “Admirável Mundo Novo” na corporatocracia pós-Fordista na qual nossas ações são monitoradas e nossas percepções são administradas o suficiente para determinar nossos desejos e então satisfazê-los como forma de eliminar os dissidentes e esmagá-los.
São corporações como a Booz Allen, afinal de contas, que conduzem o trabalho de vigilância do governo em nosso fantástico, e desregulado, mundo novo.
Apesar de uma das funções de todo esse banco de dados ser a “segurança”, que é uma indústria lucrativa o suficiente por si só, uma função ainda mais lucrativa é entender melhor a tomada de decisão dos consumidores, o que pode ser construído a partir dos mais de 2.8 zettabytes de dados que existem no mundo.
Como os personagens da distopia de Huxley (a grande maioria achava que estava vivendo em uma utopia), nós existimos em uma sociedade saturada de entretenimento. Boa parte desse entretenimento nos é entregue por uma empresa: Netflix, que atende aproximadamente 30 milhões de telespectadores e tem mais audiência do que as tevês a cabo.
Eu pensei em “feelies” e na visão ampla de Huxley, quando ouvi falar da nova estratégia do Netflix para criar conteúdo original, usada pela primeira vez em fevereiro passado com o seriado “House of Cards” – uma estratégia que envolve o uso de bilhões de dados para entender melhor o que seus telespectadores querem ver.
O Netflix, assim como a NSA (Agência de Segurança Nacional), sabe muito sobre nós. Pense o quanto o seu padrão como telespectador revela a seu respeito (o que você assiste, quando assiste, com que frequência interrompe o programa, etc.).
Foi a preocupação com a privacidade na hora de alugar um vídeo que forçou a adoção do Ato de Proteção de Privacidade nos Vídeos, de 1988, depois que os dados sobre o aluguel de vídeos do juiz Robert Bork, indicado para a Suprema Corte, foram publicados em um jornal. O Congresso ficou ultrajado ao ver uma informação tão pessoal tornada pública (considere isso o “metadata” da época), mas a lei não foi atualizada desde então, apesar de certas novidades, incluindo a invenção da internet.
Considere o quanto o Netflix deve saber a seu respeito já que, segundo a GigaOm, ele também coleta dados de localização, informação de aparelhos, metadata de terceiros como o Nielsen e dados de mídias sociais do Facebook e Twitter, além dos mais óbvios data-eventos: mais de 30 milhões de plays por dia, 4 milhões de classificações, 3 milhões de pesquisas e todas as pausas, fast-forwards, rewinds e replays. (Nielsen é a empresa de pesquisa de mercado, criada em 1923 por Arthur Nielsen, que cunhou o termo market share. Ela recolhe informação global sobre o que os consumidores assistem e compram para os anunciantes e clientes corporativos como Coca-Cola, Nestle, Procter & Gamble, Unilever, Walmart, CBS, NBC, News Corp. e Disney).
Essa informação dita há muito tempo que conteúdo o Netflix decide licenciar e recomendar para diferentes espectadores, mas com o seriado “House of Cards” foi a primeira vez que uma empresa usou toda essa informação no processo criativo de produção de um programa de TV.
Tudo começou quando o Netflix percebeu que havia superposição significativa entre grupos de telespectadores que assistiam filmes com Kevin Space e filmes dirigidos for David Fincher do começo ao fim, e telespectadores que adoravam a minissérie ”House of Cards” original da BBC, de 1990. Assinantes assistiram um de dez trailers da série com base nos seus perfis de consumo.
Os produtores também sabiam, a partir do estudo do padrão de comportamento dos espectadores, que lançar os treze episódios de uma vez promoveria e satisfaria o comportamento viciado demonstrado pela audiência alvo. A nova estratégia funcionou: 10% dos assinantes do Netflix viram a série toda nas duas semanas após a estreia, e 80% dos telespectadores consideraram a série “boa” ou “excepcional”.
Na onda do sucesso de “House of Cards”, o Netflix estreou uma nova série, “Orange is the New Black”, na quinta-feira, dia 11 de julho. Apresentada como “hilariante, de cortar o coração e muito elogiada pelos críticos, a série se baseia na história verídica de Piper, uma mulher de classe alta de Nova York que se vê condenada a 15 meses de cadeia em uma prisão de mulheres por um crime que ela cometeu há muito tempo”. O programa realmente recebeu elogios. O San Francisco Chronicle afirmou que a série alcançou “uma nova definição de excelência na televisão”.
