Ombudsman diz que Folha pratica urubologia
Folha destaca apenas dados negativos da Pnad, apesar de a pesquisa ter apontado aumento de renda em 2012
Suzana Singer
A edição que a Folha fez da pesquisa Pnad, que traça anualmente um  quadro social do país, é um prato cheio para quem acha que o jornal só  publica más notícias. Todos os destaques pinçados no levantamento eram  negativos.
O título na capa informava que "Analfabetismo e desigualdade ficam  estagnados no país" (28/9). Em "Cotidiano", havia o aumento da diferença  de renda entre homem e mulher, os salários inchados pela falta de mão  de obra especializada e o celular como o único tipo de telefone em mais  da metade dos lares. A análise dizia que o resultado da pesquisa pode  significar "o fim da década inclusiva".
Outros jornais optaram por manchetes do tipo uma no cravo outra na  ferradura: "Renda média sobe, mas desigualdade para de cair" ("O  Globo"), "Analfabetismo para de cair no país; emprego e renda sobem"  ("Estado"), "Em todas as regiões houve aumento de renda, mas a  desigualdade ficou estagnada" (Jornal Nacional).
Com seu característico catastrofismo, a Folha fez uma leitura míope da pesquisa,  que é muito importante pela sua abrangência -são 363 mil entrevistados  respondendo sobre escolaridade, trabalho, moradia e acesso a bens de  consumo.
O dado mais surpreendente era que a renda do brasileiro cresceu em 2012,  ano em que o PIB subiu apenas 0,9%. Na Folha, esse fenômeno só foi  citado no meio de uma reportagem sobre a desigualdade.
Coube ao colunista Vinicius Torres Freire, no dia seguinte, chamar a  atenção para o fato de que o Brasil estava mais rico "e não sabíamos".  "É possível dizer que a taxa de pobreza deve ter caído bem no ano  passado", escreveu Freire.
Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de  brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. "No conjunto das  transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos", diz Neri.
A desigualdade parou mesmo de cair, mas foi porque os muito ricos (1% da  população) ficaram ainda mais ricos (a renda subiu 10,8%), num ritmo  mais rápido do que os muitos pobres (10% na base da pirâmide) ficaram  menos pobres (ganho de renda de 6,4%). É claro que não se deve desprezar  o abismo social, mas não dá para ignorar que houve uma melhora geral no  ano passado, o que é um mistério a ser explicado pelos economistas.
Se o jornal subestimou o dado da renda, deu espaço demais para o fato de  o analfabetismo ter parado de cair. Teve nesse ponto a companhia dos  outros jornais e da TV.
Depois de 15 anos de queda contínua, a taxa de analfabetismo variou de  8,6% para 8,7%. A diferença, irrisória, pode ser apenas uma flutuação  estatística. Nem o fato de a taxa ter parado de cair é importante,  segundo os especialistas.
Os analfabetos brasileiros concentram-se, principalmente, na faixa  etária mais alta (60 anos ou mais). Os mais velhos, que não tiveram  acesso à escola na infância, são mais difíceis de serem alfabetizados.  "Entre os jovens, a proporção de analfabetos continua caindo. A  conclusão é que, embora nossa educação tenha muitos problemas, este não é  um deles", explica Simon Schwartzman, 74, presidente do Iets.
O destaque dado à diferença entre a remuneração de homens e mulheres  também foi descabido. Em 2011, a brasileira recebia 73,7% do salário de  um homem. No ano passado, era 72,9%.
Além de não ser uma variação muito significativa, pode ser um problema  amostral. "As mulheres não estão necessariamente ganhando menos do que  os homens. Se elas já têm uma renda média menor, basta crescer a  participação feminina no mercado de trabalho para aumentar a diferença  entre os sexos", afirma Marcio Salvato, 44, professor de economia do  Ibmec.
Entre os bens de consumo, o jornal destacou o celular e as motos.  Wasmália Bivar, 53, presidente do IBGE, ressalta a máquina de lavar  roupa, presente em 55% das casas. "Para a vida das famílias mais pobres,  é um bem de grande significado, porque dá mais tempo livre para as  mulheres."
Não é fácil escolher o que há de mais relevante em uma pesquisa extensa  como a Pnad, mas não dá para adotar o critério dos piores números. O  jornalismo deve ter como primeira preocupação o que vai mal, apontar os  problemas, só que o necessário viés crítico não pode impedir que se  destaque o que é de fato o mais importante.

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