O ATUAL NIILISMO SERÁ A CALMARIA QUE ANTECEDE A EBULIÇÃO?
Ao que se deve o atual niilismo, que permeia a postura dos brasileiros diante de tudo?
A resposta a tal indagação pode desvendar os mistérios que resultam na apatia do comportamento social dos brasileiros neste ano eleitoral de 2018.
O atual niilismo social se traduz numa descrença completa no que está posto e numa visão pessimista sobre o que virá; decorre de uma sucessão de governos de orientações políticas mais à direita, centro ou à esquerda, que se alternam no poder e terminam sempre por igualar-se nas suas práticas político-administrativas.
Nada mais keynesiano do que um governo neoliberal na crise econômica; nada mais neoliberal do que um governo keynesiano na ascensão capitalista.
Sob a égide do capital os governantes, tais quais os surfistas, equilibram-se nas ondas, mas não têm a menor condição de modificar a intensidade e natureza destas mesmas ondas. Não governam, mas são governados por uma lógica ditatorial que lhes é subjacente e que os enquadra em posturas administrativas ou legislativas que pouca ou quase nenhuma diferenciação mostram no ato de governar ou legislar.
Por seu turno, o indivíduo social transformado em cidadão espoliado pelo sistema capitalista e pelo Estado, ente jurídico que ingenuamente acreditou ser seu protetor acima da forma de mediação social estabelecida (a produção de valor como forma de sustento individual e coletivo), sente que o que temos como estrutura social está absolutamente decomposto, mas não tem esperança e crença em algo que o substitua a contento.
Qualquer pesquisa de opinião pública que se faça no sentido de se apurar o conceito dos políticos indicará a completa decepção com relação a todos aqueles que os representam nos dois segmentos políticos, o administrativo e o legislativo.
O processo eleitoral, como já escrevi noutros artigos, traduz-se na escolha pelo cidadão dentre aquilo que já lhe foi previamente escolhido. Recentemente, num programa da Globonews, causou risos e obteve a concordância dos jornalistas um comentário no sentido de que a eleição seria como um um restaurante no qual se pode escolher qualquer prato, desde que conste do cardápio.
É graças a isto que o voto (no Brasil, obrigatório) é o exercício de legitimação pelo cidadão de um poder que lhe é estranho e opressor. Daí a Justiça Eleitoral gastar milhões de reais para incutir na cabeça de todos que o voto é um direito.
Se um dia a reivindicação do voto para todos e com o mesmo peso representou um avanço diante do absolutismo feudal (no qual um monarca a quem se atribuía poderes divinais representava o Estado e a Lei acima de qualquer súdito), disto não decorre automaticamente que o processo eletivo democrático burguês seja verdadeiro aferidor da soberania da vontade popular, nem que ele resulte em benefícios para o povo.
O processo político-eleitoral, qualquer que seja a estrutura política governamental, é corrupto e corruptivo até a medula.
Noutro dia, participando de uma conversa de um grupo heterogêneo de pessoas que haviam se reunido por acaso, e que não me conheciam ou ao meu passado, deparei-me com opiniões que devem grassar em muitos outros grupos de igual formação.
Aqueles de pensamentos mais conservadores (e que pareciam ser a maioria do grupo) externavam a sua satisfação em atribuir o tradicional caos brasileiro, agora acentuado, ao desgoverno do PT e à corrupção; já aqueles de pensamentos mais à esquerda ( que pareciam estar em minoria) tentavam justificar o caos fazendo uma analogia aos governas militares e aos governos civis de Sarney, Color de Melo e FHC, que em nada melhoraram a vida do brasileiro comum, além de, ao mesmo tempo, apontarem as melhorias sociais sob os governos Lula e Dilma.
Eu, que permanecera calado observando o desenrolar daquela conversa cujo teor é hoje muito comum, não pude deixar de manifestar a minha opinião no sentido de que as duas vertentes de pensamento estavam equivocadas.
Afirmei que qualquer governante que venha a assumir a direção político-administrativa do país estava previamente submetido às intempéries atuais da economia que é quem governa, cabendo a estes apenas o seguinte:
a) administração acadêmica da condução da economia nas suas correntes neoliberal, keynesiana, ditatorial estatizante, teocrática, etc;
b) administração da escassez de recursos;
c) administração da impagável dívida pública e seus juros escorchantes;
d) administração do déficit previdenciário, cada vez maior por força do desemprego estrutural;
e) repressão caótica da violência urbana causada pela desestruturação social, fruto da baixa renda e do desemprego;
f) implementação cada vez maior da cobrança de impostos a uma população exaurida, numa tentativa inglória de assegurar maior governabilidade.