Assim como as empresas de varejo como a Target [loja de departamento dos Estados Unidos] sabem quando uma adolescente está grávida antes que os pais dela, através da coleta de uma extensa coleção de dados, os produtores de entretenimento de várias indústrias estão se tornando mais e mais especializados a respeito do potencial que o banco de dados tem para transformar o processo criativo e satisfazer a demanda do consumidor de uma maneira sem precedentes.
A ideia de que algoritmos de computador possam mostrar o que normalmente considerávamos ser criatividade humana única é relativamente nova, mas está se expandindo rapidamente.
Algoritmos que pesquisam, coletam e organizam uma quantidade de dados que cresce exponencialmente já conseguem avaliar textos, compor música que imita Bach tão bem que muitos não conseguem dizer qual é a diferença, e escrever textos jornalísticos sobre eventos nos quais nenhum jornalista esteve presente. (Veja “Can Creativity Be Automated?”).
“Nós sabemos o que as pessoas assistem no Netflix e podemos, com alto índice de certeza, entender qual é o tamanho do público potencial para um determinado programa, com base nos hábitos de programação das pessoas”, disse à revista Wired, em 2012, o diretor de comunicações da Netflix, Jonathan Friedlan. “Nós queremos continuar a ter algo para todo mundo. Mas na medida em que o tempo avança, melhoramos nossa capacidade de entender o que é esse algo para todo mundo que alcança alto grau de resposta”.
Talvez seja ir longe demais comparar esse novo ambiente de entretenimento com os “feelies” e jogos de golfes de obstáculo do “Admirável Mundo Novo”, mas é difícil não ser um pouco cético a respeito de uma indústria tão antenada com as preferências do consumidor que pode até usar algoritmos para criar “O Último Programa de Televisão”.
Apesar da realidade de que estamos diante de crises de proporções drásticas – meio ambiente, economia, problemas sociais e políticos – somos bombardeados pela propaganda de uma realidade totalmente diferente. Em mais de 3.000 propagandas por dia, nos apresentam um mundo no qual o consumidor é soberano, a liberdade de escolha reina e a vida sem dor, com prazer constante, é possível.
Arte e entretenimento que não conseguem agradar o tempo todo, apesar do valor social que possam ter, representam uma parcela cada vez menor em relação ao que a maior parte dos norte-americanos consome.
Enquanto a tecnologia avança, as corporações estão desenvolvendo métodos mais precisos para monitorar nosso comportamento e algoritmos mais inteligentes para organizar esses dados.
No ano passado, a Verizon [companhia telefônica] entrou com um pedido de patente para um tipo de tecnologia de monitoramento que usa câmeras infravermelhas e microfones para seguir e registrar o comportamento do consumidor – comer, fazer exercícios, ler e dormir – nas redondezas de uma tevê ou de um aparelho móvel.
Inserido nas caixas de cabo, nas salas-de-estar dos Estados Unidos, essa ferramenta orwelliana supostamente ajudaria as empresas a nos conhecer um pouquinho melhor.
As empresas de marketing usam monitores de olhos para medir como elementos de propagandas são vistos, retidos e lembrados, e as empresas usam reconhecimento de face em câmeras secretas de outdoors para detectar idade e sexo para apresentar anúncios dirigidos.
Com certeza essas novidades levantam várias das mesmas preocupações com a privacidade suscitadas pelo amplo programa de espionagem da comunidade de inteligência. Quando foi que concordamos em dar todos esses dados pessoais de graça? E sequer sabemos que isso está acontecendo?
Como o fundador e CEO do Netflix, Reed Hastings, disse à Businessweek, “Nós podemos fazer mais cálculos e estatísticas com base em dados para que o Netflix represente mais e mais um lugar para o qual você vai relaxar, escapar”.  Soa quase tão bom quanto a festa “soma” sem ressaca.
Kate Epstein é advogada e ativista. Administra o blog The Lone Pamphleteer.

