Terrorismo fundamentalista não é novidade na favela
por Dodô Azevedo, na FSP
Com o atentado à produtora Porta dos Fundos, a classe média foi apresentada ao terrorismo fundamentalista.
Um alvoroço. Onde vamos parar? Corram para as montanhas.
Na favela, hoje é apenas mais um dia de corre. De tocar a vida, não chegar atrasado no emprego, não chegar atrasado na fila de desempregados, descolar um bico, criar as crianças, pegar o busão e garantir o da janta.
Fundamentalismo religioso? Quem mora na favela sofre em sua rotina. Especialmente se for adepto de alguma religião de matriz africana.
O número de ataques a terreiros de Umbanda e Candomblé aumentou em 2019.
Zero comoção da classe média.
Há dez dias, a estátua da Baiana do Acarajé foi incendiada em Salvador.
Zero comoção da classe média.
O ataque ao grupo Porta dos Fundos foi um ataque à liberdade de expressão?
Pois na favela o direito de expressão segue esmagado entre traficantes evangélicos e a polícia que invade bailes funk.
Grupo de Integralistas conservadores terroristas é uma novidade no Brasil?
Não é. E quem tem a pele mais escura sabe disso desde que nasceu. Tenta chamar atenção para isso desde que nasceu.
Tenta ser visível.
No filme sul-coreano Parasita, uma família de classe média alta aproveita um temporal para passar uma noite aconchegante em casa. Ao mesmo tempo, em uma favela de Seul, uma família pobre vê a enxurrada alagar toda a sua casa e destruir o pouco que tinham.
No dia seguinte, a família pobre, ela toda empregada doméstica da família rica, ouve da patroa
– Ainda bem que choveu. Estava um calor insuportável.
O atentado terrorista ao Porta dos Fundos só não teve consequências mais graves porque o vigia noturno da produtora apagou o princípio de incêndio.
A faixa salarial de um vigia noturno CBO 5174-20 fica na casa dos R$ 1.201,50 mensais.
O vigia muito provavelmente mora em uma área da cidade onde ataques à liberdade de expressão, de ir e vir, e/ou de cunho religioso, são rotina.
Essa rotina cuja invisibilidade está na base do funcionamento deste neoliberalismo fracassado; do Chile à Coréia.
Pouco adianta prender e punir os terroristas que atacam a classe média sem dar o mesmo tratamento à seus equivalentes nas quebradas do país.
Mas, pedir por igual tratamento virou vitimismo.
Causa zero comoção.
Je suis Porta dos Fundos. Mas temos que ser também todos os terreiros de candomblé, todos os bailes funk, todas as vítimas de homofobia nas favelas.
É mais fácil ser apenas Porta dos Fundos? É. Em breve encontram os terroristas, os enquadram e pronto, estamos liberados para pensar nas tendências do verão 2020. Talvez até nos bloquinhos do carnaval encontremos algum hipster fantasiado de Integralista.
Difícil, hoje, é ser do candomblé na favela. É olhar pelo ódio ao funk. É ser viado, sapatão ou transgênero nas periferias onde o fascismo já existe e ninguém se importa.
Assustados, surpresos, em transe, vemos o mundo dos desprivilegiados invadir nossa bolha.
E não há solução para o transe que não seja o entendimento do todo. Do tempo e do espaço urbano. E da dimensão comum de nossa condição.
O único caminho é o que dá mais trabalho.
Sem seguí-lo, aí sim: onde vamos parar?
Um alvoroço. Onde vamos parar? Corram para as montanhas.
Na favela, hoje é apenas mais um dia de corre. De tocar a vida, não chegar atrasado no emprego, não chegar atrasado na fila de desempregados, descolar um bico, criar as crianças, pegar o busão e garantir o da janta.
Fundamentalismo religioso? Quem mora na favela sofre em sua rotina. Especialmente se for adepto de alguma religião de matriz africana.
O número de ataques a terreiros de Umbanda e Candomblé aumentou em 2019.
Zero comoção da classe média.
Há dez dias, a estátua da Baiana do Acarajé foi incendiada em Salvador.
Zero comoção da classe média.
O ataque ao grupo Porta dos Fundos foi um ataque à liberdade de expressão?
Pois na favela o direito de expressão segue esmagado entre traficantes evangélicos e a polícia que invade bailes funk.
Grupo de Integralistas conservadores terroristas é uma novidade no Brasil?
Não é. E quem tem a pele mais escura sabe disso desde que nasceu. Tenta chamar atenção para isso desde que nasceu.
Tenta ser visível.
No filme sul-coreano Parasita, uma família de classe média alta aproveita um temporal para passar uma noite aconchegante em casa. Ao mesmo tempo, em uma favela de Seul, uma família pobre vê a enxurrada alagar toda a sua casa e destruir o pouco que tinham.
No dia seguinte, a família pobre, ela toda empregada doméstica da família rica, ouve da patroa
– Ainda bem que choveu. Estava um calor insuportável.
O atentado terrorista ao Porta dos Fundos só não teve consequências mais graves porque o vigia noturno da produtora apagou o princípio de incêndio.
A faixa salarial de um vigia noturno CBO 5174-20 fica na casa dos R$ 1.201,50 mensais.
O vigia muito provavelmente mora em uma área da cidade onde ataques à liberdade de expressão, de ir e vir, e/ou de cunho religioso, são rotina.
Essa rotina cuja invisibilidade está na base do funcionamento deste neoliberalismo fracassado; do Chile à Coréia.
Pouco adianta prender e punir os terroristas que atacam a classe média sem dar o mesmo tratamento à seus equivalentes nas quebradas do país.
Mas, pedir por igual tratamento virou vitimismo.
Causa zero comoção.
Je suis Porta dos Fundos. Mas temos que ser também todos os terreiros de candomblé, todos os bailes funk, todas as vítimas de homofobia nas favelas.
É mais fácil ser apenas Porta dos Fundos? É. Em breve encontram os terroristas, os enquadram e pronto, estamos liberados para pensar nas tendências do verão 2020. Talvez até nos bloquinhos do carnaval encontremos algum hipster fantasiado de Integralista.
Difícil, hoje, é ser do candomblé na favela. É olhar pelo ódio ao funk. É ser viado, sapatão ou transgênero nas periferias onde o fascismo já existe e ninguém se importa.
Assustados, surpresos, em transe, vemos o mundo dos desprivilegiados invadir nossa bolha.
E não há solução para o transe que não seja o entendimento do todo. Do tempo e do espaço urbano. E da dimensão comum de nossa condição.
O único caminho é o que dá mais trabalho.
Sem seguí-lo, aí sim: onde vamos parar?
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