Diante de tal interferência, todos se voltaram contra meus argumentos, afirmando que, já que eu era contra tudo e contra todos, apontasse a saída.
Não queria eu aprofundar a discussão sobre tal tema num sábado de carnaval, pois isto envolveria uma avaliação mais complexa de todos os fatores históricos e atuais do desenvolvimento capitalista que agora encontrou a seu ponto de declínio irremediável.
Minha reticencia em discutir ocorreu porque minha filha havia me pedido para evitar azedar o ambiente, não entrando em qualquer provocação nem levantando as minhas estranhas teses.
Então, para encerrar o papo e poder fugir de uma discussão que se prenunciava acalorada e infrutífera (principalmente sob os efeitos etílicos), disse apenas que, para resolver o problema, teríamos de abolir o dinheiro.
Diante do estupor de todos diante daquela assertiva que mais parecia uma heresia fora de cogitação, a reação grupal foi a de que eu estava a propor algo fora da realidade, impossível de se concretizar e, portanto, fora da discussão.
Assim, como um herege diante de crentes, pude me levantar e sair da roda para tomar uma caipirinha e comer uma pesada feijoada, mas bem mais leve do que as concepções preconcebidas e equivocadas das duas correntes que formavam a discussão que eu presenciara.
O DECEPCIONANTE LEGADO DAS ADMINISTRAÇÕES DE ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA – Nada é mais penoso quando se quer atingir um objetivo do que a falta de meios para tanto.
É como se jogar um jogo de futebol com regras parciais que beneficie apenas um dos contendores, do tipo:
a) qualquer falta cometida em qualquer lugar do campo seria pênalti para o mandante, enquanto que somente seria marcado pênalti para o visitante quando a falta fosse cometida dentro da pequena área;
b) cada gol valeria por dois para o mandante, mas dois gols valeriam apenas um gol para o visitante; e assim por diante.
Podemos adequar a metáfora acima à administração socialista de um país cuja mediação social seja feita a partir das categorias capitalistas.
O caso mais flagrante e atual da ingovernabilidade de um pais com norte socialista e mecanismos capitalistas de mediação social é a experiência da Venezuela.
Trata-se hoje de um país ditatorial, militarizado, estatizante, pretensamente anticapitalista e anti-imperialista, mas que, contudo, baseia a sua vida social em critérios capitalistas. Ou seja, lá estão presentes todas as categorias capitalista fundantes, como o trabalho abstrato, o mercado, as mercadorias, o dinheiro (espécies do gênero forma-valor), e seus instrumentos de apoio como Estado e suas instituições, a política, etc.
Ora, o principal comprador do petróleo Venezuelano eram os Estados Unidos, seu inimigo nº 1 declarado; e, como ocorre com todos os países exportadores de matéria-prima, as oscilações do preço do petróleo (sua mercadoria preponderante) no mercado determinam a capacidade financeira do governo e da economia como um todo.
A Venezuela é um exemplo vivo do que estamos falando, e tem tudo para cair nos braços da capital liberal num futuro breve, provocando ainda mais a descrença em qualquer alternativa fora do capitalismo.
A dependência de tudo e de todos à economia e seus dissabores, sem que aparentemente possamos dela nos livrar (para muitos viver fora da economia mercantil é como se querer viver sem tomar água, p. ex.), é a causa do niilismo atual.
É como se, diante de impossibilidade de saída social coletiva, cada um tomasse a iniciativa de salvar a própria vida (cada um por si e Deus por todos...), inexistindo força gregária social capaz de unir todos os sentimentos de frustrações e alternativas sociais emancipatórias num movimento indestrutivelmente forte.
Por Dalton Rosado |
Neste sentido, as administrações petistas e outras de igual teor na América latina (vide as medidas de governo adotadas na Nicarágua pelo outrora revolucionário sandinista e atual presidente Daniel Ortega) representaram um retrocesso na luta do povo por franquias sociais emancipacionistas.
Mas tal niilismo não há de durar para sempre, podendo o marasmo se transformar em revolução verdadeiramente emancipacionista.
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