IstoÉ: O propinoduto do tucanato paulista irrigado com dinheiro da Siemens - Viomundo - O que você não vê na mídia

IstoÉ: O propinoduto do tucanato paulista irrigado com dinheiro da Siemens - Viomundo - O que você não vê na mídia
O esquema que saiu dos trilhos
Um propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas de fachada
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas, em ISTOÉ, sugestão dos leitores H.92 e Mariano
Ao assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um milionário propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos governos do PSDB em São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos trens metropolitanos. Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações públicas na área de transporte sobre trilhos.
Para vencerem concorrências, com preços superfaturados, para manutenção, aquisição de trens, construção de linhas férreas e metrôs durante os governos tucanos em São Paulo – confessaram os executivos da multinacional alemã –, os empresários manipularam licitações e corromperam políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão.
O problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo de investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse.
Pelo contrário. Desde que foram feitas as primeiras investigações, tanto na Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a vencer licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em contrapartida a contratos obtidos.
Somente o MP de São Paulo abriu 15 inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível detalhar como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e que teria drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para abastecer o propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na Europa.
As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia.
Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série 3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos).
À época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.
“A MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina. Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha.
Ainda de acordo com o depoimento, estariam envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente de manutenção do metrô paulista.
Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como os lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da Siemens.
Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.

Além de subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte para o desvio de dinheiro público, o esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB em São Paulo fluía a partir de operações internacionais.
Nessa outra vertente do esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a propina circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais.
Uma dessas transações contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da Siemens, com a participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, através de suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no Uruguai, Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso específico, segundo o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom, uma das integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para implementação da linha G da CPTM.
O acordo incluía uma comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de transportes sobre trilho.
“A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a Leraway e com a Gantown para o pagamento da comissão”, afirma o delator.
As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF, Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki, guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados por empresa na licitação.

Além de subcontratar empresas que serviram de ponte para o desvio de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais
Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no Exterior.
Em 2008, promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e bloquear contas de executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção, descobriram que as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil.
Um dos nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), nomeado pelo então governador tucano Mário Covas.
No período em que as propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca na região de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José dos Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997.
Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo, ele, que era conhecido como “o homem da cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem negado a sua participação em negociatas que beneficiaram a Alstom.

Entre as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade está a de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos na área de transporte sobre trilhos.
Entre as licitações envolvidas sob a gestão do PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências para a manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de manutenção de trens, além de concorrências para aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão de desenvolvimento de sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços complementares.
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também superfaturada.
Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela que ganhasse o certame previamente acertado subcontratasse outra derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os acordos por diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das empresas e referendados por correspondência eletrônica.
No início do mês, a Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília.
Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e criminal integral é assegurada quando um participante do esquema denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações.
Em caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de preços em licitações.

Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões.
“Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente. Estamos denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o deputado estadual do PT João Paulo Rillo.
Raras vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por tantos governos seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do País, mesmo com réus confessos – no caso, funcionários de uma das empresas participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de depoimentos contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo menos 15 processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração profunda sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo.
No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres públicos.

Amaury Ribeiro Jr.: Documentos das Ilhas Virgens sobre Globo e Fifa comprovam que MPF prevaricou - Viomundo - O que você não vê na mídia

