sábado, 27 de agosto de 2011

Martin Wolf: Aproveitar a oportunidade para reformar a mídia | Viomundo - O que você não vê na mídia

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Martin Wolf: Aproveitar a oportunidade para reformar a mídia

July 14, 2011 11:25 pm

Seize the chance for media reform

By Martin Wolf, no Financial Times

Crianças intimidadas cercando o valentão do parque — este é o espetáculo no Reino Unido desde que o escândalo da violação dos telefones pelo [tablóide] News of the World explodiu. Como um dos que faz tempo acreditavam que a influência de Rupert Murdoch na vida pública do Reino Unido era intolerável, estou encantado com essa mudança. Mas ódio não é suficiente. O Reino Unido deve aproveitar a oportunidade para reconsiderar a estrutura e a regulamentação de sua mídia.

A mídia é um negócio. Mas não apenas um negócio. Não apenas reflete, mas também modela, a opinião pública e assim possui uma imensa influência política. É por isso que ditadores buscam controlar a mídia e políticos democratas buscam usá-la. Uma pessoa com controle sob uma porção substancial da imprensa e da televisão exerce grande influência sobre a vida pública, sem prestar contas. Esta é (ou pelo menos era) a posição da News International, [a empresa] do sr. Murdoch.

Alguns poderiam argumentar que, ainda assim, é melhor deixar a questão da propriedade para o mercado e a questão do conteúdo sob os direitos da liberdade de expressão, sujeitos apenas às leis da difamação ou invasão de privacidade. A mídia tem uma relação íntima com o funcionamento da democracia ou, em outras palavras, com a capacidade das pessoas de desempenharem seus papéis de cidadãos ativos.

Somos tanto consumidores quanto cidadãos, indivíduos com vidas privadas e participantes da vida pública. Liberais clássicos, que assumem que o papel do estado deveria ser circunscrito de forma estreita, enxergam na mídia não mais que uma arena para gladiadores comerciais. Mas, nas palavras de Aristóteles, o homem é um “animal político”. Precisamos tomar várias decisões juntos. No Ocidente fazemos isso através de um estado governado pela lei e responsável perante os governados. Assim, este é um governo do debate permanente. A mídia é o forum para a política democrática. E é por isso que ela é importante.

Diversidade de mídia requer diversidade de propriedade. Mas forças econômicas podem gerar um grau de concentração incompatível com a diversidade desejada. Políticos vão se descobrir rastejando diante dos proprietários que controlam a sua comunicação com o público. Nos piores casos, o proprietário pode de tal forma torcer e distorcer esta comunicação necessária de forma a transformar a vida pública. Eu diria que o populismo direitista da rede Fox fez isso nos Estados Unidos. Isso não deveria acontecer no Reino Unido.

Ainda assim, paradoxalmente, um proprietário poderoso, como o sr. Murdoch, pode também promover diversidade. O Times — um jornal decente — existe hoje porque é subvencionado pela News International. Essa necessidade de ajuda parcialmente reflete a situação econômica dos negócios jornalísticos, quando a internet devasta os modelos de negócio tradicionais, baseados em publicidade.

Se ver a mídia da mesma forma como vemos o armazém é um erro grave, é igualmente enganoso ignorar o lado dos negócios da mídia. A mídia precisa de financiamento. Se os fundos não vierem do mercado, precisam vir de algum lugar. Isso, também, cria perigos, e o domínio pelo estado não é o menor deles. Cada país terá de conseguir seu próprio equilíbrio, alerta quanto aos dilemas, particularmente em uma era de profundas mudanças tecnológicas.

O que agora é necessário é um reexame amplo do papel e da regulamentação da mídia no Reino Unido. Acima de tudo, qualquer conclusão dessa revisão precisa explicitamente incluir um compromisso com novas mudanças no futuro, para dar conta das atuais transformações na tecnologia e no ambiente de negócios. Tal revisão ampla deveria olhar para: as leis de privacidade e difamação; regulamentação da imprensa; concentração da propriedade por veículos e sobre diferentes mídias; papel da mídia pública; financiamento público da mídia em geral e da produção de notícias em particular.

Minhas posições preliminares são: a privacidade dos sem-poder precisa de mais proteção e os malfeitos dos poderosos, de menos; a compensação por cobertura maliciosa precisa ser mais dura, ainda que preservando a liberdade de expressão; regras para a propriedade cruzada da mídia deveriam ser muito mais duras, com a posição estabelecida da News Internacional tanto em jornais como na televisão descartada a priori; o país deveria continuar a apoiar a BBC através de financiamento estável, porque ela define a noção do interesse público; e deveríamos considerar se a necessidade pública por notícias e opinião de alta qualidade merecem apoio público.

Vivemos tempos extraordinários. Mas eles são também, largamente, tempos de um acesso de ódio contra aqueles que foram humilhados pela imprensa de Murdoch. A planejada investigação de duas partes do primeiro-ministro [David Cameron] no escândalo das violações telefônicas e questões relacionados cobrem muitas, embora nem todas, as questões necessárias.

Não basta acertar as contas com o valentão do parque, ainda que os desvios de compartamento dele tenham sido tão ofensivos. É essencial desenhar as estruturas de regulamentação que preservem a liberdade da mídia, ao mesmo tempo contendo os abusos, inclusive a concentração de poder sem responsabilidade. A mídia é muito importante para ficar à mercê de políticos ou juizes. Mas também é muito importante para ficar à mercê dos proprietários concentradores. O Reino Unido tem uma oportunidade de ouro para encontrar um equilíbrio. Se fizer isso, o escândalo ainda pode render frutos.


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