Amaury Ribeiro Jr.: Documentos das Ilhas Virgens sobre Globo e Fifa comprovam que MPF prevaricou - Viomundo - O que você não vê na mídia
por Conceição Lemes
Nessa quinta-feira 18, a Folha de S. Paulo publicou reportagem assinada por Cátia Seabra e Fernando Mellode, afirmando que:
O Ministério Público denunciou o jornalista Amaury Ribeiro e outras quatro pessoas acusadas de quebras pelo sigilo de pessoas ligadas a José Serra em 2009. A Procuradoria pediu ainda a abertura de inquérito para identificar mentores da ação.
Em 2010, quando Serra enfrentou Dilma Rousseff na corrida pela Presidência, dados sigilosos do ex-ministro tucano Eduardo Jorge foram encontrados num dossiê em posse da equipe da pré-campanha petista. Segundo investigação da PF, o sigilo de Veronica Serra, filha do ex-governador, também foi quebrado.
“Eu não quebrei sigilo de quem quer que seja”, rebate o jornalista Amaury Ribeiro Jr. “Este processo está quatro anos no Ministério Público Federal. Agora, justamente no dia em que recebo do exterior a documentação sobre o processo contra a Rede Globo por sonegação, lavagem de dinheiro, crime contra o sistema financeiro, utilização de empresas nas Ilhas Virgens Britânicas para pagar à Fifa pelos direitos de transmissão da Copa de 2002, o Ministério Público Federal decide me denunciar.”
“Aliás, essa mesma documentação já havia sido encaminhada ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel”, observa Amaury. “Acho uma coincidência absurda, porque os documentos, que acabo de receber das Ilhas Virgens sobre as movimentações da Globo e da Fifa, comprovam que a cúpula do Ministério Público tucano, ligada a Robalinho, prevaricou feio.”
A denúncia contra Amaury foi feita pelo procurador José Robalinho Cavalcanti, do 2º ofício criminal do Ministério Público Federal, em Brasília.
O  dr. Robalinho é filho do médico Guilherme José Robalinho Cavalcanti, ex-secretário municipal de Saúde de Recife.
Em 2008segundo o JusBrasilo juiz Frederico Koehler, da 2ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, recebeu ação por  improbidade administrativa contra Guilherme Robalinho devido a irregularidades ocorridas na implantação do Programa Leite é Saúde, que fazia parte de um convênio entre o Município do Recife e a União Federal, com o objetivo de atender aos desnutridos e às gestantes sob risco nutricional.
Em matéria publicada pelo Estadão em 2006, a advogada Marília Cardoso disse que” Guilherme Robalinho foi várias vezes citado em depoimentos de envolvidos na Máfia dos Vampiros. Robalinho, que tinha bom relacionamento com o então ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB), teria um suposto envolvimento com um dos representantes da multinacional suíça Octapharma, Jaisler Jabour, também denunciado na Máfia dos Vampiros, que teria financiado campanhas políticas em Pernambuco”.
“O dr. Robalinho deveria se declarar impedido de atuar no meu caso devido às ligações do pai dele com José Serra, que é alvo das investigações no meu livro. Tenho muitas provas que comprovam a ligação. Vou apresentá-las na minha defesa na hora certa”, afirma Amaury. “Estou pronto para briga. Carregado de munição para implodir a ala tucana que se apoderou do Ministério Público. Não vai sobrar nenhuma pena.”
O premiadíssimo Amaury Ribeiro (que, por precaução, já repassou cópias de todo o material recebido para outras pessoas de sua confiança), acrescenta:
“Se esse procurador queria me expor na mídia para agradar seus amigos, aviso: isso não me atinge mais. Até tiro de traficante já levei. Sou honesto, com  trabalhos prestados à sociedade no combate à injustiça social. E, acima de tudo, um sobrevivente, que sobreviveu com sucesso (200 mil livros vendidos) ao bombardeiro da imprensa canalha nas últimas eleições. Será que ele e seu pai Robalinho têm o mesmo preparo? Vamos ver. A batalha só está recomeçando com uma diferença: estou mais forte, com milhares de brasileiros que me apoiam do fundo de seus corações”.
OS RESULTADOS DOS PROCESSOS DE RUI FALCÃO E JOSÉ SERRA CONTRA AMAURY
A propósito da denúncia do MPF, Amaury Ribeiro Jr. atenta:
1) Como eu havia mencionado em depoimento à Polícia Federal e no Privataria Tucana, a história do grupo de inteligência não foi uma invenção do atual presidente do PT, Rui Falcão, que compilou dados do livro do meu computador (Folha, por favor, não são dados sigilosos).
Esses dados foram entregues à Veja por Falcão e o ex-ministro Antônio Palocci com o propósito de derrubar Fernando Pimentel e Luiz Lanzeta do comando da campanha da então candidata à presidência da República, Dilma Rousseff.
Ruy Falcão me processou. E o que aconteceu? A Justiça julgou que havia provas suficientes que mostravam que eu estava dizendo a verdade.
Em outras palavras, eu tenho agora o aval da Justiça para dizer que o presidente do partido da presidenta do país traiu seus próprios companheiros.
2) O personagem principal do livro Privataria Tucana, José Serra, também entrou com processo na Justiça contra mim por danos morais. Faminto por dinheiro, Serra exigia todos os recursos arrecadados com a venda dos livros. Teve de se contentar com R$ 1.000,00 devido a uma legenda infeliz da publicação. Mas acabou sendo humilhado com a ironia do Juiz, que alegou que Serra não precisava mais de dinheiro, porque já tinha milhões em paraísos fiscais.
3) O caixa de campanha do PSDB, Ricardo Sérgio, também havia se dado mal ao tentar me processar. Além de perder o processo, a Justiça mandou a CPI do Banestado enviar toda papelada que comprova o pagamento de propina do processo de privatização. Diante das sucessivas derrotas, não restou ao PSDB se não entrar com  novo processo em que afirma não ter nenhum vínculo com o ex-piloto dos consórcios das privatizações. Que piada!
4) Em resumo: a Justiça se manifestou várias vezes sobre a fé pública dos documentos publicados no Privataria Tucana. No entanto, o procurador Robalinho, que teve acesso aos autos, não pediu nenhuma investigação para apurar os crimes praticados pelos tucanos.
Por quê? Isso é respondido por um estudo jurídico elaborado por uma empresa internacional de renome contratada pelo autor, que analisou todas as ações impetradas por Robalinho durante sua passagem pelo Ministério Público Federal. O resultado é uma bomba, que será entregue ao Conselho Nacional do Ministério Público no momento certo.
5) Desde pequeno, tenho a convicção, por defender o mais pobres e injustiçados, que sou protegido por uma força divina. Mais uma vez, essa força está me levando em frente. É vitória em cima de vitória. Estou ansioso para ver o resultado final desse processo e de outros que pretendo mover no futuro. Com paciência, paciência e mais paciência, como aconselhou o pai de meu advogado, meu conterrâneo do Paraná, Adriano Bretas.

Carta Maior - Blog das Frases

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19/07/2013

Raízes do Brasil: no levante dos bisturis, ressoa o engenho colonial

Credite-se à elite brasileira façanhas anteriores dignas de figurar, como figuram, nos rankings da vergonha do nosso tempo.

A seleta inclui a resistência histórica à retificação de uma das piores estruturas de renda do planeta.

Ademais de levantes bélicos (32,62,64 etc) contra qualquer aroma de interferência num patrimônio de poder e riqueza acumulado por conhecidos métodos de apropriação.

O repertório robusto ganha agora um destaque talvez inexcedível em seu simbolismo maculoso.

A rebelião dos médicos contra o povo.

Sim, os médicos, aos quais o senso comum associa a imagem de um aliado na luta apela vida, hoje lutam nas ruas do Brasil.

Contra a adesão de profissionais ao programa ‘Mais Médicos', que busca mitigar o atendimento onde ele inexiste.

A iniciativa federal tem uma dimensão estrutural, outra emergencial.

A estrutural incorpora as unidades de ensino à política de saúde pública. Prevê um currículo estendido em dois anos de serviços remunerados no SUS.

Prevê, ademais, investimentos que dotem os alvos emergenciais de estruturas dignas de atendimento.

A ação transitória requisitará contingentes médicos, cerca de 10 mil inicialmente, para servir em 705 municípios onde o atendimento inexiste.

Ou naqueles aquém da já deficiente média nacional de 1,8 médico por mil habitantes ( na Inglaterra, pós Tatcher, diga-se, é de 2,7 por mil).

Enquadram-se neste caso outros 1.500 municípios.

O salário oferecido é de R$ 10 mil.

O programa recebeu cerca de 12 mil inscrições.

Mas o governo teme a fraude.

A sublevação branca incluiria táticas ardilosas: uma corrente de inscrições falsas estaria em operação para inibir o concurso de médicos estrangeiros, sobre os quais os nacionais tem precedência.

Consumada a barragem, desistências em massa implodiriam o plano do governo no último dia de inscrição.

Desferir o golpe de morte com a manchete do fracasso estrondoso caberia à mídia, com larga experiência no ramo da sabotagem antipopular e antinacional.

A engenharia molecular contra a população pobre constrange o Brasil.

Cintila no branco da mesquinhez a tradição de uma elite empenhada em se dissociar do que pede solidariedade para existir: nação, democracia, cidadania.

O boicote ao ‘Mais Médicos’ não é um ponto fora da curva.

Em dezembro de 2006, a coalizão demotucana vingou-se do povo que acabara de rejeita-la nas urnas.

Entre vivas de um júbilo sem pejo, derrubou-se a CPMF no Congresso.

Nas palavras de Lula (18/07):

"No começo do meu segundo mandato, eles tiraram a CPMF. Se somar o meu mandato mais dois anos e meio da Dilma, eles tiraram R$ 350 bilhões da saúde. Tínhamos lançado o programa Mais Saúde. Eles sabiam que tínhamos um programa poderoso e evitaram que fosse colocado em prática".

As ruas não viram a rebelião branca defender, então, o investimento em infraestrutura como requisito à boa prática médica, ao contrário de agora.

A CPMF era burlada na sua finalidade?

Sim, é verdade.

Por que não se ergueu a corporação em defesa do projeto do governo de blindar a arrecadação, carimbando o dinheiro com exclusividade para a saúde?

O cinismo conservador é useiro em evocar a defesa do interesse nacional e social enquanto procede à demolição virulenta de projetos e governos assim engajados.

Encara-se o privilégio de classe como o perímetro da Nação. Aquela que conta.

O resto é sertão.

A boca do sertão, hoje, é tudo o que não pertence ao circuito estritamente privado.

O sertão social pode começar na esquina, sendo tão agreste ao saguão do elevador, quanto Aragarças o foi para os irmãos Villas Boas, nos anos 40, rumo ao Roncador.

Sergio Buarque de Holanda anteviu, em 1936, as raízes de um Brasil insulado em elites indiferentes ao destino coletivo.

O engenho era um Estado paralelo ao mundo colonial.

O fastígio macabro fundou a indiferença da casa-grande aos estalos, gritos e lamentos oriundos da senzala ao lado, metros à vezes, da sala de jantar.

Por que os tataranetos se abalariam com a senzala das periferias conflagradas e a dos rincões inaudíveis?

Ninguém desfruta 388 anos de escravidão impunemente.

Os alicerces do engenho ficaram marmorizados no DNA cultural das nossas elites: nenhum compromisso com o mundo exterior, exceto a pilhagem e a predação; usos e abusos para consumo e enriquecimento.

A qualquer custo.

O Estado nascido nesse desvão tem duas possibilidades aos olhos das elites: servi-la como extensão de seus interesses ou encarnar o estorvo a ser abatido.

A seta do tempo não se quebrou, diz o levante branco contra o 'intervencionismo'.

O particularismo enxerga exorbitância em tudo o que requisita espírito público.

Mesmo quando está em questão a vida.


Se a organização humanitária ‘Médicos Sem Fronteiras' tentasse atuar no Brasil, em ‘realidades que não podem ser negligenciadas', como evoca o projeto que ganhou o Nobel da Paz, em 1999, possivelmente seria retalhada pela revolta dos bisturis.

Jalecos patrulham as fronteiras do engenho corporativo; dentro delas não cabem os pobres do Brasil.
Postado por Saul Leblon às 10:33

FHC e o hábito de esquecer o passado — CartaCapital

FHC e o hábito de esquecer o passado — CartaCapital
por Luiz Gonzaga Belluzzo publicado 18/07/2013 17:05
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso postou (“postou”, interessante essa palavra) em seu Facebook: “Nunca soube de espionagem da CIA”. E acrescentou: “Só poderia saber se fosse com o conhecimento do governo, o que não foi o caso”.
Desde maio de 1999 até os idos de 2002, CartaCapital publicou mais de uma dúzia de capas sobre a intervenção da CIA, do FBI e da DEA na Polícia Federal e nos ditos órgãos de segurança brasileiros. Esse consórcio de bisbilhotagem grampeou até conversas do então presidente da República. Diz o texto da edição nº 97 de CartaCapital: “Assim, enquanto o Brasil tocava o maior negócio privado dos EUA naquele ano, o Sivam, projeto de  1,4 bilhão de dólares, a CIA, órgão de espionagem dos americanos em consórcio com a polícia do Brasil, gravava conversas com o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso”. FHC tem o hábito irrefreável de esquecer o passado.
Não há ingenuidade suficiente para ignorar que os governos e impérios mantêm redes de espionagem em nome da segurança de seus cidadãos, mas, com frequência cada vez maior, com o propósito de garantir os negócios de suas empresas. Em tempos de alta temperatura democrática nos Estados Unidos, ainda à época da Guerra Fria, os “serviços secretos” praticavam suas tropelias e comandavam golpes de Estado nos quintais do Império. Mas eram parcialmente contidos em suas atividades “domésticas” pela vigilância dos Parlamentos e do Judiciário, além  de submetidos a um escrutínio mais rigoroso da imprensa dita independente.
George W. Bush falou grosso depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Editou o Patriot Act, aprovado com o voto do democrata Obama. O Grande Porrete da Liberdade, que outrora desferia golpes na turma de fora, passou a espancar o pessoal da casa. Temos de conceder ao Estado americano a proeza de reabilitar as práticas da justiça nazista e do sistema judiciário de Joseph Stalin: os tribunais secretos ocupados por juízes embuçados.
Não são poucos os que se opõem às restrições à liberdade e à privacidade embutidas na nova legislação, mas a maioria silenciosa cala-se em nome do combate ao terrorismo, embrutecida pelo desprezo que devota à vida e ao patrimônio dos estrangeiros. As revelações de Snowden, o proscrito, apenas deixam a nu o que está inscrito no DNA do Poder Imperial Americano. Em seu outono, o Império do Norte capitula diante dos inimigos da democracia e do Estado de Direito porque as artimanhas dos interesses que os controlam são mais eficazes do que as manhas e os soluços de celebração das liberdades.
As agressões aos direitos alheios são executadas à luz do dia. Nem mesmo há a preocupação de invocar – apenas invocar – algum princípio de Direito Internacional para justificar as tropelias. Os realistas dizem que isso é assim mesmo, nas relações internacionais não há outra regra senão a lei do mais forte.
As diversas esferas da vida social, sobretudo a dos direitos dos cidadãos, os processos de informação e de formação da consciência política e coletiva, os espaços da autonomia individual estão colonizados pela lógica econômica e política de um Império que tenta sobreviver à custa do exercício puro e duro de seus interesses. As reações de Obama diante do golpe no Egito sugerem que, na órbita do Império, a adoção de procedimentos impecavelmente democráticos e o respeito à ordem jurídica não bastam para assegurar a estabilidade dos dirigentes escolhidos pelo sufrágio universal.
O atual governo americano está tornando o país mais parecido com ele mesmo. Uma reconciliação do fenômeno com o conceito, provavelmente a realização final do Estado Totalitário, aquele pesadelo antecipado por George Orwell no livro 1984. Por isso, é preciso coarctar e controlar as instâncias de discussão pública e da informação. A liberdade de opinião não é boa coisa, sobretudo quando começam a naufragar os programas econômicos e sociais recomendados pelos Senhores do Mundo como roteiros infalíveis para o sucesso.
Não faltará quem pretenda acusar de “antiamericanismo” os que hoje resistem e se opõem aos episódios de reafirmação do poder imperial americano. Tratar assim uma questão tão grave e decisiva para o futuro da vida decente neste planeta é inaceitável. É uma forma de “misturar estação” com o propósito de interditar o exame crítico de qualquer processo político, além de desfigurar o debate racional sobre os conflitos contemporâneos, transfigurada numa guerra de preconceitos travada nos baixios da alma humana.
Eram bons os tempos em que a fala do poder ainda exigia os subterfúgios do cinismo.

Carta Maior - Economia - Adeus inflação. E agora?

Carta Maior - Economia - Adeus inflação. E agora?

A inflação vem caindo, independentemente do BC, e continuará caindo, pois refluíram os preços dos alimentos. Mas, atenção, o mercado financeiro vai tentar mais uma vez torcer os fatos e atribuir a elevação da Selic como a responsável pela queda da inflação. Por Amir Khair

Ao final de cada ano o mercado financeiro inicia o processo de ameaça com o fantasma da inflação. Aproveita a sazonalidade característica de maior ritmo inflacionário típico do início de cada ano.

Nesse início há os reajustes e pagamentos no IPTU, IPVA, despesas escolares e contratos com vencimentos de início de ano, visando recompor a inflação ocorrida no ano anterior. É um período favorável para as ameaças de inflação e, ato contínuo pressão ao governo para elevar a Selic.

Neste ano esses arautos do fantasma da inflação tiveram uma ajuda extra importante. Foi o choque climático que reduziu a oferta de vários alimentos in natura, sendo o tomate tomado como símbolo. Isso tudo convergiu para dar suporte a essa campanha conduzida com competência pelos representantes do mercado financeiro, que têm nos principais meios de comunicação, seus propagadores.

O resultado alcançado levou o governo a ceder em sua política de redução das taxas de juros. O Banco Central (BC) que estava acuado, sendo duramente criticado pelo mercado financeiro, resolveu usar mais uma vez a solução milagrosa de elevar a Selic, mesmo sabendo que nenhum banco central no mundo fazia elevações desde setembro de 2012.

Mas nosso BC é especial e lá foi ele subindo a Selic do seu mínimo histórico de 7,25% para até agora 8,5%, prometendo ir além.

O mercado financeiro que antes criticava o BC passou a elogiá-lo, argumentando que ele agora estava reconquistando sua liberdade e passou a ancorar (bonita palavra) as expectativas dos agentes econômicos. A razão todos sabem: quanto mais alta a Selic maior o lucro do sistema financeiro e, quem paga isso é o Tesouro Nacional.

Fato é que o choque agrícola ia naturalmente se dissipar e isso já podia ser captado pela inflação mensal cadente desde janeiro no IPCA de alimentos e bebidas: janeiro 1,99%, fevereiro 1,45%, março 1,14%, abril 0,96%, maio 0,31% e junho 0,04%.

Isso, no entanto, não pesou nas avaliações do BC. Preferiu considerar a inflação acumulada nos últimos doze meses, que era crescente devido à comparação com a inflação mensal deste ano com a correspondente de 2012.

É importante observar o peso que tem os alimentos na inflação. Na composição do IPCA os alimentos e bebidas pesam 25%. Desde maio do ano passado essa inflação ficou acima do IPCA. Caso fosse excluída sua participação, o IPCA nos últimos doze meses girou no entorno de 3,5% ao ano, ou seja, a inflação no Brasil ficou abaixo do centro da meta de 4,5% se não fosse pela inflação de alimentos e bebidas.

Essa constatação questiona a política de usar a Selic para controlar a inflação. Ninguém advoga que a Selic influencia a inflação de alimentos, muito menos a de alimentos in natura, que dependem especialmente da oferta, sujeita a chuvas e trovoadas.

Mas, novamente foi usada a elevação da Selic, como se a inflação fosse cair por ação do BC. Ela vem caindo, independentemente do BC, e continuará caindo, pois refluíram os preços dos alimentos. Mas, atenção, o mercado financeiro vai tentar mais uma vez torcer os fatos e atribuir a elevação da Selic como a responsável pela queda da inflação.

É isso aí! É pena que a presidenta Dilma, que é quem de fato conduz a economia, também tenha caído mais uma vez no engodo do mercado financeiro.

O estrago feito, e que continuará a crescer com novas elevações da Selic, sai caro ao País. Cada elevação de um ponto na Selic causa uma despesa adicional ao governo federal de R$ 27 bilhões. As elevações neste ano atingiram até agora R$ 34 bilhões.

O mercado financeiro ardilosamente pressiona por seus porta vozes, em geral ex-presidentes do BC, para a redução das despesas do governo, para evitar que o BC, sozinho (coitado) tenha que elevar a Selic. Na realidade querem espaço fiscal maior para dar lugar ao aumento das despesas com juros. Assim, vale observar a ginástica que vem fazendo o governo para cortar R$ 12 bilhões. É o mesmo que enxergar uma pulga e não ver um elefante desfilando à sua frente.

A despesa com a elevação dos juros, até a Selic de 8,5%, de R$ 34 bilhões, equivale a uma vez e meia à prevista para este ano com o Bolsa Família, que deve atingir neste ano R$ 23 bilhões. É por isso que vale a crítica de que o governo dá com uma mão os R$ 23 bilhões e retira com a outra R$ 34 bilhões para dá-lo ao mercado financeiro e ao rentismo que alimenta a elite financeira do País.

Nesse sentido todas as políticas econômicas até agora, passando por todos os governos, mantém como traço marcante o domínio do mercado financeiro. E isso em nome da independência do BC. Vale registrar a Selic média ocorrida nas gestões dos diferentes presidentes do BC. Os três primeiros comandaram o BC na fase FHC: Gustavo Loyola 22,6%, Gustavo Franco 24,6%, Armínio Fraga 19,5%, Henrique Meirelles 14,9% e Alexandre Tombini até agora 9,6%.

Uma nova política econômica se impõe para retomar o crescimento baseado na economia real, e não mais sendo pilotada ao interesse do mercado financeiro. Para isso destaco: a) operar a Selic ao nível da inflação, como fazem os demais países; b) emitir moeda para pagar os juros da dívida federal, como fazem os países desenvolvidos; c) deixar o câmbio flutuar, sem interferência do BC.

Com essas três medidas se poderá: a) economizar os recursos hoje destinados ao pagamento de juros (R$ 16 bilhões em média por mês); b) devolver às empresas o poder competitivo que foi retirado com o câmbio artificialmente valorizado pelo BC; c) equilibrar as contas externas e; d) crescer de forma sustentada, com fundamentos macroeconômicos sólidos.

Caso não haja as mudanças, o governo vai continuar remando contra a maré e agravando o quadro fiscal, as contas externas e amargando a semiparalisia econômica.